Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00599/10.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
IRC
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS
Sumário:I – A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.
II – A falta de racionalidade económica aparente das operações comerciais também não constitui indício fundado de que essas operações não existiram, a menos que seja associada a outros dados objectivos que o confirmem.
III – Pelo que a Administração Tributária, que invoca apenas a falta de credibilidade do emitente de determinadas facturas e a falta de credibilidade económica das operações comerciais respectivas, não demonstra que o custos correspondentes não foram efectivamente suportados pelo sujeito passivo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C... – Reciclagem de Metais, SA, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Paredes, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 06/02/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra a liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2006 e respectivos juros compensatórios, no montante de €207.789,55.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. O Senhor Director de finanças do Porto procedeu ao indeferimento, por douto Despacho de 06.07.2010, da Reclamação Graciosa apresentada.

B. Efetivamente, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios referente ao ano de 2006 no montante de € 207789,55, com data limite de pagamento voluntário em 2010-01-27.

C. Face ao Relatório de Inspeção Tributária, do qual o contribuinte foi notificado em 2009-12-09, as correções meramente aritméticas quanto a IRC resultam de infração ao disposto no nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, por não terem sido consideradas como custo fiscal as compras de mercadorias constantes nas faturas emitidas para o contribuinte pelo seu fornecedor A…, SA, contribuinte nº 5…, entregues a outras entidades que não a ele, no montante de € 686.804,98, não podia ser considerado como custo por resultar de operações simuladas.

D. Apresentada que foi a Impugnação Judicial, correu a mesma os seus trâmites normais e após julgamento, foi proferida douta Sentença em 06.02.2012, onde, no essencial, é confirmada a decisão da AF e consequentemente, indeferida a pretensão da Recorrente.

E. A questão embora complexa no conteúdo, é simples de resumir: a C... vendeu resíduos de cobre a empresas espanholas, servindo-se para o efeito de um fornecedor português, que carregava a mercadoria em Portugal, e a transportava por sua conta, para a entregar, nos clientes da Recorrente, em Espanha.

F. Dessas transações, a Recorrente fez todos os registos, administrativos, bancários e contabilísticos, e deles extraiu todas as consequências, nomeadamente lançou as aquisições em custos, as vendas em proveitos e, por se tratarem de transações intracomunitárias, isentas de IVA pois, deduziu o mesmo na declaração enviada ao SIVA.

G. Entende a Administração Fiscal que os documentos e registos efetuados pela Recorrente, não correspondem a verdadeiras transações comerciais e que as mesmas não existiram, sendo que todas elas são simuladas.

H. Assim sendo, extraiu a A.F. as respectivas consequências e não aceitou as aquisições efectuadas pela Recorrente, e em consequência, não só não aceitou o IVA por si deduzido como também não considerou os custos das aquisições referidas.

I. Existem três erros materiais cometidos na douta Sentença “a quo”: Não existe qualquer recurso hierárquico em relação ao exercício de 2006, que possibilite à Fazenda Pública dar como reproduzidos os argumentos ali adiantados, bem como um lapso de soma do quadro contante das páginas 3 e 4 da douta sentença.

J. O Tribunal “a quo” considera que os documentos juntos aos autos, só por si, não provam que foi a sociedade “A…” quem vendeu os produtos de sucata de cobre, à Recorrente.

K. A Recorrente juntou todos os documentos a que a Lei obriga (faturas, extratos bancários, CMR’s, recibos, documentos de retificativos, etc.) e o Tribunal reconheceu a regularidade e correção da contabilidade da Recorrente.

L. Por outro lado, foi apresentada prova de que os clientes da Recorrente declararam as suas aquisições à Autoridade Tributária Espanhola, e que os respetivos pagamentos foram realizados sempre por entidade bancária.

M. A Administração Tributária não pode desconsiderar as faturas de aquisição, quando existem todos os comprovativos documentais da realidade das transmissões, só porque os seus emitentes são conhecidos como emitentes de faturação falsa.

N. Ao contrário do vertido na douta sentença de que se recorre, não existem indícios suficientes de que as transmissões plasmadas nas faturas em causa, não ocorreram, bem pelo contrário.

O. Refere também a douta sentença, que as operações apresentadas pela Recorrente das aquisições de resíduos de cobre à sua fornecedora, a “A….”, não são credíveis na medida em que se encontram destituídas de racionalidade económica.

P. Tanto quanto é possível entender, parece que o conceito de racionalidade económica se traduz no facto da Recorrente ser uma mera intermediária em toda a operação de compra e venda, que nada acrescenta à mesma, bem como a diminuta margem de lucro.

Q. Não tomou em consideração a douta sentença “a quo”, que a Recorrente tinha relações preferenciais com a sua cliente espanhola, através do seu, à data, Administrador Sr. L…, também ele espanhol, bem como que a margem de lucro da Recorrente, não era diminuta, atendendo às quantidades vendidas. Outras justificações existiam: dependência dum só fornecedor (que a “U...” não queria), dependência em demasia dum só cliente (que a Recorrente também não queria).

R. No entanto e para além do que ficou dito, sempre se dirá também:
· A recorrida não indagou se a UVE2003 estava interessada em adquirir desse fornecedor os resíduos de cobre;
· A recorrida não sabe que relações comerciais tinham a UVE e a Recorrente, nem quais as exigências da UVE para ser seu fornecedor;
· Reduzir uma relação negocial a um preço a pagar pelo produto, é no mínimo redutor e negligente;
· Não nos podemos esquecer, e faz toda a diferença, que o Gerente da Recorrente, de nacionalidade espanhola, tinha contactos privilegiados na UVE2003

S. Uma coisa é certa a “A…” nunca foi fornecedor da U..., conforme prova testemunhal em julgamento, bem como o documento junto aos autos, no qual a UVE indica quais são os seus fornecedores estrangeiros e qual o volume de negócios que com eles encetou.

T. Os factos apurados, e vertidos na douta sentença, pela Administração Tributária, não permitem afirmar que a Impugnada deu cumprimento ao ónus de reunir e demonstrar “factos-indice” sobre a falsidade apontada aos valores declarados.

U. Não cumpriu pois a douta decisão “a quo” com o ónus da prova dos pressupostos que lhe era exigida, e por tal razão, não ficou abalada a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da recorrente, e por essa via não pode considerar-se invertido o ónus da prova.

V. A fornecedora de resíduos de cobre da Recorrente, a sociedade “A….”, estava em acompanhamento permanente, o que significa que, no mínimo, o cumprimento das suas obrigações fiscais, dos seus clientes e dos seus fornecedores, era monitorizado permanentemente pela Administração Fiscal, ainda mais quando eram solicitados reembolsos.

W. A fornecedora de resíduos de cobre da Recorrente, a sociedade “A….”, era uma empresa certificada pela APCER, no âmbito de tratamento e gestão de resíduos de cobre, o que dava uma garantia de legalidade, de capacidade de fornecimento, de seriedade, de competência e de profissionalismo adicionais à Recorrente.

X. O que se passou com A... em anos anteriores a 2006 nada tem a ver com este processo pelo que não podem ter qualquer relevância para a decisão do mesmo que é referente ao ano de 2006.

Y. Refere-se na douta Sentença que o que está em causa são as compras da Recorrente aos seus fornecedores e não as suas vendas, e que esta não demonstrou que as mesmas foram realizadas à empresa “A….”, da forma descrita, sobretudo porque a Recorrente não conseguiu provar que a sua fornecedora tinha comprado essa mesma mercadoria que lhe vendeu.

Z. Aqui o Tribunal não teve em conta que está a exigir à Recorrente uma prova impossível, ou pelo menos uma prova de acrescida dificuldade de factos negativos que deverá ter como corolário somente, por força do principio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigidas se tal dificuldade não existisse.

AA. Mostram-se violados os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, pela douta decisão “a quo”

BB. Refere-se na douta sentença (fls. 32): “Não existe por isso fundamento legal para considerar como custo o valor de aquisição dessas mercadorias constante das faturas emitidas pela A…., registadas na contabilidade da impugnante no exercício de 2006 por não ter sido feita prova bastante de que correspondem a operações económicas reais (art. 23º, nº1 do CIRC)”.

CC. Não foi realizada, por parte da Administração Tributária, qualquer análise às existências iniciais ou finais.

DD. O apuramento da matéria colectável realizado pela AT e corroborado na douta sentença “a quo”, não teve em conta que os resultados alcançados por essa via, que são perfeitamente absurdos, que nunca a Recorrente apresentou aquele tipo de resultados nem de rentabilidade.

EE. O principio da veracidade das declarações e da escrita dos contribuintes, previsto no Artº 75º da LGT e a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada”, assinada a 19 de Maio de 1956 em Geneve, prevista no Decreto 46 235 de 18.03.1965, estabelecem duas presunções legais a favor da Recorrente.

FF. A Impugnada não conseguiu afastar a presunção legal da veracidade das declarações e da escrita da Recorrente (pontos 82 a 107 das alegações de recurso, para onde se remete).

GG. A Impugnada não conseguiu afastar a presunção legal da veracidade dos transportes realizados, nomeadamente a sua origem, o seu destino, e a veracidade dos factos constantes de cada um dos CMR’s, cujas irregularidades de preenchimento não podem ser assacadas à Recorrente. (pontos 108 a 138 das alegações de recurso para onde se remete)

HH. Os documentos juntos aos autos fazem prova plena dos factos deles constantes, dado que não foram impugnados pela parte contrária.

II. A douta decisão “a quo” refere que não existe vício de falta de fundamentação, posição com a qual a Recorrente discorda. É irrelevante o facto da Recorrente ter percebido a decisão da AF, que esta está devidamente fundamentada. O que releva é que para se poder defender, a Recorrente teria que ter percebido como é que foi possível concluir como se concluiu. Isso não é possível em face da douta decisão da AF.

JJ. Acresce que, ao invés do que se refere na douta Sentença “a quo” foi violado o princípio do inquisitório plasmado no artigo 58.º da LGT, que é corolário do dever de imparcialidade. A Recorrida limitou-se a negar a pretensão da impugnante e a tecer indevidas considerações sobre a sua atividade, sem fundamentar as suas conclusões e sem apreciar os documentos que a Recorrente aportou ao procedimento.

KK. O princípio do inquisitório impunha, outrossim, a descoberta da verdade material ou substancial dos factos.

LL. A não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do ato tributário, o que conduz à anulabilidade da decisão impugnada.

MM. A decisão recorrida violou os princípios do procedimento tributário estabelecidos no artigo 266º da C.R.P. e 55º da LGT, donde decorre face ao princípio da legalidade, a Administração Tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais, quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem razões de interesse público que justificam a sua atuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustra as expectativas que a sua atuação nestes tenha gerado.

NN. O Tribunal expressamente aceitou a tese da Recorrida segundo a qual as vendas da Recorrente são aceites fiscalmente mas as respetivas compras não o são porque terão sido efetuadas a outros que não aos fornecedores que constam nos documentos.

OO. As compras da Recorrente foram realizadas à “A….”. No entanto, admitindo a tese da AF de que este fornecedor não realizou compras suficientes para vender tais quantidades de produtos, por mera hipótese e simplicidade de raciocínio, então era impossível por falta de credibilidade, fazer correções técnicas. Estas só são possíveis havendo inventários credíveis. Se tal não se verifica, teria que ser realizada uma avaliação indireta, os chamados métodos indiciários, que também não se aplicam, uma vez que a sua aplicação obriga a que, nos termos do artigo 23º do CIRC, se presumam os custos necessários, neste caso compras, compatíveis com as vendas aceites fiscalmente.

PP. O facto da AF considerar que as vendas da “A….” são verdadeiras e as compras da C... à mesma empresa são falsas, é completamente descabido e não faz sentido.

QQ. Foram violados as disposições conjugadas dos Artigos 13º, 20º, nº 5 do Artº 266º, 267º e nº 4 do Artº 268º todos da Constituição da República Portuguesa; 5º, 43º, 55º, 58º, 60º, 67º, 75º da Lei Geral Tributária; 37º, 89º, 90º e 99º do Código de Processo e Procedimento Tributário e Artº 82º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado; Artºs 341º, 342º, 344º, 349º, 350º, 365º, 368º do Código Civil, Artºs 1º, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º, 12º do Decreto-Lei nº 46 235 de 18.03.1965, entre outros.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença proferida e ser substituída por douto Acórdão, onde se conclua como na Impugnação apresentada, só assim se fazendo JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 941/942 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IRC com referência ao disposto no artigo 23.º do Código de IRC, sem olvidar a invocada violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça e ainda do inquisitório.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Com interesse para a decisão da causa, o tribunal a quo considerou apurada a seguinte factualidade:
“(…)
A) No exercício de 2006, a impugnante registou na sua contabilidade, entre outras actividades, a venda de sucata de cobre para as empresas espanholas U… e L…, com instalações em Córdoba (relatório de inspecção tributária (RIT), testemunhas A…, L… e Ab…).
B) Por causa dessa actividade a impugnante pediu o reembolso de IVA liquidado nas facturas registadas na sua contabilidade relativas às compras das mercadorias vendidas a essas empresas espanholas (RIT, junto de fls. 65 e seguintes do processo de reclamação graciosa (PRG)).
C) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva aos exercícios de 2003 a 2005 e 2006 (fls. 71 do PRG).
D) O motivo da realização da acção inspectiva foi a acção inspectiva realizada a parceiros comerciais da impugnante (fls. 71 do PRG).
E) Com base nos factos apurados no RIT, que consta de fls. 65 a 135 do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os serviços de inspecção tributária consideraram que as facturas emitidas pela A…. no exercício de 2006, discriminadas no anexo I do referido relatório, constante de fls. 390 e 393 a 399, que documentam as transacções de mercadorias entregues directamente em Espanha, deduzida a nota de crédito n.º 12, referente à factura n.º 125, registadas na contabilidade da impugnante, não titulam operações económicas efectivas, e decidiu que essas facturas não conferiam o direito à dedução do IVA, nos termos do art. 19.º, n.º 3, do CIVA, e o direito ao reembolso (RIT junto ao PRG).
F) Essas facturas são as seguintes:
Fact.n.º
Data
Fornecedor
Designação
Preço
IVA
Total
29
16/1/2006
A... Sucata cobre
85.952,00 €
18.049,92 €
104.001,92 €
125
2/2/2006
A...Sucata latão
58.558,50 €
12.297,29 €
70.855,79 €
142
6/2/2006
A...Sucata cobre
77.748,00 €
16.327,08 €
94.075,08 €
NC 12
23/2/2006
A...Sucata latão
- 91,00 €
- 19,11 €
- 110,11 €
512
2/5/2006
A...Sucata cobre
128.917,92€
27.072,76 €
155.990,68 €
594
18/5/2006
A...Sucata cobre
118.560,24€
24.897,65 €
143.457,89 €
596
18/5/2006
A...Sucata cobre
129.420,72€
27.178,35 €
156.599,07 €
622
22/5/2006
A...Sucata cobre
87.738,60 €
18.425,11 €
106.163,71 €
Total
686,804,98€
144.229,05€
831.034,03
G) O valor constante dessas facturas, abatido o valor da nota de crédito n.º 12, ascende aos seguintes montantes globais (RIT junto ao PRG):
G.1) Valor dos bens mencionados nas facturas: 686.804,98 €;
G.2) Valor do IVA mencionado nas facturas: 144,229,05 €.
H) Para além das facturas referidas em F), no ano de 2006, a A... forneceu à impugnante, tendo-lhe entregue as respectivas mercadorias, sucata no valor de 58.091,22 €, sendo o IVA mencionado nas facturas de 12.199,15 €, que perfaz o montante total de 70.290,37 €, que não deram origem a qualquer correcção à matéria colectável (fls. 72 e 73 do PRG).
I) A administração tributária procedeu à correcção meramente aritmética do IVA do exercício de 2006, no valor global de 144.229,05 € (fls. 66 do PRG).
J) A administração tributária procedeu ainda à correcção meramente aritmética da matéria tributável do IRC do exercício de 2006, no valor de 686.804,98 € (fls. 66 e 118 do PRG).
K) Estas correcções à matéria colectável tiveram origem apenas nas facturas referidas em E) e F), cujas mercadorias foram entregues a outras entidades que não a impugnante (fls. 72 e 73 do PRG).
L) Estas correcções deram origem às seguintes liquidações adicionais de IRC de 2006 e respectivos juros compensatórios (fls. 144 a 146 do PRG):
L.1) IRC do exercício de 2006, no valor de 188.871,37 €; e
L.2) Juros compensatórios da liquidação do exercício de 2006, no valor de 18.918,18 €, com data limite de pagamento voluntário em 27/1/2010.
M) A A... foi uma empresa certificada pela APCER – Associação Portuguesa de Certificação, no período compreendido entre 2001 e 2006, que certificou o sistema de gestão da qualidade da empresa, implementado na reciclagem de sucata – triagem, selecção e preparação para consumo de materiais metálicos, que cumpria com os requisitos da Norma ISSO 9001:2000 (fls. 217 e seguintes).
N) A A... pertencia ao cadastro do Acompanhamento Permanente da Direcção de Finanças de Setúbal (fls. 250 e 253 e seguintes).
O) A impugnante apresentou a reclamação graciosa da liquidação que consta de fls. 3 a 20 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido, juntando prova documental.
P) O projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa consta de fls. 147 a 157 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Q) A impugnante exerceu o direito de audiência prévia pelo requerimento de fls. 159 a 171 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
R) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa consta de fls. 172 a 174 do PRG, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
S) No exercício da actividade de comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos, para o ano de 2006, a margem de lucro mediana nacional nos índices da administração tributária é de 29,71% (fls. 134 e 154 a 157 do PRG).
T) A impugnante não pagou as liquidações impugnadas, tendo sido instaurado o respectivo processo de execução fiscal (fls. 49 do PA).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) Os produtos constantes das facturas emitidas pela A..., registadas na contabilidade da impugnante, referidas nas alíneas E) e F), que a administração tributária não aceitou como custo, não conferindo o direito à dedução e reembolso do respectivo IVA, foram efectivamente fornecidos por si.
3.1.1 – Motivação.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
Além disso julgou provados alguns factos com base nos depoimentos das testemunhas, conjugados com a restante prova já carreada para o processo e com as regras da experiência.
A matéria de facto não provada resultou da insuficiência da prova.
Sendo factos alegados pela impugnante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT). Para prova dos factos alegados, além dos documentos já juntos aos autos, a impugnante juntou documentos com a petição inicial e no decorrer deste processo até às alegações e arrolou testemunhas.
Os documentos juntos só por si não são suficientemente consistentes para comprovar que foi a A... que efectivamente vendeu/forneceu à impugnante os produtos (sucata de cobre e latão) que constam das facturas desconsideradas pela administração tributária.
Apesar da impugnante também alegar a venda desses produtos às suas clientes espanholas, L…, SA, e U…, SL, o que está em causa é apenas a compra, o fornecimento, dessas mercadorias à impugnante, isto é, o que está em causa nestes autos são apenas as compras / fornecimentos dos produtos constantes das facturas que eram vendidos pela impugnante às suas clientes espanholas.
Os documentos juntos não comprovam que os produtos constantes das facturas foram efectivamente fornecidos / vendidos pela emitente das facturas. Os documentos (facturas, CMR, guias de transporte, cheques e documentos de transferências bancárias) representam apenas o aspecto formal do movimento comercial e contabilístico. Os documentos apresentados pela impugnante não são bastantes para comprovar que os produtos que constam das facturas desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária foram efectivamente fornecidos pela emitente.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas não se revelou suficientemente consistente para convencer o tribunal dos factos julgados não provados, isto é, que foi a A..., empresa que emitiu as facturas, que efectivamente forneceu à impugnante as mercadorias que delas constam.
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do CC).
No caso em apreço, a administração tributária no relatório da inspecção tributária, que aqui se dá por reproduzido, demonstrou de forma coerente e sustentada a existência fortes indícios de que as mercadorias – sucata de cobre e latão – constantes das facturas emitidas pela A..., no que respeita às mercadorias entregues em Espanha, registadas na contabilidade da impugnante e desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária não foram efectivamente fornecidos pelas emitentes.
Esta conclusão da administração tributária começa por sustentar-se nos antecedentes da impugnante, que nos exercícios de 2003 a 2005 tinha registado na sua contabilidade facturas emitidas pela A... e pelas empresas R…– Reciclagem de Metais, Ld.ª, e Sucatas M…– Comércio de Sucatas, Ld.ª, que, para a administração tributária, não correspondiam a transmissões efectivas de bens. A administração tributária sustentou estas suas conclusões no facto dessas empresas não disporem de condições necessárias para vender as mercadorias que facturaram à impugnante. Esta falta de condições das empresas vendedoras foi corroborada, no aspecto formal, pelos elementos recolhidos junto da impugnante que confirmam a falta de credibilidade dos documentos que titulam essas operações, e no aspecto substancial, porque a impugnante não logrou as razões que pudessem justificar, em concreto, as aquisições a esses três fornecedores e, em particular, à A..., que está em causa nestes autos, e porque essas operações revelaram-se destituídas de racionalidade económica, conforme consta do relatório de inspecção tributária dos exercícios de 2003 a 2005, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Quanto ao exercício de 2006, atendendo que a impugnante confirmou que nesse exercício manteve a mesma forma de trabalhar, a administração tributária realizou nova inspecção à impugnante, na qual concluiu de forma coerente e sustentada a existência fortes indícios de que as mercadorias – sucata de cobre e latão – constantes das facturas emitidas pela A..., registadas na contabilidade da impugnante e desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária, no que respeita às mercadorias entregues em Espanha às clientes da impugnante, não foram efectivamente fornecidos pela A....
Esta conclusão deriva do facto da administração tributária ter constatado que a A... no exercício de 2006, tal como nos anteriores, contabilizou compras de sucata com base em documentos de compras falsos, com a intenção de justificar os documentos de venda que ia emitindo. Com essa conduta compensava o IVA que indicava como liquidado nas facturas e simultaneamente proporcionava a algumas empresas que se situavam a jusante do circuito económico, como a impugnante e a Sucatas…, Ld.ª, o reembolso indevido do IVA, funcionando a A... como denominada empresa tampão. A administração tributária concluiu que a A... contabilizou compras de sucata com base em documentos de compras falsos porque as compras provenientes de entidades geradoras de sucatas, isto é de produtores de sucata, são residuais assim como também são residuais as compras realizadas a pequenos fornecedores de sucatas. Os valores contabilizados pela A..., no conjunto destes dois tipos de fornecedores não ultrapassam os 3% em 2003, 1% em 2004, 1% em 2005 e 1,8% em 2006.
Ao invés, as compras registadas pela A... a fornecedores inspeccionados pela administração tributária e em que se concluiu serem emitentes de facturas falsas totalizam mais de 87% em 2004, 89,6% em 2005 e 94,4% em 2006. Estes fornecedores são empresas que desaparecem, sendo substituídas por outras detidas pelas mesmas pessoas que facturam valores muito elevados, incompatíveis com a falta de estrutura material, económica e humana indispensáveis ao exercício da actividade nos montantes facturados.
Apesar da sua dimensão e da capacidade comercial e financeira evidenciadas pela A..., esta empresa não tem como fornecedor de sucata uma única empresa das grandes geradoras de desperdícios e sucata de metal, não tendo um único fornecedor que tenha actividade, dimensão e capacidade de produzir grandes quantidades de sucata, compatíveis com a postura que assume no mercado e com o volume de vendas que factura.
Não se compreende como é que a A... pelo elevado volume de negócios que apresenta, pela capacidade industrial que dispõe e pela actividade que desenvolve há mais de 30 anos esteja dependente dos fornecimentos de sucata de pequenas empresas que estão envolvidas na constituição de sociedades fictícias, que facturam vendas de produtos que não possuem e em transportes de mercadorias em viaturas que não existem ou ilegais, empresas que não têm qualquer estrutura para fornecer a sucata que facturam à A.... Não é normal que uma empresa da dimensão da A... estivesse dependente deste tipo de fornecedores e não procurasse ela própria assegurar fornecimentos de sucata junto dos grandes produtores. Estes pequenos fornecedores ou intermediários só existem porque há um interesse em criar um circuito económico documental fictício de sucata, em substituição de compras e vendas realizadas integralmente fora do território português (o circuito documental criado das compras de sucata em Portugal e da subsequente venda em Espanha, destina-se a encobrir compras e vendas de sucatas realizadas em Espanha, permitindo ao alegado vendedor português solicitar o reembolso do IVA de uma transacção comercial que nunca existiu), caso contrário essas pequenas empresas eram eliminadas do circuito económico pelas empresas de grande dimensão como era a própria A....
A situação normal e real do sector é a existência de vários fornecedores intermediários de pequena dimensão, mas que nunca chegam a ter uma dimensão que permita registar compras que atinjam um valor de 99% das compras contabilizadas pela A... em 2004, 99% em 2005 ou 98,2% em 2006.
Também não é verosímil que a A... não soubesse minimamente a origem desses alegados fornecimentos que ascendiam a um volume de negócios bastante elevado, atingindo milhões de euros e milhares de toneladas de sucata, tanto mais que sendo empresas recentes não se compreende como é que a A... não conhecia a origem dessas sucatas e não tentasse ela própria adquirir directamente a sucata.
Aqui realça-se o caso de R… e das suas empresas, que sem qualquer estrutura empresarial e sem meios técnicos e humanos e sem equipamentos apresentava um elevado volume de negócios quase idêntico ao da A... e não procurasse também ele os seus próprios clientes ficando dependente da A.... Acresce que a empresa J… que era detida pelos sócios da A... foi vendida em meados de 2004 a R…. Sendo os accionistas da A... sócios da J… e da Sucatas…, com base nas irregularidades referidas no relatório de inspecção tributária de 2003 a 2005, a administração tributária concluiu que os sócios venderam a J.. apenas para desfazerem-se dessa empresa atendendo à proximidade das relações entre os sócios dessa empresa e a A... e às facturas falsas que emitira para esta.
R… viria a criar também as empresas Sucatas M…, M… Sucata e Sucataria…. Segundo informação de R..., as contabilidades da J…, Sucatas M… e M… Sucata arderam dentro do mesmo carro quando a J… foi notificada para apresentar a sua contabilidade para ser inspeccionada.
Para a administração tributária a Sucataria… tenderia a substituir as empresas J…, Sucatas M… e M… Sucata, na emissão de facturas falsas. A Sucataria… declarou o início de actividade em 3/5/2006, emitindo nesse mesmo dia a factura n.º 20, sendo conhecidas da administração tributária apenas as facturas n.ºs 20, 22, 224 e 27, emitidas todas em Maio para a A.... Todavia, esta empresa não entregou as declarações de rendimentos e de IVA e também não lhe são conhecidos qualquer fornecedores de sucata, tal como acontecia nas restantes empresas de R.... O técnico de contas referenciado no sistema informático da DGI é o mesmo que da J…, Sucatas M… e M… Sucata afirmou que não sabia que tinha sido identificado como sendo o técnico de contas da Sucataria… e que nunca lhe foi entregue qualquer documento para contabilizar. Por isso, a administração tributária concluiu que a actividade comercial desta empresa, à semelhança das restantes empresas de sucata de R..., é fictícia.
A falta de credibilidade dos fornecimentos de sucata à A... e do subsequente fornecimento à impugnante ressalta ainda do facto de além da A... não conhecer a origem da sucata que adquiria aos seus fornecedores, quando os serviços da inspecção tributária indagaram junto dos seus fornecedores e transportadores estes também não conheciam a sua proveniência ou então diziam que quem sabia eram os seus fornecedores que ou eram pessoas desconhecidas, que não existiam, eram toxicodependentes ou arrumadores de automóveis. Isto é, os serviços de inspecção tributária não conseguiram identificar a origem dos fornecedores efectivos das alegadas compras de sucata.
Esta falta de credibilidade da origem dos fornecimentos é corroborada pela falta de credibilidade dos documentos – facturas ou vendas a dinheiro – emitidos pelos fornecedores e registados na A... que encontravam-se sempre assinados por quem os emitiu, procedimento que não é obrigatório nem habitual na actividade comercial, comportamento que aparentemente pretende conferir credibilidade a documentos que não a têm e ilibar de responsabilidade o seu utilizador.
A falta de credibilidade destas aquisições resulta ainda da falta de guias de transporte e de documentos do registo de entrada e / ou recebimento das sucatas nas instalações da A... e ou talões de pesagem de entrada ou saída de sucata, que só começaram a ser realizados a partir de 2005 (que alegadamente foram destruídos conforme consta do relatório da inspecção dos exercícios anteriores).
Mas também não deixar de ser relevante que mais de 90% da sucata mencionada nas facturas de compra contabilizadas na A... ter origem em locais não identificados quase todos situados na Zona Norte do País.
Esta falta de credibilidade é ainda reforçada porque a A... tem registados fornecimentos diários de quantidades que vão dos 10.000 aos 30.000 e mais quilos, que a serem reais pressuporiam a existência de fornecedores com instalações adequadas para o tratamento dos resíduos, com armazéns, equipamento e pessoal, ou a existência de grandes produtores de sucatas. No caso dos fornecedores da A... não eram conhecidos, nem uns, nem outros.
Acresce ainda, que na A... apesar do elevado volume de facturação não há registo de devoluções de compras, descontos de perdas, correcções de preços por falta de qualidade ou quaisquer reclamações como acontece normalmente em qualquer sector de actividade. Por isso, tem de concluir-se que a sucata chegava às instalações da A... já preparada, o que pressupunha que a realização das operações de selecção, escolha e limpeza da sucata era realizada pelos seus fornecedores, mas que como vimos não tinham qualquer tipo de estrutura ou capacidade para o fazer.
Não há uma explicação coerente e verosímil, para a origem das sucatas de cobre e latão adquiridas pela A..., ficando por identificar a origem da maior parte da sucata.
Como se concluiu no relatório da inspecção realizada à A..., a origem da sucata comercializada por essa empresa é um verdadeiro mistério e a quase totalidade do imposto relativo à aquisição de sucatas, deduzido por ela, tem por base fornecimentos de mercadorias cuja origem é desconhecida. A actividade declarada pelos fornecedores identificados é “na sua grande parte uma actividade aparente, fictícia, e que a mesma foi por eles constituída e utilizada como se de um verdadeiro sujeito passivo se tratasse para participar no circuito comercial e documental da sucata, como mera emitente de facturas falsas, sem qualquer transacção real subjacente, servindo unicamente o objectivo de, com intuito fraudulento, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento, ou transacções inexistentes, conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em, documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome, que por via dos documentos de compras falsas que contabilizou para as justificar, não foi entregue nos cofres do Estado. Assim sendo (…) conclui-se que as compras escrituradas e declaradas para efeitos fiscais por A... com base nos documentos emitidos por aqueles “fornecedores” identificados, são falsas, pelo facto de não corresponderem, quanto aos intervenientes, quanto às datas, tipo e características da mercadoria, quantidades, preços unitários e valores totais, às transacções efectivamente realizadas, ou por não corresponderem, pura e simplesmente, a qualquer transacção real”.
No que toca à própria impugnante a inspecção tributária recolheu os documentos que titulam as alegadas operações subjacentes às facturas desconsideradas. As compras eram realizadas pela impugnante às suas fornecedoras com a condição de entregarem as mercadorias às suas clientes no estrangeiro. As compras da impugnante não determinam a movimentação das mercadorias, razão pela qual não existem documentos de transporte. Porém, a impugnante mantinha em arquivo fotocópia das guias de transporte e CMR’s respeitantes a transportes realizados para fora do território nacional, emitidos pelos seus fornecedores. Só que estes documentos não dizem respeito às compras da impugnante aos seus fornecedores, mas às vendas realizadas pela impugnante às suas clientes. São eles:
Factura
de compra
Factura
de venda
C
M R
N.º
Data
N.º
Data
N.º
Data
Emitente
Orig/Fotoc
29
16/1/2006
38
12/1/2006
15193A
30/12/2005
A...Fotocópia
125
2/2/2006
103
6/2/2006
15165A
2/2/2006
A...Fotocópia
142
6/2/2006
108
7/2/2006
15061A
6/2/2006
A...Fotocópia
512
2/5/2006
355
2/5/2006
15547A
2/5/2006
A...Fotocópia
594
18/5/2006
410
19/5/2006
PP0101020
18/5/2006
Sucataria …Fotocópia
596
18/5/2006
410
19/5/2006
PP0100563
18/5/2006
Sucataria …Fotocópia
622
22/5/2006
425
24/5/2006
PP0101011
19/5/2006
Sucataria …Fotocópia
Nas fotocópias dos CMR’s respeitantes às revendas das alegadas aquisições à A... há dois tipos de CMR: uns que têm a A... como expedidora e a impugnante como destinatária e outros que têm a Sucataria… como expedidora e a A... como destinatária:
N.º
Expedidor
Destinatário
Local entrega
Transportador
Recepção
15193AA...C...CórdovaTransportes…Não averbada
15165AA...C...BarcelonaTransportes…U…, SL
15061AA...C...BarcelonaTransportes…U…, SL
15547AA...C...CórdovaTransportes…Não averbada
PP0101020Sucataria …A...CórdovaTransportes…Não averbada
PP0100563Sucataria …A...CórdovaTransportes…Não averbada
PP0101011Sucataria …A...CórdovaTransportes…Não averbada
As indicações nos CMR’s que têm a impugnante como destinatária são destituídas de sentido porque a impugnante não é a destinatária das mercadorias, porque se o fosse tinha em seu poder o duplicado dos CMR’s e tinha de averbar a recepção da mercadorias, coisa que nunca fez porque o destinatário era a sua cliente.
Daqui resulta que: não sendo o destinatário, a impugnante não fez o controlo físico da mercadoria; os CMR’s não indicam o destinatário efectivo da mercadoria; e a impugnante é identificada como destinatária, quando na realidade não é.
Relativamente aos CMR’s que têm a A... como destinatária, as indicações referidas também não têm sentido. Os CMR’s indicam como destinatário a A... quando as mercadorias antes de iniciarem o transporte já pertenciam à impugnante, pelo que não indicam o destinatário efectivo. Nestes CMR’s o transportador – Transportes…, SL – não identifica o seu número de identificação fiscal. O transportador tem elementos comuns com um outro sujeito passivo, a empresa Transportes…, SL, só que esta empresa esta registada no cadastro de sujeito passivo da União Europeia com o número de identificação fiscal B3…, com início em 24/7/2006, data posterior à emissão dos CMR’s. Daqui se conclui que os CMR’s relativos às facturas em causa nestes autos:
- Não identificam o destinatário efectivo das mercadorias;
- As empresas identificadas como expedidoras são operadores económicos sem credibilidade;
- Os destinatários identificados não são os sujeito passivo a quem se destinam as mercadorias; e
- É identificado um transportador (Transportes…, SL) que não é nacional e não está registado no cadastro dos sujeitos passivos de IVA da União Europeia.
Estas irregularidades abalam a credibilidade dos documentos.
Outra inconsistência da actividade comercial da impugnante é, à semelhança dos exercícios de 2003 a 2005, a concentração das aquisições de sucata a empresas de comércio de sucatas (e não a produtores de sucata) e dentro destes na A..., que no primeiro semestre de 2006 forneceu 57,7% das compras da impugnante, sem razões económicas que os justifique.
Uma outra inconsistência é a falta de racionalidade económica da actividade da impugnante. Sendo uma mera intermediária entre as suas fornecedoras e as suas clientes, que não acrescenta qualquer qualidade ao produto transaccionado, limitando-se a acrescentar a sua margem de lucro e sendo a sua principal fornecedora, a A... uma empresa conhecida duma das clientes da impugnante, a U… com quem manteve negócios, e sendo os seus administradores sócios e gerentes da Sucatas…, Exportação e Importação, Ld.ª, empresa que declarou ter efectuado vendas para algumas clientes da impugnante, designadamente A…, SL, U…, SL, L…, SA e L…, SA, não se compreende como é que a A..., por si ou por intermédio da Sucatas…, não vendia directamente a essas empresas, não podendo até dizer-se que umas não conheciam as outras. Esta irracionalidade levaria naturalmente à substituição da impugnante pelas suas fornecedoras.
Outra irracionalidade que a administração tributária relevou foi a desproporção entre o elevado risco do negócio, sobretudo por estar sujeito a fraude que levou até à alteração do regime de tributação do IVA em Espanha e Portugal, e a reduzida margem de lucro 2% a 3%.
A conjugação de todos estes factos constitui forte indício que as aquisições de mercadorias contabilizadas pela impugnante, tituladas pelas facturas emitidas pela A... não correspondem a efectivas transmissões de bens. E esta conclusão não é infirmada pela prova documental junta pela impugnante, sobretudo a prova documental dos pagamentos e recebimentos realizados, porquanto essa prova demonstra o circuito económico formal das transacções económicas, mas não é bastante para comprovar a sua existência física e sobretudo que foi A... que efectivamente forneceu à impugnante a sucata constante das facturas emitidas por si (passe a repetição, independentemente das irregularidades formais da prova documental relativa aos CMR e à emissão de facturas e da validade da prova documental dos pagamentos e recebimentos realizados por cheques, letras ou transferências bancárias, não há prova cabal e consistente da origem da sucata de cobre e latão que a A... faz referência nas facturas em causa nestes autos, isto é, não há prova que a A... adquiriu a sucata que consta das facturas das alegadas vendas à impugnante).
Esta prova é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da impugnante e dos respectivos documentos de suporte (art. 75.º da LGT).
Cabia então ao sujeito passivo (à impugnante) provar que as operações económicas constantes das facturas ou documento equivalente correspondem a transacções reais Acórdão de 29/1/2009, da 2.ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 59/03-Braga, disponível em www.dgsi.pt. «(…) constitui hoje jurisprudência pacífica e uniforme que quando a Administração Tributária recolher indícios sérios da inexistência de operações tituladas por facturas, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que tais operações económicas se realizaram efectivamente – neste sentido, entre muitos, ver os Acórdãos do STA, de 24/4/2002, Recurso n° 102/02; de 23/10/2002, Recurso n° 1152 702; de 9/10/2002, Recurso n° 871/02; de 20/11/2002, Recurso n° 1483/02; de 30/4/2003, Recurso no 24 1/03; de 14/1/2004, Recurso n° 1480/03.
Assim, a Administração Tributária tem o ónus de demonstrar na factualidade que a levou a desconsiderar determinado custo inscrito na contabilidade e tal factualidade tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da veracidade da escrita do contribuinte. Demonstrados tais pressupostos pela AT, passa então a caber ao contribuinte o ónus da provar que as transacções tituladas pelos documentos não aceites pela AT se realizaram efectivamente sob pena de os mesmos não poderem ser aceites para efeitos de IVA» - Acórdão de 5/6/2008, da 2.ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 77/03-Porto, disponível em www.dgsi.pt..
A impugnante para provar que as mercadorias constantes das facturas desconsideradas pelos serviços de inspecção tributária juntou prova documental e testemunhal.
A prova documental (facturas, guias de transporte, CMRs, transferências bancárias e cheques) só por si não é bastante para comprovar que a A... forneceu efectivamente as mercadorias que constam das facturas emitidas por si, porque fazem apenas a demonstração do circuito formal das mercadorias constantes das facturas. Contudo, para além das inúmeras irregularidades e incongruências acima referidas que abalam a credibilidade dos CMR’s, esses documentos, bem como as facturas e documentos comprovativos dos pagamentos, só por si, não revelam materialmente que foi a A... que na realidade forneceu a mercadoria que consta nas facturas.
No caso da A... a sua sujeição a acompanhamento permanente não pode constituir fundamento de credibilidade da sua actividade, porque não sendo uma empresa com pedidos de reembolso de IVA e tendo as transacções comerciais sido fiscalmente documentadas e declaradas, o acompanhamento permanente era ineficaz porque não havia motivo para suspeita e controlo da administração tributária.
Mesmo no caso da certificação não pode dizer-se que sirva de fundamento para credibilizar a versão da impugnante porquanto a A... pela sua dimensão tinha muito mais actividade que podia encobrir e diluir as irregularidades detectadas pela administração tributária. Com efeito, apesar da existência da certificação, a administração tributária recolheu fortes indícios que a A... não tinha fornecedores de sucata de cobre e latão que lhe permitissem vender à impugnante um volume tão grande de sucata quanto o que constava das facturas emitidas (aqui atendendo ao elevado volume de facturação da A... sobressai a falta de prova da existência de fornecedores que sejam grandes produtores de sucata, como a EDP, a CP, a PT, a EFACEC ou outras grandes empresas, que lhe assegurassem o fornecimento de quantidades suficientes às que facturava à impugnante; os alegados sucateiros, ainda por cima não identificados, não permitiriam o fornecimento das quantidades facturadas à impugnante; o que ressalta aqui é a falta de identificação da origem do cobre que a A... facturou à impugnante, sobretudo pela quantidade).
No caso das irregularidades dos transportadores espanhóis, o documento junto pela impugnante com as suas alegações, não tem consistência suficiente para abalar a credibilidade das informações do RIT, porquanto além de não ter autenticidade nem certeza bastantes, conforme resulta do teor do próprio documento (“(…) actualmente no disponemos de documentacion para certificar con un grado de certeza absoluto que dichos CMR se corresponden en su totalidad a trabajos efectivammente realizados (…)”), esse documento não se reporta às transacções comerciais do exercício de 2006.
Quanto aos documentos em que as clientes espanholas da impugnante declaram às autoridades tributárias as aquisições realizadas também não relevam, porque apenas demonstram que foram recebidas nas suas instalações essas mercadorias, completando o circuito formal da transacção. Quanto à origem efectiva dessas mercadorias (se elas foram efectivamente fornecidas pela A... e remetidas de Portugal ou se são provenientes de Espanha, limitando-se as facturas e os CMR’s a constituir um circuito económico meramente formal, com o intuito de permitir o reembolso do IVA) nada esclarecem.
Mas desses mapas recapitulativos e dos documentos juntos aos autos resulta que a Sucatas… já era conhecida da U... e da L..., o que revela alguma falta de racionalidade económica porque não é lógico que sendo a Sucatas … uma empresa ligada à A..., esta venda as sucatas de cobre à impugnante para esta as ir vender a essas empresas e não a venda directamente por si ou através da Sucatas... A menos que as facturas de vendas emitidas pela A... à impugnante não correspondam a efectivos fornecimentos de mercadoria e se destinem apenas a criar a aparência de transacções para permitir à impugnante obter o reembolso de IVA.
Esta falta de racionalidade económica também não é infirmada pela restante prova documental das facturas e dos pagamentos por transferências bancárias e cheques, porquanto estes limitam-se a completar formalmente o circuito económico, para dar uma aparência de credibilidade à simulação das transacções.
A materialidade das transacções em causa nestes autos podia ainda ser comprovada por prova testemunhal, relevando nesta parte os depoimentos das testemunhas A… e L….
O depoimento das testemunhas J… e R… não relevaram porquanto se reportou apenas à recepção das mercadorias na empresa espanhola U..., mas o que está em causa nestes autos não são as vendas da impugnante mas as compras. Isto é, o que está em causa é a origem das mercadorias constantes das facturas registadas na contabilidade da impugnante desconsideradas pela administração tributária (compras da impugnante) e não a entrega dessas mercadorias à suas clientes, factos comprovados pelos depoimentos destas testemunhas.
Estas testemunhas corroboraram a recepção das mercadorias constantes dos CMR em que estava identificada a impugnada, apresentados pelos condutores dos camiões e alegadamente provenientes de Portugal, mas quanto à origem efectiva dessas mercadorias nada sabiam, nada tendo esclarecido o tribunal. Tendo a administração tributária desconsiderado as facturas emitidas pela A..., por ter concluído que as mercadorias constantes dessas facturas não foram efectivamente fornecidas por si, importava apurar a origem dessas mercadorias, isto é, importava saber quem foi que efectivamente forneceu essas mercadorias à impugnante. Por outras palavras: se a administração tributária considerou que os produtos constantes dessas facturas não foi efectivamente fornecido pela A..., a prova a produzir tem de esclarecer qual é a origem efectiva dessas mercadorias, designadamente, se elas foram efectivamente vendidas à impugnante em Portugal e por quem, uma vez que não tendo sido vendidas por aquelas empresas podem ter sido adquiridas em Portugal a outras empresas ou até ter sido adquiridas em Espanha, servindo os documentos apresentados pela impugnante – facturas, notas de débito, guias de transporte, CMR, cheques, letras e transferências bancárias – para formalizar o negócio simulado.
Do depoimento destas testemunhas ressalta que eram recebidas na U... sucatas de cobre, tendo a testemunha Raul Saavedra referido também o fornecimento de latão embora em muita pequena quantidade, entregue por camiões que apresentavam CMR em que a impugnante era identificada como destinatário.
Todavia, estas testemunhas não prestaram qualquer esclarecimento quanto á origem efectiva dessas mercadorias. Isto é, estas testemunhas não esclareceram se presenciaram o carregamento dessas mercadorias, nem quem foi a pessoa ou pessoas que efectivamente a venderam à impugnante.
Estas testemunhas não esclareceram em nada o tribunal quanto à origem das mercadorias constantes das facturas pelo que não relevaram para a descoberta da verdade material dos factos determinantes para a decisão da causa.
Já o depoimento das testemunhas A… e L… relevou para a decisão da matéria de facto.
A…, director administrativo e financeiro da impugnante, no seu depoimento descreveu a actividade comercial da impugnante. Na parte relevante para estes autos, quanto à origem das mercadorias constantes das facturas e ao seu fornecedor efectivo, a testemunha declarou que a A... já era conhecida da impugnante.
O controlo das compras e vendas era feito apenas formalmente, através das propostas de compra, facturas, guias de transporte e CMR. A impugnante não verificava as cargas, isto é, não fazia um controlo físico das mercadorias compradas por si (constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária) e revendidas aos seus clientes.
Os pagamentos eram feitos por cheque ou transferência bancária.
O depoimento de L…, administrador da impugnante à data dos factos em apreço e seu accionista, também relevou para estes autos por ter conhecimento directo dos factos.
L… também era administrador da E… empresa que representava em Portugal o grupo económico K… com relevância mundial neste ramo de actividade e mantinha relações comerciais com as empresas que forneciam a impugnante.
Esta testemunha esclareceu que a impugnante não fazia um controlo físico das mercadorias compradas à A....
O controlo era feito formalmente através das facturas, guias de transporte e CMR que documentavam a transacção comercial e a recepção da mercadoria.
Confirmou que os pagamentos eram feitos por transferência bancária e que soubesse a U... não comprava sucata de cobre à A....
Todavia estes depoimentos, não são suficientemente consistentes para abalar a credibilidade e a objectividade da prova carreada para os autos pela administração tributária.
Contrapondo consistência da prova produzida pela administração tributária com a prova produzida pela impugnante, o tribunal concluiu que os depoimentos das testemunhas da impugnante não foram suficientemente consistentes para o convencer que as mercadorias constantes das facturas foram efectivamente fornecidos pela A... não podendo o tribunal julgar provada a matéria de facto alegada pela impugnante, designadamente os factos que constam da matéria de facto julgada não provada.
Quanto à a origem efectiva das mercadorias constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária emitidas pela A..., dos depoimentos das testemunhas resulta que não havia um controlo físico das mercadorias.
Confrontando a prova objectiva e sustentada acima referida, constante do RIT, que evidencia que a A... não podia ter fornecido a sucata que constava das facturas emitidas por si, que a administração tributária desconsiderou, porque as empresas suas fornecedoras não tinham capacidade, nem meios (sobretudo porque foi carreada prova bastante consistente que revelava que essas empresas não tinham fornecedores de sucata que lhes permitisse ter um volume de vendas idêntico ao que foi facturado à impugnante), para efectivamente fornecerem essas mercadorias, a prova testemunhal não logrou provar o contrário, isto é, não logrou demonstrar a existência e a origem efectiva da sucata. Mesmo conjugando o depoimento das testemunhas com a prova documental, o tribunal não ficou convencido da existência da sucata constante das facturas desconsideradas pela administração tributária e da sua origem, tanto mais que a prova documental revela apenas o lado formal dessas alegadas transacções, não esclarecendo em nada o tribunal quanto à origem e existência efectiva da sucata.
Esta falta de consistência da prova testemunhal é reforçada pela falta de controlo físico dos carregamentos constantes das facturas em causa nestes autos, que confirme a existência e fornecimento efectivo da sucata constante das facturas.
Quanto à questão fulcral da origem efectiva das sucatas de cobre constantes das facturas em causa nestes autos a impugnante não fez prova cabal quanto à sua origem efectiva. Ao invés, a administração tributária, no seu relatório da inspecção tributária carreou para os autos fortes indícios que a A... não podia ter fornecido a mercadoria constante das facturas porque não tinha prova consistente da existência de fornecedores de sucata em quantidade suficiente para o volume constante das facturas (A A... não tinha prova dos fornecimentos da sucata vendida à impugnante).
A tudo isto, temos de associar as irregularidades detectadas nos documentos de transporte do material (aqui ressaltam as irregularidades detectadas nas empresas de transportes e nas emissões dos CMRs. Apesar de parte deles referir-se a transportes de alumínio, sucata que não era comercializada pela impugnante, ainda assim esses documentos sustentam a falta de credibilidade dos documentos de transporte de cobre porque revelam o mesmo modus operandi que ocorria com a sucata de cobre. Esta conclusão é corroborada sobretudo pelas irregularidades confessadas pela transportadora Trans… e pelos motoristas da Sociedade de Transportes …, Ld.ª, em que, por exemplo, um declarou que nunca carregou de Portugal com destino a Córdoba, localidade em que se situava a L..., uma das clientes da impugnante; e que fazia transportes de sucata entre localidades espanholas, fazendo ele próprio o respectivo CMR, mas no destino entregava os CMR’s que iam de Palmela, destruindo o CMR que ele próprio havia feito se não fosse intersectado pelas autoridades espanholas, irregularidades constantes do RIT dos exercícios de 2003 a 2005, e bem assim a irregularidade dos Transportes…, que com a falta da sua identificação cabal, abala a credibilidade dos CMR emitidos por si), que além de abalarem a credibilidade desses documentos evidenciam de forma segura que essas mercadorias não foram fornecidas pelas emitentes das facturas, nem saíram de Portugal para Espanha.
A falta de credibilidade destes documentos é ainda reforçada pela falta de autenticação do recebimento das mercadorias. Dos sete CMR’s em causa nestes autos apenas dois têm a confirmação do recebimento, com a aposição dum carimbo da U..., o que pode conjugado com as restantes incongruências apuradas pela administração tributária, não é suficientemente consistente para corroborar o efectivo recebimento dessa mercadoria.
Na ponderação feita pelo tribunal, releva ainda a atitude dos serviços de inspecção tributária ao valorarem de forma diferente o fornecimento realizado pela A... directamente à impugnante e por esta vendido à L..., que consta da factura de compra n.º 658, de 30/5/2006, da factura de venda n.º 452 de 2/6/2006, e do CMR n.º 166429 de 2/6/2006, emitido pela C..., transacção comercial cuja regularidade do circuito documental foi acompanhada pelo controlo físico da mercadoria efectivamente realizado pela impugnante, cujas facturas e respectivo custo foram aceites pela administração tributária, conforme resulta do relatório da inspecção tributária. Esta valoração da administração tributária demonstra que estando comprovado o controlo físico da mercadoria, o circuito documental da transacção é aceite. Ao invés inexistindo um controlo físico da mercadoria, como sucede nos alegados fornecimentos de mercadoria realizados pelos fornecedores da impugnante directamente às suas clientes em Espanha, a administração tributária não aceita, como prova da existência real da transacção e do efectivo fornecimento da mercadoria, a mera prova documental da alegada transacção comercial, sobretudo quando há fortes indícios que a fornecedora A... não tem prova cabal das aquisições das mercadorias alegadamente vendidas e quando a restante prova documental também não é suficientemente consistente para demonstrar a existência física efectiva dos alegados fornecimentos de sucata.
Acresce ainda que estes factos ganham consistência pela falta de coerência e de racionalidade económica do entre a impugnante e as suas fornecedoras e clientes, porque pela forma como agia a impugnante, o mais provável é que as suas fornecedoras procurassem fornecer directamente às suas clientes porque poderiam obter a margem de lucro que era retirada pela impugnante, que não tinha qualquer intervenção material na mercadoria em causa, limitando-se a ser um mero intermediário.
Todavia, e como concluiu a administração tributária, a sua intervenção já tem sentido se não estivermos perante um fornecimento efectivo do material, mas apenas de uma ficção de uma transacção para dar uma aparência de legitimidade aos pedidos de reembolso do IVA, em que é de todo conveniente que entre o sujeito passivo que pede e o que liquida o IVA, sem qualquer transmissão subjacente, se interponham outros sujeitos passivos para alongar a cadeia de dedução de imposto e dificultar a detecção da irregularidade.
No caso em apreço, não pode sequer falar-se em alguma dúvida. Mas mesmo que se suscitasse alguma dúvida, não bastava à impugnante criar a dúvida sobre os factos em que assenta o seu direito, uma vez que aqui não tem aplicação o art. 100.º do CPPT «Estando assente que a AT demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas e de afastar a presunção de veracidade da escrita, à data consignada no art. 78.º do CPT, competia então ao Contribuinte, nos termos que ficaram expostos em I e de acordo com o disposto no art. 23.º do CIRC, demonstrar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e pelo valor referido nas facturas e, assim, comprovar os custos que contabilizou, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º, n.º 1, do CPT, a que corresponde hoje igual número do art. 100.º do CPPT, não logra aqui aplicação, pois não está em causa a prova sobre a existência e quantificação do facto tributário que competiria à AT, mas antes a prova dos factos em que o contribuinte funda o seu direito)» - Acórdão de 9/11/2006, da 2.ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 296/04, disponível em www.dgsi.pt..
A impugnante tem de provar os factos em que funda o seu direito. Isto é, tem de provar que as mercadorias que constavam das suas facturas foram efectivamente fornecidas por si.
Mas como se disse a prova produzida não é suficientemente consistente para julgar provado que as mercadorias constantes das facturas emitidas pela A... são mercadorias efectivamente fornecidas por si.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 516.º do CPC).
Motivo pelo qual julgaram-se não provados os factos que constam da matéria de facto não provada.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa (sobretudo a que se relaciona com a venda dos produtos às clientes espanholas da impugnante uma vez que a administração tributária não questiona a venda dos produtos. Para estes autos são irrelevantes os factos alegados pela impugnante que contendem com a entrega e a venda da sucata às suas clientes. O que está em causa é a origem efectiva desses produtos entre o momento da sua alegada aquisição em Portugal e a sua entrega em Espanha. A administração tributária só não aceita que foi a A... que efectivamente forneceu à impugnante os produtos que constam das facturas emitidas por si. O que está em causa é quem é que efectivamente forneceu à impugnante os produtos que constam das facturas em causa nestes autos. Isto é, o que está em causa é a origem dos produtos que constam das facturas desconsideradas pela administração tributária, ou seja, se foram efectivamente fornecidos ou não pela A... e se foram efectivamente expedidos de Portugal, porque os produtos entregues nas clientes da impugnante, apesar de constarem das facturas emitidas pela A... e de alegada e formalmente terem sido expedidas de Portugal, foram efectivamente fornecidas por outras empresas, podendo até ter origem em Espanha, limitando-se a intervenção daquelas empresas a formalizar uma operação simulada de venda de bens. Todavia, o objecto deste processo é apurar se a A... forneceu ou não esses produtos e caso se apure que não foi ela a fornecer tais produtos, não compete a este tribunal indagar neste processo quem foi a pessoa ou pessoas que efectivamente forneceram os produtos constantes das facturas desconsideradas pela administração tributária. Por isso, não é relevante para a decisão da causa os factos alegados que contendem com a venda e a entrega dos produtos às clientes espanholas, porque a questão essencial está a montante da entrega. Também não se deu relevância aos factos alegados relativos à matéria de facto julgada provada no processo comum colectivo n.º 707/06.9 JAPRT do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, porquanto a decisão aí proferida além de ainda não ter transitado em julgado em relação à arguida A..., e não poder ser tida em consideração, também não pode relevar para estes autos. Com efeito, a matéria de facto aí julgada provada resulta da prova produzida nesse processo e não nestes autos. Além disso, a valoração da prova em processo criminal é necessariamente diferente da valoração da prova em sede de processo tributário (no processo crime o ónus da prova da acusação é do Ministério Público; no caso da emissão de facturas que não correspondem a operações económicas efectivas, recolhida prova consistente da inexistência da prestação efectiva dos bens constantes das facturas, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das transacções económicas subjacentes `*as facturas) e por outro lado, os factos aí julgados não são os factos que estão em causa nestes autos, tanto mais que quanto a eles corre um processo de inquérito autónomo. De resto a actividade da A... ia muito para além da actividade comercial desenvolvida com a impugnante, pelo que naquele processo não está em causa a actividade comercial relacionada com a impugnante, que está em apreciação nestes autos. Finalmente porque a própria administração tributária não põe em causa a actividade comercial da A... e demais empresas em causa nestes autos. A administração tributária põe em causa apenas a efectividade das transacções de sucata desconsideradas nestes autos. Logo, os factos em apreço nesse processo não podem relevar para estes autos).”

2. O Direito

Começa a recorrente por alegar que existem erros materiais cometidos na Sentença “a quo”.
Refere-se na página 2 da sentença: “A Fazenda Pública contestou dando por reproduzidas as alegações invocadas no relatório de inspecção tributária e na decisão do recurso hierárquico, pugnando pela improcedência da impugnação”.
Alerta a recorrente não existir qualquer recurso hierárquico em relação ao exercício de 2006, que possibilite à Fazenda Pública dar como reproduzidos os argumentos ali adiantados.
Na verdade, compulsado o teor da contestação da Fazenda Pública, verifica-se, no seu ponto 8., que esta deu como reproduzido, para todos os efeitos legais, a análise e considerações expendidas na decisão da reclamação graciosa.
Nesta conformidade, estamos claramente perante um erro de escrita na elaboração do relatório da sentença recorrida que deve, por isso, passar a ter a seguinte redacção nessa parte:
“A Fazenda Pública contestou dando por reproduzidas as alegações invocadas no relatório de inspecção tributária e na decisão da reclamação graciosa, pugnando pela improcedência da impugnação”.
A recorrente refere, também, ter ocorrido um lapso de soma do quadro constante das páginas 3 e 4 da sentença recorrida.
Efectivamente, a adição de €686.804,98 com €144.299,05 é de €831.104,03 e não de €1.000495,00, conforme se apresenta no quadro da sentença recorrida. No entanto, a soma que terá que se efectuar (de acordo com os valores do relatório de inspecção, junto aos autos, que se reproduziram no quadro) é de €686.804,98 com €144.229,05, cujo resultado é de €831.034,03. Pelo que, estando em causa um erro de cálculo, se procedeu à sua correcção no local próprio aquando da reprodução da decisão da matéria de facto neste acórdão.

Alerta a recorrente que a sua fornecedora de resíduos de cobre, a sociedade “A…”, estava em acompanhamento permanente, o que significa que, no mínimo, o cumprimento das suas obrigações fiscais, dos seus clientes e dos seus fornecedores, era monitorizado permanentemente pela Administração Fiscal, ainda mais quando eram solicitados reembolsos.
Acrescenta que a fornecedora de resíduos de cobre da recorrente, a sociedade “A….”, era uma empresa certificada pela APCER, no âmbito de tratamento e gestão de resíduos de cobre, o que dava uma garantia de legalidade, de capacidade de fornecimento, de seriedade, de competência e de profissionalismo adicionais à recorrente.
Sustenta, ainda, que o se passou com A... em anos anteriores a 2006 nada tem a ver com este processo, pelo que não podem ter qualquer relevância para a decisão do mesmo que é referente ao ano de 2006.
É jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida quando conclui que “a administração tributária carreou para os autos prova bastante consistente da existência de fortes indícios de que não foi a emitente da factura que forneceu as mercadorias (cobre e latão velho) que constam das facturas em causa nestes autos e que levaram os serviços de inspecção tributária a concluir que essas facturas não titulavam operações económicas reais e a não aceitá-las como custo, nos termos do art. 23.º, n.º 1 do CIRC. Basta conjugar a matéria de facto provada, com a matéria de facto não provada e a respectiva fundamentação, para concluir que a administração tributária recolheu indícios fortes e verosímeis da inexistência das operações tituladas pelas facturas. Estando feita prova consistente da existência de fortes indícios que as facturas emitidas pela A..., registadas na contabilidade da impugnante não titulavam operações económicas reais, está afastada a presunção de veracidade da sua contabilidade (art. 75.º da LGT). (…)”
Defende a recorrente que os factos apurados, e vertidos na douta sentença, pela Administração Tributária, não permitem afirmar que a Impugnada deu cumprimento ao ónus de reunir e demonstrar “factos-índice” sobre a falsidade apontada aos valores declarados.
Concluindo que a decisão recorrida não cumpriu com o ónus da prova dos pressupostos que lhe era exigido, e por tal razão, não ficou abalada a presunção de verdade de que goza a escrita formalmente organizada da recorrente, e, por essa via, não pode considerar-se invertido o ónus da prova.
Com este pano de fundo, temos que constitui fundamento do recurso o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos, uma vez que a prova produzida não é de molde a contrariar os indicadores da inexistência das operações tituladas nas facturas que suportaram o exercício do direito de aceitação do valor das compras como custo do exercício, matéria que tem subjacente uma outra questão - esta meramente de direito - que é a de saber se, quando esteja em causa a existência das operações tituladas nas facturas, compete à administração tributária demonstrar que elas não existiram ou ao utilizador demonstrar que elas existiram, sendo que tem precedência lógica o conhecimento desta última questão, porque é da resposta que lhe for dada e da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo que derivará a resposta à primeira.
Nesta linha de análise, deve salientar-se, porém, que a regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou um custo de exercício superior ao permitido pela lei.
Ora, foi precisamente esta mesma questão, isto é, de apreciação dos indícios recolhidos e da validade do juízo formulado pela AT subjacente à desconsideração de tais facturas (sendo que no caso presente apenas cabe considerar a matéria relativa a facturas emitidas por “A... & Filhos, Lda.”), que foi apreciada por este tribunal, em 06/12/2012, no recurso jurisdicional interposto do processo n.º 36/11.6BEPNF e que tinha na sua base o mesmo relatório que nestes autos sustenta a decisão impugnada (em que estava em causa as quantias devidas a título de IRC) e que depois foi seguida no âmbito do Proc. n.º 383/10.4BEPNF (em que estava em causa IVA de 2004 e 2005), a que aderimos integralmente e que aqui se irá reproduzir (eliminando-se as referências que não respeitam à “A... & Filhos, Lda.”), tendo presente que o que interessa aos autos e que respeita ao IRC de 2006 tem como alicerce a actividade da Inspecção Tributária respeitante aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, não comportando as nuances relativas ao ano de 2006 matéria capaz de desvirtuar aquilo que, no fundo, está na base da conduta da AT (até porque as facturas emitidas por “A... & Filhos, Lda.” constituem a parte mais significativa da análise realizada no âmbito dos exercícios anteriores):
«Vem o presente recurso interposto de sentença que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de I.R.C. dos exercícios de 2004 e 2005 e respetivos juros compensatórios, e que tiveram por base as conclusões de relatório de fiscalização, sucessivamente confirmadas em subdelegação de competências do Sr. Diretor de Finanças do Porto, no âmbito de reclamação graciosa ali apresentada, e pelo Sr. Subdiretor-Geral dos Impostos, no âmbito do recurso hierárquico ali apresentado.
Alega a RECORRENTE, basicamente, que o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, acabou por inverter o ónus de prova, visto que, na prática, atirou para o contribuinte o ónus de provar a veracidade das transações comerciais declaradas à administração tributária e tituladas em documentos contabilísticos escriturados e organizados nos termos da lei e cuja credibilidade não foi, por isso, intrinsecamente abalada. Desconsiderando, assim, a presunção e verdade de tais declarações e elementos contabilísticos beneficiavam, por força do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Mais alega a RECORRENTE, na essência, que a sentença recorrida incorreu noutro erro grave na aplicação das regras do ónus probatório: desconsiderou o valor probatório de que gozam as declarações de expedição de mercadoria em seu poder (vulgo “CMRs”) relativamente à existência e validade do contrato de transporte nelas titulado e, por conseguinte, à veracidade das transações referentes aos artigos transportados – artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 46 235, de 18 de março de 1965.
Alega ainda a RECORRENTE (se bem interpretamos) que as exigências de prova que lhe estão a ser impostas agravam o dever de colaboração do contribuinte com a administração tributária – colocando sobre os seus ombros o dever de vigiar a idoneidade das suas fornecedoras – e desoneram a administração tributária dos seus deveres de verificação da situação tributária e de descoberta da verdade material. Deveres estes que, no caso, mais se impunha relevar, porque a sua principal fornecedora (a “A…. & Filhos, S.A.”) se encontrava sob vigilância permanente dos serviços de inspeção tributária. No limite, esta interpretação dos deveres da relação jurídica tributária, afrontará até os princípios da proporcionalidade e da justiça, porque a administração tributária é que tem acesso a documentos contabilísticos das suas fornecedoras, e porque a prova de que as mercadorias não foram compradas a outros fornecedores é uma prova impossível ou de acrescida dificuldade.
Finalmente, a RECORRENTE chama a atenção para uma incongruência de que padecem as conclusões do relatório de fiscalização e que o tribunal recorrido acabou por sancionar: a administração tributária não aceitou fiscalmente as compras, mas aceitou as vendas correspondentes. O que, para além de não levar em conta o dever do inquisitório que sobre ela recai, conduz a um resultado também ele desproporcionado e manifestamente injusto, bem patenteado no valor das correções.
Começando pela primeira questão colocada pela RECORRENTE, importa assinalar desde já que, efetivamente, o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária consagra uma presunção primordial de que parte o nosso sistema de determinação do valor tributário: a presunção da veracidade das declarações dos contribuintes e dos documentos contabilísticos que lhes servem de suporte, quando aquelas sejam apresentadas nos termos previstos na lei e estes estejam organizados de acordo com a legislação comercial.
Do que se trata, porém, é de relevar o comportamento colaborante do contribuinte, evidenciado na apresentação dessas declarações e de uma escrita devidamente organizada, como presunção de que está a falar verdade. Valorar uma certa aparência externa de colaboração, que assenta em determinados indicadores relevados pelo legislador. E que tem como consequência verter sobre a administração tributária o ónus de demonstrar que essa colaboração era meramente aparente.
Demonstração que – adiante-se também – não tem que ser assepticamente extraída do interior dessa escrita. Nada impede que os indícios a que alude a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 75.º resultem do confronto entre os dados dessa escrita e outros elementos que revelem a desconformidade com o meio exterior. Nomeadamente, elementos colhidos da fiscalização cruzada a outros contribuintes. Aliás, o cruzamento de informação revela-se cada vez mais um importantíssimo instrumento de fiscalização, no combate contra a fraude e evasão fiscais, que merece ser aprofundado e otimizado, a bem da justiça e equidade fiscais.
O que se impõe – isso sim – é que esses indícios (resultem eles do âmago da escrita ou do cruzamento com dados externos) sejam fundados, isto é, sejam suficientemente fortes para abalar a credibilidade dessa escrita e estejam apoiados em dados e critérios objetivos – cfr. artigo 76.º, n.º 1, da mesma Lei.
O que sejam indícios fundados não diz, todavia, o legislador. Nem podia dizer, porque a complexidade e a multiplicidade dos factos a atender nas situações concretas não se compadeceria com fórmulas legais. Certo é que devem consistir em factos-índice que, isolada ou conjuntamente, por si só ou apoiados em regras de experiência, permitam formar um juízo de facto no sentido da existência de uma probabilidade elevada de que esses dados da declaração ou da escrita não reflitam a verdade fiscal do contribuinte fiscalizado.
Obtidos, no entanto, esses indicadores, o contribuinte deixa de beneficiar da presunção legal, isto é, deixa de estar dispensado de demonstrar a veracidade dos dados e apuramentos declarados e deixa, por isso, de poder remeter a administração tributária para o teor da sua declaração ou da sua escrita. Impõe-se-lhe então que apresente novos dados factuais e novos elementos de prova que acrescentem aos suportes da escrita e lhes restituam credibilidade ou que sirvam de contraprova aos indicadores recolhidos pela administração tributária.
Feito este périplo pelas regras do ónus probatório e voltando a nossa atenção para o caso dos autos, uma constatação importa fazer desde já: nem a administração tributária, na fase administrativa ou graciosa do procedimento tributário, nem o tribunal recorrido, no âmbito do presente processo judicial, enjeitaram estas regras gerais. O que sucede é que a administração tributária defendeu ter recolhido «indícios suficientes para colocar em crise a veracidade das operações» (expressão que, para efeitos exemplificativos, recolhemos da proposta de decisão do recurso hierárquico) e o tribunal recorrido, por seu turno, confirmou essa conclusão. Não existe, assim, nenhuma divergência quanto à aplicação das regras do ónus probatório no procedimento tributário. Existe – isso sim – divergência quanto à suficiência desses indícios para suportar a conclusão a que chegou a administração tributária.
A verdadeira questão não está, por isso na interpretação daquele artigo 75.º mas na valoração dos factos-índice e em saber se o juízo sobre a suficiência desses indicadores deve ser confirmado.
Analisado o relatório de fiscalização e os seus anexos 1 a 5, verificamos que estão em causa as transações tituladas pelas faturas emitidas por “A…. & Filhos, S.A.” em 2004 e 2005, …, todas referentes a aquisições de sucata de cobre (e, residualmente, de latão) destinadas ao mercado espanhol. A inspeção tributária concluiu ali que «as operações comerciais tituladas por faturas emitidas por tais entidades não correspondem à realidade», sendo «operações simuladas, sem qualquer conteúdo comercial».
Para chegar a tal conclusão, a inspeção tributária valeu-se, de um lado, de elementos recolhidos junto das indicadas fornecedoras em ações inspetivas a essas entidades, importados para este procedimento em extensas citações dos respetivos teores (ponto 3.1.1.2 do relatório, pág.s 7 a 88). De outro lado, de elementos recolhidos junto da própria Recorrente (ponto 3.1.1.3. do relatório, pág.s 88 a 136).
Na “A…. & Filhos, S.A.”, apontaram os serviços de inspeção tributária respetivos a falta de credibilidade de alguns documentos emitidos (faturas sem data de emissão sequencial e faturas emitidas com o mesmo número a fornecedores diferentes), a falta de credibilidade das compras realizadas (aquisições diárias de «consideráveis quantidades de sucata», devidamente preparadas e sem necessidade de escolha ou seleção, sem perdas ou impurezas, sem reclamações, correções de preços ou devoluções, sendo que a maioria de aquisições declaradas não vêm acompanhadas de guias de acompanhamento de resíduos e são efetuadas a pessoas que não possuem estrutura nem meios para tal, sendo alguns «desconhecidos, inexistentes, toxicopendentes, arrumadores de automóveis e/ou não declarantes»), a falta de credibilidade das existências (saldos negativos de stocks de cobre e de latão, falta de exibição de talões de pesagem nas compras e de parte dos talões de pesagem nas vendas) e dos documentos de transporte (incongruências detetadas nos locais de partida e de chegada, “CMRs” cujas datas de carga e descarga são incompatíveis, “CMRs” que não foram exibidos, “CMRs” sem carimbo da entidade expedidora e rubricados por quem não é funcionário da empresa, “CMRs” com mercadoria idêntica em termos de quantidades e material – alumínio – fornecida na mesma data por outra entidade; “CMR” 112655 que contém uma nota segundo a qual se pode ler que o cliente declara não o assinar porque não comprou nada à “A… & Filhos, S.A.”, entre outras situações semelhantes ali descritas). Elementos que levaram aqueles serviços a concluir que a atividade declarada relativa a tais fornecimentos «é, na sua grande parte, uma actividade aparente, fictícia (…) servindo unicamente o objetivo de, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transações para as quais não foi emitido o respetivo documento, ou transacções inexistentes (…) – cfr. pág. 16 do relatório».
(…)
Na própria RECORRENTE, verificaram os serviços de inspeção tributária que a “A… & Filhos, S.A.” é a principal fornecedora de resíduos de sucata, tendo registado um aumento de quantidades adquiridas a esta fornecedora de 62,1% em 2004 (que acompanhou, assim, o aumento de procura, apesar deste mercado não ser «elástico»). (…) Que os “CMRs” têm como destinatário a própria RECORRENTE, o que não faz sentido porque as mercadorias – de acordo com as declarações do seu sócio gerente – eram transportadas diretamente do seu fornecedor para o seu cliente espanhol. Que há “CMRs” sem autenticação ou sem autenticação legível, com divergência na indicação do local de carga. E, sobretudo, que as explicações dadas pelo sócio gerente da RECORRENTE para as opções comerciais descritas não aparentam ter «racionalidade económica», que só existiria se a Recorrente tivesse alguma vantagem competitiva no acesso aos fornecedores, no transporte, na armazenagem, no preço, nas facilidades de pagamento. Sendo que a sua principal cliente já tinha acesso direto aos seus fornecedores e em especial à “A… & Filhos, S.A.”, com quem já tinha relações comerciais, que o transporte nem era assegurado pela RECORRENTE, que nada armazenava nem tinha capacidade económica para tal, que não tinha vantagens no preço visto que se regia pelas cotações em bolsa dos metais, e que o pagamento era adiantado. A tudo acrescendo uma reduzida margem de comercialização (2 a 3%), a revelar uma «evidente desproporção entre a margem e o risco», em desfavor da RECORRENTE.
Ora, a primeira observação a fazer é que uma parte muito significativa das citações extraídas de outros relatórios de fiscalização, não tem relevo direto para a aferição da veracidade das transações tituladas pelas faturas em causa. (…) Na mesma inspeção é feita alusão a irregularidades detetadas no transporte de mercadorias entre diversas empresas, em cujo circuito comercial a RECORRENTE não participou ou não podia ter participado (como sucede com os “CMRs” que aludem ao transporte de sucata de alumínio e que não poderiam estar relacionadas com as faturas em causa, que respeitam apenas a cobre e latão). Muitas outras referências são feitas a irregularidades em documentos de transporte sem que a fiscalização tenha explicado minimamente a relação que têm com as faturas em causa e sem que o tribunal possa agora estabelecê-la.
(…)
Seria objetivo dos serviços de inspeção tributária demonstrar a falta de credibilidade dos intervenientes, mas a verdade é que o que por aqui estava em causa era a credibilidade das específicas transações tituladas nas faturas mencionadas naqueles anexos. Melhor seria, por isso, que o esforço instrutório e o ênfase descritivo se acomodasse preferencialmente a esses títulos e fosse paulatinamente relevada a sua conexão com essas operações.
Do exposto decorre que este tribunal não pode, agora, relevar todos esses indicadores do mesmo modo. E não pode deixar de focalizar sobretudo aqueles que sabe que têm conexão direta ou indireta com essas faturas, seja porque revelem que as operações respetivas não ocorreram, seja porque demonstrem que os emitentes dessas faturas não teriam condições para realizar essas operações.
A segunda observação a fazer ao relatório de fiscalização é que dele resulta que a credibilidade dos fornecedores ou emitentes das faturas em causa (ou a falta dela) não é a mesma.
Temos de um lado a “A…”, uma empresa certificada «cuja experiência no sector de sucatas tem mais de 30 anos» (pág. 9 do relatório) «que possui uma considerável capacidade instalada e que conhece, por isso, obrigatoriamente, o sector de actividade onde opera» (pág. 7) (…)
Temos, de um lado, a “A…”, que – de acordo com a inspeção tributária – poderá ter declarado aquisições de mercadorias através de faturas de substituição (emitidas para substituir transações não tituladas com os seus próprios fornecedores não declarados). (…)
Consequentemente, a “A…” … teria meios e condições, logísticas e de mercado, para fornecer à Recorrente pelo menos uma parte do cobre e do latão que lhe faturou. E, em boa verdade, os indicadores de simulação por este lado dizem respeito sobretudo ao «descomunal» aumento de transações globalmente verificado a partir de 2004, ao volume de atividade declarado, às quantidades de fornecimentos diários. Ou seja, os indicadores por aqui fornecidos não servem para pôr em causa a realização e transações determinadas, mas para pôr em causa que as transações declaradas pela “A…” tenham, globalmente consideradas, atingido aquela dimensão quantitativa ou aquele valor.
Analisemos, então, mais detalhadamente, os indicadores colhidos junto da “A…”.
Verificamos que foram realizadas duas ações inspetivas a esta entidade, uma referente a 2003/2004 (ponto 3.1.1.2.1. do relatório, págs. 7 a 32) e outra referente a 2005 (ponto 3.1.1.2.1.2 no relatório, págs. 32 a 61).
Na inspeção de 2003/2004, começa-se por questionar a credibilidade dos dados da escrita da ali inspecionada com base em indicadores de normalidade. Porque não é normal que uma empresa da dimensão da “A…” se deixe acomodar à dependência de uma série de pequenos intermediários, em vez de os eliminar do circuito comercial (3.1.1.2.1.1.2). Nesta fase, porém, ainda não se sabe se a fiscalização pretende que a “A….” não adquiriu as mercadorias a coletores de pequena dimensão (que representaram 87% das compras registadas em 2004), ou se não as adquiriu àqueles fornecedores. Sendo que ao caso só interessava verdadeiramente que não as tivesse adquirido (de todo), porque a simulação de sujeitos não põe em causa a existência nem a validade das transações a jusante. Importava também que se dissesse se os restantes 13% das compras registadas nesse ano são inferiores às vendas efetuadas à ora RECORRENTE, porque de outro modo, não seria de excluir que a existência destas vendas pudesse ser justificada por esta quota de aquisições.
Com esta questão em aberto, avança-se logo para a credibilidade das faturas emitidas (3.1.1.2.1.1.2). Não se percebe se são faturas emitidas à “A…” pelos seus fornecedores ou pela “A…” aos seus clientes. De qualquer modo, e mesmo nesta última possibilidade, os exemplos ali mencionados não têm nenhum relevo para o caso, porque nenhuma das faturas ali exemplificativamente mencionadas consta do rol de faturas emitidas à RECORRENTE (anexo 2 ao relatório).
O ponto 3.1.1.2.1.1.3 é dedicado à averiguação da credibilidade das compras contabilizadas pela “A….”.
Associa-se o «descomunal» aumento de transações (que aqui não se consegue quantificar, porque só temos acesso a frações daquele relatório) à alteração, em 2004, das condições objetivas de tributação de sucata em Espanha. O que é credível, mas também pode significar que o mercado espanhol se virou para Portugal, gerando mais oportunidades de negócio para a “A...”.
Chama-se a atenção para uma inspeção feita pelo Ministério do Ambiente em 2006.05.02, da qual resulta, ademais, que a “A…” transacionou sozinha tanta sucata não ferrosa quanta a produzida em Portugal. Qualquer que seja a valia desta afirmação (este tribunal desconhece e não teve acesso às respetivas fontes, o que inviabiliza totalmente qualquer juízo sobre a sua solidez e objetividade), é de anotar que, pelas razões referidas no parágrafo anterior, também poderá estar em causa sucata produzida em Espanha.
Menciona-se o recurso a pequenos fornecedores desconhecidos, inexistentes, toxicodependentes, arrumadores de automóveis ou que não têm qualquer estrutura ou capacidade para as transações declaradas. Não se põe em causa nenhuma destas descrições ou qualificações, nem se pode pôr porque se desconhece totalmente que diligências foram feitas para as confirmar e o seu resultado. E, sobretudo, porque esses fornecedores não foram identificados minimamente, sequer por remissão para os documentos (ou conjuntos de documentos) emitidos. Sobre este assunto, não existe nenhum dado objetivo nos autos a que o tribunal se possa agarrar.
Alude-se à inexistência de talões de pesagem, guias de acompanhamento de resíduos, trabalhos de seleção de material ou de descontaminação de impurezas, registos de perdas, reclamações, correções ou devoluções. No entanto, o tribunal não sabe se estamos perante indicadores de que as operações não existiram ou perante lacunas na escrituração ou documentação da “A…”.
No ponto 3.1.1.2.1.1.4 retoma-se o problema da credibilidade da carteira de fornecedores, nos mesmos termos e com os mesmos qualificativos. De novo se assinala que os documentos de venda estão sempre assinados pelos emitentes, o que é encarado como uma tentativa do destinatário de atribuir credibilidade ao documento (perante a administração tributária), mas que também poderia servir o objetivo de vincular o emitente a dados ou declarações que pudessem conter, como declarações de quitação. Não se sabe, porque não há nenhuma nos autos para amostra.
O que há de mais significativo neste ponto é que nele existe já uma espécie de conclusão que, para a dinâmica do relatório em que as citações foram inseridas, funciona como uma conclusão preliminar: a de que a atividade descrita por estes fornecedores é, «na sua grande parte, uma atividade aparente, fictícia» (pág. 16). Deixa-se, assim, em aberto que uma parte, não quantificada, destas transações poderá ter existido. No entanto, remata-se logo ali que as compras são falsas. Seja do ponto de vista do sujeito ou do objeto. Seja do ponto de vista das datas ou das características da mercadoria. Seja do ponto de vista das quantidades, preços unitários ou dos valores totais. Seja porque não se realizaram ou porque não correspondem às efetivamente realizadas.
Só que a circunstância de umas serem falsas porque as transações nelas tituladas não foram realizadas e outras serem falsas porque o fornecedor não foi aquele ou não foram aquelas as quantidades de mercadoria transacionada não tem o mesmo significado a jusante. Porque se é certo que a “A…” não pode vender aquilo que não adquiriu, também é verdade que pode vender o que não declarou e podem até as vendas à RECORRENTE serem justificadas com o que adquiriu verdadeiramente e declarou adquirir. Para assim não concluir seria também necessário referir as vendas da “A…” cuja credibilidade não deva ser posta em causa e que não tiveram ou não podiam ter como destinatária a RECORRENTE.
Prossegue a fiscalização pondo em causa a credibilidade dos dados da “A…” referentes a existências de cobre e latão, relatando episódios em que os saldos são negativos, isto é, há mais saídas de material do que entradas e material em stock. Verifica-se, porém, que as discrepâncias apenas estão quantificadas quanto a latão de 2004, sendo que a RECORRENTE só declarou adquirir este material à “A…” em 2005.12.22 (facturas nºs 1310 e 1311). Quanto a Cobre, só se alude a saldos negativos até meados de Fevereiro de 2004 (sem os quantificar) e episódios pontuais ao longo do ano. E mesmo estes não podiam estar relacionados com as vendas à RECORRENTE porque, como também se adianta ali «existe uma quase perfeita correspondência entre a facturação diária dos fornecedores em termos de quantidades e a facturação diária para os clientes C... e Sucatas …» (pág. 17 do relatório). Ou seja, não foram as vendas à RECORRENTE que provocaram os saldos negativos em stock, porque estão justificadas com as aquisições correspondentes efetuadas no mesmo dia.
Nos pontos 3.1.1.2.1.1.6. e seguintes, a inspeção tributária analisa a credibilidade dos “CMRs” e das transportadoras. O que não é possível é verificar se esses “CMRs” dizem respeito ao transporte de algumas das mercadorias mencionadas nas faturas aludidas no anexo 2. Aliás, é possível, na maioria dos casos, concluir que não existe essa relação. Assim, nos pontos 3.1.1.2.1.1.8 e 3.1.1.2.1.1.11 alude-se a “CMRs” relativos a diversos transportes de alumínio, sendo que a RECORRENTE só adquiriu à “A…” cobre e latão. No ponto 3.1.1.2.1.1.10 – que é o único em que se refere expressamente a mercadoria faturada por “A…” à RECORRENTE – alude-se a um transporte de 2003 e, por conseguinte, fora do âmbito temporal da presente inspeção.
Da ação inspetiva à “A…” relativa ao ano de 2005 foram também extraídos excertos que nada adiantam ao juízo a fazer sobre a credibilidade das faturas emitidas à RECORRENTE nesse ano. Assim, no ponto 3.1.1.2.1.2.3 (pág. 38) alude-se às faturas 973 e 974, que não constam do anexo 4. No ponto 3.1.1.2.1.2.7 alude-se apenas a operações entre a “A…” e a “Sucatas M…”. Nos pontos 3.1.1.2.1.2.2, 3.1.1.2.1.2.6, 3.1.1.2.1.2.8 e 3.1.1.2.1.2.9 descreve-se um circuito de fraude entre diversas empresas portuguesas e espanholas e onde nunca é mencionada a RECORRENTE e alude-se exclusivamente a faturas, guias de transporte e “CMRs” que não constam da listagem dos anexos 4 e 8..
Com uma única exceção: na pág. 61 refere-se de passagem o “CMR” 554572, que consta da listagem do anexo 8. Malfadadamente encontra-se ali apenas a título indicativo, limitando-se o Sr. Inspetor a sentenciar que é uma situação idêntica às demais. E não se conseguiu descortinar qual a fatura que se lhe encontra associada.
Do exposto decorre que, apesar da extensão dos dados fornecidos e selecionados pelo Sr. Inspetor, extraídos de inspeções à “A…” de 2003 a 2005, não é possível encontrar elementos concretos que sirvam para pôr em causa as operações tituladas nas faturas emitidas à RECORRENTE. Tanto quanto é possível entrever, a inspeção tributária serviu-se dessa descrição para descredibilizar o emitente, e não as operações em si mesmas. Só que – como já sublinhamos – o relatório também não nos apresenta a “A…” como uma empresa que não realize qualquer atividade no setor de sucata. Muito pelo contrário, descreve-nos uma empresa que opera neste setor e que mais de 30 anos e que possui uma «considerável capacidade instalada» e que, por isso, poderia realizar operações reais equivalentes às descritas como operações fictícias. A ser assim, o trabalho da administração tributária não terminava aí, importando também que se demonstrasse que as faturas em causa faziam parte do rol das operações fictícias.
Do exame à escrita da RECORRENTE, extraiu a inspeção tributária indicadores de que o programa informático utilizado para a emissão de faturas e guias de remessa na “A…” permitia a alteração dos dados constantes desses documentos. O que não abona nada à credibilidade da escrita desta fornecedora mas, em si mesmo, também nada nos diz quanto à veracidade das operações tituladas nas faturas em causa. Se o fornecedor tem um programa informático que não observa o preceituado no n.º 2 do artigo 8 do Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de Julho, isso pode significar que a sua contabilidade não merece credibilidade, mas não que não mereça credibilidade a contabilidade do destinatário de faturas, que pode estar de boa fé e ter arquivado os documentos que lhe foram emitidos por titularem operações realmente efetuadas.
A inspeção tributária também verificou que a RECORRENTE era incluída como destinatária do transporte das mercadorias nos “CMRs” que tinha arquivado, indicação que considera «destituída de sentido», porque não era a RECORRENTE a destinatária das mercadorias transportadas, mas a sua cliente espanhola. Só que o preenchimento dos “CMRs”, também não era da responsabilidade da RECORRENTE que, como ali também se diz «não é parte nesse contrato de transporte (não é expedidora, não é transportadora, nem é destinatária)» (pág. 110 do relatório). Por outro lado, não se nos afigura destituído de sentido, num contrato de fornecimento como o que se desenha no relatório, que a conformidade das mercadorias em causa seja efetuada pela verdadeira destinatária das mercadorias em nome da RECORRENTE, que para o caso funciona como mera intermediária na venda. O que vale por dizer que a circunstância relatada não tem para nós um significado unívoco, a menos que se parta já do pressuposto que as operações são simuladas.
Para além das inexatidões no preenchimento dos “CMRs”, a inspeção tributária detetou a existência de irregularidades em alguns “CMRs” emitidos sob a responsabilidade da “A…”, sendo um sem autenticação e alguns com divergências na indicação do expedidor, do transportador, do destinatário e do local de carga. De todos os exemplos fornecidos, apenas um diz respeito a algum dos anos fiscalizados (o “CMR” n.º 114122, de 2004.02.02). E a despeito dos esforços deste tribunal, não foi possível identificar a fatura referente a aquisições à “A…” de sucata a que corresponde esse transporte (a fatura 115, indicada na mesma linha do anexo 7, pág. 9 – fls. 306v. dos autos – não integra nenhuma das faturas de compras do anexo 2). De qualquer modo – e embora se perceba que os Sr. Inspetor Tributário pretenda demonstrar que a falta de cuidado no seu preenchimento é um indicador de que não havia a preocupação de assegurar os interesses contratuais das partes, por não haver verdadeiro fornecimento de mercadoria – não é esse o único significado possível e nem a discrepância num único exemplar dos 69 arquivados no ano de 2004 serviria para pôr em causa todos os demais.
No mais, a fiscalização desenvolve considerações sobre as opções comerciais da “A…” e da RECORRENTE, para concluir que lhes falta «racionalidade económica». Argumento que acabou por constituir um dos basilares fundamentos das conclusões do relatório (foi neste sentido o depoimento do Sr. Inspetor em tribunal, conf. 01.54.30 do “CD” que contem o registo fonográfico do seu testemunho).
Há, basicamente, quatro razões fundamentais para rejeitar a dedutibilidade dos custos das empresas para efeitos de I.R.C.: a verificação da inexistência desses custos e que, por isso, não foram efetivamente suportados; a verificação de que esses custos não estão documentados e que, por isso, a sua existência não pode ser confirmada; a verificação de que esses custos, embora tenham existido, não apresentem relação com a obtenção dos proveitos ou com a realização do escopo societário e, por isso, não eram indispensáveis; e a verificação de que esses custos ocorreram e eram indispensáveis, mas não são elegíveis, porque a lei fiscal veda ou condiciona a sua dedutibilidade.
No relatório de fiscalização não se invoca nenhuma norma fiscal que, à partida, vede a dedutibilidade dos custos com a natureza dos que ali vão descritos. Nem se alega que esses custos não têm relação com a fonte produtora, o que seria – à partida – difícil de conceber, porque a atividade de comercialização de sucata cabe no escopo social da RECORRENTE. Também não se alega que esses custos não estão documentados (aliás, não se aponta nenhuma falha na documentação desses custos do lado da RECORRENTE). O que se alega é que esses custos não podem ser deduzidos porque não existiram, no seu todo ou em parte.
Ora, a falta de «racionalidade económica» das opções comerciais da RECORRENTE ou da sua indicada fornecedora de sucata não contende, em si mesma, com a existência dos custos correspondentes e não pode ser erigida em fundamento basilar dessa conclusão. De um lado, porque a racionalidade das opções económicas de gestão não tem que ser aparente ou acessível a terceiros. De outro lado, porque não compete à administração tributária, mesmo que esteja na posse de todas as informações relevantes, sindicar internamente essas opções de gestão. De outro lado, ainda, porque o enquadramento de critérios de racionalidade económica ou a índices de normalidade nas relações comerciais no juízo final sobre a existência do custo equivale a admitir como existentes – para efeitos fiscais – apenas os custos normais (isto é, aqueles que decorram de relações comerciais que passem em determinado crivo de normalidade fiscal), o que não só não tem respaldo na lei como também não se nos afigura compatível com o princípio da tributação do rendimento real.
Pelo que a falta de «racionalidade económica» só poderia, para o caso, constituir um sintoma de que as operações, embora devidamente documentadas, não existiram e os custos correspondentes não foram suportados. Um sintoma, e não um meio de diagnóstico. Deveria estar no ponto de partida da análise, e não no seu ponto de chegada.
E não foi isso que, no caso, aconteceu. A fiscalização, depois de indagar sobre as vantagens comerciais resultantes dessas operações – e poderia questionar-se se a sua revelação cabe no âmbito dos deveres de cooperação a que alude a parte final do n.º 4 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária, até porque parte das explicações que lhe foram pedidas dizia respeito às vantagens económicas que a fornecedora “A…” ou da cliente espanhola viram no negócio, informações que a RECORRENTE não tinha que possuir – sentenciou que essa vantagem não existia e extraiu daí, diretamente, que a interposição da RECORRENTE no negócio se destinou apenas a dificultar a averiguação da legitimidade dos pedidos de reembolso.
De todo o exposto decorre que a fiscalização não demonstrou ter realizado todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material no que respeita às operações tituladas nas faturas em causa.
Recorreu a informações colhidas de relatórios anteriores à escrita da fornecedora da “A…” sobretudo com vista a ilustrar a falta de credibilidade fiscal da emitente dessas faturas, mas não demonstrou ter realizado diligências adicionais que poderiam fornecer dados mais concretos sobre estas faturas. Que não poderia ter dispensado, não apenas porque esses relatórios não têm praticamente nenhuns dados sobre as operações ali tituladas, mas também porque não inserem a RECORRENTE no circuito de fraude ali desenhado. E, sobretudo, porque também se reconhece ali que a “A…” é uma empresa com capacidade instalada no setor e larga implantação nos circuitos comerciais destas mercadorias. Podendo, por isso, realizar operações como as que se descrevem nos documentos em causa.
Questionou a «racionalidade económica» das opções de gestão da “A…”, da RECORRENTE e dos seus clientes espanhóis, e convocou a RECORRENTE a prestar esclarecimentos sobre este tópico, que não a satisfizeram. Mas não demonstrou ter explorado a informação contabilística disponível quanto àquelas específicas operações, visto que as referências feitas são quase todas a documentos de operações distintas. E muito menos demonstrou ter esgotado os instrumentos ao seu dispor para obter dados mais concludentes sobre a sua existência.
Não acompanhamos, por isso, a - aliás, douta - sentença recorrida na parte em que dela resulta que a administração tributária realizou as diligências necessárias ou requeridas para a descoberta da verdade material. O entendimento segundo o qual a falta de credibilidade do emitente, associada a uma aparente irracionalidade económica das transações, chegaria para enjeitar, de uma penada, todas as faturas emitidas – ainda que o seu destinatário tivesse cumprido escrupulosamente os seus deveres de colaboração e houvesse motivos para admitir que, uma parte indefinida delas titulasse transações efetivamente existentes – equivaleria, na prática, a admitir que a escrita do sujeito passivo só beneficiaria da presunção de verdade se a do emitente também se presumisse verdadeira e se as suas relações comerciais se inserissem em casuísticos padrões de aparente normalidade. E não só não encontramos na letra do artigo 75.º da Lei Geral Tributária nada que o sustente como também não cremos que tivesse sido essa a vontade legislativa.
Bem pelo contrário: o cumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo funciona como uma moeda de troca para a proteção que a lei lhe dá e que consiste em remeter para a administração tributária o ónus de suportar as despesas instrutórias que, em concreto, sejam necessárias e adequadas a elidir a presunção de verdade quanto às operações ali descritas.
Assim sendo, a Recorrente tem razão nesta parte e o ato impugnado deve ser anulado na parte correspondente.»
Considerando que tudo o que supra transcrevemos é aqui inteiramente aplicável do ponto de vista da análise dos factos e sua valoração, tendo presente que a apreciação respeitante ao ano de 2006 decorre de toda a realidade apurada no âmbito das inspecções anteriores (basta reter que o ponto 3.1.1.9 Conclusão começa por apontar que “Através de acções inspectivas que tiveram como objecto a sociedade A... & Filhos, SA”, demonstrou-se que a mesma não dispunha de condições para vender as mercadorias que facturou. …”) no que às facturas respeita e em cujo âmbito se realizou a apresentação do custo de exercício referente ao IRC de 2006, forçoso é concluir, como no douto acórdão em citação se fez, que também o acto impugnado (liquidação adicional de IRC), na parte relativa às facturas emitidas pela «A... S.A.», no ano de 2006, não pode deixar de ser anulado, com a consequente revogação da decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento do demais suscitado nos autos, nomeadamente o erro de julgamento em sede de matéria de facto, na medida em que os pontos discutidos estão directamente relacionados com a outra questão porventura a considerar nos autos, ou seja, no caso de uma outra leitura sobre a conduta da AT, caberia então discutir se a recorrente tinha logrado demonstrar a materialidade das operações em causa.
No entanto, como se viu, não tendo a AT demonstrado que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade, a discussão sobre a matéria termina imediatamente, tornando inútil apreciar o erro de julgamento em sede de facto e de direito quanto à questão da prova da veracidade das transacções em causa, o mesmo sucedendo em relação às outras matérias apontadas no âmbito do presente recurso.
Na petição inicial de impugnação, a ora recorrente havia efectuado os seguintes pedidos: serem anuladas as liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios referentes ao ano de 2006, no montante de €207.789,55; serem reconhecidos como custos as aquisições de mercadorias consideradas como simuladas constantes das facturas que lhe foram emitidas pelo seu fornecedor, A..., S.A., no ano de 2006; serem anulados os juros de mora; serem anuladas todas as sanções aplicadas à impugnante em termos de RGIT; ser indemnizada dos encargos suportados durante o período de vigência das garantias bancárias prestadas, se a ela houver lugar.
Relativamente ao pedido de indemnização dos encargos das garantias, o tribunal a quo pronunciou-se, tendo decidido que a impugnação judicial improcedia nesta parte, porque a impugnante, apesar de formular o pedido, não alegou, nem provou ter prestado qualquer garantia nem os respectivos custos. No presente recurso, a recorrente nada refere a este respeito, tendo, portanto, transitado em julgado o segmento decisório correspondente a este pedido.
De igual forma, o tribunal recorrido apreciou o pedido de anulação das sanções aplicadas à impugnante em termos de RGIT, tendo decidido que o processo de impugnação judicial não é a forma adequada de impugnação e julgamento de eventuais sanções aplicáveis à impugnante previstas no RGIT. Acrescentou que a impugnação de eventuais sanções aplicáveis à impugnante previstas no RGIT não constitui fundamento para um processo de impugnação judicial. Mais uma vez, entendemos que a recorrente se conformou com esta parte do segmento decisório, dado que nada refere a propósito no presente recurso. Nesta conformidade, transitou em julgado a decisão de improcedência, quanto a esta parte, por falta de fundamento legal (artigo 99.º do CPPT).
Todavia, considerando tudo o exposto, haverá que julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando as liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios, referentes ao ano de 2006, no montante de €207.789,55, com as legais consequências daí advenientes.

Conclusões/Sumário

I – A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.
II – A falta de racionalidade económica aparente das operações comerciais também não constitui indício fundado de que essas operações não existiram, a menos que seja associada a outros dados objectivos que o confirmem.
III – Pelo que a Administração Tributária, que invoca apenas a falta de credibilidade do emitente de determinadas facturas e a falta de credibilidade económica das operações comerciais respectivas, não demonstra que o custos correspondentes não foram efectivamente suportados pelo sujeito passivo.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando as liquidações adicionais de IRC e correspondentes juros compensatórios, referentes ao ano de 2006, no montante de €207.789,55, com as legais consequências daí advenientes.

Custas pela Recorrente e pela Fazenda Pública apenas na 1.ª instância, considerando que esta aqui não contra-alegou, na proporção do decaimento, fixando-se em 10% a taxa de justiça a cargo da Recorrente e em 90% a taxa de justiça a cargo da Fazenda Pública.

Porto, 30 de Abril de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves