Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02084/13.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROFESSOR DO ENSINO BÁSICO E SECUNDÁRIO; PROGRESSÃO NA CARREIRA; DUAS ÚLTIMAS CLASSIFICAÇÕES; ARTIGO 16.º, N.º 3, DO DECRETO-LEI N.º 15/2007, DE 19.01;
ARTIGO 40.º, N.ºS 6 E 7, DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE; DECRETO REGULAMENTAR N.º 11/98, DE 15.05; ARTIGO 37.º, N.º 2, ALÍNEA B), DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE.
Sumário:1. Segundo a norma transitória consagrada no artigo 16.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01 (diploma que instituiu o novo regime de avaliação do desempenho dos docentes e que veio consagrar a solução atualmente constante do artigo 40.º, n.ºs 6 e 7, do Estatuto da Carreira Docente, aqui em causa), “na situação em que seja necessário ter em conta a avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, devem ser consideradas as menções qualitativas obtidas nos termos deste decreto-lei de acordo com a seguinte tabela de equivalência: a) à menção de Não satisfaz ou equivalente corresponde a menção qualitativa de Insuficiente; b) às menções de Satisfaz e de Bom corresponde a menção qualitativa de Bom”.

2. Tendo o autor, professor do ensino básico e secundário, obtido a última avaliação de desempenho realizada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, a menção qualitativa de “Satisfaz”, esta corresponde, nos termos daquela norma, à menção qualitativa de “Bom”.

3. O que significa que para os efeitos previstos no artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente, ou seja, como primeira das duas avaliações relevantes para a progressão na carreira, as duas últimas classificações, podia o Autor valer-se do resultado da última avaliação de desempenho a que foi sujeito ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, à qual corresponde a menção qualitativa de Bom, menção mínima exigida alínea b) do n.º 2 daquele preceito para a progressão.

4. Isto porque o referido artigo 40.º do Estatuto da Carreira Docente apenas apela à “menção qualitativa que (…) tiver sido atribuída na última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções docentes”, não fazendo qualquer distinção entre regimes avaliativos nem exigindo, de modo expresso, que essa última classificação tenha sido obtida já nos termos do novo regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Educação.
Recorrido 1:L.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério da Educação veio interpor o presente recurso jurisdicional do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 02.02.2017, pelo qual foi julgada a presente acção administrativa comum instaurada por L. contra o Recorrente procedente e, em consequência, foi o Réu condenado a reconhecer o direito do Autor a ser posicionado e remunerado pelo índice salarial 272, correspondente ao 7º escalão da carreira docente, desde Agosto de 2010 e com efeitos remuneratórios no dia 1 do mês seguinte; foi o Réu condenado a contar o tempo de serviço do Autor nesse escalão e índice de carreira desde Agosto de 2010, com as legais consequências, foi o Réu condenado a pagar as diferenças salariais devidas a título de créditos laborais, desde a data em que devia ter progredido.

Invocou, para tanto, que a decisão recorrida fez errada interpretação do estabelecido nos artigos 37º e 40º do Estatuto da Carreira Docente então vigente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28.04, 16º do Decreto-Lei nº 15/2007, de 19.01 e 19º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20.11.

O Autor apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) Em matéria de progressão, dispõe o n.º 2 do artigo 37.º do ECD (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 20.04, na redacção então vigente) os requisitos necessários e que, na generalidade, são os seguintes:

a) permanência de um período mínimo de serviço docente efetivo no escalão imediatamente inferior;

b) obtenção, nas duas últimas avaliações do desempenho, de menções qualitativas não inferiores a Bom;

c) frequência, com aproveitamento, de módulos de formação contínua que correspondam, na média do número de anos de permanência no escalão, a 25 horas anuais ou, em alternativa, de cursos de formação especializada.

B) Quanto ao requisito "avaliação de desempenho" n.º 7 do artigo 40.º do ECD possibilita aos docentes que permaneceram em situação de ausência ao serviço equiparada a prestação efetiva de serviço que inviabilize a verificação do tempo mínimo para serem avaliados — como é o caso do autor — recorrerem ao mecanismo previsto nas alíneas a) e b) do n.º 6 da referida disposição legal, ou seja, optarem pela menção que tenham obtido na última avaliação do desempenho, ou pela primeira avaliação do desempenho que lhe for atribuída após o regresso efetivo ao serviço docente.

C) Não sendo, porém, possível preencher o requisito avaliativo, mediante o recurso à última menção obtida ao abrigo do regime, previsto no Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, porque resulta expressamente da parte inicial do n.º 1 do artigo 16.0 do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01, que a primeira progressão na carreira que ocorra após a sua entrada em vigor fica condicionada à aplicação do novo regime de avaliação do desempenho docente do ECD.

D) Tal imperatividade não é contrariada pelo disposto no n.º 3 do artigo 16.º daquele diploma, preceito que tem de ser conjugado com a parte final do n.º 1 do mesmo normativo, que permite, sem prescindir da obrigatoriedade estipulada na sua parte inicial, o recurso às classificações anteriormente obtidas, desde que necessárias para efeitos de completamento do módulo de tempo de serviço.

E) Às menções atribuídas ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, é atribuída uma natureza meramente complementar, o que implica, desde logo, que as mesmas não podem ser consideradas isoladamente para efeitos de progressão na carreira.

F) O n.º 3 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01, só produz efeitos na circunstância do docente ter aproveitado uma menção obtida ao abrigo do Decreto Regulamentar n.0 11/98, de 15.05, o que não é o caso do recorrido.

G) Não resulta demonstrado (nem assente) que o recorrido detinha os demais requisitos para a progressão, designadamente, o previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 37.º do ECD.

H) Como decorre do citado artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, o período de ausência motivada por acidente, não implica a perda de direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço, mas não pode consubstanciar a ficção de que quem se encontra nessa situação frequentou, com aproveitamento, módulos de formação contínua que correspondam, na média do número de anos de permanência no escalão, a 25 horas anuais ou, em alternativa, de cursos de formação especializada.

I) A decisão recorrida fez errada interpretação do estabelecido nos artigos 37º e 40º do ECD então vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28.04, 16.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01, e 19.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11.
*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Autor exerce as funções de professor contratado e encontra-se posicionado, desde 01.02.2004, no 6.º escalão da carreira docente, ao qual corresponde o índice salarial 245 (cfr. documentos de folhas 30-31 e 33-34 do suporte físico do processo).

2) À data de 24.06.2010 o Autor contava 4 anos e 21 dias completos de tempo de serviço docente no escalão referido no ponto anterior (cfr. documento de fls. 34 do suporte físico do processo).

3) À data de 24.06.2010 o Autor encontrava-se na situação de faltas ao serviço desde 25.09.2008, em virtude da ocorrência de acidente em serviço (cfr. documento de folhas 33 do suporte físico do processo).

4) A última classificação de serviço do Autor, obtida nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, foi de “Satisfaz” e reporta-se aos anos de 1997/1998 a 2002/2003, de acordo com o relatório crítico entregue pelo docente em 27.11.2003 (cfr. documento de folhas 37 do suporte físico do processo).

5) O Autor não foi sujeito a avaliação de desempenho no ciclo avaliativo de 2007/2009.

6) Através de requerimento datado de 18.01.2011 e dirigido à Diretora do Agrupamento de Escolas de (...), o Autor solicitou o deferimento da sua progressão para o índice 272 da carreira docente, nos termos do Decreto-Lei nº 75/2010, de 23/06 (cfr. documento de folhas 40 do suporte físico do processo).

7) Pelo ofício n.º 54 de 25.01.2011, subscrito pela Diretora do Agrupamento acima referido, foi o Autor informado de que, “de acordo com o art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 75/2010, o Sr. Professor teria que ter avaliação de desempenho em 2007/2009 não inferior a Bom, o que não aconteceu, por não ter sido avaliado, pelo que não poderá progredir ao 7.º/272” (cfr. documento de folhas 39 do suporte físico do processo).

8) Pelo ofício n.º B12028344S de 31.07.2012, elaborado pela Direção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos do Réu e enviado à Provedoria de Justiça, foi esclarecido que o Autor “jamais podia, para efeitos da sua primeira progressão na carreira docente, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, suprimir o requisito da avaliação de desempenho com recurso, em exclusivo, a uma menção avaliativa que obteve em momento anterior à entrada em vigor daquele diploma legal” (cfr. documento de folhas 30 e 31 do suporte físico do processo).

9) Através de novo requerimento datado de 16.08.2012 e dirigido à Presidente da CAP do Agrupamento de Escolas (...), o Autor solicitou a emissão de “decisão que defira ou indefira a pretensão do requerente em progredir ao 7.º escalão da carreira docente, assim pondo termo ao procedimento e dando cumprimento às competências que legalmente lhe são atribuídas e ao disposto no artigo 9.º do CPA” (cfr. documento de folhas 28 e 29 do suporte físico do processo).

10) Pelo ofício n.º 382 de 28.08.2012, subscrito pela Presidente da CAP, foi dada a seguinte resposta ao requerimento do Autor referido no ponto antecedente:

“1 - A transição de escalão de um docente, sendo um ato administrativo, tem subjacente regras que, no caso vertente, entende a administração não foram cumpridas.
2 - Assim, e não havendo autorização para o abono da diferença salarial que tal acarretaria, não pode este Agrupamento dar deferimento à sua pretensão.
3 - Este Agrupamento não depende hierarquicamente da Provedoria da Justiça, mas sim do Ministério da Educação e Ciência, pelo que é deste que tem que acatar as decisões.
4 - Assim acatamos a decisão emanada e exarada no documento da tutela anteriormente enviado a V. Exa” (cfr. documento de folhas 27 do suporte físico do processo).

11) A petição inicial da presente ação foi remetida a este Tribunal, via postal registada, em 23.08.2013 (cfr. documento de folhas 20 do suporte físico do processo).
*
III - Enquadramento jurídico.

1. A avaliação do desempenho.

A questão a dirimir nos presentes autos prende-se com o cumprimento dos requisitos legais necessários à progressão na carreira docente, em particular, no caso do Autor, do 6.º para o 7.º escalão e correspondente índice salarial.

Com efeito, enquanto o Autor alega que em Agosto de 2010 cumpria todos os requisitos exigidos pelo artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente para aceder à referida progressão, o Réu considera que não se encontrava preenchido o requisito referente à avaliação do desempenho, o que impediu que o Autor progredisse nos termos solicitados.

Vejamos.

O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (vulgo, Estatuto da Carreira Docente) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28.04, tendo sido alvo de sucessivas alterações desde o início da sua vigência.

Com relevo para o caso dos autos, foi publicado, em 23.06.2010, o Decreto-Lei n.º 75/2010, que entrou em vigor logo no dia 24.06.2010 (cfr. artigo 19.º), diploma este que veio alterar o Estatuto da Carreira Docente.

O referido Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23.06, procedeu, entre o demais, a uma nova revisão do Estatuto da Carreira Docente, introduzindo alterações no sistema de avaliação de desempenho dos docentes (o qual fora profundamente remodelado pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01), com consequências nas regras de progressão na carreira.

A carreira docente passou, então, a estruturar-se numa única categoria, a de professor, terminando a distinção entre professores e professores titulares (cfr. artigo 34.º, n.º 2, do Estatuto da Carreira Docente), tendo-se procedido igualmente a alterações na escala indiciária e no tempo de permanência obrigatória em cada escalão.

Os índices remuneratórios correspondentes a cada escalão foram alterados nos seguintes termos (cfr. anexo ao Decreto-Lei n.º 75/2010):

Escalões
1.º 2.º 3.º 4.º 5.º 6.º 7.º 8.º 9.º 10.º

Índices 167 188 205 218 235 245 272 299 340 370

Ora, no que respeita à progressão na carreira docente, o artigo 37.º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 75/2010, de 23.06, estabeleceu:

“Artigo 37.º
[...]
1 - A progressão na carreira docente consiste na alteração do índice remuneratório através da mudança de escalão.

2 - O reconhecimento do direito à progressão ao escalão seguinte depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Da permanência de um período mínimo de serviço docente efectivo no escalão imediatamente anterior;
b) Da atribuição, nas duas últimas avaliações do desempenho, de menções qualitativas não inferiores a Bom;
c) Frequência, com aproveitamento, de módulos de formação contínua que correspondam, na média do número de anos de permanência no escalão, a 25 horas anuais ou, em alternativa, de cursos de formação especializada.

3 - A progressão aos 3.º, 5.º e 7.º escalões depende, além dos requisitos previstos no número anterior, do seguinte:

a) Observação de aulas, no caso da progressão aos 3.º e 5.º escalões;
b) Obtenção de vaga, no caso da progressão aos 5.º e 7.º escalões.

4 - ...

5 - Os módulos de tempo de serviço docente nos escalões têm a duração de quatro anos, com excepção do tempo de serviço no 5.º escalão que tem a duração de dois anos.

6 - (Revogado.)

7 - A progressão aos 5.º e 7.º escalões, nos termos referidos na alínea b) do n.º 3, processa-se anualmente e havendo lugar à adição de um factor de compensação por cada ano suplementar de permanência nos 4.º ou 6.º escalões aos docentes que não obtiverem vaga, em termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da educação.

8 - A progressão ao escalão seguinte opera-se nos seguintes momentos:

a) A progressão aos 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 8.º, 9.º e 10.º escalões opera-se na data em que o docente perfaz o tempo de serviço no escalão, desde que tenha cumprido os requisitos de avaliação do desempenho, incluindo observação de aulas quando obrigatório e formação contínua previstos nos números anteriores, sendo devido o direito à remuneração correspondente ao novo escalão a partir do 1.º dia do mês subsequente a esse momento e reportado também a essa data;
b) A progressão aos 5.º e 7.º escalões opera-se na data em que o docente obteve vaga para progressão, desde que tenha cumprido os requisitos de avaliação do desempenho, incluindo observação de aulas quando obrigatório e formação contínua previstos nos números anteriores, sendo devido o direito à remuneração correspondente ao novo escalão a partir do 1.º dia do mês subsequente a esse momento e reportado também a essa data.

9 - ...”

Todavia, e para salvaguarda das expectativas daqueles docentes que, no momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010 (24.06.2010), se encontravam prestes a reunir os requisitos gerais para a progressão, a obtenção de vaga é apenas exigível aos docentes que completem aqueles requisitos a partir do início do ano escolar de 2010/2011, ou seja, a partir de 01.09.2010 (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010).

Volvendo ao caso concreto, com excepção do requisito respeitante à avaliação de desempenho, não é controvertido entre as partes que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2010, o Autor reunia os restantes requisitos legalmente exigidos para a progressão na carreira, nomeadamente no que toca ao tempo de serviço no escalão anterior (tendo o Autor completado 4 anos e 21 dias completos de tempo de serviço docente no 6.º escalão) e à inaplicabilidade do requisito adicional de obtenção de vaga, atendendo ao disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 75/2010, acima referido (cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados).

O litígio reside no cumprimento do requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente, quanto à “atribuição, nas duas últimas avaliações do desempenho, de menções qualitativas não inferiores a Bom”.

A particularidade da situação do Autor decorre do facto de, à data de 24.06.2010, o Autor se encontrar na situação de faltas ao serviço desde 25.09.2008, em virtude da ocorrência de acidente em serviço, razão pela qual não foi sujeito a avaliação de desempenho no ciclo de 2007/2009 e de acordo com o novo sistema avaliativo introduzido pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01. Com efeito, a última classificação de serviço do Autor foi obtida nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, com o resultado de “Satisfaz”, e reporta-se aos anos de 1997/1998 a 2002/2003 (cfr. pontos 3, 4 e 5 dos factos provados).

Porém, as faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito (cfr. artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, diploma que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas).

No entanto, não é possível daqui retirar a conclusão imediata, como faz o Autor, de que, por ter estado de baixa médica resultante de acidente em serviço, o mesmo cumpre automaticamente os requisitos impostos pelo artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente para a progressão na carreira, nomeadamente no que toca à avaliação do desempenho.

Importa, com efeito, atender ao disposto no artigo 40.º do Estatuto da Carreira Docente (que já constava da redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01), cujo n.º 6 refere que “os docentes que exerçam cargos ou funções cujo enquadramento normativo ou estatuto salvaguarde o direito de progressão na carreira de origem e não tenham funções letivas distribuídas podem optar, para efeitos do artigo 37.º, por uma das seguintes classificações: a) a menção qualitativa que lhe tiver sido atribuída na última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções docentes; b) a primeira avaliação do desempenho que lhe for atribuída após o regresso ao serviço docente efetivo”. Acrescenta o n.º 7 do mesmo normativo que “podem ainda beneficiar da opção prevista no número anterior os docentes que permaneçam em situação de ausência ao serviço equiparada a prestação efetiva de trabalho que inviabilize a verificação do requisito de tempo mínimo para avaliação do desempenho”.

Retira-se, portanto, das disposições legais acima citadas que, em caso de ausência equiparada por lei a serviço efetivo – como ocorre na situação do Autor, que esteve ausente na sequência de um acidente em serviço –, pode ser tida em consideração para os efeitos previstos no artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente, ou seja, como avaliação relevante para a progressão, uma das duas opções descritas no artigo 40.º, n.º 6, do Estatuto da Carreira Docente. Compreende-se que assim seja, uma vez que, naquelas situações de ausência ao serviço, o docente não pôde, naturalmente, ser sujeito a avaliação de desempenho por não se encontrar em exercício de funções, não devendo ser prejudicado por tal circunstância (pois que a lei equipara essas situações a serviço efectivo).

No caso do Autor, a única opção aplicável reconduz-se à situação descrita na alínea a) deste último normativo, que respeita à menção qualitativa que lhe tiver sido atribuída na última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções docentes.

O Autor obteve na última avaliação de desempenho (realizada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98) a menção qualitativa de “Satisfaz” (cfr. ponto 4 dos factos provados).

Segundo a norma transitória consagrada no artigo 16.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01 (diploma que, como vimos, instituiu o novo regime de avaliação do desempenho dos docentes e que veio consagrar a solução atualmente constante do artigo 40.º, n.ºs 6 e 7, do Estatuto da Carreira Docente, aqui em causa), “na situação em que seja necessário ter em conta a avaliação do desempenho efetuada nos termos do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, devem ser consideradas as menções qualitativas obtidas nos termos deste decreto-lei de acordo com a seguinte tabela de equivalência: a) à menção de Não satisfaz ou equivalente corresponde a menção qualitativa de Insuficiente; b) às menções de Satisfaz e de Bom corresponde a menção qualitativa de Bom”.

Isto significa que para os efeitos previstos no artigo 37.º do Estatuto da Carreira Docente, ou seja, como primeira das duas avaliações relevantes para a progressão na carreira, as duas últimas classificações, podia o Autor valer-se do resultado da última avaliação de desempenho a que foi sujeito ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 11/98, de 15.05, à qual corresponde a menção qualitativa de Bom, menção mínima exigida alínea b) do n.º 2 daquele preceito para a progressão.

Aqui chegados, e atento o regime legal supra delineado, temos que se mostra cumprido pelo Autor o requisito referente à avaliação do desempenho que é necessário à progressão na carreira e à sua transição do 6.º para o 7.º escalão.

O argumento do Réu no sentido de que a última avaliação de desempenho que é possível tomar em consideração para efeitos de progressão na carreira, nos termos que são permitidos pelo artigo 40.º, n.ºs 6 e 7, do Estatuto da Carreira Docente, tem de resultar da aplicação do novo regime de avaliação do desempenho docente que consta do Estatuto da Carreira Docente não pode proceder.

Isto porque, desde logo, o referido artigo 40.º do Estatuto da Carreira Docente, na parte ora relevante, apenas apela à “menção qualitativa que (…) tiver sido atribuída na última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções docentes”, não fazendo qualquer distinção entre regimes avaliativos nem exigindo, de modo expresso, que essa última classificação tenha sido obtida já nos termos do novo regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01.

Se pretendesse ter feito essa ressalva – no sentido de o docente apenas poder recorrer, para efeitos de progressão na carreira, à última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções docentes se e na medida em que essa avaliação já tenha sido efetuada nos moldes do novo sistema avaliativo –, certamente que o legislador o teria dito expressamente na letra do artigo 40.º aqui em causa.

Como bem se salienta no parecer da Provedoria de Justiça junto aos autos, foi isso que ocorreu, por exemplo, no domínio do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28.12, cujo artigo 42.º, n.º 6, determina, no mesmo tipo de situações ora em análise, que “releva, para efeitos da respetiva carreira, a última avaliação atribuída nos termos da presente lei ou das suas adaptações” e prevê, para os casos de ausência de avaliação relevante, a realização de avaliação por ponderação curricular (artigos 42.º, n.º 7, e 43.º).

Nestes termos, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (cfr. artigo 9.º do Código Civil), o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que de lá não consta.

Acresce que a conclusão a que supra se chegou não é contrariada, ao invés do que pretende o Réu, pelo artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19.01, segundo o qual, sob a epígrafe “Regime transitório de avaliação do desempenho”, “a primeira progressão na estrutura da carreira fica condicionada à aplicação do novo regime de avaliação do desempenho constante do Estatuto da Carreira Docente, sem prejuízo de serem consideradas as classificações atribuídas nos anos anteriores desde que necessárias para completar os módulos de tempo de serviço respetivos”.

Daqui retira o Réu, por um lado, que a primeira progressão na carreira que ocorra após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007 – como é o caso dos autos – fica condicionada à aplicação do novo regime de avaliação do desempenho previsto no Estatuto da Carreira Docente e que, por outro lado, às menções atribuídas ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 11/98 é conferida uma natureza meramente complementar, o que implicaria que as mesmas não pudessem ser consideradas isoladamente para efeitos de progressão na carreira.

Julgamos, porém, que não é assim.

Em primeiro lugar, entendemos que a expressão “primeira progressão na estrutura da carreira” contida naquele artigo 16.º, n.º 1, se refere às primeiras progressões que qua tale ocorram na carreira de um docente e não, como interpreta o R., às primeiras progressões que ocorram após a entrada em vigor do diploma em referência, independentemente de se tratar da primeira, segunda ou terceira progressão na carreira do docente, considerada no seu todo. Veja-se que, no art.º 15.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei o legislador fez essa referência expressa a propósito do “primeiro concurso de acesso para lugares da categoria de professor titular, aberto após a entrada em vigor do presente decreto-lei”.

Em segundo lugar, se se entendesse que, de facto, a progressão do Autor ficava condicionada à aplicação do novo regime de avaliação do desempenho previsto no Estatuto da Carreira Docente e que as avaliações efetuadas nos termos de regimes anteriores não poderiam ser consideradas em exclusivo, o artigo 40.º, n.ºs 6 e 7, do Estatuto da Carreira Docente veria o seu âmbito de aplicação extremamente reduzido e perderia, em grande parte, a sua razão de ser, uma vez que seriam logo excluídos da progressão todos aqueles docentes que, não tendo sido avaliados de acordo com o novo regime por terem estado ausentes do serviço desde a sua entrada em vigor, apenas dispunham de uma avaliação efetuada ao abrigo do sistema anterior. Tal não parece, porém, ter sido o objetivo do legislador, que visou precisamente acautelar este último tipo de situações, permitindo que os docentes lançassem mão da avaliação de que dispunham nos termos do regime anterior para efeitos de progressão na carreira, dessa forma não os deixando de fora e não os prejudicando pelo facto de terem estado ausentes, justificadamente, do serviço.

Diga-se, ainda, e como bem sublinha, uma vez mais, o parecer da Provedoria de Justiça constante dos autos, que a interpretação proposta pelo Réu conduziria a que fosse feita uma diferenciação, sem fundamento, entre os docentes que se encontravam em situação de ausência de serviço equiparada a prestação efectiva de trabalho aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2007 e que, necessariamente, não foram alvo de avaliação no 1.º ciclo do novo sistema (2007/2009), e os docentes que vieram a encontrar-se em situação de ausência de serviço já depois de concluído esse primeiro ciclo avaliativo e que, portanto, puderam já ser avaliados de acordo com aquele novo sistema.

Quanto à alegação de que é somente para uma das duas avaliações legalmente exigidas [cfr. artigo 37.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto da Carreira Docente] que pode ser “repescada” uma das menções atribuídas ao abrigo do regime jurídico anteriormente vigente, não tem esta leitura qualquer apoio no texto da lei, porquanto a possibilidade de os docentes se socorrerem da “menção qualitativa que (…) tiver sido atribuída na última avaliação do desempenho em exercício efetivo de funções”, nos termos do art.º 40.º, n.º 7, do Estatuto da Carreira Docente, substitui, para todos os efeitos, a exigência de “atribuição, nas duas últimas avaliações do desempenho, de menções qualitativas não inferiores a Bom”, constante do art.º 37.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto da Carreira Docente.

Ante o exposto, impõe-se concluir que o Autor cumpria, em Agosto, de 2010, o requisito referente à avaliação do desempenho, o que significa que, verificados os demais requisitos (que não vêm postos em causa), tem o Autor direito à progressão na carreira, em particular do 6.º para o 7.º escalão e do índice salarial 245 para o 272, com efeitos reportados a agosto de 2010, como peticionado.

2. Frequência, com aproveitamento, de módulos de formação contínua que correspondam, na média do número de anos de permanência no escalão, a 25 horas anuais ou, em alternativa, de cursos de formação especializada – questão nova em recurso.

Este requisito previsto na alínea c) do artigo 37.º, nº 2, do Estatuto da Carreira Docente (na versão conferida pelo Decreto-Lei nº 75/2010) não foi questionado pelo Recorrente na 1ª Instância, pelo que não foi objecto de apreciação na decisão recorrida.

Este Tribunal não pode conhecer desta questão por se tratar de questão não suscitada em 1ª Instância.

Neste sentido, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06 (sumário):

“1. Mediante a interposição de recurso a decisão judicial é submetida a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objecto quer a ilegalidade da decisão quer a sua nulidade, sendo que o conteúdo do recurso deflui do contexto da alegação e respectivas conclusões - art°s. 676 e 668° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

2. Nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida; nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida, - artº 690° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

3. O conceito adjectivo de questão envolve tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

4. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).

5. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 715º nºs 1, 2 e 3 CPC.

6. É admissível a interposição de recurso subordinado quanto a decisões distintas, quando entre estas se verifique uma relação de prejudicialidade.

7. Para além dos casos de caducidade por decaimento nos pressupostos de recurso, expressa no artº 682º nº 3 CPC, a insubsistência do recurso principal implica o não conhecimento de mérito sobre o objecto do recurso subordinado, como é o caso.”

No mesmo sentido, ver os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo n.º 254/09.7 MDL e de 08.07.2012, no processo 00215/98 – Porto.
Deste último extrai-se o seguinte sumário:

“Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 627º n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 -, apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso”.

O recurso não merece, pois, provimento, impondo-se manter a decisão recorrida.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
*
Porto, 30.04.2020

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco