Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01269/14.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/19/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IUC; ILEGITIMIDADE DA EXECUTADA
Sumário:
I - Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta exceção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse ato, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjetiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
III. O n.º1 do art.º 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjetiva, na qual se presume que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:RN, Ld.ª
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer sustentando que o recurso não merece provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, FAZENDA PUBLICA, não conformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida pela RN, Ld.ª, pessoa coletiva n.º 50xxx67, com sede no lugar C…, S…, Penafiel, no processo de execução fiscal n.º 1856201401205293 e apensos, que o Serviço de Finanças de Penafiel lhe move, para cobrança coerciva de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2012, de diversos veículos interpôs recurso.
*
A Recorrente no recurso jurisdicional formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…) A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida pela executada RN, Lda., NIPC 50xxx67, ao processo de execução fiscal n.º 1856201401205293 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Penafiel, para cobrança coerciva de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2012, de diversos veículos.
B. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto a sentença recorrida enferma de défice instrutório e de erro julgamento de facto e de direito.
C. A oponente fundamentou a sua oposição alegando a sua ilegitimidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.
D. Em suma alegou que, não obstante figurar como titular inscrita no registo, à data do tributo já não era a proprietária nem tinha a posse dos veículos em causa, porquanto os mesmos tinham sido objecto de abate/destruição.
E. No entender da Fazenda Pública a oponente, pese embora tenha peticionado a extinção da execução [discorrendo acerca da incidência subjectiva do imposto], verdadeiramente e mediatamente o que pretendia era pleitear a legalidade concreta das liquidações que originaram os processos executivos.
F. De harmonia com o prescrito no artigo 204º do CPPT, a ilegalidade da liquidação apenas pode ser objeto de discussão em sede de oposição quando se trate de ilegalidade abstrata, consubstanciada na inexistência de tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação.
G. A causa de pedir alegada, conducente à apelada procedência da oposição, não é pois subsumível aos fundamentos previstos no artigo 204º do CPPT.
H. os vícios que afetam a validade do ato tributário deveriam ser apreciados em sede de impugnação judicial, nos termos do art.º 99 e segs do CPPT, por ser este o meio idóneo (próprio) para atingir o desiderato pretendido pela oponente,
I. aliás, tal como (de uma forma legalmente correcta) a própria oponente o fez, no que diz respeito a diversos veículos, cujas liquidações de IUC foram primeiramente impugnadas administrativamente.
J. Se eventualmente se considerar que in casu era passível, atendendo-se ao plasmado no art.º 158.º do CPPT, de se invocar a ilegitimidade ao abrigo da al. b) do art.º 204,º do CPPT, diga-se que a Fazenda Pública salvo melhor opinião em contrário, entende que a norma em questão deverá ser objecto, de acordo com a unidade do sistema jurídica, de uma interpretação restritiva.
K. Temos como excepção à proibição da discussão da legalidade concreta da liquidação as situações previstas no art. 158º do CPPT, casos em que, relativamente a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva seja a posse, fruição ou propriedade de bens, o que na opinião da Fazenda Pública não se verifica em relação ao IUC.
L. Conforme consta das notas 12 e 13 ao art. 204º do CPPT Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Volume III, do Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), que fundamenta diversa jurisprudência, esta situação de ilegitimidade está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no art. 158º do CPPT.
M. O direito de controverter a liquidação nestes casos não se deverá verificar na esfera do originário sujeito passivo em nome do qual saiu a liquidação e não a impugnou (o que consagraria um incompreensível duplo direito de controverter a liquidação, mas apenas na esfera do revertido, que não foi notificado da liquidação, e não teve o direito de em tempo útil controvertê-la se assim o pretendesse fazer.
N. Como (de uma forma legalmente correcta) a própria oponente o fez em outros processos idênticos, no que diz respeito a diversos outros veículos, cujas liquidações de IUC foram primeiramente impugnadas administrativamente.
O. Impunha-se pois, ao douto Tribunal a quo que ao abrigo do Princípio do Inquisitório, indagasse se a oponente foi notificada das liquidações em crise, sendo certo que dos autos se pode inferir que destas tomou conhecimento, não o tendo feito incorreu em défice instrutório sendo por isso nula a sentença recorrida.
P. Sendo violador do princípio da adequação formal, interpretação distinta, a possibilidade do visado poder usar dois meios processuais judiciais distintos para atingir o mesmo fim, in casu a anulação das liquidações controvertidas.
Q. Veja-se que, como mero exemplo, mesmo nos casos das reversões, o responsável subsidiário apenas pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio adequado de tutela jurídica!
R. Não faz sentido a possibilidade dada ao oponente de interposição de dois meios processuais judiciais distintos, tendo em vista o mesmo efeito jurídico, podendo colocar o tribunal numa situação alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o que se afigura violador do princípio da adequação formal (veja-se nesse sentido os Acórdãos do TCAN proferidos nos Processos n.° 189/14.1BEPNF e n.º 603/14.6BEPNF).
S. Pelo exposto, face ao nosso entendimento da fundamentação aduzida pela oponente não encontrar acolhimento nos fundamentos taxativamente elencados no artigo 204º, n.º 1 do CPPT, tal facto, deveria ter determinado a improcedência da oposição.
Subsidiariamente, Se assim doutamente não se entender
T. Entende a Fazenda Pública, que o facto gerador do IUC é determinado pelo art. 6.º, n.º 1, do Código do IUC (CIUC), sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.
U. Isto é, enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC – incidência objetiva), é devido IUC pela pessoa singular ou coletiva, de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado, que é o sujeito passivo do imposto (art. 3.º, n.º 1, do CIUC – incidência subjetiva).
V. A propriedade e a posse efetivas do veículo são irrelevantes para a verificação das incidências subjetiva e objetiva e do facto gerador do imposto.
W. Mas, independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei (DL) 54/75, de 12 de fevereiro, versão atualizada), no caso do IUC não estava em causa a ilação da presunção do direito de propriedade derivada do registo automóvel, nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel,
X. o que estava em causa era a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjetiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo “tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional” (art. 6.º, n.º 1, in fine, do CIUC), ou seja, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão.
Y. Neste sentido, foi na esfera jurídica da oponente que se verificou o facto gerador do imposto e se afere os elementos de incidência objetiva e subjectiva do IUC (artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1, do CIUC).
Z. Acresce dizer, que mesmo que assim não se entendesse da redacção anterior, a alteração do regime legal operado pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, estando-se perante uma anterior norma jurídica incerta e cujo teor tem vindo a ser amplamente controvertido, é também de se aplicar aos presentes autos.
AA. O identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169.º, e aprovada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
BB. Dispõe o referido normativo o seguinte: “Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão:
a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º
(…)”.
CC. No uso desta autorização legislativa, foi publicado o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser a seguinte: “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, norma esta que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (nos termos do disposto no artigo 15.º do identificado diploma legal).
DD. A lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3º do CIUC como tendo carácter interpretativo.
EE. A norma habilitada estabelece, no seu preâmbulo: “(…) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…)”
FF. Pese embora não classificar a norma como tendo natureza interpretativa, tendo o diploma assumido que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de “ultrapassar dificuldades interpretativas”, considera-se que esta é verdadeiramente interpretativa, inserindo-se a nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC na lei interpretada, aplicando-se assim retroactivamente.
GG. Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.
HH. Entendimento, já antes da alteração normativa, sufragado pela Autoridade Tributária. Relativamente à norma anterior, esta nova norma veio fixar uma interpretação possível.
II. Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes a esclarecer que o sujeito passivo do imposto é a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.
JJ. Entendendo assim a Fazenda Pública que a supra norma transcrita é uma norma verdadeiramente interpretativa e nesta medida deveria a oposição igualmente improceder.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o« que se fará inteira JUSTIÇA.. (…)”
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A Recorrido não contra-alegou
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O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer sustentando que o recurso não merece provimento.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pela Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, nos termos dos artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do CPC, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, são saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e direito ao considerar a oposição o meio adequado e a Recorrida parte ilegítima na execução fiscal.
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3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
1. O Serviço de Finanças de Penafiel instaurou contra a executada originária o processo de execução fiscal n.º 1856201401205293, 1856201401205277, 1856201401205161, 185620141205560, 1856201401205374 e 1856201401205765 por dívidas de IUC do ano de 2012 todas com data limite de pagamento voluntário em 11/12/2013, dos veículos com as matrículas a seguir identificadas, no valor e data do IUC, data da matrícula, data do seu cancelamento e data da factura de venda, a seguir discriminadas (fls. 15-23 e 110-112 do p.f.):
DATA
Matrícula
IUCda Matrículado Cancelamentoda Factura de Venda
xx-xx-QQ 359,00
2012
23-11-2000 -15/12/2009
xx-xx-SA 411,00
2012
10-07-2001 10-10-2007 31.01.2007-
xx-AB-xx 713,00
2012
02-06-2005 --16.07.2009
xx-xx-BS 619,00
2012
02-03-1993 05-08-2009 07-07-2009
xx-xx-UR 50,00
2012
27-02-2003 --
xx-xx-CO 916,00
2012
07-09-1993 22-11-2007 31-01-2007
2. Os veículos xx-xx-QQ, xx-xx-BS, xx-xx-CO e xx-AB-xx foram vendidos pela oponente, tendo sido emitida a factura de venda na data aí referida (cfr. fls. 15, 16 e 20 do p.f.);
III. 2 FACTOS NÃO PROVADOS
Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada. .. (…)”
3.1. Aditamento oficioso
3.2. Aditamento Oficioso à Matéria de Facto.
Ao abrigo do artigo 662º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil importa aditar os pontos n.º 3 a 6 à matéria de facto, pese embora a sentença recorrida na sua fundamentação os tenha por suporte, sendo que dos autos constam documentos que o habilitam:
3. Em 15.12.2009 a Oponente emitiu factura com o n.º 2009000245 à sociedade “AEC, S.A. com morada em Parque E… Ribeira S…, Câmara de Lobos, no valor de total de € 17 500,00 com IVA incluído de 20%, relativo ao camião usado, marca Volvo, modelo FL614, matrícula xx-xx-QQ; (cfr. fls. 15 dos autos);
4. Em 31.01.2007 a Oponente emitiu factura com o n.º 200700015 à sociedade “JD, Lda”. com morada na Rua A…, Paredes, Rebordosa, no valor de total de € 8 000,00 com IVA incluído de 21%, relativo ao trator Mercedes, matrícula xx-xx-CO; (cfr. fls. 16 dos autos);
5. Em 07.07.2009, a Oponente emitiu factura com o n.º 200900139 à sociedade LRAE, S.A., com morada no Edifício D…, Lisboa, no valor total de € 10 000,00, com IVA, incluindo à taxa de com IVA incluído de 20%, relativo ao F1036, matricula xx-xx-BS; (cfr. fls. 20 dos autos);
6. Em 16.07.2009, a Oponente emitiu factura com o n.º 200900144 à sociedade EV, Lda., com morada na Rua J…, 4795-405 S. Mamede Negrelos, no valor total de € 32 500,00, com IVA, incluindo à taxa de 20%, relativo ao veículo mercedes 1843, matricula xx-AB-xx; (cfr. fls. 18 dos autos);
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4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Foram liquidadas à Recorrida IUC´S relativas ao ano de 2012 sobre diversos veículos, que deram origem a estes autos.
A Recorrida deduziu oposição à execução fiscal alegando que, apesar de os veículos estarem inscritos em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel, não era já sua proprietária, uma vez que tinham sido objeto de venda.
A decisão agora recorrida, considerou que a oposição era o meio adequado para conhecer a questão equacionada pela Recorrida por não ser possuidora, nem proprietária de facto, mas apenas nominal dos identificados veículos.
E relativamente aos veículos com as matrículas xx-xx-QQ, xx-xx-BS, xx-xx-CO e xx-AB-xx que a Recorrida produziu prova com força bastante para ilidir a presunção fundada no registo tal como consagra o n.1 do art.º 3.º do CIUC o que não aconteceu com o veículo com a matrícula xx-xx-UR.
Vejamos:
A primeira a questão que importa analisar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, relativamente às liquidações do IUC`s dos supra referidos veículos ao julgar a oposição o meio adequado uma vez que a causa de pedir efetuada pela Recorrida era (i)legalidade concreta das liquidações, não fazendo parte da lista taxativa do art.º 204.º do CPPT, sendo a impugnação judicial o meio adequado.
No que concerne às liquidações referentes aos veículos de matrícula xx-xx-QQ, xx-xx-BS, xx-xx-CO e xx-AB-xx a sentença julgou a Recorrida parte ilegítima na execução fiscal, porquanto, sendo embora o devedor que figurava no título, não era, conforme alegou e provou, no ano de 2012 (período a que respeita a dívida exequenda), o possuidor dos identificados veículos automóveis que a originou e consequentemente julgou extinta a execução fiscal instaurada contra o Oponente tendente à cobrança coerciva daquela dívida sendo parte legítima no que concerne ao veículo com a matrícula xx-xx-UR.
A sentença recorrida analisou a causa de pedir bem como a prova produzida julgou a Recorrida, parte ilegítima para a execução por não ter sido a possuidora, nem a proprietária de facto, mas apenas nominal/registral, dos identificados veículos, questão que deveria ser apreciada em processo de oposição à execução fiscal, por força da al. b), do nº. 1 do artigo 204.º do CPPT.
E nessa parte não nos merece qualquer censura a sentença recorrida. Pois como refere a jurisprudência do acórdão do STA n.º 606/15 de 08.07.2015 no qual consta o seguinte, com o qual se concorda e se transcreve. “ (…) Há, no entanto, que verificar se a matéria de facto alegada pela Oponente integra ou não fundamento do rol do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, designadamente o da alínea b): «Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida».
Regressando à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, aí se prevêem três situações de ilegitimidade da pessoa citada: primeira, «não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor», situação em que se enquadram «os casos em que há erro na identidade do citado, sendo a citação efectuada em pessoa que não é aquela contra quem efectivamente é instaurada a execução ou, nos casos de sucessores, não é qualquer das pessoas que devem ser citadas como sucessores do responsável originário»; segunda, sendo o devedor que nele (título executivo) figura, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram», situação que «está conexionada com as situações de reversão da execução contra possuidores, fruidores e proprietários, previstas no art. 158.º deste Código [CPPT], podendo esta reversão ser uma consequência do julgamento que se fizer sobre a ilegitimidade referida nesta alínea b)»; terceira, «não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida», situação que «tem em vista os casos em que há reversão contra responsáveis subsidiários ou em que a execução é dirigida contra responsáveis solidários, quer directamente quer através de reversão» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, notas 12 e 13 ao art. 204.º, págs. 453 e 454.).
No caso sub judice, porque a Oponente consta dos títulos executivos como devedora, está excluída a possibilidade de verificação dos primeiro e terceiro tipos de ilegitimidade.
Resta averiguar se os factos articulados pela Oponente como fundamento da sua ilegitimidade, que vimos já se reconduzem à invocação de que não era proprietária nem possuidora do veículo no ano a que se reporta a dívida exequenda, se podem subsumir àquele segundo tipo de ilegitimidade, ou seja, ao que decorre do facto de a pessoa citada, embora figurando no título como executada, «não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram».
(…)
Como deixámos já dito, essa previsão está relacionada com as situações de reversão previstas no art. 158.º do CPPT. Ou seja, trata-se de situações em que a dívida exequenda se refere a impostos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens e, tendo a execução fiscal sido instaurada contra aquele que constava do título executivo como devedor, se veio a verificar no âmbito da execução fiscal que a dívida respeita a um período em que era possuidor, fruidor ou proprietário dos bens outra pessoa, contra a qual a execução fiscal reverterá nos termos do art. 158.º do CPPT (Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotações 12 e 13 ao art. 204.º, pág. 453/454 e anotações 6 e 8 a 10 ao art. 158.º, págs. 103 e 104 a 106.).
Trata-se de uma das excepções à regra geral de que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, nas referidas situações admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjectiva, mas essa possibilidade excepcional justifica-se pela «falta de verificação, pela administração tributária, dos pressupostos fácticos do acto de liquidação, relativamente a tributo deste tipo e na constatação de um erro que lhe é imputável», pois, «para proceder à liquidação destes tributos, não é recolhida qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem é feita qualquer indagação sobre quem é o real proprietário, fruídos ou possuidor dos bens referidos, antes se efectuando a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que conste dos registos da administração tributária ou de outros serviços públicos» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 5 ao art. 78.º, pág. 80.?).
Ora, uma das situações (Outra dessas situações é a respeitante ao Imposto Municipal sobre Imóveis e às extintas Contribuição Autárquica e Contribuição Predial.) em que a propriedade de determinados bens é pressuposto da incidência do tributo em causa, é precisamente o IUC, pois o art. 3.º do respectivo Código dispõe no seu n.º 1: «São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados» (…)”
Nesta conformidade a alegação factual aduzida na petição inicial, relativamente às viaturas xx-xx-QQ, xx-xx-BS, xx-xx-CO e xx-AB-xx, no ano a que se reportava o tributo (2012) não era proprietária nem possuidora dos veículos, integra uma situação suscetível de subsunção no rol dos fundamentos de oposição à execução fiscal, mais concretamente na alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.
4.2. A segunda questão é a de saber se face ao regime jurídico vigente, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar ilidida a presunção prevista no art.º 3.º n.º1 do CIUC, e consequentemente considerar parte ilegítima a Recorrida.
A Recorrente entende que o facto gerador do IUC é determinado pelo art.º 6.º, n.º 1, do Código do IUC (CIUC), sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.
Decorre do Código do Imposto de Circulação (aprovado pela Lei 22-A/2007, de 29/6) nos arts. 3º, nº1, 4º e 5º, nº1, que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
O imposto único de circulação é de periocidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo ao ano em que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos da categoria A.
“ (…) Decorre do n.º1 do art.º 3.º do CIU que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional.
Por conseguinte, é pressuposto da liquidação que o sujeito a quem foi liquidado o imposto de circulação seja o proprietário do veículo.
Por conseguinte, o citado art. 3º é uma norma de incidência subjetiva.
De facto a lei presume determinados factos, como no caso, é proprietário de um veículo quem o tem registado em seu nome.(…) Entendimento sufragado em vários acórdãos deste TCAN em que as partes são as mesmas, nomeadamente nos acórdãos de 25.05.2018, nos processos 608/14.7BEPNF, 189/14.BEPNF e 603/14.6BEPNL de 21.06.2018.
O n.º 1 do art.º 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjetiva, na qual se presume que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional.
Em defesa da sua tese alega a Recorrente que foi na esfera jurídica da Recorrida que se verificou o facto gerador de imposto e que em auxilio desta interpretação, a alteração da lei operada pelo Dec-Lei n.º 41/2016 de 1.08, mais precisamente do n.º1 do art.º 3 do CIUC, na medida que se trata de uma lei interpretativa, inserindo-se a nova redação na lei interpretada, aplicando-se assim retroativamente.
Relativamente a esta questão importa referir que o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado para 2016, no artigo 169.º aprovada pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
Constava do referido normativo o seguinte: “Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (…)”.
No uso desta autorização legislativa, foi publicado o Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser a seguinte: “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”.
Esta norma entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 15.º.
A lei habilitante, a Lei do Orçamento de Estado, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efetivar quanto ao artigo 3º do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Todavia a norma habilitada refere no preâmbulo, o seguinte: “(…) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…)”
Como refere João Batista Machado in, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (15ª Reimpressão, 2006, Almedina, Coimbra, pág. 246 e seguintes, “(…) para que a lei nova possa ser interpretativa, de sua natureza, é preciso que haja matéria para interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial que lhe havia de há muito sido atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a lei nova que venha resolver o respectivo problema jurídico, em termos diferentes, deve ser considerada uma lei inovadora. (…)”[ cfr, Ac STA de 02/05/2012, processo n.º 0234/12].
Com efeito o art.º 169.º º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alterou a redação do n.º 1 do art.º 3.º, da CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, passando esta norma a prever que “São o sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”.
Trata-se, de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e como tal não se aplica ao caso sub judice em que está em causa o exercício de 2012.
Só se a lei fosse interpretativa é que se aplicaria a factos passados, e se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respetivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa.
Mas não o fez, nem se depreende no texto da Lei do Orçamento de 2016 nem ao Decreto-lei n.º 41/2016 o carácter interpretativo da norma.
Assim, o citado artº. 3.º, nº.1, do CIUC, consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº. 73.º, da LGT.
A elisão da presunção legal obedece à regra constante do artº. 347.º, do Código Civil, demonstrando-se que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. Tendo sido apurado que a Recorrente não impugnou que em 15.12.2009 a Oponente emitiu factura com o n.º 2009000245 à sociedade “AEC. S.A. com morada em E… Ribeira de S…, Câmara de Lobos, no valor de total de € 17 500,00 com IVA incluído de 20%, relativo ao camião usado, marca Volvo, modelo FL614, matricula xx-xx-QQ.
Em 31.01.2007 a Oponente emitiu factura com o n.º 200700015 à sociedade “JD, Lda”. com morada na Rua A…, Paredes, Rebordosa, no valor de total de € 8 000,00 com IVA incluído de 21%, relativo ao trator Mercedes, matricula xx-xx-CO.
Em 07.07.2009, a Oponente emitiu factura com o n.º 200900139 à sociedade LRAE, S.A., com morada no Edifício D… Lisboa, no valor total de € 10 000,00, com IVA, incluindo à taxa de com IVA incluído de 20%, relativo ao F1036, matricula xx-xx-BS.
Em 16.07.2009, a Oponente emitiu factura com o n.º 200900144 à sociedade EV, Lda., com morada na Rua J…, 4795-405 S. Mamede Negrelos, no valor total de € 32 500,00, com IVA, incluindo à taxa de 20%, relativo ao veículo mercedes 1843, matricula xx-AB-xx.
Ter-se-á de concluir que foi ilidida a presunção estabelecida no artigo 3.º n.º 1 do CIUC, uma vez, que a Recorrida fez prova, através de documentos comprovativos da transmissão dos veículos em causa, pelo que não era possuidora nem proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço.
Sendo ilidida a presunção, não poderá a Recorrida ser responsabilizada pelo pagamento de tal quantia e, portanto, pela sua ilegitimidade, porquanto, sendo embora o devedor que figurava no título, não era, conforme alegou e provou, no ano de 2012 (período a que respeita a dívida exequenda), o possuidor dos identificados veículos automóveis que a originou.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento pelo que improcede a pretensão do Recorrente.
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4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões, apropriando-nos parcialmente, com a devida vénia do sumário do STA n.º 606/15 de 08.07.2015, supra citado:
I - Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II - Esta exceção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse ato, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjetiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.
III. O n.º1 do art.º 3.º do CIUC é uma norma de incidência subjetiva, na qual se presume que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atesta a matrícula ou o registo em território nacional.
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5. DECISÃO
Termos em que, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e mantendo-se a sentença na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente
Porto, 19 de junho de 2019
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Maria da Conceição Soares
Ass. Maria do Rosário Pais