Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01191/11.0BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA – PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA – INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sumário:I- O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A.

II- O princípio da concentração da defesa exige que esta seja deduzida, totalmente, na contestação, salvo os casos de exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de efetuar a mencionada dedução.

III- O legislador, no artigo 33º, nº. 3 e 4 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, não exprimiu a vontade de se entender no sentido da desnecessidade de apresentação da documentação associada a um ou mais pontos da ordem de trabalhos em função de uma eventual menor dignidade dos assuntos ali tratados.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CÂMARA DOS SOLICITADORES
Recorrido 1:F.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
CÂMARA DOS SOLICITADORES, com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanado no âmbito da Ação Administrativa Especial contra si intentada por F., também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação procedente, e, consequentemente, anulou a “(…) Assembleia-Geral da Câmara dos Solicitadores, realizada em 29 de abril de 2011 bem assim como as deliberações nela proferidas (…)”.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
I. Ao afirmar que o autor não teve acesso aos documentos de suporte da Assembleia Geral de 29 de abril de 2011, a sentença incorre em nulidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
II. Ao não selecionar e dar como provado o facto descrito no artigo 35.° da petição inicial, suportado pelo documento junto aos autos pela CÂMARA DOS SOLICITADORES em 6 de novembro de 2011 e pela falta de negação da respetiva veracidade por parte do autor, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, mais violando o artigo 511.°, n.° 2, do Código de Processo Civil vigente à data por não selecionar toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa (atualmente os temas de prova), segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito.
III. Ao julgar como não provado que " Caso o autor tivesse pretendido consultar os documentos em causa, sempre o poderia ter igualmente feito imediatamente antes ou durante a Assembleia Geral, já que os documentos estavam aí disponíveis para consulta", quando existe nos autos documento autêntico que afirma o contrário (cfr. a certidão da ata da reunião de Assembleia Geral), o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 363.°, n.° 2, e 371.°, n.° 1, do Código Civil, à luz dos quais o facto em causa deveria ter sido julgado como provado.
IV. Ao julgar como não provado que "A disponibilização na respetiva página oficial, em área reservada, dos documentos a apreciar em Assembleia Geral foi adotada para a Assembleia Geral em causa" e que "As comunicações remetidas aos interessados permitiram, através do site, o acesso e conhecimento de toda a documentação relevante que seria objeto de discussão durante a Assembleia Geral”, quando da certidão da ata da reunião de Assembleia Geral resulta precisamente o contrário, em termos que não foram questionados pelo autor, pela testemunha que arrolou, ou por qualquer outro solicitador na reunião havida, e quando resulta do documento junto aos autos pela CÂMARA DOS SOLICITADORES em 6 de novembro de 2011, em termos que não foram contrariados pelo autor, que este foi informado de que a documentação de suporte à Assembleia Geral estava disponível na área reservada do sítio oficial da CÂMARA DOS SOLICITADORES, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, devendo aquela factualidade ser dada como provada.
V. Ao considerar que a preterição de envio de documentação de suporte à ordem de trabalhos para o Conselho Regional do Norte respeita a todo o conteúdo da convocatória e determina a invalidade da Assembleia Geral e de todas as deliberações tomadas em Assembleia Geral, incluindo as relativas aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos (para as quais não era sequer necessária a produção de documentos de suporte à discussão em Assembleia Geral), o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 33.°, n.º. 3 e 4, 35.° e 36.° do ECS e o artigo 6.°-A, n.° 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
VI. Ao julgar verificados os pressupostos de que dependeria a propositura da ação relativamente aos pontos 2, 4, 5 e 6 da ordem de trabalhos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 51.°, n.° 1, e 73.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VII. Ao julgar procedente o pedido de anulação da Assembleia Geral, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 577.°, alínea a), e 578.° do Código de Processo Civil.
VIII. Ao julgar procedente o pedido de anulação das deliberações tomadas quanto ao ponto 4 da ordem de trabalhos, quando os regulamentos aprovados ao seu abrigo não fazem parte do objeto da ação, o Tribunal a quo violou o artigo 72.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
IX. Ao julgar procedente o pedido de anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral, incluindo as referentes aos pontos 2, 4, 5 e 6 da ordem de trabalhos, sem circunscrever os respetivos efeitos ao caso concreto, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 73º, n.° 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, não tendo, todavia, emitido pronúncia sobre a imputada nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, o que se aceita, por não se reputar a mesma como indispensável [cfr. nº. 5 do artigo 617º do CPC].
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as de saber se o acórdão recorrido incorreu:
(i) em nulidade de sentença, por excesso de pronúncia;
(ii) em erro[s] de julgamento em matéria de facto, por (ii.1) violação do artigo 511º, nº. 2 do CPC; (ii.2) ofensa do disposto nos artigos 363º, nº.2 e 371º, nº.1 do CC;
(iii) em erro[s] de julgamento em matéria de direito, por (iii.1) violação dos artigos 33.°, n.º. 3 e 4, 35.° e 36.° do ECS e o artigo 6.°-A, n.° 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo; (iii.2) ofensa do disposto nos artigos 51.°, n.° 1, e 73.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; (iii.3) violação do disposto nos artigos 577.°, alínea a), e 578.° do Código de Processo Civil; (iii.4) ofensa do artigo 72.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; (iii.5) e por violação do disposto no artigo 73º, n.° 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
1) Por e-mail recebido no dia 18 de abril de 2011, pelas 21.07 horas, foi o A. convocado para a Assembleia Geral Ordinária da Câmara dos Solicitadores, a realizar no dia 29-04-2011.
2) A convocatória era do seguinte teor:
“Nos termos da alínea b) do artigo 34° e do ad.° 35.° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, convocam-se os Solicitadores, para reunirem em Assembleia-Geral, na sala de reuniões do Hotel N., sito na Av. (...), em (…), no próximo dia 29 de abril, pelas 15:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Análise e votação do relatório e contas relativas ao ano de 2010.
2. Análise e votação de proposta de criação do prémio Daniel Lopes Cardoso e do respectivo regulamento.
3. Análise e votação de proposta de concessão da medalha de mérito profissional;
4. Análise e votação das propostas da delegação de poderes na assembleia de delegados para alteração e aprovação dos seguintes regulamentos:
a) Eleitoral;
b) Caixa de compensações;
c) Funcionários dos solicitadores;
d) Dos modelos do traje profissional e das insígnias, timbres e selos profissionais dos solicitadores, solicitadores honorários e solicitadores integrados nos colégios de especialidade.
5. Análise e votação da proposta do Regulamento do Fundo de Garantia
6. Análise e votação de proposta de alteração ao Regulamento de Compensação.
Nos termos do n° 5 do artigo 33° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, não estando presente, à hora designada na convocatória, metade dos membros que constituem a assembleia, esta reúne uma hora depois sendo válidas as deliberações tomadas com qualquer número de presenças.
Lisboa, 18 de abril de 2011
O Presidente da Mesa da Assembleia-Geral
(S.)”
3) No seguimento da convocatória para a Assembleia Geral ordinária da Câmara dos Solicitadores a realizar no dia 29 de abril de 2011, o A. deslocou-se, pelas 16:00 horas do dia 26 de abril de 2011, às instalações do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, para consultar os documentos de suporte à ordem de trabalhos da referida Assembleia Geral.
4) No local, foi o A. informado pelo Diretor de Serviços, Sr. A., de que não haviam sido recebidos, nem se encontravam disponíveis para consulta, quaisquer documentos respeitantes à Assembleia Geral a realizar no dia 29 de abril de 2011 tendo sido emitida certidão emitida em 27 de abril de 2011 da qual consta o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5) No dia da Assembleia Geral, depois de aberta a Assembleia e antes do início dos trabalhos, o Requerente apresentou à mesa da Assembleia Geral o seguinte requerimento escrito:
“Excelentíssimo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores.
Atenta à Convocatória efetuada em 18 de abril para dia 29 de abril de 2011 para Assembleia Geral Ordinária.
O signatário vem respeitosamente expor e requerer a V Excelência o seguinte:
No dia 26 de abril de 2011 deslocou-se ás instalações do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores para, nos termos do n° 4 do Ad 33 e cito:
4 - Os documentos referidos no número anterior devem estar patentes nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e são enviados para as delegações de círculo.
Verificou que os mesmos não estavam disponibilizados.
Sendo impossibilitado de fazer valer o direito.
De consultar os respetivos documentos.
Tudo conforme certidão emitida pelo CRN que junta
Resulta assim claramente a violação do estatuído no art° 33° do ECS
Assim, o signatário,
Requer a V Excelência se digne dar sem efeito a data marcada sob pena de nulidade das deliberações nela tomadas, designando nova data para Assembleia Geral, Extraordinária, para discutir e votar o relatório e as contas do conselho geral respeitantes ao exercício de 2010 (Art0 34o al. b)) e com os restantes pontos da Ordem de Trabalhos (do E. C. S. )”.
6) O referido requerimento foi indeferido pela maioria dos presentes.
7) O A. retirou-se da Assembleia, invocou a nulidade da mesma por violação dos direitos estatutários e requereu a emissão de certidão da ata da referida Assembleia.
8) Há vários anos que a Câmara dos Solicitadores disponibiliza na respetiva página oficial, em área reservada, os documentos a apreciar em Assembleia Geral.
9) A área reservada da página oficial da Câmara dos Solicitadores é livremente acessível a todos quantos tenham assento nas Assembleias Gerais.
10) O que é do conhecimento do A.
11) No caso em concreto, a convocatória para a Assembleia Geral foi efetuada por mensagem de correio eletrónico remetida para todos quantos nela têm assento.
12) Da mensagem de correio eletrónico constava uma hiperligação para uma página do sítio oficial da Câmara dos Solicitadores.
13) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a ata da Assembleia - Geral de 29/11/2011 da Câmara dos Solicitadores, constante de fls. 97 e ss dos autos.
Factos não provados:
- A disponibilização na respetiva página oficial, em área reservada, dos documentos a apreciar em Assembleia Geral tem vigorado desde há vários anos e foi adotada também para a assembleia geral aqui em causa.
- As comunicações remetidas aos interessados permitiam, através do site, o acesso e conhecimento de toda a documentação relevante que seria objecto de discussão durante a Assembleia Geral.
- Da referida página que continha a convocatória para a Assembleia Geral constavam várias outras hiperligações para cada um dos documentos a apreciar naquela Assembleia Geral.
- Caso o Autor tivesse pretendido consultar os documentos em causa, sempre o poderia ter igualmente feito imediatamente antes ou durante a Assembleia Geral, já que os documentos estavam aí disponíveis para consulta.
(…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
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I- Da nulidade imputada à decisão judicial recorrida, por excesso de pronúncia
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A Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea d) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Sustenta, para tanto, brevitatis causae, que “(…) o autor nunca alegou que não teve conhecimento dos documentos de suporte à Assembleia Geral de 29 de abril de 2011 [nem que] não acedeu a tais documentos previamente à realização daquele reunião (…) [não constando do elenco dos factos provados] qualquer referência a qualquer destes factos, nem os mesmos resultaram da instrução da discussão da causa (…)”, pelo que “(…) ao afirmar que o autor não teve acesso aos documentos de suporte em Assembleia Geral de 29 de abril de 2011, a sentença incorre em nulidade (…)”.
Quid iuris?
Nos termos do n.º 1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d), e quando condene em quantidade superior ao em objeto diverso do pedido – alínea e).
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.
Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…” [página 680].
No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195.
E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr-se., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005].
Ou seja, no domínio da lei processual civil, só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de (i) pedidos, (ii) causas de pedir ou (iii) exceções de que não podia tomar conhecimento.
Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão à Recorrente na arguida nulidade de sentença.
Na verdade, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A.
Efetivamente, segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão (…)”.
Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos Acórdãos dos Tribunais Superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Com efeito, e ainda de acordo com o supra citado Autor “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [idem].
Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por excesso de pronúncia.
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II- Dos imputado[s] erro[s] de julgamento em matéria de facto, por (ii.1) violação do artigo 511º, nº. 2 do CPC; e (ii.2) ofensa do disposto nos artigos 363º, nº.2 e 371º, nº.1 do CC
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Estas questões encontram-se veiculadas nas conclusões II) a IV) do Recurso da Recorrente supra sintetizadas, substanciando-se na dupla alegação de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto ao não dar como provado (i) o facto alegado no artigo 35º da contestação, mais violando o artigo o artigo 511º, nº. 2 do CPC, por não selecionar toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa (ii) bem como os factos elencados sob os n.ºs 3 e 1 do quadro fáctico negativo apurado na decisão judicial recorrida, já que existe documento autêntico que atesta o contrário.
Vejamos.
Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, decidiu-se no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Proc.º. n.º 00218/08BEBRG: “1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Proc.º. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
Efetivamente, veio a Recorrente pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, desde logo, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que o documento junto pela Recorrente a fls. 49 dos autos [suporte físico] - que corporiza uma mensagem de correio eletrónica, datada de 28 de abril de 2011, da autoria de A. do seguinte teor: ”(…) Informo que se encontram disponíveis na área restrita da página da internet da Câmara os documentos respeitantes à Assembleia Geral Ordinária designada para o dia 30 de abril (…)”- e cujo receção e teor do mesmo nunca resultaram infirmados pelo Autor, permitiria que se desse como demonstrada a matéria de facto vazada no ponto 35º da sua contestação.
Salvo o devido respeito, a Recorrente labora em manifesto equívoco quanto ao erro de julgamento da matéria de facto supra argumentado.
Na verdade, o Autor, por intermédio da peça processual que faz fls. 54 e seguintes dos autos [suporte físico], alegou, no seu ponto II, que:
“(…)
O documento junto pelo RR. não contém a prova do pretendido desde logo porque a data respeita a um ato praticado no dia anterior à realização da assembleia.
O documento junto é alheio ao facto concreto – regularidade da convocatória da assembleia e disponibilização atempada dos documentos de suporte à ordem de trabalhos.
Tal documento não faz prova dos factos que dos mesmos se pretende extrair, quer quanto ao objeto, quer quanto ao sentido
Pelo que, desde já se impugna o documento junto pelo RR. por falsidade intelectual [destaque nosso], uma vez que o seu sentido não tem sentido ou interesse para a prova do RR. na ação
(…)”.
Muito embora a base argumentativa apresentada no requerimento que se vem de transcrever não seja, nalguns aspetos, muito clara, não pode duvidar-se, porém, que o Autor pretendeu impugnar o documento junto pela Recorrente com fundamento na sua inadequação para prova do alegado no artigo 35º da contestação da Recorrente.
Mas também, por intermédio da alegação de falsidade intelectual, com base na desconformidade do seu teor e a realidade efectivamente ocorrida.
De facto, nas palavras da Jurisprudência Suprema [Ac. STJ de 23/10/2003 no proc. 03B2690, em www.dgsi.pt], a falsidade ideológica, também conhecida por falsidade intelectual, de um documento, consiste na desconformidade entre o que realmente se passou e o que se exarou no documento.
Assim, deve ter-se como assente que a factualidade alegada no artigo 35º da contestação da Recorrente foi expressamente impugnada pelo Autor no decurso do pleito, desembocando, inelutavelmente, em matéria controvertida.
Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, tendo sido expressamente impugnado o teor do apontado documento, que não assume natureza autêntica, impunha-se a possibilidade de produção de prova neste desígnio, designadamente, por forma a permitir a possibilidade de confronto da realidade ali espelhada com as testemunhas produzidas, sob pena de se coartar o “direito à prova” dos seus apresentantes.
Assim, por aquela e/ou esta razão, é de manifesta evidência que o tecido fáctico em questão não podia dar-se por provado, por consubstanciar, precisamente, realidade material controvertida, cujo ónus de prova impedia sobre a Recorrente.
De tudo o quanto vem de se expor deriva, que, quanto à falta de prova do tecido fáctico vertido no ponto 35º da contestação da Recorrente, que não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto.
Por sua vez, e no que tange à imputada violação do disposto artigo 511º, nº. 2 do CPC, por falta de seleção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, cabe notar que, escrutinados os autos, logo se constata que, instada a informar a factualidade sobre a qual pretendia fazer prova testemunhal, a Recorrente esclareceu expressamente que pretendia apenas “(…) a inquirição das testemunhas por si arroladas relativamente à matéria dos artigos 5º, 8º, 9º, 10º, 11º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20º, 21º, 22º e 27 da contestação (…)”, ao que o Tribunal a quo aquiesceu.
Tal é o que grandemente dimana de fls. 91 e 216 dos autos [suporte físico].
Na perspetiva em apreço, resulta evidente que a não inclusão do teor do artigo 35º da contestação na base instrutória ficou a dever-se à própria vontade processual da Recorrente assimilada nos autos, sendo ainda de referir que a eventual desconformidade dos contornos formais da base instrutória efetivada nos autos em relação ao preconizado no então artigo 511º do CPC é apenas valorizável em sede de ocorrência de nulidade processual, apenas invocável no prazo de 10 dias da sua verificação, entretanto, já decorrido, e nem sequer alegado nos autos, afigurando-se, por isso, a sua eventual suposição nos presentes autos um exercício inócuo e estéril, por desprovido de fundamento legal.
Do que se vem de expor grassa à evidência que não assiste razão à Recorrente no erro de julgamento da matéria de facto em análise, já que o tecido fáctico vertido no artigo 35º da sua contestação integra, inequivocamente, materialidade controvertida, ficando-se a dever a não inclusão desta realidade na base instrutória à própria atuação processual da Recorrente, circunstância que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à eventual verificação da apontada violação do disposto artigo 511º, nº. 2 do CPC, por falta de seleção da matéria de facto relevante para a decisão da causa.
Dissolvida a primeira questão no domínio do erro de julgamento da matéria de facto, importaria agora, de acordo com a substanciação vertida nos pontos III) e IV) das conclusões de recurso, determinar se, no que concerne ao melhor elencado nos pontos nº.s 3 e 1 do quadro fáctico negativo apurado na decisão judicial recorrida, ocorre [ou não] erro notório de apreciação de prova.
Julgamos, porém, que tal tarefa é destituída de relevância, considerando que os juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto.
No caso, ponderando os contornos do processo, entendemos ser forçosa a conclusão de que não é aceitável que o Tribunal a quo dê como provado que “ Caso o autor tivesse pretendido consultar os documentos em causa, sempre o poderia ter igualmente feito imediatamente antes ou durante a Assembleia Geral, já que os documentos estavam aí disponíveis para consulta (…)” ou mesmo que “A disponibilização na respetiva página oficial, em área reservada, dos documentos a apreciar em Assembleia Geral foi adotada para a Assembleia Geral em causa" e que "As comunicações remetidas aos interessados permitiram, através do site, o acesso e conhecimento de toda a documentação relevante que seria objeto de discussão durante a Assembleia Geral (…)”.
Os juízos valorativos (i) em torno “(…) da possibilidade de consulta dos documentos antes ou durante a Assembleia Geral (…)” e/ou (ii) em torno da possibilidade “(…) de acesso e conhecimento de toda a documentação a partir das comunicações remetidas aos interessados (…)” devem ser formulados, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.
Desta feita, sendo essa a sua natureza substancial, impera concluir pela irrelevância jurídica da matéria elencada nos pontos nº.s 3 e 1 do quadro fáctico negativo apurado na decisão judicial recorrida.
Concludentemente, nenhum erro de julgamento da matéria de facto se divisa no aresto recorrido, que assim se mantém inalterada.
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III- Dos imputados erros de julgamento da matéria de direito, por (iii.1) violação dos artigos 33.°, n.º. 3 e 4, 35.° e 36.° do ECS e o artigo 6.°-A, n.° 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo; (iii.2) por ofensa do disposto nos artigos 51.°, n.° 1, e 73.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; (iii.3) violação do disposto nos artigos 577.°, alínea a), e 578.° do Código de Processo Civil; (iii.4) ofensa do artigo 72.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; (iii.5) e violação do disposto no artigo 73º, n.° 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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O Autor intentou a presente ação administrativa especial visando a anulação da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011, bem como de todas as deliberações nela tomadas.
Estribou tais pretensões jurisdicional com base no entendimento, brevitatis causae, de que, na realização da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011, foi violado o artigo 33º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, na medida em que não foram disponibilizados previamente os documentos de suporte à ordem de trabalhos da referida Assembleia Geral.
O T.A.F. do Porto julgou esta ação procedente, tendo anulado a dita Assembleia Geral, bem como as deliberações nela proferidas.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de improcedência da presente ação foi, fundamentalmente, a seguinte:
“(…)
Estabelece o art° 33° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo DL n° 88/2003, de 26/4, na redação dada pelo DL n.° 226/2008, de 20/11), o seguinte:
“1- A assembleia geral reúne em Lisboa, em sessão ordinária ou extraordinária.
2 - A assembleia geral pode reunir extraordinariamente fora de Lisboa, no caso de a sua realização coincidir com o congresso ou a assembleia de delegados.
3 - A assembleia geral é convocada por aviso postal expedido com antecedência mínima de 10 dias e por anúncio publicado em jornal diário publicado em Lisboa e Porto, com a indicação da ordem de trabalhos e dos documentos a apreciar.
4- Os documentos referidos no número anterior devem estar patentes nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e são enviados para as delegações de círculo.
5 - Não estando presente, à hora designada na convocatória, metade dos membros que constituem a assembleia esta reúne uma hora depois, sendo válidas as deliberações tomadas com qualquer número de presenças.
6 - Os avisos postais referidos no n." 3 podem ser substituídos por comunicação efetuada através de correio eletrónico, para morada indicada pelo solicitador.”
Importa aqui destacar o que dispõem os n°s 3, 4 e 6 do preceito legal acabado de citar, segundo os quais, a Assembleia-Geral, órgão nacional da Câmara dos Solicitadores, constituída por todos os solicitadores inscritos - cfr. art°s 11 e 20° do Estatuto -, é convocada por aviso postal expedido com antecedência mínima de 10 dias e por anúncio publicado em jornal diário publicado em Lisboa e Porto ou, então, por comunicação efetuada através de correio eletrónico, com a indicação da ordem de trabalhos e dos documentos a apreciar, devendo os referidos documentos estar patentes nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e são enviados para as delegações de círculo.
A finalidade visada com as regras estabelecidas para a convocatória para a Assembleia Geral, isto é, com o prazo estabelecido e com a indicação dos documentos a apreciar bem assim como com a sua disponibilização nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e nas delegações de círculo, prende-se com a indiscutível necessidade de todos os interessados na reunião poderem analisá-los e preparar devidamente uma tomada de posição esclarecida sobre os mesmos.
O que se pretende, pois, é que a preparação e estudo da ordem de trabalhos e dos documentos a apreciar seja efetiva e permita uma tomada de posição preparada sobre os assuntos a debater na reunião com uma antecedência razoável (10 dias).
De acordo com o estatuto, a convocatória pode ser feita através de correio eletrónico, porém, no que tange ao acesso aos documentos a apreciar, não foi seguida a mesma regra, devendo os mesmos estar patentes nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e são enviados para as delegações de círculo.
No caso presente, por e-mail recebido no dia 18 de abril de 2011, pelas 21.07 horas, foi o A. convocado para a Assembleia Geral Ordinária da Câmara dos Solicitadores, a realizar no dia 29-04-2011, tendo, efectivamente, a convocatória para a Assembleia Geral sido efetuada por mensagem de correio eletrónico remetida para todos quantos nela têm assento, o que como vimos constitui um meio possível para concretizar tal convocatória.
Acontece que, deslocando-se, pelas 16:00 horas do dia 26 de abril de 2011, às instalações do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, para consultar os documentos de suporte à ordem de trabalhos da referida Assembleia Geral, no local, foi o A. informado pelo Diretor de Serviços, de que não haviam sido recebidos, nem se encontravam disponíveis para consulta, quaisquer documentos respeitantes à Assembleia Geral a realizar no dia 29 de abril de 2011, o que veio a ser constatado em certidão que o referido Diretor de Serviços emitiu em 27 de abril de 2011 a pedido do ora A.
É certo que ficou provado que há vários anos que a Câmara dos Solicitadores disponibiliza na respetiva página oficial, em área reservada, os documentos a apreciar em Assembleia Geral, página essa que é livremente acessível a todos quantos tenham assento nas Assembleias Gerais, facto que é do conhecimento do A.
Mais resultou provado que da mensagem de correio eletrónico constava uma hiperligação para uma página do sítio oficial da Câmara dos Solicitadores.
Todavia, não resultou provado que a disponibilização na respetiva página oficial, em área reservada, dos documentos a apreciar em Assembleia Geral tenha sido adotada também para a Assembleia-Geral aqui em causa e, ainda, que as comunicações remetidas aos interessados permitiam, através do site, o acesso e conhecimento de toda a documentação relevante que seria objecto de discussão durante a Assembleia Geral e que da referida página que continha a convocatória para a Assembleia Geral constavam várias outras hiperligações para cada um dos documentos a apreciar naquela Assembleia Geral.
Finalmente, também não ficou provado que caso o Autor tivesse pretendido consultar os documentos em causa, sempre o poderia ter igualmente feito imediatamente antes ou durante a Assembleia Geral, porquanto os documentos estavam aí disponíveis para consulta.
Perante tal circunstancialismo, e pese embora pudesse a Câmara dos Solicitadores disponibilizar a documentação a apreciar na Assembleia-Geral por via eletrónica, disponibilização essa que não foi sequer provada nos autos, certo é que, ainda que o fosse, não estaria a Câmara dos Solicitadores dispensada de cumprir o que determina o n°4 do 33° do Estatuto, isto é, de patentear os documentos nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais envia-los para as delegações de círculo.
Assim sendo, é óbvio que, no caso em apreço, não foi dado cumprimento ao que determina o Estatuto, não tendo tido o ora A. acesso atempado aos documentos a apreciar na reunião da Assembleia-Geral de 29 de abril de 2011.
Esta ilegalidade, resultante da inobservância do que dispõe o n° 4 do art° 33° do Estatuto, suscitou do ora A. uma tomada de posição no dia da Assembleia Geral, depois de aberta a Assembleia e antes do início dos trabalhos, tendo o mesmo apresentado à mesa da Assembleia Geral um requerimento escrito no qual, invocando a violação do art° 33° do ECS, requerendo que fosse dado sem efeito a data marcada sob pena de nulidade das deliberações nela tomadas e designada nova data para Assembleia Geral, Extraordinária, para discutir e votar o relatório e as contas do conselho geral respeitantes ao exercício de 2010 (Art° 34° al. b)) e com os restantes pontos da Ordem de Trabalhos (do E. C. S.), requerimento que foi indeferido pela maioria dos presentes.
Na sequência dessa decisão, o ora A. retirou-se da Assembleia, invocou a nulidade da mesma por violação dos direitos estatutários e requereu a emissão de certidão da ata da referida Assembleia.
Nesta medida, tudo visto e considerado, mostra-se a convocatória para a reunião da Assembleia-Geral de 29 de abril de 2011 ilegal, porquanto não foi respeitada a supracitada norma estatutária, norma essa que tem como razão de ser, no fundo, o respeito pelo direito à informação dos associados com direito a intervir na Assembleia-Geral, direito esse que só pode ser efectivamente exercido se estiverem na sua posse os elementos que nela serão relevantes, pois, só assim o associado terá consciência do que vai votar.
Sendo, pois, ilegal a convocatória pelas razões expostas, mostram-se, também, inválidas todas as deliberações proferidas na Assembleia-Geral de 29 de abril de 2011, como consequência daquela ilegalidade, oferecendo razão ao A. quando alega que “enquanto atos e formalidades essenciais da convocação da assembleia a falta de documentos inquina as deliberações que não respeitarem o legalmente estatuído e os fins de disciplina, esclarecimento e preparação da deliberação” (item 32° das alegações) e “se a deliberação se forma em desrespeito com a lei, designadamente, por incumprimento das formalidades necessárias, ela é anulável” (item 36° das alegações).
Em face dos factos provados e do exposto é, pois, de concluir que não foram fornecidos ao Autora os elementos mínimos de informação necessários para o habilitar a deliberar na Assembleia-Geral da Entidade Demandada, realizada em 29 de abril de 2011 e, consequentemente, deve a ação ser julgada procedente, declarando-se anuladas as deliberações nela tomadas.
(…)”.
Decompondo a motivação que se vem ora de transcrever, dir-se-á que o juízo de procedência da presente ação mostra-se estribado no entendimento do Tribunal a quo [aqui sintetizado] de que não foi dado cumprimento ao que determina o artigo 33º, nº.s 3 e 4 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, pois que o Autor não teve acesso atempado aos documentos a apreciar na reunião da Assembleia Geral de 29 de abril de 2011.
A Recorrente pugna pela revogação do assim decidido, que lhe imputa diversos erros de julgamento de direito.
Efetivamente, e em primeiro lugar, a Recorrente impetra ao Acórdão recorrido erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 33.°, n.º. 3 e 4, 35.° e 36.° do ECS e do artigo 6.°-A, n.° 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo, já que apenas a apreciação das matérias compreendidas no artigo 41º, nº.1, alíneas c) e f) do ECS dependia a apresentação de documentos a apreciar em Assembleia Geral, não sendo, por isso, exigível qualquer obrigação de apresentação de documentos quantos aos documentos no tocante aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos, afigurando-se estes irrelevantes para a Assembleia Geral pudesse apreciar os respetivos temas inscritos na ordem de trabalhos.
Em segundo lugar, mais aduz que a decisão judicial recorrida incorreu em violação do disposto no artigo 51º, nº.1 e 73º, nº. 2 do CPTA, pois o ato de aprovação de um regulamento não produz efeitos exteriores ao órgão ou à pessoa coletiva do qual emana, não estando reunidos os requisitos e pressupostos que habilitariam o Tribunal a quo a emitir uma pronuncia favorável à pretensão do Autor.
Em terceiro lugar, alega ainda que o aresto recorrido incorreu em contravenção do disposto nos artigos 577.°, alínea a), e 578.° do Código de Processo Civil, por falta de conhecimento de matéria excetiva suscitada nos autos, cujo conhecimento não se encontra vedado a este Tribunal Superior, nos termos do artigo 149º, nº.1 e 3º do CPTA.
Em quatro lugar, invoca ainda que o Tribunal a quo ofendeu a disciplina jurídica plasmado no artigo 72º, nº. 1 do CPTA, na medida em que, estando em causa atos praticados no âmbito do procedimento de aprovação de normas, a sua relevância apenas resultaria no quadro da impugnação dos regulamentos aprovados ao abrigo das delegações de competência em causa, o que não verifica in casu.
Derradeiramente, e em quinto lugar, aduz que o acórdão recorrida viola o artigo 73º, nº. 2 do CPTA, já que não se pronunciou quanto à requerida produção de efeitos circunscritos ao caso concreto do autor em sede de alegações escritas.
Vejamos, sublinhando, desde já, que as questões decidendas supra elencadas sob os nº.s 2 a 5, serão objecto de análise conjunta, por serem indissociáveis entre si.
Assim, e com reporte para estas, importa que comece por fazer um breve enquadramento teórico necessário para a apreciação das mesmas.
A petição inicial é a peça processual pela qual o autor propõe a ação, para tanto cabendo-lhe alegar os fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada, ou seja, “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, e concretizar quais os efeitos jurídicos que pretende fazer valer através da ação, deduzindo o respetivo pedido, ou pedidos, contra o réu [art.º 552.º 1/al. d) e e), do CPC].
Por sua vez, entende-se por causa de pedir o ato, ou facto jurídico, em que o autor se baseia para formular o seu pedido ou, noutras palavras, o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar [Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código do Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, pp. 369/375; e, Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 245].
A contestação é a peça processual na qual o Réu exerce os seus direitos de defesa, que pode ver efetivados de duas formas, a saber: (i) defesa por impugnação e/ou (ii) defesa por exceção [cfr. artigo 571º e seguintes do CPC].
A (i) defesa por impugnação ocorre quando o Réu “(…) contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor” [cfr. artigo 571º do CPC].
A (ii) defesa por exceção, por sua vez, tem lugar quando o Réu “(…) quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido” [idem]
Nesta senda, estabelece o n.º 1 do artigo 576.º que as exceções são (i) dilatórias ou (ii) perentórias, sendo aquelas que obstam ao conhecimento do mérito e dão lugar à absolvição da instância [nº. 2] e estas as que importam a absolvição parcial ou total do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor [nº. 3].
Munidos destes considerandos de enquadramento, e volvendo ao caso em apreço, temos que resulta insofismável que o Réu, na contestação apresentada, de entre outro tipo de defesa, invocou e caracterizou materialidade apenas integrável no domínio da defesa por impugnação.
Neste particular conspecto, todavia, não se pode ignorar que a Recorrente veio em sede de alegações escritas invocar matéria excetiva traduzida na (i) e falta de pronúncia sobre a estabilidade da instância, i.e, quanto à (ir)regularidade e quanto ao não preenchimentos dos pressupostos processuais aplicáveis, como sejam, a (i) inimpugnabilidade da reunião de assembleia; (ii) a falta da verificação dos legais pressupostos de que depende a impugnação de normas; e (iii) a ilegitimidade processual do Autor [cfr. artigos 48º e ss. das alegações escritas].
De igual modo, cabe notar que não se olvida que, também em sede de alegações escritas, a Recorrente invocou novos de fundamentos de defesa por impugnação que se prendem, grosso modo, com a problemática ora trazida a juízo em torno da violação do regime plasmado no artigo 72º, nº.1 do C.P.TA, na esteira do que peticionou, em caso de procedência da presente ação, a produção de efeitos circunscritos à situação do Autor [cfr. 52º e seguintes das alegações escritas].
E nestes concretos segmentos das alegações de direito reside o busílis da questão controvertida, no sentido de se apurar se os mesmos violam [ou não] o princípio da concentração da defesa, devendo, por isso, ter sido [ou não] cabalmente apreciadas na decisão judicial recorrida.
Neste particular, adiante-se, desde já, que assiste apenas em parte razão à Recorrente.
Na verdade, nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 573º do C.P.C. “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”.
Depois desse momento [contestação] só pode ser deduzida defesa por impugnação por exceção [matéria excetiva] que seja superveniente ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente [cfr. nº. 2 do citado preceito legal].
Temos, pois, que o princípio da concentração da defesa exige que esta seja deduzida, totalmente, na contestação, salvo os casos de exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de efetuar a mencionada dedução.
No caso em análise, é manifesto que a ampliada defesa, quer por impugnação, quer por exceção, não emerge de factos supervenientes.
Resulta também apodítico que não vem invocada qualquer normação que permita a dedução de nova defesa após a dedução da contestação.
De igual modo, a excecionada falta da verificação dos legais pressupostos de que depende a impugnação de normas conferido ao Autor, face ao disposto no nº. 1 do artigo 89º do CPTA, na versão anterior ao Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10, não pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal, carecendo, por isso, de ser invocada por aquele a quem aproveita até a dedução da contestação, competindo a esta o respetivo ónus de alegação e prova, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
Pelo que não podia a Ré, aqui Recorrente, invocar em sede de alegações escritas estes novos fundamentos de defesa por impugnação e exceção, o que serve para concluir pela irrelevância jurídica da matéria invocada nas conclusões VI), VIII) e IX) do presente recurso.
Idêntica conclusão, porém, já não é atingível no domínio das suscitadas questões prévias de (i) falta de legitimidade processual do Autor e de (ii) inimpugnabilidade da reunião da assembleia geral – entendida como um ato administrativo.
De facto, integrando-se no domínio de matéria excetiva de conhecimento oficioso, impunha-se ao Tribunal a sua apreciação por forma a determinar a estabilidade [ou não] da instância.
Ora, escrutinado o aresto recorrido, grassa à evidência que tal não veio a suceder, o que conduz à constatação de que assiste razão à Recorrente na tese que se vem de analisar.
Julgamos, todavia, que a qualificação operada pela Recorrente em torno da verificação desta patologia – traduzida na existência de erro de julgamento de direito - não é conforme ao bloco legal aplicável, por consubstanciar antes numa nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, cuja procedência ora se declara expressamente.
Tendo nós concluído no sentido que se vem de expor, temos agora, nos termos do artigo 149º do C.P.T.A., exercer o nosso poder de substituição, já que o processo contém os elementos probatórios que permitem com segurança e em consciência realizar o julgamento omitido.
Assim, e entrando no conhecimento de tal tarefa, reiterar-se-á que, por intermédio da presente ação, o Autor visa a anulação da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011 e das deliberações nela tomadas.
Como tal, entende-se que o “objecto confesso” da presente ação cai na reserva das ações impugnatórias.
Ora, face ao estabelecido nos artigos 46º e seguintes do C.P.T.A., na versão anterior ao Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10, as ações impugnatórias servem o propósito de impugnação de (i) atos administrativos e/ou de (ii) atos normativos emanados ao abrigo de disposições do direito administrativo.
De acordo com o artigo 120º do C.P.A., na versão anterior ao Decreto-Lei nº. 4/2015, de 7 de janeiro, são atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Já os atos normativos integram os regulamentos administrativos e normas regulamentares como, por exemplo, o conteúdo normativo [não o decisório] de planos, os estatutos, os regimentos de órgãos colegiais, documentos pré-contratuais, etc.
No quadro apreço, assoma evidente que o ato de realização de uma assembleia geral não é reconduzível à emanação de um qualquer ato administrativo ou mesmo normativo, não sendo, por isso, a sua impugnação processualmente admissível no domínio do contencioso impugnatório administrativo.
Já as deliberações nela tomadas, e que, in casu, se mostram perfeitamente identificadas na ata nº. 67, cuja cópia integra fls. 99 e seguintes dos autos físicos [cfr. ponto 13 do probatório coligido nos autos], são perfeitamente subsumíveis no conceito do ato administrativo, e, qua tale, passiveis de fiscalização da sua legalidade por partes dos Tribunais da Jurisdição Administrativa.
Sendo assim, e ponderando o até aqui exposto, assoma como evidente que, em termos de pretensão jurisdicional a admitir no vertente processo, com impacto na decisão final, é o da anulação das deliberações tomadas na dita assembleia geral de 29 de abril de 2011, com exclusão da realização desta.
O que serve para concluir é de vingar a tese da Recorrente no domínio da excecionada inimpugnabilidade da reunião da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores de 29.04.2011, devendo, por isso, julgar-se procedente esta exceção e, consequentemente, ser a Ré absolvida da instância quanto a esta pretensão, ao que se provirá no dispositivo.
Já o mesmo não se pode afirmar no que tange à excecionada ilegitimidade processual do Autor, uma vez que, em função do “objecto confesso” da presente ação supra circunscrito, o conceito de legitimidade processual aqui aplicável não é, como sustenta a Recorrente, o que emana do artigo 73º do C.P.T.A, mas antes o que deriva do nº.1 do artigo 55º do C.P.T.A, o que, por si só, determina a inverificação desta questão prévia, aferida em todas as vertentes equacionadas nos autos.
Procede, portanto, a conclusão VII) do presente recurso apenas na vertente da suscitada exceção de inimpugnabilidade da reunião da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores de 29.04.2011.
Dissolvido que se mostra grande parte do horizonte argumentativo da Recorrente traduzido nas questões supra elencadas sob os nº.s 2 a 5, resta-nos, pois, a questão de saber se o Acórdão recorrido, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto III.2.3, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 33.°, n.º. 3 e 4, 35.° e 36.° do ECS e do artigo 6.°-A, n.° 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
A Recorrente entende que sim, já que apenas a apreciação das matérias compreendidas no artigo 41º, nº.1, alíneas c) e f) do ECS dependia a apresentação de documentos a apreciar em Assembleia Geral, não sendo, por isso, exigível qualquer obrigação de apresentação de documentos quantos aos documentos no tocante aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos, afigurando-se estes irrelevantes para a Assembleia Geral pudesse apreciar os respetivos temas inscritos na ordem de trabalhos.
Mas será este erro de julgamento de direito de acolher?
A resposta é manifestamente desfavorável às pretensões da Recorrente.
Na verdade, admitindo-se como exercício teórico a “justificação” invocada pela Recorrente no sentido de não era exigível a apresentação de documentos no tocante aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos, entendemos ser forçosa a conclusão de que [ainda assim] resulta adquirido o incumprimento da disciplina jurídica vertida no artigo 33º, nº.3 e 4 do Estatuto do Câmara dos Solicitadores quanto aos pontos 1, 2, 5 e 6 da ordem de trabalhos.
Acresce que, quanto aos pontos 3 e 4 da ordem de trabalhos - que se prendem com a (i) análise e votação de proposta de concessão da medalha de mérito profissional e com a (ii) análise e votação das propostas da delegação de poderes na assembleia de delegados para alteração e aprovação dos seguintes regulamentos: a) Eleitoral; b) Caixa de compensações; c) Funcionários dos solicitadores; d) Dos modelos do traje profissional e das insígnias, timbres e selos profissionais dos solicitadores, solicitadores honorários e solicitadores integrados nos colégios de especialidade [cfr. ponto 2) do probatório] – julgamos, em contravenção do pugnado pela Recorrente, não é possível afirmar a irrelevância da necessidade da apresentação da documentação associada a um ou mais pontos da ordem de trabalhos em função de uma eventual menor dignidade dos assuntos ali tratados.
Na verdade, o legislador não cuidou de distinguir a necessidade de apresentação dos documentos em função da maior ou menor dignidade dos assuntos, antes impondo a sua obrigatoriedade em relação a todos os assuntos enquanto princípio estruturante da atividade transparente e informada por parte de todos os solicitadores associados presentes órgão nacional da Câmara dos Solicitadores.
Efetivamente, sopesando ser sobejamente conhecido o ensino da mais clássica doutrina segundo o qual onde o legislador não achou oportuno distinguir não deverá o interprete da norma faze-lo, sob pena de correr o risco de lhe conferir um alcance que o redator da mesma não lhe quis conferir, contrariando, assim, o disposto no nº. 2 do artigo 9º do Código Civil, haverá de se entender que o legislador, no artigo 33º, nº. 3 e 4 do ECS, não exprimiu a vontade de se entender tal qual propugnado pela Recorrente, isto é, no sentido da desnecessidade de apresentação da documentação associada a um ou mais pontos da ordem de trabalhos em função de uma eventual menor dignidade dos assuntos ali tratados,
De facto, estabelecendo expressamente os normativos visados que “(…) 3- A assembleia geral é convocada por aviso postal expedido com antecedência mínima de 10 dias e por anúncio publicado em jornal diário publicado em Lisboa e Porto, com a indicação da ordem de trabalhos e dos documentos a apreciar (…) [e que] (…) 4- Os documentos referidos no número anterior devem estar patentes nas sedes do conselho geral e dos conselhos regionais e são enviados para as delegações de círculo (…)”, não compete ao interprete distinguir onde o legislador optou por não fazer qualquer distinção, devendo, por isso, a norma ser interpretada segundo os cânones devidos, com apoio expresso na letra da lei.
O que por si só que por si determina a ilegalidade das deliberações tomadas em contravenção do que se vem de expor, por violação de lei.
Assente esta realidade, assoma como evidente que o julgamento realizado pelo Tribunal em quo, na parte que determina a anulação das deliberações tomadas na dita Assembleia Geral, mostra-se bem realizado, nada havendo a objetar neste capítulo.
Concludentemente, desatende-se as demais conclusões de recurso.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser julgada (i) procedente a exceção de “inimpugnabilidade da reunião” da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011, consequentemente, ser a Ré absolvida da instância quanto a esta pretensão jurisdicional e (ii) negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão judicial recorrida, com a correção do dispositivo imposta pela procedência desta última exceção.
Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:
(i) JULGAR PROCEDENTE a suscitada exceção de “inimpugnabilidade da reunião” da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011, consequentemente, absolver a Ré da instância quanto a esta pretensão jurisdicional;
(ii) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a decisão recorrida, todavia, com exclusão da procedência da anulação da reunião da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores realizada a 29 de abril de 2011, mantendo-se a anulação de todas as deliberações nela tomadas.
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Custas a cargo da Recorrente e do Recorrido, na proporção do decaimento, que se se fixam em 2/3 e 1/3, respetivamente.
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Porto, 30 de outubro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro