Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00987/04.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2006
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Dr. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Descritores:PROCEDIMENTO CAUTELAR SUSPENSÃO EFICÁCIA (CPTA)-NULIDADE DE SENTENÇA-OMISSÃO DO JULGAMENTO DE FACTO
Sumário:I. É nula nos termos do art. 668º, n.º 1, al. b) do CPC a sentença em que em sede de fundamentação de facto não se discriminou os factos provados ou não provados, não formulou ou declarou a sua motivação quanto à factualidade em discussão nos autos.
II. Inexistindo decisão sobre a matéria de facto o Tribunal "ad quem", no uso do n.º 4 do art. 712º do CPC, na medida em que estamos face a uma situação em que falta ou é deficiente a resposta à matéria de facto e inexiste fundamentação de tal matéria, deve considerar que não constam dos autos todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto e pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida em 1ª instância, bem como seus ulteriores termos e determinar a sua baixa ao tribunal "a quo" para suprir aquela nulidade já que a isso não obsta o art. 149º do CPTA.
III. O tribunal “ad quem” só poderá efectuar um novo julgamento de facto e de direito se na decisão proferida pelo tribunal “a quo” a mesma contiver o enquadramento de facto e de direito e competente decisão.
Data de Entrada:12/16/2005
Recorrente:J.
Recorrido 1:Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Esposende
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar de Suspensão de Eficácia (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Conceder provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
J…, com os sinais nos autos, inconformado, veio interpor jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 24 de Outubro de 2005, que com fundamento na não verificação do requisito do periculum in mora previsto na 1ª parte da alínea b) do n.º 1 do art. 120º do CPTA julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho da Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Esposende datado de 30 de Julho de 2004.
Alegou, tendo concluído do seguinte modo:
I- A douta sentença sub judice não está, suficientemente, fundamentada de facto e de direito;
II- Não específica toda a prova constante dos autos com interesse para a boa decisão da causa;
III- Faz errada interpretação e aplicação da lei, tendo o Tribunal a quo invertido, no caso concreto, o ónus da prova, quando, sobre o documento n.º 7, afirma: “…tal depoimento [da testemunha indicada pelo recorrente porque não houve prova prestada pelo recorrido para comprovar a veracidade do conteúdo do documento por si apresentado] não é suficiente para impugnar eficazmente o conteúdo probatório do citado documento, uma vez que cabia ao requerente esse ónus”;
IV- Esta interpretação viola os princípios legais do ónus da prova – mormente da prova documental – bem como é desconforme com os princípios da confiança dos cidadãos no Estado, da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade das partes perante o Tribunal;
V- Por outro lado, está interposta a encontra-se pendente acção administrativa especial para a impugnação do acto em causa, a título principal, que corre termos sob o n.º 988/04.2BRBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é réu o Ministério da Educação, onde é evidente a procedência da pretensão formulada, tendo em conta o supra alegado e que para aqui se convoca, dando como reproduzido, para todos os efeitos legais;
VI- A entidade requerida, não impugnou os documentos juntos pelo, então, requerente, com a petição inicial, quer da acção principal quer da destes autos cautelares, tendo, assim, confessado parte da factualidade que foi omitida na matéria dada como assente ou provada na sentença, bem como não alegou que a adopção da requerida providência prejudica o interesse público, não sendo, tal lesão manifesta ou ostensiva, pelo que, a douta sentença, deveria ter dado como assente que a pretensão do recorrente não prejudica o interesse público;
VII- A prova constante dos autos, a documental apresentada pelo recorrente e a prova testemunhal produzida em audiência, que se afigura essencial para a boa decisão da causa, permitia ao Tribunal a quo e permite, ao Tribunal ad quem, através da audição das respectivas gravações ou da análise da sua transcrição, concluir pela prova da factualidade de toda a matéria relevante alegada e supra descrita, a qual para aqui se convoca e dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais;
VIII- É evidente que o recorrente não foi notificado, não tomou conhecimento nem pôde pronunciar-se e, por isso, desconhece qualquer proposta ou projecto – que certamente não existia na data da emissão do referido aviso convocatória – para a “cessação do mandato de Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia”;
IX- A douta sentença recorrida não se pronunciou sobre toda a factualidade alegada e, tão pouco, especificou, a factualidade dada como não provada, não permitindo ao recorrente, face à prova produzida e às posições supra referidas, assumidas pelo próprio julgador nos autos, entender a falta ou a razão da sua não apreciação e da sua não descrição;
X- A douta sentença recorrida erra, quando dá por provado que o requerente é professor, tendo sido Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia da Escola-sede do Agrupamento de escolas de Esposende, e membro do Conselho Pedagógico do mesmo Agrupamento de Escolas, quando na verdade, o mesmo é, à data, efectivamente coordenador do referido departamento e membro daquele Conselho Pedagógico;
XI- O tribunal a quo não apurou da verificação nem, tão pouco, se pronunciou sobre a não verificação do requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA, quando devia tê-lo feito, conforme resulta da lei, interpretada à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, conforme a matéria supra alegada e que, para aqui, expressamente, se convoca para todos os efeitos legais;
XII- A prova testemunhal gravada – porque admissível -, prestada pelas testemunhas indicadas pela autora do acto impugnado, J…, M… e L…, manifestamente demonstra uma acção concertada da “oposição” para a audiência de prestação de prova, bem como um manifesto interesse no desfecho da acção contra o recorrente, através das expressões utilizadas e do conjunto dos depoimentos efectuados, quanto aos costumes e à própria matéria da oposição, com juízos, discursiva e absolutamente coincidentes e, quase, totalmente opinativos (cf. Oposição e gravação na cassete n.º 1 do lado A, dos 1488 segundos até aos 2525 segundos e na cassete n.º 1 lado B, dos 0020 até aos 1690 segundos; cassete n.º 2 lado A, dos 2223 segundos até aos 2400 segundos e cassete n.º 2 lado B, dos 0020 segundos aos 2496 segundos);
XIII- Apesar de não ser traduzível em equivalente pecuniário, os bens a proteger com a conservação do cargo de coordenador – que são a dignidade moral, a reputação pessoal e profissional e o bom-nome – que decorrem de mais de trinta empenhados anos de vida profissional docente e cuja destruição pode resultar de um fugaz e mal intencionado acto como é o caso – e os direitos, garantias e liberdades fundamentais, supra alegados e abusivamente violados, com a manifesta utilização de poderes públicos para a satisfação de interesses privados da autora do acto, bens esses que merecem a tutela do direito, tudo conforme a matéria supra alegada e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;
XIV- Por outro lado, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelo recorrente, não existem circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, é manifesta a sua procedência e fundado receio do recorrente, em relação aos bens em causa, podendo constituir-se uma situação de facto consumado, com produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o recorrente visa assegurar no processo principal, como alegou, pelo que deveria ser decretada a providência requerida;
XV- A douta sentença recorrida é nula por ter omitido pronúncia sobre matéria que devia apreciar, tendo, além disso, errado sobre a apreciação da matéria de facto, ao desatender à prova por confissão, à prova por documentos apresentados pelo recorrente e não impugnados e à prova testemunhal produzida em audiência, tudo conforme resulta dos autos e da matéria supra alegada e que aqui se reproduz para todos os efeitos legais;
XVI- A douta sentença recorrida errou sobre os pressupostos de facto e de direito da questão sub judice e violou o disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 5 do art. 120º do CPTA, fazendo errada interpretação e aplicação da lei, por desconformidade com os princípios internacionais, constitucionais e legais sobre o acesso ao direito, à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo, tudo como melhor resulta dos autos e da matéria supra alegada e que aqui se reproduz para todos os efeitos legais.
Contra-alegou o recorrido pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso por se verificar a nulidade de omissão de pronúncia.
A este parecer responderam o recorrente e recorrido.
Cumpre decidir.
Na sentença recorrida escolheu-se a seguinte factualidade concreta que se considerou indiciariamente assente para efeitos de conhecimento do pedido formulado pelo agora recorrente:
1- O Requerente é professor, tendo sido Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia da Escola-Sede do Agrupamento de Escolas de Esposende, e membro do Conselho Pedagógico do mesmo Agrupamento de Escolas;
2- Com data de 16/07/2004, enviado por fax e recepcionado pelo Requerente nessa mesma data no seu escritório, sob o título “Conselho Pedagógico — Aviso- convocatória n.° 15”, assinado pela Presidente do Conselho Executivo, Srª C…, retira-se que “…no uso das competências que lhe são conferidas por lei, convoca uma reunião extraordinária do Conselho Pedagógico, para o próximo dia 21 de Julho, a realizar pelas 14.30 horas, na Sala 3 da Escola-sede do Agrupamento, com a seguinte ordem de trabalhos:
1.Ponto único,
Proposta de cessação do mandato do Coordenador do Departamento de
Artes e Tecnologia” (cfr. doc. a fls. 35 e 36 dos autos que se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido);
3- Em documento datado de 20.07.2004, assinado pela Sra. Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento Vertical de Escolas de António Correia de Oliveira – Esposende, extrai-se, a final, que: “Atendendo a tudo que atrás se expõe, vimos solicitar ao Conselho Pedagógico que dê o seu parecer sobre a nossa proposta de fazer cessar o mandato do Coordenador do departamento de Artes e Tecnologia” (cfr. doc. a fls. 137 a 143 dos autos que se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido);
4- Em carta dirigida pelo Requerente à Entidade Requerida, datada de 20/07/2004 e por este remetida por correio registado em 20/07/2004 e, posteriormente, por fax em 21/07/2004 relativamente ao aviso convocatória referida no número anterior extrai-se que:
“1. A referida convocatória agenda, para uma reunião extraordinária “a
realizar pelas 14.30 horas” do dia “21 de Julho “, o seguinte: “Ponto único:
Proposta de cessação do mandato do Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia”;
2. O signatário é o titular deste cargo e, por inerência do mesmo, membro do Conselho Pedagógico;
3. Não foi, tempestivamente, convocado para a referida reunião;
4. Não recebeu qualquer documentação respeitante ao assunto agendado;
5. Desconhece, de todo, a aludida proposta ou os seus fundamentos;
6. Não foi, em qualquer qualidade, previamente ouvido sobre a proposta
respeitante ao assunto agendado.
Termos em que, não podendo comparecer a referida reunião, desde já, sem prejuízo do ulterior uso dos meios legais ao seu dispor para cabal defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, invoca a ilegalidade da sua realização bem como de deliberação que, em consequência da mesma venha a ser tomada” (cfr. doc. a fls. 37 a 39 dos autos que se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido).
5- Em acta com o n.º 124 do Conselho Pedagógico do Agrupamento Vertical de Escolas de António Correia de Oliveira – Esposende, datada de 21.07.2004, extrai-se que “Foi iniciada a sessão com a leitura de uma proposta, que nos termos do Decreto Regulamentar dez/noventa e nove de vinte e um de Julho é da competência da Presidente do Conselho Executivo, ouvido o Conselho Pedagógico, com a intenção de fazer cessar o mandato do cargo de Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia, que vem sendo desempenhado pelo professor J….Esta proposta foi votada por escrutínio secreto e aprovada por unanimidade de todos os presentes, ou seja, quinze votos a favor da cessação do mandato do Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia, face aos argumentos apresentados, que são do conhecimento geral dos membros que compõem este órgão” (cfr. doc. a fls. 1 a 2 do PA que se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido);
6- Por carta dirigida ao Requerente, datada de 30/07/2004, sob o assunto “cessação do mandato de Coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia” a Requerida informou aquele que “... por decisão tomada de acordo com o número 4 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.° 10/99 de 21 de Julho, e ouvido o Conselho Pedagógico que se pronunciou por unanimidade dos membros presentes na reunião extraordinária de 21 de Julho de 2004, por meu despacho desta data, cessa funções do cargo de coordenador do Departamento de Artes e Tecnologia que vinha exercendo nesta Escola” (cfr. doc. a fls. 40 e 41 dos autos que se dá, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzido).
A fundamentação desta factualidade concreta que se considerou assente consiste no seguinte:
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes. Também se baseou o Tribunal, no que diz respeito ao facto contido em 1. da matéria de facto indiciariamente provada, nos depoimentos das testemunhas indicadas e ouvidas do Requerente e da Entidade Requerida.
Nada mais foi dado como assente.

Há que conhecer em primeiro lugar das nulidades que vêm apontadas à sentença recorrida:
A- Omissão da factualidade não provada e respectiva fundamentação;
B- Falta de fundamentação de facto e de direito.
C- Omissão de pronúncia sobre a não verificação do requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA;

Quanto à omissão na fundamentação de facto da indicação da factualidade não provada e respectiva fundamentação e da falta de fundamentação de facto e de direito.
Dispõe o art. 653º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do disposto no art. 1º do CPTA que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Por sua vez resulta do art. 668º, n.º 1 al. b) do CPC que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Efectivamente o recorrente alega em sede de p.i. factualidade vária que poderia, ainda que indiciariamente, permitir concluir pela verificação do vício de abuso de poder por parte da Presidente do Conselho Executivo, o que poderia conduzir à invalidade do acto impugnado.
No entanto sobre tal matéria, cfr. arts. 6º, 7º, 8º, 16º, 17º, 18º, 19º, 37º e 38º, entre outros, todos da p.i., nada ficou dito na sentença recorrida quanto a não se ter provado, sendo certo que se tratava de matéria relevante para a decisão correcta e ponderada da causa de acordo com as várias soluções jurídicas que poderiam ser encontradas. É pois manifesto que a sentença recorrida enferma de falta de fundamentação de facto na parte em que nada disse quanto a esta matéria a que se acaba de fazer referência.
E quanto à fundamentação da matéria de facto dada como provada a mesma também não cumpre o disposto no art. 653º, n.º 2 do CPC uma vez que tal norma exige uma análise critica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador e não, como foi feito pelo Sr. Juiz “a quo”, uma enunciação descritiva dos meios de prova de que lançou mão.
E faltando qualquer referência à dita factualidade concreta necessariamente que também falta a referência à matéria de direito que lhe seria aplicável e que constituiria o fundamento da sentença.
Assim se conclui com facilidade que procedem estas nulidades invocadas pelo recorrente.
Quanto à verificação de nulidades nas sentenças recorridas respeitantes à matéria de facto já este Tribunal se pronunciou no Acórdão proferido nos autos de Recurso n.º 405/04.8BEBERG considerando que as mesmas impossibilitavam ao Tribunal de recurso conhecer da questão de fundo.
Assim, escreveu-se nesse Acórdão:
Desde logo, temos que decorre do art. 149º, n.º 1 do CPTA que “Ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, sendo que por força da remissão do art. 140º do mesmo Código “os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações (…)”.
Para além destes normativos e por força da remissão aludida quer no citado art. 140º quer no art. 01º do mesmo Código importa ainda trazer à colação o que se mostra previsto nos arts. 659º e 668º ambos do CPC, já que analisado o CPTA em sede de procedimentos cautelares não se descortina qualquer dispositivo legal que discipline e regule quer as regras da elaboração da sentença quer os desvalores de que a mesma pode sofrer, tudo sem prejuízo de se atender ao que decorre do art. 94º do CPTA.
Decorre do art. 659º do CPC, sob a epígrafe de “Sentença”, que:
“1 - A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3 - Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
4 - (…).”
Estipula-se no art. 668º do mesmo Código, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. (...).”
As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa comportando causas de nulidade de dois tipos: uma causa de carácter formal [art. 668º, n.º 1, al. a) CPC] e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão [art. 668º, n.º 1, als. b) a e) CPC].
A sentença é uma decisão jurisdicional proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01º e 04º ambos do ETAF). Como afirmava o Prof. A. Anselmo de Castro (in: Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, págs. 92/93) “(…) A sentença é a forma típica da providência através da qual o juiz decide, no todo ou em parte, o litígio que lhe foi proposto. Conceitual e historicamente, a sentença representa o acto jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o acto de julgar. Constitui, assim, um acto de autoridade, dotado de força vinculativa, enquanto formulação da vontade normativa do Estado para o pleito deduzido em juízo.”
Segundo a lição do Prof. J. Castro Mendes (in: Direito Processual Civil”, II vol., revisto e actualizado, págs. 793 a 811) os vícios de que podem enfermar as decisões judiciais reconduzem-se a cinco tipos:
a) Vícios de essência;
b) Vícios de formação;
c) Vícios de conteúdo;
d) Vícios de forma;
e) Vícios de limites.
Os primeiros são “(…) aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial, e dão lugar à sua inexistência jurídica. (…)”.
Esta, nas palavras ainda daquele Professor, “(…) se pode verificar pelas seguintes razões:
- Falta de poder jurisdicional do judicante;
- Falta de forma em termos de não haver sequer aparência social de sentença: sentença proferida pelo juiz num café, ou verbalmente fora do processo;
- Oposição entre o conteúdo da decisão (independentemente dos seus fundamentos) e a lei (sentença contra direito, (…) de objecto impossível: ex. sentença que condene a praticar um crime;
- Absoluta ininteligibilidade da sentença. (…).”
Quanto aos vícios de formação e seguindo aqui uma vez mais a lição do Prof. J. Castro Mendes os mesmos prendem-se com os vícios como o do erro e o da coacção.
Já os vícios de conteúdo são “(…) vícios na própria decisão em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. São os “erres in judicando” dos antigos.
Os vícios de conteúdo são de três espécies:
a) Falta de clareza (“obscuridade ou ambiguidade” – art. 669º (…));
b) Erro material;
c) Erro judicial. (…).”
Os vícios de mera forma (v.g., emissão de decisão após instrução mas antes da audiência final) ficam sujeitos ao regime das nulidades de processo nos termos dos arts. 201º e seguintes do CPC.
Por fim os vícios de limites existem “(…) quando a decisão, porventura formalmente regular e contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que deveria conter ou contém mais do que devia.”
Estes últimos vícios estão vertidos no art. 668º do CPC, constituindo um dos valores jurídicos negativos da sentença, a par da inexistência jurídica e da revogabilidade em sede de recurso jurisdicional.
Com efeito, a sentença conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
- Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
- Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 668º do CPC.
Trazendo aqui à colação os ensinamentos do Prof. José Alberto dos Reis o mesmo refere que “(…) Se olharmos com atenção para o art. 659º, verificamos que as operações intelectuais aí descritas não se acham dispostas pela ordem que acabamos de estabelecer. Pede-se ao juiz:
a) Que fixe, em primeiro lugar, os factos da causa (premissa menor);
b) Que interprete e aplique depois a lei aos factos (premissa maior);
c) Que enuncie, por fim, a decisão (conclusão).
Quer dizer, em vez de se pretender que o juiz comece, como pareceria lógico, pela formulação da premissa maior, quer-se que inicie o seu trabalho de construção da sentença pela emissão da premissa menor (os factos da causa).
Porquê?
Pela razão simples de que, enquanto não estiverem definidos e apurados os factos da lide, não pode saber-se qual é o enquadramento legal que convém a esses factos e, consequentemente, qual a regra ou regras de direito que o juiz há-de interpretar e aplicar. A pesquisa e enunciação da premissa maior pressupõem que já estão devidamente estabelecidos os contornos do caso concreto, da espécie particular que se pretende decidir.
(…) Sendo assim, está bem de ver que o primeiro trabalho do juiz tem de ser, logicamente, a fixação da espécie concreta; da massa, por vezes, enorme de materiais acumulados pelas partes o juiz há-de extrair os factos característicos do caso concreto e há-de, em seguida, verificar quais desses factos devem considerar-se provados. Mediante estas primeiras operações chega ao seguinte resultado: definição ou reconstituição da situação de facto (…).
Só depois de fixar a espécie concreta, só depois de apurar os factos da causa, isto é, depois de observar e recolher os sintomas, é que pode pensar em submeter esses factos ao tratamento jurídico adequado, em fazer o diagnóstico jurídico que se ajusta aos sintomas observados e recolhidos. (…)”(in: “Código de Processo Civil Anotado” vol. V, reimpressão, págs. 25 e segs.).
Sustenta o Prof. Lebre de Freitas que “(…) A sentença compõe-se de três partes: relatório, fundamentação e decisão.
No relatório, o juiz identifica as partes e enuncia os pedidos deduzidos e as respectivas causas de pedir, bem como as excepções suscitadas e aquelas de que ao tribunal cumpre oficiosamente conhecer.
Na fundamentação, o juiz discrimina os factos que considera provados, determina as normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as, em obediência ao imperativo constitucional do art. 205º-1 CR (…).
Na decisão, o juiz, consoante os casos, absolve o réu da instância ou responde ao pedido deduzido pelo autor, nele condenando o réu ou dele o absolvendo.
(…) A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas de normas processuais, sejam de normas de direito material. (…)” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 643)
Da conjugação dos normativos aludidos e à luz dos considerandos tecidos importa concluir que a lei exige, sob pena de nulidade [al. b) do n.º 1 do art. 668º], que a sentença (ou acórdão) contenha a discriminação dos factos que se consideram provados (cfr. n.º 2 do art. 659º e n.º 1 do art. 716º), sendo que tal discriminação significa separá-los, diferenciá-los, discerni-los, especificar e individualizar os factos a fim de se poderem distinguir e sobre eles poder assentar o regime jurídico adequado.
Analisada a sentença recorrida temos que na mesma não se discriminou qualquer facto não provado e não se formulou ou se declarou a sua motivação quanto à factualidade que se considerou assente.
Ora, considerando o regime legal decorrente dos arts. 659º, 668º, n.º 1, al. b) todos do CPC “ex vi” arts. 01º, 112º do CPTA, bem como art. 94º do CPTA, temos que, no caso vertente, nos encontramos perante um caso de omissão parcial, mas substancial, da matéria de facto alegada pelo recorrente, omissão parcial essa que é um dos graus mais elevados da deficiência.
Com efeito, ao tribunal compete justificar os motivos da decisão sobre a matéria de facto, revelando as razões que o levaram a certa conclusão perante os meios de prova produzidos e posições que as partes tomaram nos articulados sobre a factualidade em discussão.
Ainda que o recorrente pretenda a reapreciação da matéria de facto, e efectivamente pretende, e seu enquadramento de direito temos que o certo é que, conforme se entende, inexiste parcialmente decisão sobre a matéria de facto, ou melhor, a decisão sobre tal matéria é deficiente e obscura.
Daí que no uso do n.º 4 do art. 712º do CPC, na medida em que estamos face a uma situação em que falta ou é deficiente a resposta à matéria de facto e inexiste fundamentação de tal matéria, deve considerar-se que não constam dos autos todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto, pelo que este Tribunal pode anular tal como vem pedido, e mesmo oficiosamente, o que faz, a decisão proferida em 1ª instância.
É que se verifica aqui a omissão de uma formalidade que a lei prescreve [cfr. arts. 659º, 668º, n.º 1, al. b) todos do CPC e 94º do CPTA], falta que pode influir no exame e decisão da causa.
Tal nulidade origina a anulação de todos os actos subsequentes, dado que abrange a parte viciada, como tal devendo considerar-se toda a decisão, impondo-se que seja proferida nova decisão, agora com cumprimento integral dos normativos supra citados e considerandos supra tecidos.
A esta conclusão ou decisão não parece obstar o regime legal vigente em matéria de contencioso administrativo, pois, que a mesma não vai contra o que se dispõe no art. 149º do CPTA.
É que salvo melhor entendimento do referido dispositivo legal não pode retirar-se a conclusão de que declarada nula uma sentença o tribunal de recurso possa e deva conhecer em todas as situações de facto e de direito.
Na verdade, parece-nos que em situações como a vertente em que o tribunal “a quo” omitiu parcialmente o julgamento de facto em matéria essencial, relativamente à factualidade em discussão não poderá falar-se na possibilidade de reexame do julgamento quanto a tal matéria em sede de recurso jurisdicional quando a factualidade sobre que teria de incidir esse reexame inexiste.
O tribunal “ad quem” só poderá efectuar um novo julgamento de facto e de direito se na decisão proferida pelo tribunal “a quo” a mesma contiver o enquadramento de facto e de direito e competente decisão.
Daí que se imporá numa situação de parcial, mas substancial, omissão de julgamento de facto e de direito por parte do tribunal “a quo” à luz dos considerandos supra tecidos que seja declarada nula a sentença e bem assim os ulteriores termos à mesma posteriores com remessa dos autos à 1ª instância para suprir tal nulidade e prolação de nova decisão que cumpra as regras legais em referência.
Aliás, se um recorrente que pretende impugnar a decisão da matéria de facto tem obrigatoriamente de indicar por força do disposto no art. 690º-A do CPC os segmentos da matéria de facto por ele considerados afectados de erro de julgamento, bem como os motivos da sua discordância, por via da concretização dos meios de prova constantes de auto, de documento ou de gravação implicantes de decisão diversa da recorrida e, no caso de esses meios probatórios só constarem de registo áudio ou vídeo, os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, e o início e o termo da gravação de cada um, então para se lograr possível tal impugnação ou fundamento de recurso terá a decisão recorrida que conter essa discriminação dos factos provados e respectiva motivação.
É que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com um ónus específico de alegação do recorrente no que se refere à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação.
O incumprimento do referido ónus de especificação tem como consequência a rejeição do recurso (cfr. art. 690º-A, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Note-se ainda que também numa situação em que ocorrer procedência de recurso jurisdicional mercê de decisão judicial ilegal quanto a procedência de excepção e em que para que seja possível o conhecimento de facto e de direito da pretensão cautelar importe proceder a prévia produção de prova (v.g., testemunhal, pericial, confissão), se impõe a revogação da decisão e a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento do processo com efectivação da produção de prova reputada necessária e essencial e emissão de decisão que cumpra também essa os citados normativos legais.
A doutrina que se produziu sobre esta matéria não nos parece que seja decisiva em termos de afastar este entendimento.
Com efeito, o Prof. Mário Aroso de Almeida sustenta que “(…) Um dos traços mais marcantes, do ponto de vista da transformação do modelo tradicional do nosso contencioso administrativo, do regime aplicável aos recursos jurisdicionais prende-se com a opção de se determinar que, tendencialmente, todas as decisões que dão provimento a recursos jurisdicionais, e já não apenas no âmbito dos processos urgentes, não se limitam a eliminar a decisão recorrida, mas julgam do mérito da causa no mesmo acórdão em que a revogam, devendo proceder, para o efeito, às indagações necessárias, no respeito pelo princípio do contraditório.
(…) Intervém aqui, naturalmente, um critério de economia processual, na medida em que “violenta todas as regras racionais do processo e despreza os valores da economia e celeridade processuais reenviar o processo à 1ª instância para aí serem apreciados os vícios não conhecidos e para, face à decisão que vier a ser proferida, ser interposto novo recurso […] com repetição da inerente tramitação e dispêndio de vários meses ou anos para, no final, ser obtida decisão idêntica à que pode ser desde já tomada.” (…)” (in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, revista e actualizada, págs. 332 e 333).
Nesta linha o Prof. J. C. Vieira de Andrade, embora com algumas “reservas” quanto referido regime legal, afirma que “(…) Nas decisões de recursos jurisdicionais, o tribunal superior, além de declarar a nulidade da sentença recorrida, se esta tiver vícios (…), pode confirmá-la, ou então revogá-la, com fundamento em “erro de julgamento”.
Uma ideia central e nova é a de que, seja qual for o processo, o tribunal de recurso não se limita a cassar a sentença recorrida: ainda que declare nula a sentença, decide sempre sobre o objecto da causa.
Por outras palavras, os recursos jurisdicionais passaram a ser, em princípio, no processo administrativo – mesmo nos processos impugnatórios nas acções administrativas especiais – recursos de «reexame» e não recursos de «revisão».
Isto vale, em primeiro lugar, para os recursos ordinários comuns, em que o tribunal reexamina as questões de facto e de direito suscitadas no processo (…).
Mesmo que o tribunal recorrido, tendo julgado do mérito da causa, não tenha conhecido algumas das questões suscitadas pelas partes, o tribunal superior, se for caso disso, poderá conhecer delas no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida (artigo 149º, n.º 3). E esse poder de conhecimento e de decisão do tribunal de recurso existe ainda que a decisão não tenha sequer conhecido do pedido, por exemplo, por falta de pressupostos processuais ou de elementos essenciais da causa: o tribunal «ad quem» também pode julgar a questão (artigo 149º, n.º 4) (…).” (in: “A Justiça Administrativa - Lições”, 4ª edição, págs. 391 e 392).
Na verdade, em situações como a vertente e como aquela a que supra se aludiu, ao tribunal “ad quem”, enquanto tribunal de recurso (mormente quando está em questão a impugnação da decisão de facto), não cabe proceder ao julgamento de facto sem que em sede de 1ª instância se tenha realizado tal julgamento, pois tal implicaria o inviabilizar da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não se percebendo como poderia o tribunal sindicar uma decisão de facto sem que esta exista por completa omissão da decisão recorrida ou por impossibilidade de fixação dos factos dado o seu carácter controvertido e se impor a produção de prova requerida pelas partes quanto a tal matéria.
Em situações como as aludidas não pode o tribunal “ad quem” por impossibilidade efectiva proceder ao julgamento de facto e de direito da causa sem que previamente o tribunal “a quo” o tenha feito ainda que para tal os autos tenham de baixar a este tribunal para esse efeito.
Parece-nos que o regime vertido no art. 149º do CPTA veio pretender acabar com o regime que vigorava no anterior contencioso administrativo em matéria de recursos que implicava o reenvio do processo à 1ª instância para aí serem apreciados os vícios não conhecidos na decisão recorrida de modo que, face à decisão que viesse a ser proferida, poderia ser interposto novo recurso com repetição da inerente tramitação e dispêndio de vários meses ou anos.
Tal propósito, todavia, não contende com questões e situações como a vertente.
Deste modo, sendo nula a decisão recorrida pelos motivos atrás explanados impõe-se, no caso, a remessa dos autos ao TAF de Braga para efectivação de julgamento de facto e de direito de harmonia com os normativos supra elencados, ficando prejudicado quer o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso.

Nestes termos, acordam os juízes deste TCA Norte em dar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente, declarando-se nula a sentença datada de 24 de Outubro de 2005, bem como determinar a baixa dos autos ao TAF de Braga para efectivação do julgamento de facto e de direito de harmonia com o supra aludido.
Sem custas.
D.N.
Porto, 2006-01-12