Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01446/13.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IRC, INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO, DEVOLUÇÃO-ANULAÇÃO DE FACTURA, PROCESSO JUDICIAL
Sumário:
Ainda que o procedimento formal adoptado pelo contribuinte não tenha sido o mais idóneo, o princípio da especialização dos exercícios e as restantes regras relativas à contabilização dos proveitos relevantes para efeitos de tributação em sede de IRC cedem perante a inexistência do facto tributário. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CS - IPI, Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar procedente a impugnação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
CS - IPI, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 12-12-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IRC de 2008 e respectivos juros compensatórios, no valor de € 81.504,34.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A - A Douta Sentença aqui recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e uma errada subsunção dos mesmos ao direito aplicável, relativamente à factura devolvida e anulada.
B - Não deu aquela Sentença como provados factos que resultam dos autos e da prova documental, com relevância para a descoberta da verdade e subsequente apreciação de mérito.
C - Contrariamente, deu como provados factos cuja prova se baseia nas conclusões do Relatório de Inspecção e não na valoração da prova produzida.
D - Logo, a liquidação de IRC do exercício de 2008, aqui recorrida deve ser anulada, por violação da lei.
XIII - Pedido
Com o douto suprimento de Vªs. Exªs., deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser a Douta Sentença, de que ora recorre, revogada pelos motivos acima melhor expostos.
Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por violação de lei, atenta a invocação de erro nos pressupostos de facto e de direito da realidade constante como objecto da situação concreta, a factura devolvida e anulada, e bem assim a errónea qualificação e quantificação da matéria colectável, com base nessa factura devolvida e anulada.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
1) Com base na ordem de serviço n.ºs OI201200305 de 17-01-2012 da DF do Porto, iniciou-se ação inspetiva ao sujeito passivo “ CS - IPI, Lda” relativo a IRC do primeiro trimestre de 2008 - cfr. fls.25 e seguintes do processo administrativo, aqui dadas como reproduzidas para os devidos efeitos legais;
2) A ação inspetiva iniciou-se a 25-09-2012, com a assinatura por Vasco de Azeredo Pinto e Melo da Ordem de Serviço referidas em 1) – cfr. fls. 25 do processo administrativo, aqui dadas como reproduzidas;
3) Da descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas em sede de IRC consta do relatório de inspeção ponto III a fls 25 e seguintes do processo administrativo, aqui dadas como reproduzidas e que se transcrevem em parte:
“(...)
A) Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC)
Da análise aos registos contabilísticos, do ano de 2008, da empresa CS, verifica-se que, nesse ano, foram emitidas as facturas com os números 270 a 281. Neste conjunto encontra-se a factura com o número 273, do dia 04/02/2008, para o cliente DA, SA, com a seguinte descrição “Valor correspondente à nossa comissão pela mediação na aquisição dos terrenos sitos na Av. B... para a construção do Edifício B...”, no valor de 269.300,00€, acrescida de IVA à taxa de 21%”.
Ora, esta factura encontra-se arquivada na contabilidade da empresa com a menção “Anulada” e consequentemente não foi considerada para efeitos de determinação do valor dos proveitos do exercício.
Paralelamente, existiam despesas debitadas pela sociedade de advogados “GMSCC & Associados - Sociedade de Advogados, RL”, em 06/05/2008, através da factura 2008/800293, correspondente a “serviços prestados no âmbito do processo DA, nomeadamente em reuniões com o v/ representante, revisão da petição inicial, análise de documentos e elaboração de minutas de cartas e entrega da peça via Citius -- serviços realizados entre 12/11/2007 e 06/05/2008”.
No ano de 2011, foi mais uma vez debitado pela sociedade de advogados acima identificada, através da factura 525/2011, de 25/10/2011, “serviços prestados no âmbito do processo “B... Fundiários”, nomeadamente na análise de documentação, análise de contestação elaboração de réplica, elaboração de requerimentos, análise de despachos, intervenção em audiência de julgamento e análise da sentença”.
Nesta sequência foram solicitados à 2ª Vara Cível do Porto, através do ofício n.º 62869/0506, de 08/10/2012, os seguintes elementos relativos ao processo nº 486/08.5TVPRT, cujo autor é a sociedade CS, contra a sociedade DA Sociedade mobiliária, SA:
1) Fotocópia da petição inicial apresentada pelo autor,
2) Fotocópia do contrato de mediação imobiliária que se encontra arquivado no processo e,
3) Fotocópia da sentença proferida relativa ao processo acima identificado.
De acordo com os elementos remetidos pelo Tribunal foi possível apurar o seguinte:
Na petição inicial, a empresa CS intenta contra a sociedade DA uma acção declarativa de condenação, sob a forma do um processo ordinário, com base nos serviços prestados com a angariação do prédio, sito na Avenida B..., propriedade da sociedade B... Fundiários, SA, já com projecto de arquitectura aprovado e que estava à venda por dois milhões e duzentos mil contos (cerca de onze milhões de euros).
Em resultado das diligências efectuadas pelo Autor, os vendedores aceitaram vender à ré não o prédio, mas a sociedade proprietária do imóvel - B... Fundiário, SA - por menos quatrocentos mil contos que o preço inicial.
Pelo serviço prestado a Autora propôs o preço da totalidade dos serviços prestados fosse o correspondente a 3% sobre o preço de venda da sociedade B..., ou seja, 269.300 € acrescidos do IVA respetivo.
Indica ainda que depois de adquirida a sociedade B... Fundiário, a Ré propôs à Autora que o pagamento dos serviços prestados fosse liquidado de forma diferente daquela que tinha sido inicialmente acordada, ou seja, o pagamento seria efectuado através da celebração de contratos de mediação imobiliária, remunerando em dobro a Autora na intermediação dos arrendamentos que viessem a ser celebrados.
Com efeito, o pagamento do valor acordado, quer na forma inicialmente acordada, quer na forma que foi proposta posteriormente, e à cessação das relações comerciais entre ambas, não foi aceite, razão pela qual a Ré solicitou de imediato o pagamento da totalidade do preço dos serviços prestados aquando da aquisição da empresa B... Fundiário. SA. Daí o recurso à via judicial para obter o pagamento do valor devido.
Em anexo a esta petição inicial, encontra-se ainda a correspondência enviada pela empresa CS para a empresa DA, indicando que emitiram a factura n.° 273, no valor de 269.300 €, acrescido do IVA respectivo, com o seguinte descritivo “Valor correspondente à nossa comissão pela mediação na aquisição dos terrenos sitos na Av. B... para a construção do Edifício B...”, alertando desde logo que findo o prazo para pagamento procederiam à cobrança judicial da mesma.
Do exposto resultam os seguintes factos.
• A sociedade CS emitiu a factura n° 273, de 04/02/2008, com o valor de 269.300 € por serviços prestados à empresa DA, que se encontram relacionados com a mediação de um prédio que correspondia ao pretendido pela DA;
• O valor debitado traduz uma comissão pela realização do negócio;
• A sociedade DA reconheceu que o serviço foi prestado pela CS, no entanto sugeriu uma outra forma para pagamento;
• A CS reclamou judicialmente o pagamento do valor devido pela DA, cor considerar que o mesmo é devido.
Assim, para efeitos da determinação da matéria tributável do ano de 2008, terá de se ter em consideração o valor de 269.300€ e correspondente a estes serviços prestados, nos seguintes termos:
[seguem dois quadros constantes da sentença recorrida que aqui se têm por reproduzidos]
(...)”
4) A 04-12-2012 foi concluída a ação inspectiva - cfr. fls. 25 do PA, aqui reproduzidas;
5) A 28-12-2012, foi elaborado relatório final, tendo dos procedimentos levados a cabo no decurso da ação inspetiva externa resultado alterações dos elementos declarados em sede de IVA e IRC, para os anos de 2008 - cfr. fls. 25 a 28 do PA., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6) A 07-01-2013 foi o Impugnante notificado do relatório de Inspeção tributário – cfr artigo 4º da P.i
7) Na sequência do procedimento de Inspeção foi emitida a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com o número 2013.8310000244 de 14-01-2013, no valor a pagar de € 84.010,68 – fls 66 a 70 do PA apenso aos autos;
8) Foi emitida em 16-01-2013, a nota de cobrança no valor de €81.504,34, tendo considerado o imposto anteriormente pago pelo aqui impugnante no montante de €2.506.34 – cfr. folhas 66 do PA apenso;
9) A nota de cobrança foi notificada à impugnante, conjuntamente com a demonstração do acerto de contas e liquidação de juros em 20-01-2013 através das notificações depositadas na sua caixa eletrónica em 17-01-2013 tendo a impugnante acedido à mesma em 20-01-2013 – cfr. extratos informáticos a fls 67 a 70 e 73 do PA apenso aos autos;
10) A presente Impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal em 10-05-2013 via faxe – fls 3 dos autos;

Factos não provados:
Inexistem, com relevância para a boa decisão a causa.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto provada, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos constantes no Processo Administrativo apenso, nomeadamente no relatório de inspeção e os respetivos anexos, e Processo de Reclamação Graciosa, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal. Considerando, ainda, o tribunal o disposto no art.º 76.º da LGT, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”
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2. O Direito
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e uma errada subsunção dos mesmos ao direito aplicável e não deu aquela sentença como provados factos que resultam dos autos e da prova documental, com relevância para a descoberta da verdade e subsequente apreciação de mérito e, contrariamente, deu como provados factos cuja prova se baseia nas conclusões do Relatório de Inspecção e não na valoração da prova produzida, logo, a liquidação de IRC, do exercício de 2008, deve ser anulada, por violação da lei.
A Recorrente, em termos essenciais, começa por referir que a sociedade CS, em 04/02/2008 emitiu a factura n.º 273, em nome de DA SA, no valor de € 269.300,00, a que acresceu IVA no valor de € 56.553,00, tudo no total de € 325.85300, sendo que aquela factura foi devolvida pela sociedade DA, S.A., à sociedade CS e perante aquela devolução, e acto contínuo, a contabilidade da sociedade CS promoveu a sua anulação, anexando o respectivo original ao duplicado e apondo a menção ‘Anulada’, situação verificada e confirmada pela Administração Tributária, plasmada no seu Relatório de inspecção, mas completamente ignorada pela sentença recorrida, verificando-se que aquela factura anulada, não foi, como é óbvio, objecto de relevação contabilística, não originando, por isso qualquer registo em proveitos do exercício, dispondo o art. 45º nº 2 do CIVA que: «...devendo conservar-se na respectiva ordem, os seus duplicados e, bem assim, todos os exemplares dos que tiverem sido anulados ou inutilizados, com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que os substituíram, se for caso disso.”, o que a sociedade CS respeitou na íntegra.
Neste ponto, como já decidiu este Tribunal, por acórdão proferido em 21/06/2018, no âmbito do processo n.º 1445/13.1BEPRT, perante a mesma situação, mas respeitante à liquidação do IVA relativa à mesma factura n.º 273, “(…) importa notar que a anulação de facturas ocorre quando, por algum motivo, o fornecedor de bens ou o prestador do serviço considera que a factura não foi correctamente emitida, o que acontece, em regra, quando a factura ainda não está contabilizada ou quando ainda não foi inscrita na declaração periódica de imposto, verificando-se que, não raras vezes, a factura já foi enviada ao cliente, sendo-lhe pedido que a devolva para que esta possa ser anulada.
Tratando-se de factura tipográfica, o original anulado deverá ser mantido na empresa, sendo esta a realidade que a Recorrente pretende ver reconhecida nos autos em função do seu procedimento.
No entanto, como se depreende da sua alegação, a Recorrente não pediu a devolução da factura, sendo que na óptica da mesma, existia fundamento para a emissão da aludida factura, tendo sido a contraparte a proceder à devolução da factura, em função de uma análise distinta da situação.
Isto para dizer que a devolução da factura surge na sequência de um diferendo negocial ou comercial entre as partes, o que para a Recorrente não tem qualquer consequência em termos de obrigações fiscais, pois que, de acordo com a sua postura sobre o caso, deveria ter inscrito a liquidação de imposto na respectiva declaração periódica, ou seja, não é pelo facto de o cliente devolver a factura que o prestador do serviço fica desonerado da liquidação e inclusão do imposto na declaração periódica.
Em todo o caso, na situação em apreço, cremos que a Recorrente, aceitando a posição do cliente, deveria ter emitido uma nota de crédito a anular o valor tributável ou, não concordando com o cliente, não deveria ter anulado a factura após a sua devolução, sendo até curioso que, nestas circunstâncias, tenha depois invocado tal factura no âmbito da acção judicial a que se alude no RIT.
Como quer que seja, e de acordo com o exposto, não se vislumbra na argumentação da Recorrente a propósito da situação da factura matéria bastante para colocar em crise o decidido.
No entanto, a questão em apreço revela-se mais vasta e postula uma maior largueza de vistas no que concerne à matéria em equação nos autos. (…)”
Na verdade, a Recorrente afirma ter a AT desconsiderado a real situação de facto e de direito, dado ter solicitado e tido acesso a todo o processo judicial com vista ao pagamento do valor alegadamente devido pela DA, S.A., e não ter retirado do mesmo as ilações que se impunham.
Realmente, como se alcança do RIT, a apreciação da situação incluiu a consideração dos elementos relacionadas com a acção judicial intentada pela ora Recorrente contra a sua cliente no sentido de cobrar o valor titulado pela factura que constitui o centro das atenções deste processo.
Nesta sequência, e perante a sentença que integra o RIT, temos que foi decidido julgar a acção improcedente, sendo a R. absolvida do pedido, aí se ponderando que:
“(…) Da factualidade provada resulta apenas que a Autora encontrou um prédio que estava à venda; propôs tal “negócio” à Ré, que lhe agradou; a Ré veio a adquirir as participações sociais da sociedade que era proprietária desse prédio e aí veio a promover a construção de um empreendimento. Sabe-se ainda que a Autora participou nas conversações tendentes à realização do negócio e que, cessadas as relações comerciais entre ambas, por iniciativa da Ré, a Autora enviou-lhe uma factura relativa a serviços prestados aquando da aquisição das ditas participações sociais.
Tais factos são insuficientes para se poder concluir da existência de um contrato de serviços, como alegado pela Autora, designadamente pela omissão de que a Ré tenha incumbido a Autora de encontrar um prédio, bem como de esta se ter vinculado para o efeito (acordo de vontades essencial à existência de um qualquer contrato), bem como de que tenha sido estipulado um qualquer preço.
Quanto à pretensa existência de um contrato de mediação imobiliária, a Ré invocou a respectiva nulidade, a qual se verificaria como vimos, por falta de observância de forma escrita.
Mas, mais do que isso, o certo é que não resulta sequer provada a sua existência, pelo que a acção tem de soçobrar. (…)”.
A partir daqui, a situação passa a ter um desenho diferente em função da matéria apurada e da decisão tomada no que diz respeito àquilo que servia de suporte à factura descrita nos autos.
O imposto sobre o rendimento das sociedades incide sobre todas as pessoas colectivas de direito público ou privado com sede ou direcção em território português.
Nos termos do preceituado no artigo 17.º do CIRC ele incide sobre o lucro tributável das entidades referidas e é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado determinado com base na contabilidade.
Do disposto nos n° s. 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC resulta que os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, com excepção dos casos em que, à data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputados, esses custos eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.
Consagra-se, pois, o princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um.
Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.
A jurisprudência, pronunciando-se sobre o citado princípio, tem vindo de forma reiterada a entender que os proveitos e os custos devem ser tomados em consideração quando obtidos ou incorridos e não quando recebidos ou pagos, integrando-se os recebimentos e pagamentos nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:– de 13 de Janeiro de 1999, proferido no processo com o n.º 22.554 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Maio de 2002, págs. 86 a 91;– de 26 de Maio de 1999, proferido no processo com o n.º 22.607 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Junho de 2002, págs. 2023 a 2027;– de 17 de Novembro de 1999, proferido no processo com o n.º 22.183 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2002, págs. 3750 a 3755; de 9 de Fevereiro de 2000, proferido no processo com o n.º 22.208 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Novembro de 2002, págs. 365 a 371. 7).
O princípio da especialização de exercícios assume relevância nos casos em que o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados não é o mesmo em que os recebimentos ou despesas que lhes correspondem têm lugar, nos casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva é suportada noutro e em que o proveito é contabilizado num exercício e é recebido noutro, sendo geralmente, num e noutro caso, no exercício imediatamente seguinte.
Nestes casos, por força do referido princípio da especialização dos exercícios, custos e proveitos são contabilizados à medida que sejam incorridos e obtidos e não à medida em que ocorram os respectivos pagamento e recebimento. Assim, imputam-se ao exercício os custos que, não suportados efectivamente nele, todavia emergem de operações nele realizadas; do mesmo modo, os proveitos ainda não arrecadados, mas resultantes de operações feitas durante um dado exercício, devem ser-lhe imputados – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 14/04/2016, proferido no âmbito do processo n.º 03685/09.
Ora, tal mostra-se essencial na apreciação da situação concreta, na medida em que, à data da decisão final que recaiu sobre as correcções propostas no RIT, a AT já tinha conhecimento que o suposto proveito não arrecadado, com origem na factura n.º 273, afinal não era resultante de operação efectivamente realizada, pois já era conhecida a decisão judicial acerca do diferendo entre a Recorrente e a DA. S.A. (que se encontra ínsita no processo administrativo, por ter sido solicitada no âmbito da Inspecção Tributária).
Salientamos que nessa acção judicial não se logrou provar a existência de qualquer contrato entre a Recorrente e a DA, S.A., logo, é impossível falar em preço devido e, consequentemente, inexiste um proveito relevante para efeitos de tributação em sede de IRC, nos moldes explanados.
Mais uma vez, fazendo apelo ao decidido no Acórdão deste TCAN, de 21/06/2018, no âmbito do processo n.º 1445/13.1BEPRT, tudo aponta para a inexistência do facto tributário:
“(…) Ora, no caso dos autos, é manifesto que a Recorrente não recebeu o valor - preço - inserto na factura em questão, e não o recebeu porque não logrou demonstrar a tal prestação de serviços que constituía a contrapartida de tal valor, inexistindo, por isso, o facto tributário que autorizaria a liquidação do imposto, isto é, tudo se passa como se a factura onde foram insertos tais valores não titula qualquer relação jurídico/material que lhe seja subjacente.
(…)
Deste modo, ainda que o procedimento formal não tenha sido o mais idóneo para a resolução da questão em discussão nos autos, na perspectiva da AT, isso não a autoriza a manter uma liquidação e a proceder à cobrança coerciva de um imposto que se sabe não ser devido, por não se ter evidenciado qualquer transacção comercial nos termos apontados (…) - inexistência de facto tributário.”
Nestas condições, o já exposto é suficiente para se concluir pelo provimento do presente recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas, o que implica a revogação da sentença recorrida, a procedência da presente impugnação judicial e a anulação das liquidações impugnadas.
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Conclusão/Sumário
Ainda que o procedimento formal adoptado pelo contribuinte não tenha sido o mais idóneo, o princípio da especialização dos exercícios e as restantes regras relativas à contabilização dos proveitos relevantes para efeitos de tributação em sede de IRC cedem perante a inexistência do facto tributário.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular as liquidações impugnadas.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 15 de Novembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro