Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01311/18.4BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/31/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ARTIGO 48º DO DL 503/99, DE 20 DE NOVEMBRO; CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:
I-Resulta do probatório (aqui não posto em causa) que a ora Recorrente requereu, em 07/04/2014, e em sucessivas ocasiões, o pagamento das despesas médicas que suportou em virtude de doença profissional;
I.1-por ofício datado de 16/04/2014, a CGA/Recorrida recusou o pagamento das despesas médicas bem como a responsabilidade pelo pagamento das mesmas;
I.2-a acção deu entrada em juízo em 09/11/2018;
I.3-do disposto no nº 1 do artigo 48º do falado DL 503/99, resulta que a Autora tinha o prazo de um ano para intentar a acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido, começando este a correr desde a notificação do acto de indeferimento da pretensão formulada;
I.4-tendo em conta que a Autora, ora Recorrente, foi notificada das decisões da CGA e que delas teve conhecimento, pelo menos, desde 20/02/2015 e que, apenas em 09/11/2018, propôs a acção, é manifesto que excedeu (e muito) o mencionado prazo.
II-Pese embora, em abstracto, a prolação da decisão sob recurso possa pôr em crise o princípio da promoção do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, certo é que - sem prejuízo do recurso a uma interpretação que privilegie a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, em detrimento das decisões meramente formais - o intérprete e, obviamente, o julgador não poderão deixar de efectuar uma exegese rigorosa e de aplicar a lei substantiva ou processual, de harmonia com o que ressuma dos próprios textos legais;
II.1-a não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de acções, à partida, sem a mínima viabilidade, e, como tal, condenadas ao insucesso;
II.2-tanto basta para se concluir pela verificação da excepção e pelo afastamento da violação do princípio do Estado de Direito Democrático ou outros ínsitos na CRP.
III-A caducidade do direito de acção (intempestividade da prática do acto processual) é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição da Ré da instância, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do mérito/fundo da causa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MAPR
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial Urgente - DL n.º 503/99 - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
MAPR, residente na Rua C…, 3880-619 Ovar, instaurou acção administrativa, ao abrigo do disposto no artigo 48º do DL 503/99, de 20 de novembro, contra a Caixa Geral de Aposentações, com sede na Avenida 5 de Outubro, nº 175, Apartado 1194, 1054-001 Lisboa, peticionando:
-a condenação desta a pagar-lhe o montante de €952,37 que suportou com os medicamentos necessários ao tratamento da sua doença profissional, acrescido dos juros de mora legalmente devidos até integral pagamento;
-o reconhecimento e a declaração de que é a Ré a entidade responsável pelo pagamento das despesas médicas e medicamentosas que venha a custear no futuro por conta da doença profissional contraída em funções públicas, desde que devidamente comprovadas;
-o reconhecimento e a declaração de que é a Ré a entidade responsável pelo pagamento dos tratamentos médicos e/ou terapêuticos que venha a necessitar no futuro por conta da doença profissional contraída em funções públicas, desde que devidamente comprovados com prescrições médicas e recibos perante aquela.
Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada procedente a arguida excepção dilatória de caducidade do direito de acção e absolvida da instância a Ré.
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, a Autora concluiu:
I. Ao ter decidido como decidiu, aplicando e interpretando o n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro de forma estrita, sem ter em conta a incerteza jurídica que ainda rodeia a questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas, o Tribunal a quo violou o princípio do Estado de Direito Democrático vertido no art. 2.° da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, os n.ºs 1 e 2 do art. 202.° do mesmo diploma magno, eivando o despacho recorrido de flagrante inconstitucionalidade material, o qual desde já se argui, ao considerar que cabia à Autora determinar com precisão qual a entidade a demandar quando tal questão controvertida só viria a receber tratamento uniforme pelos Tribunais Administrativos Superiores a partir de 2017, sendo que ainda hoje a questão, eminentemente jurídica, ainda não tem uma resolução pacífica.
II. O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro, em consonância com o art. 2.° e os n.°' 1 e 2 do art. 202.° da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que perante a indeterminação jurídica acerca de saber qual a entidade pública responsável pelo pagamento das despesas médicas, medicamentosas e tratamentos decorrentes de doença profissional contraída em funções públicas - se o I.S.S. ou a Caixa Geral de Aposentações - o prazo de um ano previsto no n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro teria de ser aferido tendo em consideração essa mesma incerteza e só se iniciaria a sua contagem quando a incerteza jurídica cessasse, nomeadamente, quando os Tribunais Superiores colocassem termo ao dissídio com jurisprudência uniforme, pois de outra forma a função jurisdicional seria transferida para os cidadãos e deixaria de ser exercida pelos Tribunais.
III. Do mesmo passo, a interpretação e aplicação do n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro pelo Tribunal a quo viola, pelas mesmas razões, o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional, vertido no n.° 1 do art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, eivando o despacho em crise de flagrante inconstitucionalidade material, a qual desde já se argui, pois perante a indeterminação jurídica acerca de saber qual a entidade pública responsável pelo pagamento das despesas médicas, medicamentosas e tratamentos decorrentes de doença profissional contraída em funções públicas - se o I.S.S. ou a Caixa Geral de Aposentações - o prazo de um ano previsto no n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro teria de ser aferido tendo em consideração essa mesma incerteza e só se iniciaria a sua contagem quando a incerteza jurídica cessasse, nomeadamente, quando os Tribunais Superiores colocassem termo ao dissídio com jurisprudência uniforme, pois de outra forma a função jurisdicional seria transferida para os cidadãos e deixaria de ser exercida pelos Tribunais.
IV. Violou também o Tribunal a quo, as als. a) e c) do n.° 1 do art. 58.° do CPTA, uma vez que não teve em conta a incerteza jurídica que ainda rodeia a questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas.
V. No caso concreto, as als. a) e c) do n.° 1 do art. 58.° do CPTA deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de permitir à Autora/Recorrente intentar a acção contra a Caixa Geral de aposentações, com apreciação da questão de mérito, uma vez que a incerteza jurídica acerca questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas ainda não obteve uma solução definitiva na jurisprudência administrativa, sendo questão que o cidadão comum não consegue (nem está obrigado) destrinçar.
SEM PRESCINDIR,
VI. O comportamento da Caixa Geral de Aposentações evidenciado nos autos, no sentido de recusar-se a pagar à Autora as despesas médicas e medicamentosas decorrentes de doença profissional contraída aquando de funções públicas, representa um incumprimento da lei e uma violação continuada de um direito legalmente protegido cujos efeitos não se esgotam em nenhum dos actos de rejeição de pagamento dos reembolsos de despesas médicas como consignou o Tribunal a quo no despacho em crise.
VII. Com efeito, a interpretação do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro favorece uma a aludida interpretação ao descrever que o exercício dentro de um ano da acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido "contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma", encontrando-se aqui uma referência expressa a uma pluralidade de actos ou omissões e não actos ou omissões isolados.
VIII. De facto, o elemento literal de interpretação da norma vai claramente no sentido de permitir aos interessados impedir o incumprimento da lei ou a sua violação continuada manifestada por diversos actos ou omissões ao longo de um determinado período de tempo.
IX. Também assim aponta a teleologia da norma.
X. Neste passo, cumpre ressaltar que o citado normativo está construído de uma forma gradativa, prevendo uma violação contínua de direito ou interesse legalmente protegido ainda que essa violação se manifeste por diversos actos ou omissões
XI. Isto é, o n.° 1 art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro prevê um método de reacção contra um incumprimento da lei ou violação de direito ou interesse legalmente protegido que resulte de uma execução continuada, cessante apenas com a prática do último ato encadeado num conjunto de actos sucessivamente ligados por um vínculo finalístico que os liga - neste caso em particular, a intenção da Caixa Geral de Aposentações de rejeitar o pagamento os diversos pedidos de reembolsos de despesas médicas.
XII. Por conseguinte, o incumprimento da lei e a violação do direito da recorrente em obter a reparação tendo de considerar-se como persistente até que violação do direito perdure e o estado de compressão do interesse legalmente protegido se mantenha, o que no caso se verifica pelas despesas que a autora vai incorrendo e incorrerá ao longo da sua vida com muita probabilidade, apresentadas à recorrida e que esta recusou e ainda recusa pagar.
XIII. A consumação da violação da lei ou interesse legalmente protegido inicia-se, para efeitos de interpretação do n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro com o primeiro acto violador do direito ou interesse legalmente protegido, mas só termina com a cessação da violação desse direito ou interesse no momento em que a licitude é reposta.
XIV. Por tudo isto, andou muito mal o Tribunal a quo ao absolver a Ré da Caixa Geral de Aposentações da instância, o que se sucedeu apenas por uma errada e restritiva interpretação do n.° 1 do art. 48.° Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro.
XV. O Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação do n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro, no sentido de que pelo menos desde 20­02-2015 que a Autora (recorrente) tinha conhecimento do indeferimento da sua pretensão, pelo que à data da apresentação em juízo da acção em 09-11-2018, o ano a que alude a al. a) do n.° 3 do artigo 48° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, já se mostrava há muito ultrapassado, pois é a formulação dos vários pedidos junto da Ré que relevam para aferir da intempestividade da interposição da presente acção e não a data em que as despesas são efectuadas e/ou a existência de despesas futuras.
XVI. Pelo contrário, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o n.° 1 e a al. a) do n.° 3 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro, no sentido em que apontam os elementos literais e teleológicos da mesma, no sentido de que a tempestividade para intentar a acção ajuíza neste recurso só começa a contar-se a partir do momento em que o incumprimento da lei e/ou a violação do direito da autora recorrente em obter a reparação cesse, isto é, no momento em que a licitude é reposta, tendo de considerar-se como persistente a violação do direito até ao momento em que o estado de compressão do interesse legalmente protegido se mantenha, o que no caso se verifica pelas despesas que a autora vai incorrendo e incorrerá ao longo da sua vida com muita probabilidade, apresentadas à recorrida e que esta recusou e ainda recusa pagar.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA:
A. RECONHECER E DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO DESPACHO SANEADOR/SENTENÇA EM CRISE, POR VIOLAÇÃO DO ART. 2.°, N.° 1, ART. 20.° E N.°S 1 E 2 DO ART. 202.°, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
B. SER REVOGADO O SANEADOR/SENTENÇA PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO, POR ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO N.° 1 E N.° 3 DO ART. 48.° DO DECRETO-LEI N.° 503/99 DE 20 DE NOVEMBRO, DECIDINDO-SE PELA TEMPESTIVIDADE DA ACÇÃO INTENTADA PELA AUTORA CONTRA A RÉ;
C. CONDENAR A RÉ A PAGAR À AUTORA O MONTANTE DE EUR. 952,37 POR ESTA SUPORTADO COM OS MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DA SUA DOENÇA PROFISSIONAL, ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA LEGALMENTE DEVIDOS ATÉ INTEGRAL E EFECTIVO PAGAMENTO;
D. RECONHECER E DECLARAR QUE É A RÉ A ENTIDADE RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DAS DESPESAS MÉDICAS, MEDICAMENTOSAS E TRATAMENTOS QUE A AUTORA VENHA A NECESSITAR NO FUTURO POR CONTA DA DOENÇA PROFSSIONAL CONTRAÍDA EM FUNÇÕES PÚBLICAS, DESDE QUE DEVIDAMENTE COMPROVADAS COM RECIBOS PERANTE AQUELA;
E. CONDENAR A RÉ EM TODAS AS CUSTAS E ENCARGOS.
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A Ré juntou contra-alegações, concluindo:
A - A sentença recorrida fez correta interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não merecendo censura.
B - A Recorrente requereu em 2014-04-07 e em sucessivas ocasiões o pagamento das despesas médicas que suportou em virtude da doença profissional (cfr. ponto E, G, I e J dos factos assentes.
C - A Autora ora Recorrente foi notificada das decisões da CGA e que delas tem conhecimento pelo menos desde 2015-02-20 – cfr. ponto G dos factos assentes.
D - A ação deu entrada em tribunal em 2018-11-09 (cfr. ponto N dos factos assentes)
E - O prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, já se encontrava há muito transcorrido.
Termos em que, com os mais de direito supridos, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) A Autora foi assistente administrativa especialista no Centro Distrital de Aveiro – Instituto da Segurança Social, IP (acordo e processo administrativo);
B) Em 01.08.2008, a Autora passou à situação de aposentação (acordo e processo administrativo);
C) A Autora contraiu uma doença (periartrite escapulo-humeral direita) que foi qualificada como doença profissional ao serviço do Instituto da Segurança Social (acordo e processo administrativo);
D) Por ofício de 28.11.2008, a Ré informou a Autora da remição de pensão por doença profissional (acordo e processo administrativo);
E) Em 07.04.2014, a Autora dirigiu uma carta à Ré, na qual conclui nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 233 e ss, do processo administrativo);
F) Em 16.04.2014, a Ré remeteu à Autora um ofício, do qual se extrai o seguinte:
Reportando-nos à carta acima indicada, informamos V. Ex.ª de que, de acordo com o regime de proteção de acidentes de trabalho e doenças profissionais, regulado pelo Decreto-Lei n.°503/99, de 20 de Novembro, a responsabilidade pelo pagamento das despesas decorrentes de tais eventualidades designadamente em matéria de prestações em espécie está cometida exclusivamente à entidade empregadora.
A Caixa Geral de Aposentações apenas e responsável pela reparação em dinheiro das prestações referidas no Capitulo IV do citado diploma, como sejam indemnização em capital ou pensão vitalícia, subsídio por assistência de terceira pessoa, subsidio para readaptação de habitação, subsídio por situações de elevada incapacidade permanente e subsidio por morte e pensão aos familiares em caso de morte
(cfr. fls. 252 e ss, do processo administrativo);
G) Em 20.02.2015, a Autora dirigiu uma nova carta à Ré, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 253 e ss, do processo administrativo);
H) Em 24.03.2015, a Ré remeteu à Autora um ofício com o seguinte teor:
Reportando à carta acima indicada, informamos V. Ex.ª de que sobre a matéria versada mantém-se o que já lhe foi transmitido anteriormente, no entendimento de que o seu processo se encontra devidamente tratado no estrito cumprimento da legislação aplicável.
(cfr. fls. 314 e ss, do processo administrativo);
I) Em 26.06.2015, a Autora remeteu uma nova carta à Ré, da qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls.324 e ss, do processo administrativo);
J) Em 16.07.2015, a Autora remete uma nova carta à Ré, da qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 332 e ss, do processo administrativo);
K) Em 23.07.2015, a Ré remeteu um ofício à Autora da qual se extrai o seguinte:
Reportando-me ao assunto acima referenciado, informo V. Ex.ª de que a CGA reitera a informação prestada pelo oficio n.º 877/2015, de 2015-07-09, segundo a qual, a responsabilidade pelo pagamento das despesas decorrentes de doença profissional designadamente em matéria de prestac6es em espécie esta cometida exclusivamente a entidade empregadora.
(cfr. fls. 334 e ss, do processo administrativo);
L) Em 19.02.2018, a Autora, através de mandatário, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
8. A Requerente foi notificada a 06-01-2014 do despacho do Exmº Senhor Vogal do Conselho Directivo, dando conta que os pedidos de reembolso acima indicados haviam sido indeferidos”.
9. Nessa sequência a Requerente intentou processo urgente que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro com o n.º 73/14.1BEAVR e que teve sentença proferida a 06-10-2014 que, em síntese, julgou acção improcedente e absolveu o ISS, IP do pedido.
10. Porém, a Exmª Juíza de Direito foi clara ao proferir que “nos termos das disposições conjugadas do artr.º 10, 1º da Lei 100/97 e art.º 23 do Dec. lei 143/99, o sinistrado tem direito para além da alta (quer se reforme ou não) às prestações em espécie ali mencionadas. por estas prestações é responsável, a CGA, por forma do já citado art. 34/1 Dec.Lei 503/99”, pelo que, em data posterior á da confirmação da incapacidade permanente atribuída, a CGA é responsável também por outras prestações para além das pensões”.
11. Entende-se por prestações em espécie as de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa, tratamentos termais, fisioterapia, próteses e ortóteses e outras formas necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado/doente e à sua recuperação para a vida activa.
12. Pretende assim a Requerente ver garantido o direito às prestações de natureza a que tem direito, pedindo a V.Exªs, na qualidade de entidade responsável pela reparação em causa, indicando o que tiver por conveniente.
(cfr. fls. 351 e ss, do processo administrativo);
M) Em 14.03.2014, a Ré respondeu à carta que antecede, nos seguintes termos:
Reportando-me ao assunto acima mencionado, esclareço V. Exª que, de harmonia com o disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, diploma que aprovou o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais ao serviço da Administração Pública, a responsabilidade pelo pagamento das despesas de saúde pertence à entidade empregadora ou à companhia de seguros para a qual aquela entidade tenha transferido essa responsabilidade
Quanto à responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, limita-se às prestações por incapacidade permanente ou morte referidas no Capitulo IV do citado diploma, ou seja: indemnização em capital ou pensão vitalícia por incapacidade permanente para o trabalho; prestação suplementar por assistência de terceira pessoa; subsídio por situações de elevada incapacidade permanente; subsidio para readaptação de habitação; subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional; prestações por morte.
Mais informo que a Caixa Geral de Aposentações desconhece o processo e a decisão judicial invocados na exposição enviada a esta Caixa. Em todo o caso, o certo é que a CGA, não tendo sido parte processual nesse processo nem ter exercido o seu direito de defesa, não está abrangida pelo caso julgado.
Pelo exposto, não pode a CGA satisfazer a pretensão formulada.
(cfr. fls. 390 e ss, do processo administrativo);
N) A presente acção deu entrada, neste Tribunal, em 09.11.2018 (cfr. fls. 1 e ss).
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro (entretanto alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e Lei n.º 11/2014, de 6 de Março), estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas.
O artigo 4.º, n.º 1, deste diploma legal, dispõe que: “Os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma”.
Por sua vez, o artigo 48.º, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, dispõe o seguinte:
“1- O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.
2- Nas acções referidas no número anterior, o interessado está isento de custas, sendo representado por defensor oficioso a nomear pelo tribunal, nos termos da lei, salvo quando tiver advogado constituído.
3- O prazo referido no n.º 1 conta-se:
a) Da data da notificação, em caso de acto expresso;
b) Da data de formação de acto tácito de indeferimento da pretensão formulada.”
Como se pode ler no sumário do acórdão de 01.06.2011, do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.º 02868/11.6BEPRT: “1. O regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais, ocorridos ao serviço da Administração Pública, consagrado no Dec. Lei 503/99, de 20/11, prevê a figura da acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido, para garantir a efectivação dos direitos dos trabalhadores contra actos/omissões relativos à sua aplicação. 2. Trata-se de uma acção urgente, com prazo de caducidade fixado e relativamente pequeno - um ano - capaz de permitir ao trabalhador sinistrado reagir, de forma eficaz e atempada, contra actos ou omissões que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Chegados aqui teremos então que averiguar se a presente acção foi interposta no prazo de um ano a contar da data em que a Autora foi notificada do indeferimento da sua pretensão, por parte da Ré.
Com efeito, a questão da caducidade do direito de acção foi suscitada oficiosamente, por se verificar que, pelo menos desde 2015, que a Ré já tinha indeferido a pretensão da Autora.
A Autora veio contrapor alegando, para tanto, que, conforme resulta do seu articulado, continua a incorrer em despesas directamente relacionada com a doença profissional que contraiu no exercício de funções públicas e que irá necessitar de tratamentos e despesas médicas decorrentes da doença profissional até ao final da sua vida e dai ter peticionado que fosse reconhecido que é a Ré a responsável pelo pagamento dessas despesas que virá a necessitar no futuro, configurando assim a presente acção uma acção sem valor determinado; que, por outro lado, o alegado não foi impugnado pela Ré, como lhe era exigível; que, por isso, não caducou o seu direito de acção; que, de todo o modo, este prazo, embora sendo de caducidade, não se reporta a direitos indisponíveis, estando assim vedado ao Tribunal conhecer desta excepção ex officio.
Vejamos, por isso.
Resulta da factualidade assente que a Autora requereu, desde 2014, em sucessivas ocasiões, o pagamento das despesas médicas que alegadamente suportou em virtude da doença qualificada como profissional, tendo a Ré recusado este pagamento, bem como a sua responsabilidade; que a Autora foi notificada destas decisões, tendo, por isso, conhecimento das mesmas, pelo menos desde 20.02.2015; e que a presente acção deu entrada neste Tribunal em 09.11.2018 (factos assentes nas alíneas c) a n)).
Assim, uma vez que a Autora tinha conhecimento do indeferimento da sua pretensão, pelo menos desde 20.02.2015, quando interposta a presente acção em 09.11.2018, o ano a que alude o artigo 48.º, n.º 3, alínea a), já se mostrava há muito ultrapassado.
E a alegação da Autora de que irá necessitar de tratamentos e despesas médicas decorrentes da doença profissional até ao final da sua vida, não impede a verificação desta excepção, pois é a formulação dos vários pedidos junto da Ré que relevam para aferir da intempestividade da interposição da presente acção e não o momento em que as despesas são efectuadas e/ou a existência de despesas futuras.
Por outro lado, quanto à alegação da Autora de que a Ré não impugnou o alegado, a mesma não se mostra verdadeira, pois a Ré impugnou a factualidade alegada pela Autora e não reconheceu qualquer responsabilidade nos pagamentos peticionados nos autos.
Acresce apenas dizer, quanto à alegada impossibilidade de conhecimento oficioso desta excepção, que também aqui não procede a argumentação da Autora, pois nos termos da lei processual administrativa (mais concretamente, artigo 89.º, n.º 2)), a regra é do conhecimento oficioso das excepções dilatórias (entre as quais se encontra a caducidade do direito de acção – cfr. artigo 89.º, n.º 4, alínea k), no caso em apreço conjugado com o disposto no artigo 41.º, n.º 1 e artigo 48.º, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro).
Por último, também não procede a alegação de que a presente acção não se reporta a direitos indisponíveis, pois estamos perante um prazo de propositura da acção, matéria excluída da disponibilidade das partes.
Assim, e sem necessidade de maiores considerações, atento o disposto no referido artigo 48.º, é inevitável concluir pela intempestividade da presente acção.
A intempestividade da prática do acto processual obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e determina a absolvição da instância da Ré, nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 1.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pela procedência da excepção suscitada e a absolvição da Ré da instância (cfr. artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). (sublinhados nossos).
X
Invoca a Recorrente, em síntese, dois fundamentos:
1-ao declarar a caducidade do direito à acção e ao não conhecer do mérito da mesma, a decisão recorrida viola os princípios do Estado de Direito Democrático - artºs 2º, 20º e 202º/1 e 2 da CRP;
2-perante a indeterminação jurídica de saber qual a entidade responsável pelo pagamento das prestações que reclama, decorrentes de doença profissional - se o ISS ou a CGA -, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do 48º/1 do DL 503/99, de 20/11, pois a contagem do prazo de 1 ano ali previsto só se deveria iniciar quando a incerteza jurídica cessasse, nomeadamente, quando os tribunais superiores colocassem termo ao dissídio com jurisprudência.
Cremos que lhe falta razão.
Vejamos:
Dispõem os apontados artigos da Constituição:
Artigo 2.º
(Estado de direito democrático)
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Artigo 20.º
(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
Artigo 202.º
(Função jurisdicional)
1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Ora, atenta a matéria de facto assente nos autos, que não vem posta em causa pela Recorrente, não se vislumbra como podia a decisão ter violado estes princípios, quando se limitou a aplicar, como lhe competia oficiosamente, uma norma legal que, de forma explícita, determina:
Artigo 48.º do DL 503/99, de 20/11
“Acção para reconhecimento do direito”
1-O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.
2-Nas acções referidas no número anterior, o interessado está isento de custas, sendo representado por defensor oficioso a nomear pelo tribunal, nos termos da lei, salvo quando tiver advogado constituído.
3-O prazo referido no n.º 1 conta-se:
a)Da data da notificação, em caso de acto expresso;
b)Da data da formação de acto tácito de indeferimento da pretensão formulada.”
Atente-se ainda no disposto no Código Civil - artigos 328º, 329º e 331º:
Artigo 328.º
(Suspensão e interrupção).
O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.
Artigo 329.º
(Começo do prazo)
O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
Artigo 331.º
(Causas impeditivas da caducidade)
1.Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2.Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Desta feita, caso o Tribunal a quo tivesse ignorado a caducidade do direito à acção e prosseguido para a apreciação do mérito da causa, como pretende a Recorrente, estaria, aí sim, a violar lei expressa, inserida no sistema judicial nacional criado de acordo com as normas democráticas previstas na constituição. E a violar também a obrigatoriedade de o declarar oficiosamente, independentemente da arguição das partes, atento o plasmado no artº 89º/4/al. k) do CPTA:
“Excepções
(….)
4-São dilatórias, entre outras, as excepções seguintes:
a)(….)
k)Intempestividade da prática do ato processual;
(….)..
Quanto ao segundo fundamento - interpretação do artº 48º/1 do DL 503/99, no sentido de que, dada a incerteza jurídica de saber qual a entidade responsável pelo pagamento das despesas reclamadas, o prazo de contagem do prazo de caducidade ali previsto só se iniciaria quando a jurisprudência tivesse resolvido a questão -, a ideia apresenta-se indefensável, como bem observa a Senhora PGA.
Desde logo porque os tribunais não podem criar jurisprudência por sua livre vontade, carecendo para tal do impulso a dar pelas partes interessadas mediante a interposição dos meios processuais ao seu dispor para fazerem valer os seus direitos. Além de que tal teoria não caberia, de todo, nas regras imperativas sobre a contagem e prazos de caducidade fixadas nos citados artigos 328º, 329º e 331º.
Em suma:
-resulta do probatório (aqui não posto em causa) que a ora Recorrente requereu, em 07/04/2014, e em sucessivas ocasiões, o pagamento das despesas médicas que suportou em virtude de doença profissional;
-por ofício datado de 16/04/2014, a CGA/Recorrida recusou o pagamento das despesas médicas bem como a responsabilidade pelo pagamento das mesmas;
-a acção deu entrada em juízo em 09/11/2018;
-do disposto no nº 1 do artigo 48º do falado DL 503/99, resulta que a Autora tinha o prazo de um ano para intentar a acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido, começando este a correr desde a notificação do acto de indeferimento da pretensão formulada;
-tendo em conta que a Autora, ora Recorrente, foi notificada das decisões da CGA e que delas teve conhecimento, pelo menos, desde 20/02/2015 e que, apenas em 09/11/2018, propôs a acção, é manifesto que excedeu (e muito) o mencionado prazo;
-contrariamente ao alegado, a decisão recorrida fez correcta interpretação da alínea a) do nº 3 do artigo 48º do DL 503/99, de 20 de novembro;
-por último, no que tange à invocada violação dos princípios constitucionais, é patente que a Recorrente não logrou concretizar em que termos e medida é que a interpretação veiculada pelo Tribunal a quo atentou contra os mesmos;
-ademais, pese embora, em abstracto, a prolação da decisão sob recurso possa, eventualmente, pôr em crise o princípio da promoção do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, certo é que - sem prejuízo do recurso a uma interpretação que privilegie a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas, em detrimento das decisões meramente formais - o intérprete e, obviamente, o julgador não poderão deixar de efectuar uma exegese rigorosa e de aplicar a lei substantiva ou processual, de harmonia com o que ressuma dos próprios textos legais. A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de acções, à partida, sem a mínima viabilidade, e, como tal, condenadas ao insucesso;
-tanto basta para se concluir pela verificação da excepção dilatória e pelo afastamento da violação do princípio do Estado de Direito Democrático ou outros ínsitos na CRP;
-o apelo à violação dos comandos constitucionais não passa de uma manobra desesperada da Recorrente no sentido de levar a sua posição por diante;
-de resto, não se vislumbra qualquer atropelo à Lei Fundamental, sendo que a invocação do seu desrespeito, sem a necessária densificação, desde logo, a faz soçobrar.
-a caducidade do direito de acção (intempestividade da prática do acto processual) é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição da Ré da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA), conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do mérito/fundo da causa;
-a interpretação avançada pela Recorrente não encontra um mínimo de apoio na letra da lei - constitucional e/ou ordinária -;
-ora, onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil);
-segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, “não pode....ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. o Prof. João Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”. É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, em ob. cit., págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina;
-a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica, que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (vide Manuel de Andrade em ”Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464).
Falecem pois as conclusões da alegação.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 31/05/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho