Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00129/21.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/31/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CAUTELAR; CGA; ACUMULAÇÃO DE PENSÕES; ARTIGO 41.º DO REGIME DE PROTEÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS
– RPS.
Sumário:1 – O artigo 41.º do Regime de Proteção Social dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas - RPS - alterado pela Lei n.º 11/2014, passou expressamente a proibir a acumulação da pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação.

2 - A Peticionada desaplicação por inconstitucionalidade da al. b) do n.º 1 do art. 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação introduzida pela Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, por violação da al. f) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa, colide desde logo com a Declaração de Inconstitucionalidade, com força Obrigatória Geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017, de 21 de novembro de 2017, proferido no Processo n.º 996/2016.

3 – O Tribunal Constitucional ao ter declarado a não inconstitucionalidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, do DL nº 503/99, na redação dada pela Lei nº 11/2014, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, veio viabilizar o entendimento de acordo com o qual, atenta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, a mesma não será acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.

4 - Como expressamente se afirmou no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 786/2017, de 2017-11-21, “…as normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
(…) não violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
(…) o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nas normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março.”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:CGA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

A., no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Caixa Geral de Aposentações IP, na qual requereu que se:
“a) Declare a nulidade do ato administrativo praticado pela Caixa Geral de Aposentações que suspendeu o abono da pensão por acidente em serviço;
b) Declare a inaplicabilidade ao A. da alínea b) n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por a mesma ser inconstitucional;
c) Condene a R. a dar imediato cumprimento ao pagamento do abono da pensão vitalícia, cujo capital de remição é 44.383,45 €;
d) Condene a R. no pagamento de juros de mora legais, desde o momento da fixação da pensão, até efetivo e integral pagamento; (…)”, inconformado com a Sentença proferida em 2 de junho de 2021, através do qual a ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, aí concluindo:
“a. O recorrente discorda do julgamento de direito do Tribunal a quo, sendo sua convicção que o recorrido, Caixa Geral de Aposentações, ao suspender o pagamento da pensão mensal vitalícia fixada ao recorrente, em virtude da declaração de IPP num acidente em serviço, é inconstitucional.
I. Da violação do art. 59º n.º 1 al. f) da CRP
b. O art.º 59.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - CRP dispõe que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:” alínea f) “A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional” (sublinhado nosso).
c. In casu, ao suspender a pensão vitalícia, o recorrido (CGA) viola o direito constitucional à justa reparação do recorrente, enquanto vítima de acidente de trabalho.
d. A natureza indemnizatória da pensão vitalícia é posta em causa, com a decisão de suspensão do pagamento da pensão e o beneplácito do Tribunal.
e. Subjaz ao artigo 59.º, n. 1, alínea f) da Constituição uma intencionalidade da vertente indemnizatória no quadro da proteção aos trabalhadores vítimas de acidente laboral e de doença profissional.
f. A ideia de justeza na reparação faz-se primeiramente com uma resposta ao evento infortunístico visando a supressão do dano no quadro de uma reparação por reconstituição natural.
g. E assume um sentido projetivo mais amplo, através da reparação indemnizatória em dinheiro, (cfr. artigo 4.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 503/99).
h. A proibição de acumulação prevista no art. 41º n.º 1 b), implica a suspensão de um direito cujo conteúdo patrimonial já se formou na esfera do titular.
i. Aliás, se o recorrente prosseguir a sua vida profissional em funções públicas, quando se aposentar permanecerá sem a justa reparação do acidente em serviço, por força do art. 42º n.º 3 a), que continua a vedar a cumulação da pensão vitalícia fixada ao recorrente, com a pensão de velhice que lhe venha a ser fixada.
j. O conceito de “perda de ganho” vai muito para além da perda da remuneração pelo trabalho.
k. Acompanhando aqui de perto o que sobre este conceito escreveu Carlos Alegre: «... a capacidade de ganho não tem que ver, apenas, com a retribuição, mas com outros aspetos importantes da vida do trabalhador, como a capacidade para progredir normalmente na carreira, para melhorar a sua formação profissional, para mudar de profissão, etc.»
l. E, de facto, o legislador na redação do Decreto-Lei n.º 503/99, sempre que se refere à incapacidade permanente parcial, utiliza a expressão “capacidade geral de ganho”.
m. Por tudo o que fica exposto, mal andou o Tribunal a quo ao não reconhecer a violação do art. 59º n.º 1 al. f) da CRP.
II. Da violação do art. 13º da CRP
que o Tribunal Constitucional declarou a não inconstitucionalidade da norma.
o. Existe uma clara e óbvia desigualdade entre os trabalhadores sujeitos ao regime da Lei n.º 98/2009 e os trabalhadores em funções públicas sujeitos ao Dec. Lei n.º 503/99.
p. No regime geral, regulamentado na Lei n.º 98/2009, não existe qualquer disposição que impeça a acumulação da pensão vitalícia por incapacidade permanente parcial com a remuneração do trabalhador.
q. Bem pelo contrário, o n.º 1 do art.º 51.º da Lei n.º 98/2009 identifica que “A pensão por incapacidade permanente não pode ser suspensa ou reduzida mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em consequência de revisão da pensão” acrescentando o seu n.º 2 que: “a pensão por incapacidade permanente é cumulável com qualquer outra”.
r. Não existe nenhum motivo válido e coerente para que se proíba a acumulação de pensões com a remuneração no caso dos trabalhadores da Administração Pública e, por sua vez, no que se refere aos trabalhadores do sector privado essa mesma acumulação seja permitida.
s. Neste enquadramento, não se vislumbram especificidades apenas aplicáveis aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público relativamente aos demais trabalhadores que, efetivamente, justifiquem o desvio em matéria de acumulação de pensões com a remuneração, conforme previsto no regime regra da Lei n.º 98/2009.
t. Por imposição do princípio da igualdade, todos os trabalhadores devem beneficiar de um regime idêntico no que diz respeito à reparação por acidentes de trabalho.
u. A visão do princípio da igualdade enquanto mera proibição do arbítrio, não deve ser aplicada no domínio dos direitos dos trabalhadores.
v. Sai assim também violado o Princípio da Igualdade constante no art.º 13.º da CRP.
Nestes termos e nos mais de direito que doutamente Vossas Excelências se dignarão suprir, requer-se que seja revogada a douta sentença recorrida dando provimento ao pedido do recorrente vertido na petição inicial, com o que se fará inteira justiça.”

A aqui Recorrida/CGA veio apresentar contra-alegações de Recurso em 12 de julho de 2021, onde se conclui:

“A- A sentença recorrida fez a correta interpretação dos factos e do direito aplicando corretamente a norma prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, não merecendo qualquer censura.
B- A Lei n.º 11/2014, de 6 de março, veio estabelecer mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social conferindo ao artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterações no regime de acumulação de prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional com remunerações ou pensões.
C- Em virtude da solução normativa vertida na alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, tendo em conta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, tal prestação não é acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
D- Nos casos em que tendo sido reconhecido o direito a uma prestação periódica por incapacidade permanente, os trabalhadores, não obstante essa incapacidade, continuam a exercer as mesmas funções e a auferir a mesma remuneração, dificilmente se pode falar em dano merecedor de
reparação.
E- A questão de fundo peticionada pelo Autor, ora Recorrente, ao considerar que a norma constante na al. b) do n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art.º 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março viola o disposto na al.f) nº 1 do artigo 59.º e artigo 13.º da CRP, encontra-se claramente ultrapassada pela decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017, de 21 de novembro de 2017.
F- Na sequência do pedido de fiscalização sucessiva pelo Senhor Provedor de Justiça foi proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017 que decidiu que a norma da al.b) do nº1 do artigo 41.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, na redação introduzida pelo artigo 6.º do nº 1. da Lei nº 11/2014 de 6 de março, se encontra em conformidade com a Constituição da República Portuguesa (vd. o Acórdão nº 786/2017, de 21.11.2017, disponível em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170786.html).
G- A atividade da Ré, ora Recorrida, enquanto entidade da Administração Pública, rege-se pelo princípio da legalidade, o qual impõe o dever de obediência à lei, a qual constitui o fundamento e o limite da sua atividade.
H- Pelo exposto, a sentença recorrida não violou, pois, qualquer norma ou preceito legal devendo, por isso, manter-se.
Termos em que, com os mais de direito doutamente supridos por V. Ex.as deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por Despacho de 13 de julho de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 14 de julho de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a suscitada “(…) inaplicabilidade do art. 41º n.º 1 al. b) do Dec. Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por (…) entender que a mesma é inconstitucional”.


III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade provada:
1. O autor é trabalhador do Município de Mirandela, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com a categoria profissional de técnico superior (cfr. facto não controvertido; documento nº 1 junto com a petição inicial);
2. Em 01/07/2019 o autor sofreu um acidente o qual, conforme despacho proferido em 01/07/2019, pela entidade empregadora, em face dos elementos constantes da participação, veio a ser qualificado como acidente em serviço (cfr. documentos nº 5 e 6 juntos com a petição inicial, constante ainda a fls. 39-43 do processo administrativo apenso (doravante PA));
3. Por deliberação de Junta Médica da CGA de 12/01/2021, e na sequência das lesões sofridas pelo autor decorrentes do acidente de 01/07/2019, foi fixada uma incapacidade permanente parcial de 15% (cfr. documentos nº 11 e 12 junto com a petição inicial, e documentos de fls. 56-60 do PA);
4. Através de ofício datado de 21/01/2021, foi comunicada ao autor, pela Direção da Caixa Geral de Aposentações, decisão com o seguinte teor (cfr. documento nº 13 junto com a petição inicial, constante ainda a fls. 77-78 do PA):
“Comunico a V. Exa. que, por decisão de 2021-01-21, da Direção da Caixa Geral de Aposentações (Delegação de poderes publicada no DR II Série, nº 244 de 2019-12-19), lhe foi fixada, uma pensão anual vitalícia de € 3 204,34, a que corresponde uma pensão mensal de € 228,88 (€3.204,35/14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima.
Do referido acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 15,00 %, conforme parecer da Junta Médica desta Caixa, homologado por despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 2021-01-12.
A pensão mensal, foi calculada nos seguintes termos:
Retribuição anual € 30 517,62
Pensão Mensal (€ 3 204,35 / 14) € 228,88
Subsídio Férias (€ 3 204,35 / 14) € 228,88 Subsídio Natal (€ 6 088,82 / 14) € 228,88
Data Início Pensão 2020-10-28
O abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional agora fixado fica, porém, suspenso, dado que nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo art.º 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de Março, as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional, não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador (…)”.

IV – Do Direito

O Recorrente interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 2 de junho de 2021 no TAF de Mirandela, que julgou improcedente a Ação interposta.

Foi originariamente peticionado, e que não mereceu a procedência por parte do Tribunal a quo, que fosse, nomeadamente,:
a) Declarada a nulidade do ato administrativo praticado pela Caixa Geral de Aposentações que suspendeu o abono da pensão por acidente em serviço;
b) Declarada a inaplicabilidade ao A. da alínea b) n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por a mesma ser inconstitucional;
c) Condenada a R. a dar imediato cumprimento ao pagamento do abono da pensão vitalícia, cujo capital de remição é 44.383,45 €;

O Tribunal a quo julgou improcedente a Ação.

Tal como decidido, entre outros, no acórdão deste TCAN nº 1561/16.8BEBRG, de 01-03-2019, há uma questão incontornável e condicionante da controvertida questão e que se prende com a circunstância do Tribunal Constitucional no Acórdão nº 786/2017, de 21 de novembro de 2017, proferido no Processo n.º 996/2016 ter decidido “(...) não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 — quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas normas — do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, sendo que o entendimento da Recorrida/GCA assentou no referido normativo, pugnando o aqui Recorrente exatamente pela sua inconstitucionalidade, o que, como se viu, contende com a declaração, com força obrigatória geral, do Tribunal Constitucional.

Em qualquer caso, vejamos:
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª Instância:
“(…) como refere a entidade demandada, sobre a (in)constitucionalidade da norma do artigo 41º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação introduzida pelo artigo 6º da Lei nº 11/2014, de 6 de Março, já o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de se pronunciar no indicado Acórdão de 21/11/2017, cuja fundamentação, na parte que aqui releva, foi também já aceite pela jurisprudência administrativa, designadamente, nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07/02/2019, processo nº 2951/16.1 BELSB e de 16/04/2020, processo nº 1895/19.0BELSB e do Tribunal Central Administrativo Norte de 01/03/2019, processo nº 01561/16.8BEBRG e de 28/02/2020, processo nº 00459/19.2BECBR, que sumariou:
“1 – O artigo 41º do Regime de Proteção Social dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas -RPS - alterado pela Lei nº 11/2014, passou expressamente a proibir a acumulação da pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação.
2 - A eventual desaplicação por inconstitucionalidade da al. b) do nº 1 do art. 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação introduzida pela Lei nº 11/2014, de 6 de Março, por violação da al. f) do n.º 1 do art. 59º da Constituição da República Portuguesa, colide desde logo com a Declaração de não Inconstitucionalidade, com força Obrigatória Geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 786/2017, de 21 de Novembro de 2017, proferido no Processo nº 996/2016.
3 – O Tribunal Constitucional ao ter declarado a não inconstitucionalidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, do DL nº 503/99, na redação dada pela Lei nº 11/2014, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, veio viabilizar o entendimento de acordo com o qual, atenta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, a mesma não será acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
4 - Como expressamente se afirmou no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 786/2017, de 2017-11-21, “…as normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
(…) não violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
(…) o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nas normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março.”.
Atendendo a que a questão que se coloca ao Tribunal, foi já apreciada e decidida nos Acórdãos acima identificados, em obediência ao princípio da aplicação e interpretação uniforme do Direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil), e por se concordar plenamente com o ali decidido, passa a transcrever-se a fundamentação, que se acompanha, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/02/2020, processo nº 00459/19.2BECBR, no qual, aderindo à posição do Tribunal Constitucional, se deixou escrito o seguinte:
“Mostra-se pois incontornável e condicionante da controvertida questão a circunstância do Tribunal Constitucional no referido Acórdão nº 786/2017, de 21 de Novembro de 2017, proferido no Processo nº 996/2016 ter decidido “(...) não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas normas - do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, sendo que o entendimento da Recorrida/GCA assentou no referido normativo, pugnando a aqui Recorrente exatamente pela sua inconstitucionalidade, o que, como se viu, contende com a declaração, com força obrigatória geral, do Tribunal Constitucional.
Tal como expendido no referido acórdão deste TCAN proferido no Proc.º nº 1561/16.8BEBRG, de 01-03-2019, no qual o aqui relator, igualmente aí tinha idênticas funções, o regime constante do Estatuto da Aposentação veio a ser substituído com a aprovação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no Âmbito da Administração Pública (RAS), sem prejuízo de aquele continuar a ser aplicável, nos termos das regras gerais, aos acidentes laborais ocorridos ou diagnosticados antes de 1 de Maio de 2000, data da entrada em vigor do novo diploma, situação que aqui se não verifica.
Resulta desde logo do preâmbulo do diploma que «[o] presente diploma acolhe, na generalidade, os princípios consagrados na Lei nº 100/97 (lei geral) adaptando-os às especificidades da Administração Pública.»
Mais aí se refere que «[É afastada] a solução prevista no Estatuto da Aposentação para os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, pensão extraordinária ou reforma, consubstanciada no acréscimo à pensão ordinária de uma parcela indemnizatória quetinha em conta o número de anos e meses que faltassem para o tempo máximo de serviço contável para a aposentação e o grau de desvalorização atribuído.»
Estabelece-se no referido regime, o seguinte:
No Capítulo I, dedicado às disposições gerais, o artigo 4º reconhece o direito a reparação por acidente laboral, dispondo que «[o]s trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais» (n.º 1).
Para além do direito a «reparação em espécie», que compreende prestações de natureza médica e similares, o transporte e estada, e a readaptação, reclassificação e reconversão profissional (n.º 3), o n.º 4 do mesmo artigo estabelece o direito a «reparação em dinheiro», a qual abrange, entre diversas prestações, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, as despesas de funeral e subsídio por morte, a pensão aos familiares, no caso de morte, e uma “indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente» [alínea b)].
No artigo 5º («Responsabilidade pela Reparação») determina-se que, «[o] empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma» (n.º 1) e que, «[n]os casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação…» (n.º 3).
O Capítulo II contém a disciplina dos acidentes em serviço, discriminando as formas da sua reparação. No que respeita a prestações em espécie, estas compreendem os primeiros socorros (artigo 10.º), a assistência médica (artigo 11.º) e os transportes e estada (artigo 14.º).
Quanto a prestações em dinheiro, salienta-se o direito remuneração e outras regalias (artigo 15.º), o qual consiste na garantia de que «[n]o período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente…».
No artigo 23º, sob a epígrafe «Reintegração Profissional», determina-se, no n.º 1, que, «[n]o caso de incapacidade temporária parcial que não implica ausência ao serviço, o superior hierárquico deve atribuir ao sinistrado trabalho compatível com o seu estado…» (n.º 1), acrescentando-se, no n.º 2, que o trabalho compatível «inclui a atribuição de tarefas e a duração e o horário de trabalho adequados ao estado de saúde do trabalhador» e, no n.º 3, que, «quando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respetivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho e a trabalho a tempo parcial e o dever de se candidatar a todos os procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho previstos nos mapas de pessoal dos órgãos ou serviços…».
Finalmente, o nº 4 do mesmo artigo estabelece a intangibilidade da retribuição: «[a]s situações referidas no número anterior não implicam, em caso algum, a redução de remuneração nem a perda de quaisquer regalias».
O Capítulo III contém o regime das doenças profissionais, o qual se traduz, em muito larga medida, numa mera remissão para as normas sobre os acidentes em serviço. A propósito das prestações em espécie (artigo 29.º), a lei limita-se a determinar a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 11.º a 14.º, 23.º e 24.º do diploma; e quanto às prestações em dinheiro, o artigo 32.º prescreve a aplicação às doenças profissionais, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 15.º a 18.º.
O Capítulo IV regula a «Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA)», dispondo-se no artigo 34.º(«Incapacidade Permanente ou Morte») que, «[s]e do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral» (n.º 1), sendo estas pensões e prestações atribuídas e pagas pela CGA (n.º 4) ─ muito embora, com a aprovação da Lei n.º 4/2009, de 29 de Janeiro (Regime de Proteção Social dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas «RPS», essas responsabilidades recaiam agora indiretamente sobre as próprias entidades empregadoras públicas, através da obrigação de reembolsar a CGA (artigo 21.º, n.º 3).
É nesta parte do diploma que se insere o artigo 41.º ─ com a epígrafe, «Acumulação de Prestações» ─ o qual, na versão originária permitia expressamente a acumulação da pensão por incapacidade permanente com a totalidade da pensão de aposentação e permitia implicitamente a acumulação daquela com a totalidade da retribuição.
Este regime de acumulação de prestações manteve-se em vigor até 7 de Março de 2014, data da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014 - sem prejuízo de continuar, naturalmente, a reger os acidentes de trabalho ocorridos e as doenças profissionais diagnosticadas no decurso da sua vigência -,diploma que procedeu às alterações do Decreto-Lei n.º503/99.
Assim, o artigo 41.º do RAS alterado pela Lei n.º 11/2014, passou expressamente a proibir a acumulação da pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação, sendo que era aqui que residia a alegada inconstitucionalidade, o que, como se viu, foi definitivamente dirimido pelo Tribunal Constitucional com a sua declaração, com força obrigatória geral, de não inconstitucionalidade do referido normativo, oque desde logo compromete o entendimento da Recorrente.
Na interpretação adotada pelo Tribunal Constitucional relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º resulta, em síntese, o entendimento de que o normativo visa garantir uma correspondência entre a pensão auferida pelo sinistrado e os reais prejuízos por ele sofridos, em face do que o montante da pensão devida deverá ser o adequado ao grau de incapacidade realmente existente.
Entende-se pois que se o trabalhador sinistrado a quem foi fixada uma IPP, continua a desempenhar exatamente a mesma atividade, auferindo a mesma remuneração, não existirá redução da sua capacidade de ganho.
Terá sido pois em face do que antecede que a Lei nº 11/2014, de 6 de Março, terá vindo estabelecer mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social o que determinou a introdução no artigo 41.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, das controvertidas alterações no regime de acumulação de prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional.
É assim patente que a possibilidade de acumular prestações periódicas por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional na Administração Pública com remuneração e pensão passou a estar mais restringida, o que determinou que, a pensão por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, a partir de 7 de Março de 2014, tenha passado a não ser acumulável com:
a) A remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional;
b) A parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional;
c) A Remuneração correspondente a atividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.
O Tribunal Constitucional ao ter declarado a já reiteradamente referida não inconstitucionalidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, veio viabilizar o entendimento de acordo com o qual, atenta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, a mesma não será acumulável com a parcela da remuneração o que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.
Como expressamente se afirmou no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 786/2017, de 2017-11-21, “…as normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.ºdo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1,alínea f), da Constituição.
(…) não violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
(…) o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nas normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de Março.”.
E, concretamente, a propósito da violação do princípio da igualdade suscitada pelo autor, pronunciou-se o Tribunal Constitucional do seguinte modo no Acórdão nº 786/2017 supra referido:
“Às diferenças decisivas que ressaltam da comparação entre trabalhadores sujeitos ao regime comum e em funções públicas ─ e com base nas quais se pode afirmar que a lei trata os grupos que integram o par comparativo como iguais do ponto de vista das vantagens patrimoniais atribuídas ─, importa acrescentar que não é idêntica a posição das entidades responsáveis pelo pagamento das pensões. No âmbito do regime comum, a responsabilidade recai sobre entidades seguradoras, remuneradas através de prémios pagos pelos empregadores ao abrigo do regime de seguro obrigatório; consequentemente, se o trabalhador parcialmente incapacidade, beneficiário de uma pensão que visa compensar a sua perda de capacidade de ganho, não vier a sofrer qualquer perda de rendimentos do trabalho, são os próprios empregadores, no gozo da sua autonomia privada, a suportarem os encargos da redundância. Pelo contrário, no âmbito dos infortúnios laborais em funções públicas ─ em que é afastado o princípio do seguro obrigatório (artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º 4/2009, de 29 de Janeiro [RPS]) ─, quer a remuneração dos trabalhadores, quer as pensões por incapacidade permanente, são financiadas exclusivamente através de verbas públicas, nomeadamente receitas fiscais, sendo certo que as entidades empregadoras públicas suportam os encargos daquelas pensões e que o Orçamento do Estado «responde» subsidiariamente pela insuficiência dos recursos afetos a esse fim (artigo 22.º, n.º 3, do RPS). Deste ponto de vista, a proibição de acumulação entre a pensão por incapacidade e a parcela correspondente da retribuição ─ e, de modo derivado, entre aquela e a totalidade da pensão por aposentação ─ destina-se a acautelar a racionalidade da despesa pública neste domínio.”.
Pese embora conhecendo as declarações de voto anexas ao citado Acórdão do Tribunal Constitucional, este Tribunal adere à decisão que obteve vencimento no Acórdão do Tribunal Constitucional - a quem cabe, em última instância, o controlo da constitucionalidade – e que foi acolhida, nomeadamente, nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07/02/2019, processo nº 2951/16.1 BELSB e de 16/04/2020, processo nº 1895/19.0BELSB e do Tribunal Central Administrativo Norte de 01/03/2019, processo nº 01561/16.8BEBRG e de 28/02/2020, processo nº 00459/19.2BECBR.
Portanto, não resultando dos autos que o autor, apesar do infortúnio laboral sofrido e da perda de capacidade calculada, tenha sofrido uma correspondente perda de ganho, não pode afirmar-se que o autor tenha direito ao pagamento do capital em causa, ficando, pois, o seu pagamento suspenso, nos termos previsto no artigo 41º, nº 1, alínea b) do RASDP.
Em conformidade, considerando que a questão a decidir nos presentes autos encontra resposta nos supra referidos arestos, com os quais se concorda, na íntegra, na parte da fundamentação relativa à proibição de acumulação da pensão com a remuneração, concluímos que a pretensão material do autor carece de fundamento legal pelo que, vai a presente ação ser julgada improcedente.”

Aqui chegados, vejamos:

Entende o Autor, aqui Recorrente, que a sentença deveria ter decretado a nulidade do ato administrativo praticado pela CGA, praticado em 2021-01-21, que determinou a suspensão do abono da pensão em consequência do acidente de trabalho sofrido pelo Recorrente, por entender que a norma alínea b) n.º 1 do art. 41º do Dec. Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro é inconstitucional.

Resulta da factualidade dada como provada que:
- O Recorrente sofreu um acidente, em 2019-07-01, o qual foi qualificado como acidente de trabalho;
- A junta médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 2021-01-12, entendeu que das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 15% de acordo com o Capítulo III nº 7 da T.N.I.
- Por despacho da Direção da CGA de 2021-01-21, foi fixado ao Recorrente uma pensão anual vitalícia, no valor de €3.204,35, a que corresponde uma pensão mensal de € 228,88 (€3.204,35/14);
- O abono dessa pensão ficou suspenso por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo art.º 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março

Em bom rigor, enquanto o Recorrente continuar a desempenhar exatamente a mesma atividade, auferindo exatamente a mesma remuneração, não se vislumbra qualquer redução da capacidade de ganho.

Assim, e sem prejuízo do que se dirá infra, não se reconhece que o normativo aplicado viole o disposto do n.º 1 do artigo 59.º da CRP que consagra o direito à assistência e reparação das vítimas de acidentes de trabalho, nem o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

Efetivamente, o regime constante do Estatuto da Aposentação veio a ser substituído com a aprovação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no Âmbito da Administração Pública (RAS), sem prejuízo de aquele continuar a ser aplicável, nos termos das regras gerais, aos acidentes laborais ocorridos ou diagnosticados antes de 1 de maio de 2000, data da entrada em vigor do novo diploma.

Resulta desde logo do preâmbulo do diploma que «[o] presente diploma acolhe, na generalidade, os princípios consagrados na Lei n.º 100/97 (lei geral) adaptando-os às especificidades da Administração Pública.»

Mais aí se refere que «[É afastada] a solução prevista no Estatuto da Aposentação para os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, pensão extraordinária ou reforma, consubstanciada no acréscimo à pensão ordinária de uma parcela indemnizatória que tinha em conta o número de anos e meses que faltassem para o tempo máximo de serviço contável para a aposentação e o grau de desvalorização atribuído.»

Estabelece-se no referido regime, o seguinte:
No Capítulo I, dedicado às disposições gerais, o artigo 4.º reconhece o direito a reparação por acidente laboral, dispondo que «[o]s trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais» (n.º 1).

Para além do direito a «reparação em espécie», que compreende prestações de natureza médica e similares, o transporte e estada, e a readaptação, reclassificação e reconversão profissional (n.º 3), o n.º 4 do mesmo artigo estabelece o direito a «reparação em dinheiro», a qual abrange, entre diversas prestações, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, as despesas de funeral e subsídio por morte, a pensão aos familiares, no caso de morte, e uma «indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente» [alínea b)].

No artigo 5.º («Responsabilidade pela Reparação») determina-se que, «[o] empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma» (n.º 1) e que, «[n]os casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação…» (n.º 3).

O Capítulo II contém a disciplina dos acidentes em serviço, discriminando as formas da sua reparação. No que respeita a prestações em espécie, estas compreendem os primeiros socorros (artigo 10.º), a assistência médica (artigo 11.º) e os transportes e estada (artigo 14.º).

Quanto a prestações em dinheiro, salienta-se o direito à remuneração e outras regalias (artigo 15.º), o qual consiste na garantia de que «[n]o período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de caráter permanente…».

No artigo 23.º, sob a epígrafe «Reintegração Profissional», determina-se, no n.º 1, que, «[n]o caso de incapacidade temporária parcial que não implica ausência ao serviço, o superior hierárquico deve atribuir ao sinistrado trabalho compatível com o seu estado…» (n.º 1), acrescentando-se, no n.º 2, que o trabalho compatível «inclui a atribuição de tarefas e a duração e o horário de trabalho adequados ao estado de saúde do trabalhador» e, no n.º 3, que, «[q]uando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respetivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho e a trabalho a tempo parcial e o dever de se candidatar a todos os procedimentos concursais para ocupação de postos de trabalho previstos nos mapas de pessoal dos órgãos ou serviços…».

Finalmente, o n.º 4 do mesmo artigo estabelece a intangibilidade da retribuição: «[a]s situações referidas no número anterior não implicam, em caso algum, a redução de remuneração nem a perda de quaisquer regalias».

O Capítulo III contém o regime das doenças profissionais, o qual se traduz, em muito larga medida, numa mera remissão para as normas sobre os acidentes em serviço. A propósito das prestações em espécie (artigo 29.º), a lei limita-se a determinar a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 11.º a 14.º, 23.º e 24.º do diploma; e quanto às prestações em dinheiro, o artigo 32.º prescreve a aplicação às doenças profissionais, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 15.º a 18.º.

O Capítulo IV regula a «Responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA)», dispondo-se no artigo 34.º («Incapacidade Permanente ou Morte») que, «[s]e do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral» (n.º 1), sendo estas pensões e prestações atribuídas e pagas pela CGA (n.º 4) ─ muito embora, com a aprovação da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro (Regime de Proteção Social dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas «RPS», essas responsabilidades recaiam agora indiretamente sobre as próprias entidades empregadoras públicas, através da obrigação de reembolsar a CGA (artigo 21.º, n.º 3).

É nesta parte do diploma que se insere o artigo 41.º ─ com a epígrafe, «Acumulação de Prestações» - o qual, na versão originária permitia expressamente a acumulação da pensão por incapacidade permanente com a totalidade da pensão de aposentação e permitia implicitamente a acumulação daquela com a totalidade da retribuição.

Este regime de acumulação de prestações manteve-se em vigor até 7 de março de 2014, data da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014 ─ sem prejuízo de continuar, naturalmente, a reger os acidentes de trabalho ocorridos e as doenças profissionais diagnosticadas no decurso da sua vigência ─, diploma que procedeu às alterações do Decreto-Lei n.º 503/99.

Assim, o artigo 41.º do RAS alterado pela Lei n.º 11/2014, passou expressamente a proibir a acumulação da pensão por incapacidade permanente parcial com a totalidade da retribuição ou da pensão de aposentação, sendo que era aqui que residia a alegada inconstitucionalidade, o que foi definitivamente dirimido pelo Tribunal Constitucional com a sua declaração, com força obrigatória geral, de não inconstitucionalidade do referido normativo, o que desde logo compromete o entendimento do Recorrente.

Na interpretação adotada pelo Tribunal Constitucional relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º resulta, em síntese, o entendimento de que o normativo visa garantir uma correspondência entre a pensão auferida pelo sinistrado e os reais prejuízos por ele sofridos, em face do que o montante da pensão devida deverá ser o adequado ao grau de incapacidade realmente existente.

Entende-se pois que se o trabalhador sinistrado a quem foi fixada uma IPP, continua a desempenhar exatamente a mesma atividade, auferindo a mesma remuneração, não existirá redução da sua capacidade de ganho.

Terá sido pois em face do que antecede que a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, terá vindo estabelecer mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social o que determinou a introdução no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, das controvertidas alterações no regime de acumulação de prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional.

É assim patente que a possibilidade de acumular prestações periódicas por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional na Administração Pública com remuneração e pensão passou a estar mais restringida, o que determinou que, a pensão por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, a partir de 7 de março de 2014, tenha passado a não ser acumulável com:
a) A remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional;
b) A parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional;
c) A Remuneração correspondente a atividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.

O Tribunal Constitucional ao ter declarado a já reiteradamente referida não inconstitucionalidade da alínea b), do n.º 1 do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, veio viabilizar o entendimento de acordo com o qual, atenta a natureza indemnizatória da prestação periódica a que o trabalhador sinistrado tem direito, a mesma não será acumulável com a parcela da remuneração que corresponde à percentagem da redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador.

Como expressamente se afirmou no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 786/2017, de 2017-11-21, “…as normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, não violam o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
(…) não violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
(…) o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nas normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 - quanto a este último, no segmento em que remete para aquelas – do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março.”
Não se reconhece pois qualquer vício na decisão recorrida, suscetível de determinar a anulação ou revogação do aresto em apreciação.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
*
Custas pelo Recorrente
*
Porto, 31 de agosto de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Hélder Vieira
Helena Canelas