Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/10.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:IRS
DEFICIÊNCIA
ATESTADO MÉDICO
INFORMAÇÃO VINCULATIVA
Sumário:Aceitando a administração tributária que parte dos contribuintes que pretendem comprovar ter uma incapacidade igual ou superior a 60% a comprovem com a simples apresentação de atestado médico emitido à luz do regime anterior ao Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, não poderá, sob pena de violação dos princípios de igualdade e justiça material cuja observância constitucional e legalmente lhe está imposta, deixar de aceitar essa prova como bastante para todos os demais, independentemente da data em que foram notificados para apresentar tal documento comprovativo.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:J... e A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
J… e sua mulher A… (Recorrentes), ambos melhor identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) respeitante ao ano de 2005, dela vieram interpor o presente recurso.
As alegações que apresentaram culminam com as seguintes conclusões:
1.- Salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, entendemos que o Meritíssimo Juiz a quo não poderia dar apenas como provada os factos dados como provados.
2.- No nosso modesto entender, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter dado como provado igualmente que, em 12.12.2008 foi estatuída nos termos legais pela Administração Tributária, uma informação vinculativa sobre o assunto “Comprovação da deficiência fiscalmente relevante. Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro”, encontrando-se a informação vinculativa junta com a contestação apresentada pela impugnada Direcção de Finanças de Viana do Castelo, sob o documento n.º 1.
3.- Acresce que foi este entendimento proferido pela Administração Tributária que despoletou toda a actuação dos aqui recorrentes, pelo que o mesmo é essencial para a boa decisão da causa.
4.- Todavia, e relativamente à aludida informação vinculativa, é entendimento do Meritíssimo Juiz a quo que a informação em causa não pode ser chamada à colação no presente processo uma vez que “apreciou factos com base em determinado contexto legal e pressupostos legais, que se desconhecem pelo que não pode ser tida em conta nos presentes caso”.
5.- Discordamos por completo da posição assumida pelo Meritíssimo Juiz a quo na medida em que estamos perante uma informação que vincula a própria Administração Tributária perante todos os contribuintes, nos termos dos artigos 55º e 57º do CPPT e 68º da LGT.
6.- Verifica-se assim a insuficiência da matéria dada como provada, a qual assume uma relevância preponderante na boa decisão da causa.
7.- Importa verificar se os aqui recorrentes se encontram em situação para poder beneficiar do vertido na aludida informação vinculativa.
8.- Os recorrentes foram notificados da demonstração da liquidação de IRS do ano de 2005, liquidação essa datada de 04/11/2009, à qual foi atribuída o n.º 2009 5004939956. Segundo tal liquidação notificada resulta um valor a pagar no montante de EUR. 6.004,74. Foram igualmente os recorrentes notificados da demonstração de acerto de contas, com o n.º 2009 00001793247, relativa ao IRS do ano de 2005. Da mesma resulta um valor a pagar de EUR. 7.455,05.
9.- As aludidas notificações tiveram por base um entendimento adoptado pela Administração Fiscal, designadamente pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo, segundo a qual o atestado médico que o recorrente marido era portador à data, para comprovar a sua deficiência fiscalmente relevante, não era válido.
10.- Só em 2007 é que o recorrente marido foi notificado que o atestado apresentado para comprovar a sua deficiência fiscalmente relevante para o ano de 2005 não era válido.
11.- O recorrente marido solicitou de imediato a sujeição a uma nova Junta Médica, a fim de obter um atestado conforme a Direcção de Finanças de Viana do Castelo pretendia.
12.- A Junta Médica solicitada pelo recorrente marido apenas se realizou no ano de 2008.
13.- Por um dos membros que presidiu à Junta Médica, foi dito que era de todo impossível, em 2008, serem emitidos atestados com efeitos retroactivos ao ano em causa (2005), acrescendo ainda o facto que a tabela de incapacidades em vigor naquele ano já não era a que estava em vigor à data da realização de Junta Médica, uma vez que em Janeiro de 2008 tinha entrada em vigor a nova Tabela de Incapacidades.
14.- Mais foi afirmado que os atestados médicos de incapacidades eram emitidos apenas para vigorarem a partir da data da sua emissão, ou seja, para o futuro.
15.- O ora recorrente marido viu-se assim impossibilitado de obter o atestado médico de incapacidade para o ano de 2005, tal como a Administração Fiscal pretendia.
16.- Desse facto deu o A. conhecimento à Administração Fiscal por requerimento datado de 4 de Julho de 2008.
17.- Apesar disso, a Administração Fiscal efectuou correcções oficiosas à declaração modelo 3 de IRS que os recorrentes haviam apresentado, desconsiderando para o efeito a incapacidade declarada.
18.- De facto, o que está aqui em causa é saber se o recorrente marido está ou não em condições de poder beneficiar do procedimento de excepção sancionado pelo Senhor Director-Geral dos Impostos, na informação vinculativa atrás transcrita, a qual refere que “(…) face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo de Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades (..) deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao abrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivas no decurso de 2008”.
19.- Posteriormente e no âmbito do Processo n.º 132/2009, foi esclarecido pela informação nº 529/2009 que: o procedimento excepcional admitido no ponto 3 daquela Informação Vinculativa “só deverá ser aplicado aos contribuintes que foram notificados pela primeira vez para fazerem a comprovação da sua deficiência fiscalmente relevante numa data em que já não lhes foi possível obter um documento ao abrigo das regras vigentes nos anos em causa», estando nessas condições «todos os contribuintes que foram notificados após a entrada em vigor da nova TNI (21-01-2008) e, eventualmente, também aqueles que o foram anteriormente (por exemplo, no decurso de 2007) e que tendo oportunamente, solicitado a realização de Junta Médica, com o objectivo obterem novo atestado de incapacidade ao abrigo das normas do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, esta só se veio a realizar após a entrada em vigor da nova TNI.”
20.- Para o recorrente marido poder beneficiar de tal procedimento de excepção teria que ter sido notificado pela primeira vez para fazer a comprovação da sua deficiência fiscalmente relevante numa data em que já não lhe foi possível obter um documento ao abrigo das regras vigentes no ano em causa, estando nesta situação, todos os sujeitos passivos que “foram notificados após a entrada em vigor da nova TNI (21-01-2008) e, eventualmente, também aqueles que o foram anteriormente (por exemplo, no decurso de 2007) e que tendo oportunamente, solicitado a realização da Junta Médica, com o objectivo obterem novo atestado de incapacidade ao abrigo das normas do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, esta só se veio a realizar após a entrada em vigor da nova TNI”.
21.- O recorrente marido foi notificado, no ano de 2007, pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo no sentido de apresentar prova documental de ser portador de uma deficiência de carácter permanente de valor igual ou superior a 60%, relativa ao ano de 2005, e nesse mesmo ano, mais precisamente no dia 22 de Junho, solicitou na Delegação de Saúde da sua área de residência para ser submetido a uma nova Junta Médica, conforme atesta o documento junto.
22.- O recorrente marido apenas foi chamado para a realização da mesma em 2008, já depois da nova TNI ter entrada em vigor, ou seja, depois de 21 de Janeiro de 2008.
23.- Assim quando o recorrente marido foi sujeito à nova Junta Médica, os médicos que realizaram a mesma estavam obrigados a aplicar a nova Tabela Nacional de Incapacidades, já não emitindo atestados de acordo com o disposto no DL n.º 206/96.
24.- Ficou assim o recorrente marido impossibilitado de apresentar um atestado médico de acordo com o disposto no aludido diploma, não podendo assim actuar de acordo com o pretendido pela Administração Fiscal.
25.- Salvo sempre o devido respeito e melhor opinião e de tudo o supra exposto, somos de opinião que o recorrente marido está em condições de poder beneficiar do procedimento de excepção sancionado pelo Exmo. Senhor Director Geral dos Impostos na informação vinculativa aqui em causa.
26.- Foi ainda publicado o DL n.º 291/2009, de 12 de Outubro, o qual no n.º 7 do artigo 4º estabelece que “… nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado”.
27.- Mais é regulado no n.º 8 da citada disposição legal que “para efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos”.
28.- Conclui-se assim que os benefícios que foram reconhecidos à pessoa com deficiência nunca poderiam ser afectados pela sujeição a uma nova Junta Médica, continuando a beneficiar das regalias fiscais anteriormente atribuídas.
29.- Desde 1996, que o recorrente marido é portador de um Atestado Médico de Incapacidade o qual lhe confere um grau de incapacidade de 75%, e atento o disposto no n.º 7 e 8, do artigo 4º, do DL n.º 291/2009, de 12 de Outubro, deverá o mesmo a poder beneficiar das regalias fiscais inerentes, indo neste sentido o parecer emitido pela Associação Portuguesa de Deficientes, em 31 de Outubro de 2009.
30.- Acresce ainda que os recorrentes sentem-se totalmente injustiçados com toda esta actuação da Administração Fiscal, designadamente da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, pelo facto de existirem contribuintes residentes noutras localidades, nomeadamente na cidade de Lisboa e Porto, que se encontram nas mesmas condições do aqui recorrente marido e viram as suas reclamações deferidas, bem como já receberam o montante do imposto que tinham pago.
31.- Não pode haver comportamentos diferentes para situação iguais, sob pena de se estar a violar o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, nos termos do disposto do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, o qual estabelece no seu n.º 1 que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e no seu n.º 2 que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
32.- Saliente-se, por fim, o facto da declaração modelo 3 relativa ao IRS do ano de 2006 dos aqui recorrentes não ter sofrido qualquer rectificação oficiosa por parte da Administração Fiscal, tendo por base o atestado médico apresentado.
33.- Aquando da entrega da sua declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2006, os aqui recorrentes declararam que o recorrente marido era portador de uma deficiência de 75%, incapacidade essa comprovada pelo Atestado Médico de Incapacidade, emitido em 08/10/1996, atestado esse cuja validade está aqui em discussão.
34.- Estando em causa os rendimentos obtidos em 2006, o prazo que a Administração Tributária tinha para proceder a uma correcção oficiosa é de 4 anos, pelo que tal direito por parte Administração Fiscal caducou no final do ano de 2010.
35.- Do exposto, somos levados a concluir que o atestado médico cujo validade está a aqui em causa, serviu para comprovar a incapacidade que o recorrente marido é portador no ano de 2006.
36.- Tal situação é no mínimo caricata, visto que o mesmo atestado médico não serve para comprovar a incapacidade fiscalmente relevante no ano de 2006, mas já não serve para comprovar a mesma incapacidade no ano de 2005, sendo certo que não houve alterações do ano de 2005 para o ano de 2006.
37.- Conclui-se assim que toda a actuação da Administração Fiscal padece de coerência, o que no mínimo era exigível.
38.- Desta forma, e conforme foi acima demonstrado, o recorrente marido deverá beneficiar do procedimento de excepção exarado na informação vinculativa acima transcrita, e por conseguinte deverão as liquidações oficiosas serem anuladas.
39.- A douta sentença recorrida violou por errada interpretação o disposto nos artigos 55º e 57º do CPPT e 68º da LGT, bem como a Informação Vinculativa sobre a comprovação da deficiência fiscalmente relevante.
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser declarada a incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo Norte por considerar que as questões suscitadas no recurso versam exclusivamente sobre matéria de direito e, a não se entender assim, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Os Recorrentes, notificados para o efeito, opuseram-se à declaração da incompetência sustentada pelo Ministério Público.
Importa, desde já, conhecer desta questão atinente à invocada incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal.
Nos termos do disposto nos artigo 26º, alínea b), do ETAF de 2002 e do artigo 280º, nº 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito.
De acordo com a boa doutrina, “na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684º, nº 3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” – assim, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 2006, pág. 213.
No caso concreto, não obstante o muito respeito pelo opinião contrária, afigura-se-nos que os Recorrentes, nas conclusões das suas alegações de recurso alegam factos que não têm suporte na decisão recorrida, como seja, por exemplo, o que consta das conclusões 21 (in fine), 22 e 23.
Deste modo, impõe-se concluir que este Tribunal Central Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer o presente recurso, o que se decide.
Nada obstando e colhidos que estão os vistos legais, cumpre, agora, apreciar o mérito do presente recurso.
Questão a decidir:
A questão que importa apreciar, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que decidiu que a liquidação de IRS impugnada não enferma da ilegalidade que lhe era assacada pelos Recorrentes.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância e que aqui se dará por reproduzida ipsis verbis:
1. Os impugnantes apresentaram a declaração de rendimentos (IRS), referente ao ano de 2005 com a indicação, de que era portador de incapacidade permanente superior a 60%;
2. A incapacidade foi comprovada através de declaração médica, emitida em 08 de Outubro de 1996, pelo Centro de Saúde de Braga, que atribui a incapacidade permanente global, ao Impugnante de 75%, documento constante de fls. 14 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida;
3. O projecto de decisão da alteração do imposto consta de fls. 6 do PA cujo conteúdo se dá por reproduzido;
4. A Administração fiscal notificou o Impugnante para exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão;
5. O Impugnante exerceu o direito de audição em 25 de Setembro de 2007;
6 - Pelo ofício 17352, o Impugnante, foi informado que Administração Fiscal iria proceder às alterações das declarações de rendimentos conforme despacho de 30.10.2007, em anexo, documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (fls. 39 do PA);
7 - A Administração Fiscal procedeu à liquidação nº 200900006716569, relativa ao ano de 2005, no valor de 7 455.05 €, tendo por data limite de pagamento 16 de Dezembro de 2009;
8 - A presente impugnação foi deduzida em 17 de Dezembro de 2009.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na Consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, e documentos constantes do processo administrativo apenso por linha.
2.1.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Afigura-se-nos que, ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, importa aditar matéria de facto que resulta provada, nos termos que passamos a explicitar e com o fundamento indicado entre parênteses após a enunciação do facto:
9) Administração Tributária emitiu uma informação vinculativa com o seguinte teor:
“1. A prova da deficiência para fins fiscais tem de ser efectuada de acordo com os critérios técnico-legais que vigoram no último dia do período de tributação, pelo que os atestados de incapacidade emitidos anteriormente á entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, não são válidos para comprovar a deficiência fiscalmente relevante, relativamente ao ano fiscal de 1996 e posteriores.
2. Não se pode aceitar como princípio a validade automática dos documentos que certificam deficiências quando as regras ao abrigo das quais foram emitidos foram substituídas por outras que são susceptíveis de interferir com a medida da invalidez permanente, a fixar através do acto de avaliação.
3. Porém, face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto -Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao obrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008.” (cf. fls. 47).
2.2. De direito
A questão central do presente recurso e que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que decidiu que a liquidação de IRS impugnada não enferma da ilegalidade que lhe era assacada pelos Recorrentes.
No essencial, os Recorrentes consideram que, estando em causa a comprovação o grau de deficiência de que o Recorrente marido se diz portador, estava vedado à administração tributária desconsiderar o atestado médico por aquele apresentado e emitido em Agosto de 1996, isto é, antes da entrada em vigor do DL n.º 202/96, de 23 de Outubro, nos termos que decorrem da doutrina fixada em informação vinculativa pela própria administração tributária.
Vejamos.
Na referida informação vinculativa emitida pela administração tributária foi fixado o entendimento seguinte: “face à alegada impossibilidade de os sujeitos passivos obterem em 2008 uma declaração de incapacidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, uma vez que em Janeiro entrou em vigor uma nova Tabela de Incapacidades, aprovada pelo Decreto -Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, deverá a Administração Tributária, a título excepcional, aceitar os atestados de incapacidade emitidos ao obrigo da legislação vigente à data da verificação da deficiência, para comprovação das situações relativas aos anos de 2004 a 2007, no âmbito das notificações efectuadas aos sujeitos passivos no decurso de 2008”.
Tendo a administração tributária notificado o Recorrente marido para apresentar documento comprovativo da deficiência de que declarou ser portador ainda no decurso do ano de 2007 a questão que se coloca é, pois, a de saber se será isso suficiente para afastar a aplicação daquela doutrina plasmada na dita informação vinculativa com a consequente desconsideração do atestado medido apresentado pelo Recorrente marido.
Sobre questão semelhante já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte bem recentemente através do Acórdão de 12 de Outubro de 2011, proferido no processo 258/10BEBRG em termos que merecem a nossa inteira adesão e que passamos a transcrever para constituir fundamentação do presente acórdão (os negritos e os sublinhados constam do texto do referido Acórdão).
“No caso concreto, o que está em causa é saber se, tendo a Administração emitido informação vinculativa sobre «Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro”, nos termos em que o fez, poderia desconsiderar tal atestado da contribuinte em causa, apenas por esta nunca ter invocado uma impossibilidade de obtenção de atestado ou por a ter notificado para o efeito a 24 de Setembro de 2007 quando, o ano fiscal em causa era, precisamente, o ano de 2004, isto é, um dos anos em que, por força da referida informação vinculativa, a administração fiscal se auto-obrigava a considerar para efeitos daquele beneficio, um atestado emitido nos termos da legislação entretanto revogada.
E, a resposta a esta questão só pode ser (…) inequivocamente negativa.
Tal não significa que este Tribunal não haja compreendido ou apreendido as circunstâncias especificas ou do caso concreto e que conduziram à emissão da referida informação vinculativa e que resultaram do facto de a Administração ter constatado que, nos casos de acções inspectivas realizadas em sede de IRS relativo aos anos 2004 a 2007, iniciadas ou em que o administrado é notificado só em 2008 para comprovar documentalmente o direito ao beneficio fiscal tal se mostrar já objectivamente impossível mercê da entrada em vigor da nova Tabela Nacional de Incapacidades (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro e vigente desde 21 de Janeiro), impossibilidade essa que normalmente lhe era invocada.
Circunstâncias essas que, efectivamente, no caso concreto se não verificam, já que a Reclamante foi notificada para tal em Setembro de 2007 (leia-se: em Junho de 2007).
Porém (…) a exclusão da aplicação desse regime excepcional de um contribuinte assente no facto de ter sido antes de 2008 notificado para fazer essa prova ou de não ter alegado a impossibilidade de obter esse documento conduziria inaceitavelmente à aplicação de dois regimes totalmente distintos para situações materialmente iguais e com consequências graves já que a parte dos contribuintes objecto de acção inspectiva relativamente ao ano de IRS de 2004, que tivessem declarado serem titular de beneficio fiscal por serem portador de incapacidade igual ou superior a 60%, a Administração aceita o atestado apresentado ou a apresentar emitido em data anterior a Outubro de 1996; aos demais, colocados exactamente na mesma circunstância (inspecção), a Administração não aceita os referidos atestados como bastantes e procede a nova liquidação ficando a sorte dos mesmos dependente do momento em que a própria administração entendeu fazer essa inspecção, emitir um oficio ou do contribuinte ser mais ou menos expedito a receber (ou não receber) essa mesma carta ou a invocar que já não podia obter esse atestado. Ou seja, não pode ser tudo deixado ao arbítrio da oportunidade da actuação inspectiva e de circunstâncias voláteis e irrelevantes do ponto de vista de uma justa e igual justiça tributária.
(…)
Em suma: ao aceitar que parte dos contribuintes que declararam no seu IRS relativo aos anos de 2004 a 2007 ter uma incapacidade igual ou superior a 60% para efeitos de beneficiarem de isenção fiscal nos temos do art. 16º, comprovem ser merecedores dessa isenção com a simples apresentação de atestado emitido à luz do regime anterior ao Dec. Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, a Administração não pode, sob pena de violação dos princípios mencionados, deixar de aceitar como bastante para todos os demais, relativamente à comprovação de beneficiário dessa isenção para esses mesmos anos, um atestado emitido ao abrigo desse mesmo diploma legal ou, se preferirmos, ao aceitar como bastante em termos de comprovação de incapacidade e para efeitos do art. 16º, um atestado emitido ao abrigo da legislação entretanto revogada, não pode a administração exigir aos demais e relativamente aos mesmos anos, atestados emitidos ao abrigo da nova legislação sob pena de violação dos princípios de igualdade e justiça material cuja observância constitucional e legalmente lhe está imposta.”
Pelo que vimos de dizer se conclui que a liquidação enferma de ilegalidade implicante da respectiva anulação e que, por isso, deverá proceder o presente recurso.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a sentença recorrida;
c) Julga a impugnação procedente e, em consequência, anular a liquidação impugnada.
Custas pela Fazenda Pública.
Porto, 30 de Novembro de 2011
Álvaro Dantas
Anabela Russo
Catarina Almeida e Sousa