Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00493/13.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO; ACRÉSCIMOS NÃO JUSTIFICADOS; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. As decisões das administração tributária de aceder a informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do seu titular devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam – artigo 63.º-B, n.º 4, da Lei Geral Tributária.
2. Constitui motivo concreto de necessidade de acesso a informação e documentos bancários do contribuinte a variação de rendimentos de juros de depósitos que não possa ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa, a aplicação de rendimentos de capitais do ano anterior e a variação das condições de remuneração desses depósitos.
3. Constitui indicador suficiente de que a variação de rendimentos de juros de depósitos não pode ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa, o facto de ser muito superior ao que seria possível obter com a aplicação desses rendimentos em depósitos a aplicação dos rendimentos de capitais do ano anterior e a taxa de juros remuneratórios que seria expectável em operações dessa natureza.
4. O facto de o valor dos rendimentos de capitais não ser justificável com estes fatores constitui indício suficiente de falta de veracidade dos rendimentos declarados para efeitos do artigo 63.º-B, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J... e outra
Recorrido 1:Direção Geral dos Impostos
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. J..., n.i.f. 1…, com domicílio indicado na R…, n.º 119 – 5.º B, 3510-097 Viseu, e C..., n.i.f. 2…, com o mesmo domicílio, não se conformando com a douta sentença nos autos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que negou provimento ao recurso da decisão proferida pelo Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2013/09/25, que determinou o acesso direto da administração tributária às suas contas e documentos bancários, com referência ao ano de 2011, nos termos do disposto nos artigos 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 63.º-B da Lei Geral Tributária, dela interpuseram o presente recurso jurisdicional.

A rematar as respetivas alegações, formularam as conclusões que a seguir se transcrevem:

«Em conclusão:

1. - Deve ser dada como provada a prova documental apresentada, no Doc 4 Anexo, por não impugnado, conforme Art.° 115º do CPPT.

2. - Deve ser alterado o pedido dos Recorrentes, pois estes não alegaram o inscrito em III - Subsunção dos factos ao direito, e), página 5, que nos anos de 2010 e 2011 as taxas de juro eram significativamente mais baixas, conforme resulta do boletim estatístico do Banco de Portugal, mas antes alegaram nos pontos 22 a 24 da P.I. a volatilidade das taxas de juro e que nos anos de 2009 e princípios de 2010 as taxas de juro eram mais baixas, que nos finais de 2010 e períodos subsequentes, 2011, e esta era a base do recurso e que não foi objeto de decisão.

3. - O que está em causa é que a Autoridade Tributária inventou uma taxa constante de
4% e partindo do facto conhecido, juros, determinou os capitais aplicados em 2010 e
2011, e depois como não tinham os Recorrentes rendimentos declarados (englobados) de 2008 a 2011 não encontrou justificação para o acréscimo em 2011, início da página 2/3 do relatório da inspeção.

4. - Não foi o contrário, como está abundantemente a ser sentenciado, de que como não têm os Recorrentes rendimentos declarados de 2008 a 2011, existe indício de acréscimo de património não justificado por via dos rendimentos auferidos a título de juros remuneratórios de capital entre os anos de 2010 e 2011.

5. - A taxa constante de 4%, que determina os capitais aplicados, em 2010 e 2011 não é um facto conhecido, e é contrariada pelas taxas de juro oficiais do Banco de Portugal, pelo que a decisão não está fundamentada, conforme Art.° 77° da LGT.

6. - Ao contrário do decidido os Recorrentes demonstraram que a taxa de juro entre
2010 e 2011, não era constante e que em 2009 e princípios de 2010 era menor e depois nos finais de 2010 e 2011 era maior, o que destrói o incremento patrimonial de 2011 e portanto ao contrário do decidido, pelo que a Autoridade Tributária não logrou recolher elementos indiciadores de falta de veracidade do declarado pelos Recorrentes e da existência de incrementos não justificados nos termos da alínea 1), do n.° 1, do Art.° 87° e dos requisitos previstos nas alíneas b) e e) do Art.° 63-B da LGT.

7. - Finalmente, a Autoridade Tributária nem sequer se preocupou com a variável tempo, no cálculo do capital investido, pelo que a Autoridade Tributária não logrou recolher elementos indiciadores de falta de veracidade do declarado pelos Recorrentes e da existência de incrementos não justificados nos termos da alínea 1), do n.° 1, do Art.° 87° e dos requisitos previstos nas alíneas b) e e) do Art.° 63°-B da LGT.

Nestes termos, Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os erros e vícios alegados, com efeitos na anulação da decisão de derrogação do sigilo bancário, assim se fazendo JUSTIÇA.».

1.2. O recurso assim interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

1º. - É do conhecimento geral que as taxas são voláteis, no entanto, face aos rendimentos declarados pelos recorrentes nos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, aqueles não conseguiram, nem conseguem justificar os rendimentos resultantes dos rendimentos de capitais relativamente àqueles anos.

2º. - É que os recorrentes não justificaram nem sede de inspecção, nem no tribunal a quo, nem justificam agora em sede de recurso aquele aumento gigantesco de rendimentos em 2011, fosse por documentos ou outra forma de prova admissível em direito.

3º. - Quanto à taxa de 4%, que a AT utilizou, a mesma foi utilizada apenas a título exemplificativo, como está sobejamente referido na informação para pedido de acesso a informação bancária e na oposição ambas constantes no processo.

4º. - Ora, a AT fez uma simulação com aquela taxa, a título exemplificativo, tendo em conta o referido acréscimo patrimonial. E, para isso, utilizou uma taxa exemplificativa de 4%.

5º. - Assim, para saber o montante de capital necessário para chegar àquele montante de juros e fê-lo da seguinte forma €2.243.201,75 * 4% = €89.728,43.

6º. - Verificando-se, dessa forma, que era necessário o investimento de €2.243.210,75 para que os recorrentes obtivessem o rendimento em juros de € 89.728,43.

7º. - Acresce que se a AT usasse as taxas de juro de referência constantes no site de Portugal, que como se sabe não eram as máximas que se podiam praticar o mercado, então os recorrentes teriam de justificar muito mais que os referidos €2.243.210,75, possivelmente quase o dobro.

8º. - Assim, face àquele exemplo não restam dúvidas da existência de indícios de acréscimos patrimoniais não justificados por parte dos recorrentes, nos termos da alínea f) do artigo 87° da LGT, na medida em que o aparente acréscimo de património é superior a € 100.000 e verifica-se simultaneamente com uma divergência com os rendimentos declarados, existindo indícios concretos da falta de veracidade do declarado na modelo 3 de IRS de 2011.

9º. - Logo, ao contrário do que dizem os recorrentes, não se trata de uma mera questão de curiosidade, trata-se, isso sim, de aferir da realidade da declaração de rendimentos e eventual fuga ao pagamento de impostos por parte dos recorrentes, sem prejuízo de outras acções legalmente admissíveis.

10º. - Acresce que, como se sabe, na avaliação indirecta cabe aos sujeitos passivos provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e qual é a outra fonte do acréscimo do património, conforme resulta do n°3, do artigo 89°-A da LGT, o que não foi feito, como, aliás já ficou sobejamente demonstrado.

Nestes termos e nos demais de Direito, que Vª Ex.ª doutamente suprirá, deverá o recurso ser julgado improcedente e mantida, por ser legal, a decisão de derrogação de sigilo bancário, com todas as legais consequências.».

1.3. O Exmº Sr. Procurador-Geral adjunto teve vista dos autos e lavrou douto parecer, onde promoveu fosse negado provimento ao recurso.

Nada mais obstando e com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre, então, apreciar e decidir.

2. Do objeto do processo

É sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões. É o que resulta agora do artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Os Recorrentes formulam sete conclusões, sendo a primeira para concluir que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto por não ter «dada como provada a prova documental apresentada, no Doc 4 Anexo».

As três conclusões seguintes servem, se bem interpretamos, para evidenciar um erro de enquadramento das questões que o tribunal recorrido foi chamado a decidir. Segundo os Recorrentes, o tribunal recorrido erra ao partir do pressuposto que aqueles tinham alegado que, nos anos de 2010 e 2011, as taxas de juros foram significativamente mais baixas.

Na quinta conclusão, os Recorrentes invocam o erro de julgamento na aplicação do direito aos factos quanto à questão da falta de fundamentação.

E, nas duas últimas conclusões, os Recorrentes invocam o erro de julgamento na aplicação do direito aos factos quanto à questão do erro sobre os pressupostos de facto da derrogação do dever de sigilo bancário.

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

« A) Factos provados:

1. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI 201300587, foi realizada uma inspeção aos aqui Autores, em sede de IRS do ano de 2011 - cfr. fls. 5 verso dos autos.

2. Pela Informação da Divisão de Inspeção Tributária 1 da Direção de Finanças de Viseu, com vista à obtenção de autorização para acesso a toda a informação e documentos bancários, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos e sob o título “DESCRIÇÃO DOS MOTIVOS QUE JUSTIFICAM O PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA ACESSO A INFORMAÇÃO BANCÁRIA DO SUJEITO: Nos últimos anos (a título exemplificativo os dados dos últimos 4 anos), os titulares de rendimentos do agregado familiar do SP (J... e C...), declararam os seguintes rendimentos sujeitos a IRS:
ANO
2008
2009
2010
2011
RENDIMENTOS LIQUIDOS
€ 29.611,96
€ 34.193,67
€ 31.589,82
€ 27.879,66
Além dos rendimentos atrás referenciados, em 2010 e 2011, os titulares de rendimentos do agregado obtiveram os seguintes rendimentos provenientes de juros de depósitos à ordem e a prazo, que foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo:
INSTITUIÇÃO RENDIMENTOS BRUTOS 2010RENDIMENTOS BRUTOS 2011ACRÉSCIMO 2010/2011
BANCO BPI SA € 37.746,53 € 118.742,56 € 80.996,03
BANCO COMERCIAL PORTUGUES SA€ 88,51 € 0,00 € -88,51
IGTCP, IP € 69,48 € 78,70 € 9,22
FINIBANCO, SA € 19.547,76 € 1.923,47 € -17.624,29
CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL€ 0,00 € 26.592,82 € 26.592,82
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS SA€ 156,84 € 0,00 € -156,84
TOTAL € 57.609,12 € 147.337,55 € 89.728,43
O acréscimo de rendimentos de capitais obtidos em 2011 relativamente a 2010, representam, a uma taxa de juros meramente exemplificativa de 4%, um acréscimo do montante de capital investido de € 2.243.210,75 (€ 89.728,43 /4%)

O não obstante o descrito, os rendimentos declarados nos últimos anos pelos SPs não justificam o aparente acréscimo de património em 2011.

A fim de averiguar se, no ano em causa, houve acréscimos injustificados de património, o SP foi questionado se autorizava a Autoridade Tributária a consultar/aceder às suas contas bancárias existentes no Banco BPI, SA e Caixa Económica Montepio Geral, relativamente ao período de 01/01/2011 a 31/12/2011 e a requisitar fotocópias documentos bancários.

O sujeito passivo informou que não autorizava a Autoridade Tributária a aceder às suas contas bancárias….

Face ao anteriormente exposto conclui-se pela:

2.1 – Existência de indícios concretos da falta de veracidade do declarado no modelo 3 de IRS de 2011, tendo em conta que:

. Entre 2010 e 2011, os rendimentos brutos de juros de depósitos à ordem e a prazo auferidos pelos SPs aumentou € 89.728,43;

. Este acréscimo de rendimento representa, a uma taxa de juros meramente exemplificativa de 4%, um acréscimo do capital investido de mais de dois milhões de euros.

. O aparente acréscimo do património não é justificado pelos rendimentos declarados pelos SPs em 2011 (rendimentos líquidos de € 27.879,66), o que indicia falta de veracidade do declarado.

2.2 Existência de indícios de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do artigo 87.º da LGT, na medida em que o aparente acréscimo de património, de valor superior a € 100.000,00, se verifica simultaneamente com uma divergência com os rendimentos declarados.

Estes factos concretamente identificados, constituem fundamento para a derrogação do sigilo bancário, nos termos da al. b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º -B da LGT.

(…)” cfr. fls. 2 a 5 do PA anexo aos autos.

3. Através do ofício n.º 3299, datado de 16/04/2013, remetido por carta registada, com A/R, os Recorrentes foram notificados pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Viseu, “solicitando a concessão de autorização à Administração Tributária, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 63.º-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários de todas as contas de que sejam titulares… ” - cfr. fls. 9 e 9 verso dos autos.

4. Em auto de declarações do dia 10 de Setembro de 2013, o Recorrente J…, declarou não autorizar a autoridade tributária a aceder às suas contas bancárias – cfr. fls. 7 e 7 verso.

5. Por decisão datada de 25/09/2013, o Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu a seguinte decisão:

1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente informação da Divisão de Inspeção Tributária I, da Direção de Finanças de Viseu, bem como os pareceres e Despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previsto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do citado normativo, autorizo que os funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes no Banco BPI, SA, e na Caixa Económica do Montepio Geral, de que seja titular o sujeito passivo J… com o NIF 1…, relativamente o ano de 2011…” - cfr. fls. 4 verso dos autos.

6. Pelo ofício n.º 8278, de 08/10/2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou os Recorrentes de que foi autorizado o acesso às contas e documentos bancários existentes no Banco BPI e Caixa Económica do Montepio Geral, no âmbito do procedimento de inspeção originado pela Ordem de Serviço n.º OI201300587, com referência ao ano de 2011 - cfr. fls. 230 dos autos.


*

B) Factos não provados:

Inexistem.


*

C) Motivação da matéria de facto provada:

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos supra indicados e não impugnados.».

3.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro de julgamento de facto.

Entendem os Recorrentes que «Deve ser dado como provado, por não impugnado o Doc. 4 anexo à P.I., conforme Art.º 115.º do CPPT, e que demonstra que as taxas de juros são voláteis e mais altas em finais de 2010 e períodos subsequentes de 2011 e mais baixas em 2009 e inícios de 2010».

Se bem interpretamos, o que os Recorrentes invocam é o erro na fixação de facto relevante para a decisão, por o tribunal recorrido não ter dado como provado nem como não provado o que alegaram nos artigos 22.º e 23.º da, aliás douta, petição inicial.

Deve, porém, adiantar-se desde já que os artigos em causa não contêm a alegação de nenhum facto, mas de uma conclusão de facto, a de que determinadas taxas de juros (presume-se que os Recorrentes tinham em vista as taxas de juros que remuneram os depósitos bancários) foram mais baixas num determinado período e mais altas noutro período, devendo, por isso, ser consideradas voláteis. Porque o juízo a formular não é, neste caso, um juízo de tipo cognoscitivo, mas de tipo avaliativo. Não se trata aqui de determinar o valor de uma taxa de juro em determinado momento, mas de atribuir a uma taxa de juro determinadas qualidades, de a classificar. E a resposta à matéria de facto não serve para formular tais conclusões.

Por outro lado, os Recorrentes nunca se dignaram explicar porque é que entendem que essa matéria é relevante para a decisão, sendo que o erro teria aqui que resultar de o tribunal não ter – indevidamente – relevado um facto de que dependeria o sentido da decisão. E não se diga que é manifesto o seu relevo porque, tanto quanto se retira das doutas alegações, o que releva para o caso não é o facto de determinada taxa de juro ter conhecido determinada variação (em concreto), mas a necessidade de ponderar a sua variabilidade (em abstrato).

Não se concederia, finalmente, que o tribunal devesse dar como provado determinado facto apenas porque estivesse suportado em documento e este não tivesse sido impugnado pelo Recorrido nos termos do artigo 115.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. É que o prazo ali consignado serve para impugnar a autoria do documento ou a conformidade com o seu original, ou seja, que o documento seja genuíno. E não que os factos nele referido sejam verdadeiros.

Tanto basta, a nosso ver, para concluir que o recurso da decisão de facto não pode merecer provimento.

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que negou provimento ao recurso da decisão do senhor Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que autorizou os funcionários da inspeção tributária a aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que fossem titulares os Recorrentes.

Ao assim decidido opõem os Recorrentes, antes de mais, um erro na interpretação da sua própria petição inicial. Pois que não alegaram «o inscrito em III — Subsunção dos factos ao direito, e), página 5, que nos anos de 2010 e 2011 as taxas de juro eram significativamente mais baixas, conforme resulta do boletim estatístico do Banco de Portugal.» (…) «Antes alegaram nos pontos 22 a 24 da P.I. a volatilidade das taxas de juro e que nos anos de 2009 e princípios de 2010 as taxas de juro eram mais baixas, que nos finais de 2010 e períodos subsequentes, 2011 e esta era a base do recurso e que não foi objeto de decisão».

A expressão «… e que não foi objeto de decisão» indica que os Recorrentes pretenderam invocar a omissão de pronúncia.

Só que a volatilidade das taxas de juros não era uma questão que os Recorrentes tivessem colocado ao tribunal recorrido e de que este devesse conhecer nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A volatilidade das taxas de juros e a sua variação significativa em 2010 foi um argumento que os Recorrentes utilizaram para sustentar uma questão que colocaram ao tribunal recorrido e de que este expressamente conheceu: a de que não se verificavam os pressupostos que a administração tributária invocou para a derrogação do sigilo bancário.

E, como é sabido, o tribunal tem o dever de analisar todas as questões que lhe são colocadas, mas não tem que debater todos os argumentos.

Pelo que o recurso também não pode merecer provimento nesta parte.

4.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se também o erro no julgamento da questão da falta de fundamentação.

No artigo 20.º da douta petição inicial, os Recorrentes tinham invocado a falta de fundamentação da decisão administrativa quanto à taxa de juros de 4% ali considerada. Sobre esta questão se pronunciou o tribunal recorrido dizendo, na essência, que não há falta de fundamentação quando a administração tributária esclarece – e o contribuinte demonstra ter entendido – que aquela taxa de juro é meramente exemplificativa.

Nas alegações de recurso, os Recorrentes contrapõem que a taxa de 4% atirada à sorte não está suportada em razões de ciência e técnica, ou seja, não parte de facto conhecido. Que essa taxa é incongruente e contraditória com os dados do Banco de Portugal. E que continuam sem compreender porque é que fixou uma taxa constante. Concluindo que, por isso, existe falta de fundamentação.

Como ponto prévio, assinale-se que os Recorrentes não põem em causa – e os autos confirmam – que a administração tributária disse mesmo que a taxa de juro de 4% era «meramente exemplificativa». E também não invocam dificuldade em compreender o sentido desta expressão. Aliás, da sua alegação resulta que apreenderam muito bem o que a administração tributária pretendeu dizer nesta parte. Sendo por isso mesmo que afirmam que aquela taxa não está suportada em razões de ciência e técnica, ou seja, não parte de facto conhecido.

O que os Recorrentes parecem pôr em causa é que se possa indicar uma taxa de juro a título meramente exemplificativo para fundamentar a derrogação do sigilo bancário. Sem suportar essa indicação em razões de ciência e técnica. No fundo, por isso, o que vêm sustentar é que o discurso fundamentador não pode ser constituído por um raciocínio abstrato e deve estar ancorado em dados concretos.

No que, todavia, não se concede. Em parte nenhuma o legislador determina que a administração tributária não pode recorrer a raciocínios hipotéticos ou considerar variáveis desconhecidas no seu discurso fundamentador.

O que, em última análise, seria um desiderato impossível, porque a verificação a posteriori do facto tributário não pode deixar de comportar alguma margem de indeterminação e o recurso a raciocínios lógicos, a juízos hipotéticos ou a regras da experiência para enquadrar ou circunscrever (tipificar) situações de cujos exatos contornos a administração tributária não teve nem podia ter conhecimento.

Essa margem de indeterminação será ainda maior num procedimento de natureza preparatória e instrumental (como é o procedimento de derrogação do dever do sigilo bancário), visto que a sua finalidade é precisamente o apuramento de factos desconhecidos e a sua necessidade é aferida numa fase recuada do procedimento de que depende, quando a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita.

O que decorre das exigências legais de fundamentação não é, por isso, que a administração tributária não possa formular raciocínios abstratos, mas que seja percetível ao destinatário que o raciocínio é formulado nesses moldes, não havendo qualquer ambiguidade quanto ao facto de esses raciocínios não terem suporte em dados concretos.

De salientar também que o recurso a tais raciocínios não significa necessariamente que se conceda numa fundamentação irracional, ilógica ou, em última análise, arbitrária. A introdução no discurso fundamentador de argumentos de natureza hipotética ou probabilística pode até ser a mais adequada a emprestar racionalidade à decisão administrativa, quando a administração se depara com variáveis desconhecidas. Porque são precisamente esses «mecanismos de redução de complexidade» (como refere alguma doutrina – cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», pág. 263, citando Luhmann) que asseguram uma «racionalidade suficiente».

Questão totalmente diversa será a de saber se a administração tributária poderia ter ido mais longe no apuramento de determinada situação concreta. Será, no caso, a questão se saber se a administração tributária poderia recorrer a uma qualquer taxa de juro quando existiam dados disponíveis com a indicação de valores percentuais das taxas praticadas pelos bancos e sua variação. Mas essa também não é questão que tenha sido colocada ou que devesse relevar do ponto de vista formal. Porque já não está em causa – por aqui – saber se existe fundamentação percetível, mas saber se a administração tributária realizou as diligências instrutórias que estavam ao seu alcance para uma maior aproximação à situação concreta e a diminuição da margem de indeterminação que, inevitavelmente, existe em tais procedimentos.

Da incongruência e a contradição entre essa taxa e os dados do Banco de Portugal – designadamente por deles resultar uma certa variação na taxa de juros remuneratórios praticada pelos bancos sobre novas operações de depósitos – também não resulta que essa fundamentação seja, em si mesma, incongruente ou contraditória.

De um lado, porque a incongruência ou contradição não resulta do discurso fundamentador, mas do seu confronto com dados externos. Não se trata, por isso, de uma contradição formal, entre premissas ou entre estas e a conclusão. Não se trata de saber se o próprio raciocínio é congruente, mas se é compatível com a realidade anunciada pelos próprios Recorrentes.

De outro lado, porque a variabilidade da taxa de juro (e a consequente impossibilidade de recorrer a um valor fixo que não seja redutor da realidade) vem precisamente confirmar a necessidade de considerar valores abstratos e em termos hipotético-dedutivos.

Sempre se dizendo, de passagem que os valores percentuais apresentados pelos Recorrentes por remissão para o documento 4 junto com a douta petição vem, de alguma forma, confirmar a racionalidade do valor considerado no discurso fundamentador da administração tributária. Porque o valor de 4% ronda o valor máximo da taxa de juro remuneratória de depósitos revelada nos gráficos respetivos e no período em análise. O que significa que, em termos médios, a remuneração expectável nesse período seria ainda inferior e o capital a investir ainda maior.

A última razão que os Recorrentes apresentam para sustentar a incongruência de fundamentação é o recurso a uma taxa constante quando a taxa a considerar é variável.

Só que a administração tributária nunca partiu do pressuposto de que a taxa era constante. Essa afirmação não consta do discurso fundamentador do ato recorrido. Ao advertir que a taxa de juro era meramente exemplificativa a administração tributária pretendeu precisamente descolar das condições concretas de rentabilidade dos depósitos dos Recorrentes e apenas para enfatizar um ponto: que o acréscimo de capital a investir que seria necessário para chegar aos rendimentos de capitais obtidos seria totalmente incompatível com os rendimentos declarados, mesmo a uma taxa de juro constante de 4%.

Resta dizer que, se a administração tributária adianta que a taxa de juro considerada é exemplificativa, está precisamente a esclarecer que a não foi extrair de nenhuma fonte, que se limitou a formular um raciocínio hipotético, a desenvolver um exercício teórico, e que não houve qualquer fonte concreta quanto à taxa de juro considerada. Sendo que com esta declaração o sujeito passivo não ficam sem saber qual é a fonte daquele valor percentual. Pelo contrário: fica a saber precisamente que a administração tributária não recorreu a nenhuma fonte concreta, que não obteve aquele valor a partir de dados a que não tivessem tido acesso. E se a administração tributária, por hipótese, declara que uma premissa quantitativa é completamente aleatória, não pode o sujeito passivo declarar que não compreende onde é que foi obtida, porque qualquer declaratário normal extrai da declaração que essa premissa não foi obtida. Foi apenas considerada.

A questão de saber se um tal raciocínio hipotético é ou não um raciocínio válido para demonstrar a existência de indícios suficientes de acréscimo de capital investido é questão que já não releva do ponto de vista (formal) da falta de fundamentação, mas do ponto de vista (substancial) da validade do conteúdo dessa fundamentação.

4.3. A questão central do presente recurso é mesmo a de saber se um tal discurso fundamentador seria suficiente para concluir pela existência de indícios de falta de veracidade dos rendimentos declarados ou de acréscimos de património não justificados para efeitos do artigo 63.º-B, n.º 1, alíneas b) e c), da Lei Geral Tributária.

São pressupostos da derrogação do sigilo bancário a coberto do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária que (1.º) decorra uma ação de fiscalização tributária; que (2.º) nessa ação de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1; que (3.º) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspeção.

O primeiro pressuposto supra mencionado decorre da inserção sistemática da regulamentação do sigilo bancário (do artigo 63.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária resulta que este procedimento tem uma natureza marcadamente instrumental, só podendo ocorrer no quadro de uma ação de inspeção tributária). O segundo retira-se do n.º 1 do artigo 63.º-B da mesma lei. E o terceiro do n.º 1 do seu artigo 63.º («diligências necessárias ao apuramento da situação tributária») conjugado com o seu artigo 55.º (do qual se retira que as diligências de inspeção devem estar subordinadas a critérios de proporcionalidade) e com o artigo 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Os Recorrentes põem em causa apenas a verificação do segundo pressuposto: no seu entendimento, não existem indícios de falta de colaboração porque a administração tributária não logrou recolher elementos indiciadores de falta de veracidade do conteúdo da sua declaração de rendimentos anual nem da existência de incrementos não justificados nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária.

Ora, adiantamos desde já que os Recorrentes têm razão quando defendem que a administração tributária não logrou reunir «indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados» nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária e para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da mesma Lei.

Porque só constituem «indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados», nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, factos manifestados, isto é, factos que já não são do domínio privado do sujeito e passaram a ser do domínio público.

É o que decorre, desde logo, da própria expressão utilizada pelo legislador (manifestações de fortuna). Há lugar a avaliação indireta nos termos deste dispositivo legal quando se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa – artigo 89.º-A, n.º 5, alínea b), da Lei Geral Tributária. Sendo que esses factos são manifestados quando são tornados públicos.

É o que decorre, também, do seu enquadramento sistemático. Se analisarmos outras situações que o legislador elegeu, no artigo 89.º-A citado, como manifestações de fortuna, verificamos que têm uma caraterística comum: são ocorrências que pressupõem alguma publicidade. A aquisição de bens imóveis deve ser escriturada e registada; os automóveis, os barcos e as aeronaves são registáveis; a posse e fruição desses bens é, em regra, pública (à vista de toda a gente). Não é isso que sucede com os suprimentos e empréstimos ou com transferências de depósitos de e para paraísos fiscais. Mas aqui o que temos são operações manifestadas à própria administração tributária, isto é, factos que, não sendo do conhecimento público, são do conhecimento da própria administração em virtude das suas funções.

É o que decorre, finalmente, da estrutura e finalidade deste instituto jurídico. As manifestações de fortuna são mecanismos de combate à evasão fiscal que consistem na determinação de rendimentos através de indícios e presunções – cfr. artigo 83.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. Ou seja, o legislador elegeu determinados factos (manifestados) e determinou que desses factos se deveriam deduzir (presumir) determinados rendimentos (ocultados). Sendo que as presunções são precisamente ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Pelo que as manifestações de fortuna só poderiam ter por base factos conhecidos.

Ora, o montante de capital investido de € 2.243.210,75, não é nenhum facto manifestado. No procedimento não decorre que os Recorrentes alguma vez tivessem manifestado investimento de capital dessa grandeza ou que tal tivesse sido declarado à administração tributária. O único facto manifestado são aqui os rendimentos provenientes de juros de depósitos à ordem ou a prazo, que foram declarados à administração tributária e sujeitos a retenção na fonte. E que, no ano de 2011, ascenderam a € 147.337,55.

Por outro lado, esse facto manifestado deve ser adequado a revelar um acréscimo de fortuna. Isto é, o que se pretende aqui relevar não é a fortuna em si mesma, mas variação positiva dessa fortuna de um ano para o outro. O que a lei considera como manifestação de fortuna é um determinado incremento patrimonial (acréscimo de património) ou determinada variação da capacidade de gastar face à fortuna declarada (despesa acrescida).

É o que resulta da expressão utilizada na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e no n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da Lei Geral Tributária («acréscimo de …»; «diferença entre…»). Mas também da estrutura e finalidade deste instituto jurídico. O que aqui se pretende é surpreender factos idóneos a revelar rendimentos de determinado ano e não declarados. E não é adequada a revelar tais rendimentos a fortuna acumulada de anos anteriores.

Pelo que o que aqui está em causa nem sequer é o valor dos rendimentos de capitais obtidos em 2011 pelos Recorrentes (€ 147.337,55), mas a variação desses rendimentos face ao ano anterior (€ 147.337,55 - € 57.609,12 = € 89.728,43).

Finalmente, não pode ser qualquer acréscimo de património ou despesa a revelar a fortuna. Tem que ser um acréscimo significativo, porque só um acréscimo com uma determinada expressão é adequado a revelar a variação na riqueza. Por isso, determinou o legislador que só constituem «indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados» nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária os acréscimos de património ou despesa manifestados de valor superior a € 100.000,00.

Ora, o acréscimo total de € 89.728,43, que é (mesmo em valores brutos) inferior a € 100.000,00. Pelo que não constitui fortuna para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, da Lei Geral Tributária. E, assim sendo, também não pode justificar o acesso a informações e documentos bancários a coberto da alínea c), do n.º 1, do artigo 63.º-B da mesma Lei.

Pelo que os Recorrentes têm razão nesta parte. A administração tributária não logrou recolher indiciadores da existência de incrementos não justificados nos termos daqueles dispositivos legais.

Só que a derrogação do sigilo bancário não foi determinada apenas a coberto da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária: foi também determinada a coberto da sua alínea b).A administração tributária concluiu também que existiam indícios de falta de veracidade do declarado na declaração modelo 3 de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares relativa ao ano de 2011. Porque um acréscimo de rendimentos de capitais, em € 89.728,43, nunca poderia ser justificado com os rendimentos declarados em 2011, de € 27.879,66.

Dizendo de outro modo: o acréscimo de rendimento de capitais de € 89.728,43 indicia a aplicação de rendimentos nesse ano que não poderiam ser justificados com os rendimentos declarados nesse ano.

E neste raciocínio não descortinamos nenhum vício lógico.

É certo que o capital investido em anos anteriores poderia dar maior remuneração nesse ano se a taxa de juro remuneratória fosse maior ou se a modificação de outras condições contratuais com reflexo na remuneração dos depósitos fosse mais favorável aos Recorrentes.

Só que é patente que o que a administração tributária pretendeu enfatizar foi que, mesmo desconhecendo, nesta fase, as condições de remuneração do capital investido, a variação é de tal dimensão que não pode ser explicada nem com os rendimentos declarados, nem com os capitais investidos em anos anteriores, nem com melhores condições de remuneração dos depósitos. Nem sequer com a conjugação de todos estes fatores.

Tamanha variação nas remunerações de depósitos só poderia ser justificada com investimentos significativos de capital no ano dessas remunerações. E que, sendo nesta fase desconhecidos, revelam, ainda assim, que são incompatíveis com os rendimentos declarados.

Foi isso mesmo que a administração tributária pretendeu demonstrar com o exercício prático que tanta contestação mereceu dos Recorrentes: se a taxa de juro remuneratória fosse fixada em 4%, o montante de capital investido no ano de 2011 teria que ser de € 2.243.210,75 para permitir um acréscimo de rendimentos de capitais de € 89.728,43.

E, salvo o devido respeito, os Recorrentes acabaram por confirmar a validade deste raciocínio com a apresentação dos dados extraídos do site do banco de Portugal, que revelam o que também já se intuía à luz das regras da experiência e do senso comum: se não podem ser os rendimentos do ano de 2011 (nem a capitalização dos juros de 2010 em 2011) a justificar esse incremento patrimonial, também não o pode ser a taxa de juros dos depósitos praticada nas instituições bancárias, que esteve quase sempre abaixo daquele valor (4%).

Pelo que teria sido melhor que os Recorrentes – em vez de virem ao tribunal omitir o que não disseram em fase administrativa, decantar erros no raciocínio abstrato que se teve que fazer ou enquistar-se no que se desconhece precisamente porque não tem se acesso aos seus dados bancários e às condições dos seus depósitos – tivessem avançado para uma outra explicação plausível, concreta e apoiada em dados verificáveis para essa variação na sua remuneração de capitais. Porque seria essa forma de colaboração que permitiria agora pôr em causa a validade ou o significado destes indicadores e, em última análise, dispensar a devassa da sua vida privada através da investigação das suas contas bancárias.

Pelo que o recurso não merece provimento e a douta sentença deve ser confirmada.

5. Conclusões

5.1. As decisões das administração tributária de aceder a informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do seu titular devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam – artigo 63.º-B, n.º 4, da Lei Geral Tributária.

5.2. Constitui motivo concreto de necessidade de acesso a informação e documentos bancários do contribuinte a variação de rendimentos de juros de depósitos que não possa ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa, a aplicação de rendimentos de capitais do ano anterior e a variação das condições de remuneração desses depósitos.

5.3. Constitui indicador suficiente de que a variação de rendimentos de juros de depósitos não pode ser justificada apenas com os rendimentos declarados no ano em causa, o facto de ser muito superior ao que seria possível obter com a aplicação desses rendimentos em depósitos a aplicação dos rendimentos de capitais do ano anterior e a taxa de juros remuneratórios que seria expectável em operações dessa natureza.

5.4. O facto de o valor dos rendimentos de capitais não ser justificável com estes fatores constitui indício suficiente de falta de veracidade dos rendimentos declarados para efeitos do artigo 63.º-B, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária.


6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 27 de março de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Irene Neves