Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01759/04.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/16/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Flora
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO
CPT
LGT
ALÍNEA I
"PRINT INFORMÁTICO"
Sumário:I. Não constitui omissão de pronúncia o não constar da matéria de factos todos os factos relevantes para a decisão da causa, pois não se trata de “questão” para efeitos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e art. 608.º do CPC;
II. Atento ao disposto no art. 297.º do Código Civil há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição), faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT;
III. A oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro);
IV. Nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT;
V. O “print informático” da base de dados da DGCI não prova nem a remessa da liquidação para o domicílio do contribuinte, nem o seu recebimento.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) Do Porto que julgou procedente a Oposição deduzida por M…, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3182200301000535 instaurado no serviço de finanças do Porto.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

1. Julgou a douta sentença recorrida procedente, a oposição deduzida no processo executivo nº 3182200301000535, a correr termos no Serviço de Finanças de PORTO- 2, por dívida de IRS do ano de 1997, no montante de € 75.000,86, ordenando em consequência, a extinção do processo executivo por inutilidade superveniente da lide.
2. Controverte-se a questão de saber se ocorreu a prescrição da dívida de IRS em execução, por decurso do prazo legalmente previsto para o efeito, previsto no artº48º da LGT.
3. Consideramos enfermar a douta sentença de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto, no probatório apenas se identifica como causa interruptiva da prescrição, a citação da oponente em 14/06/2004- cfr. c) do probatório.
4. Para concluir pela inutilidade superveniente da lide, por ocorrência da prescrição, o Tribunal devia ter curado de saber da verificação de outras causas suspensivas ou interruptivas da prescrição (para além da citação) o que não aconteceu, existindo assim deficit instrutório, porquanto,
5. Tal como consagra o nº 4 do artº 49º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 53º-A/ 2006, de 29 de Dezembro (O.E./2007), a oposição, quando determine a suspensão da cobrança da dívida, constitui causa suspensiva do prazo de prescrição, enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo.
6. Não sendo seguro, concluir-se pela extinção da instância (e não do processo executivo como preconizado) por inutilidade superveniente da lide, devem os autos baixar à 1ª Instância para devida investigação no sentido propugnado -apuramento de novos factos relativos à prescrição- e só então, ser proferida nova decisão.
7. A douta sentença recorrida violou o dispostos nos artº 48º e 49º da LGT, 287º, alínea e) e 668º, nº 1, alínea d) do CPC.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

a) - A Douta Decisão recorrida está certa e deve ser mantida;
b)- A instância executiva deve ser declarada extinta, nos termos do disposto nos Artigos 175º e 176º do CPPT, e no Artigo 287º, alíneas d) e e), do CPC, com as consequências legais: levantamento das garantias prestadas sob a forma de penhora e restituição, a seu tempo, com juros, das taxas de justiça pagas pela Oponente e Recorrida;
c) - Se, porém, o processo dever baixar, seja declarada, ou a extinção por pagamento voluntário ou duplicação da colecta (cfr. fls. 185 a 189 dos autos) ou a extinção com fundamento em prescrição, sempre com o efeito do levantamento das garantias prestadas sob a forma de penhora e restituição, a seu tempo, com juros, das taxas de justiça pagas pela Oponente e Recorrida;
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões a apreciar e decidir são as seguintes:

_ Saber se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia (conclusão 3);
_ Saber se a sentença enferma de erro de julgamento por défice instrutório e por não ter atendido o disposto no n.º 4 do art. 49.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (conclusões 4 a 7).

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“a) Na sequência de uma escritura realizada em Fevereiro de 1997 no Cartório Notarial da Maia constatou-se que a oponente alienou juntamente com mais três vendedores, duas parcelas de terreno destinadas à construção ou a revenda, o que originou uma inspecção na sequência da qual foram fixados à oponente rendimentos em sede de IRS (cf. doc. de fls. 12 a 16 dos autos).
b) A liquidação em causa foi efectuada em 2 de Outubro de 2002, sendo a data limite de pagamento 20 de Novembro de 2002 (cf. doc. de fls. 17 dos autos).
c) Dado que a liquidação não foi paga dentro do prazo de pagamento voluntário fixado para o efeito, foi instaurada em 3 de Fevereiro de 2003 a competente execução fiscal, tendo a, aqui, oponente sido citada para a execução em 14 de Junho de 2004 (cf. doc. de fls. 98 a 101 dos autos).
d) Assim, no Serviço de Finanças do Porto 6 encontra-se a correr contra a, aqui, oponente, o processo de execução fiscal n° 3182200301000535 por dívidas relativas a IRS e juros compensatórios do ano de 1997, no montante de €75.000,86.
e) Em 10/10/2006 foi emitido o mandado de penhora (cf. fls. 7 do Processo Administrativo, doravante apenas PA).
f) Em 12 de Julho de 2004 foi intentada a presente oposição (cf. doc. de fls. 2 dos autos).”

Acorda-se em alterar a matéria de facto, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do CPC, nos seguintes termos:

Aditar os seguintes factos que se são como provados:
g) Em 15/12/2006 foram penhorados os bens móveis constantes da lista anexa ao auto de penhora (cfr. auto de penhora e lista anexa a fls. 89 e ss do processo de execução fiscal);
h) Do sistema informático da Administração Tributária, em ficheiro sob a designação “Gestão de Fluxos Financeiros”, consta que a liquidação de IRS n.º 533847102, foi emitida em 02/10/2002, e remetida à oponente através de correio registado datado de 09/10/2002 sob o registo privativo n.º RY139550103PT. (cf. doc. de fls. 148 dos autos).

2. Do Direito

I. Antes de mais, cumpre então, conhecer da nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo Recorrente (conclusão 3 das alegações de recurso).

Nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Estabelece este preceito legal um dever de pronúncia do juiz, sendo que a consequência jurídica cominada pela lei processual tributária pela “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar” é a nulidade da sentença - cfr. art. 125.º, n.º 1 do CPPT.

Ou seja, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

Passemos então, ao caso sub judice.

Conforme resulta das conclusões da Recorrente, esta invoca a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia “porquanto, no probatório apenas se identifica como causa interruptiva da prescrição, a citação da oponente em 14/06/2004- cfr. c) do probatório.”.

Ou seja, a recorrente entende que no probatório deveriam constar mais factos dos que efectivamente se fez constar. Ora, é manifesto que o invocado, a verificar-se, nunca poderia constituir omissão de pronúncia, pois não se trata de “questão” para efeitos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e art. 608.º do CPC, mas de matéria de facto relativamente a qual se discute se deveria ou não ter sido dada como provada.

Dito de outro modo, o que está em causa não é uma “questão” que cumprisse conhecer, mas antes matéria de facto que a Recorrente entende ser relevante para a decisão da causa, e que não foi dada como provada pelo Meritíssima Juíza do TAF do Porto, pelo que estamos no âmbito do erro de julgamento da matéria de facto e não da omissão de pronúncia.

Em face do exposto, não se verifica a nulidade arguida.


II. Invoca ainda a Recorrente Fazenda Pública que a sentença enferma de erro de julgamento por défice instrutório e por não ter atendido o disposto no n.º 4 do art. 49.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (conclusões 4 a 5), devendo os autos, por conseguinte, “baixar à 1.ª instância para devida investigação no sentido propugnado – apuramento de novos factos relativos à prescrição – e só então ser proferida nova decisão.”.

Entende a Recorrente que a sentença recorrida não atendeu ao disposto no n.º 4 do art. 49.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que consagra que a oposição, quando determine a suspensão da cobrança da dívida, constitui causa suspensiva do prazo de prescrição, enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado que puser termo ao processo, havendo défice instrutório porquanto “[n]ada constando quanto a esta possibilidade”, não se podendo concluir pela prescrição antes de indagar a existência daquelas eventuais causas, ao abrigo do art. 13.º do CPPT.

Pese embora a Fazenda Pública não refira, em concreto, quais os factos suspensivos que o tribunal a quo deveria ter considerado, limitando-se a alegar que eles existem, certo é que resulta dos documentos constante do processo de execução fiscal que, com efeito, a sentença recorrida não deu como provado todos os factos com relevância para o conhecimento da prescrição, cabendo ao tribunal de recurso adita-la, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do CPC, tal como já consta da matéria de facto supra aditada.

Com efeito, resulta do processo de execução fiscal apenso aos autos a ocorrência de penhora de bens em 15/12/2006, sendo este facto juntamento com os demais já fixados, suficientes para o conhecimento do mérito do recurso, como infra se verá, e obsta a que se dê satisfação ao peticionado pela Fazenda Pública: “baixar à 1.ª instância para devida investigação no sentido propugnado – apuramento de novos factos relativos à prescrição – e só então ser proferida nova decisão.”.

Por conseguinte, considerando a factualidade fixada na 1.ª instância, e a ora aditada, importa, pois, saber se a dívida exequenda está prescrita.

Saliente-se que a prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva, de conhecimento oficioso pelo juiz, nos termos do artigo 175.º do CPPT, e é fundamento de Oposição nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

In casu, a dívida exequenda diz respeito a IRS do exercício de 1997.

Estava então em vigor, o Código de Processo Tributário (CPT), cujo art. 34.º, n.º 1 estabelecia o prazo de prescrição de dez anos.

Sucede que, em 1 de Janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT) que estabeleceu um novo prazo de prescrição de oito anos (art. 48.º da LGT).

Ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.º do Código Civil (cfr. art. 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT) que dispõe “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

Cumpre, então, antes do mais, saber qual o prazo de prescrição aplicável, se o do CPT, ou se o da LGT.

Atento ao disposto no art. 297.º do Código Civil, in casu, há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição), faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 21/08/2013, proc. n.º 01316).

Jorge Lopes de Sousa explicita como proceder à contagem: “[n]este momento da entrada em vigor da lei nova, à face dela falta todo o tempo que ela prevê, naturalmente. Por isso, apenas é necessário calcular o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga. Se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar a lei antiga.
Esta contagem do prazo que falta faz-se considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de interrupção) como se depreende do texto da parte final do n.º 1 do art. 297.º do CPPT, ao referir que o novo prazo aplica-se «a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»; «segundo a lei antiga» significa calcular o prazo de prescrição que decorreu até à data da entrada em vigor da lei nova nos termos que a lei antiga prevê a respectiva contagem” (Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, p.87.) (sublinhados nossos).

Assim, in casu, o prazo de prescrição de dez anos do CPT conta-se a partir de 1 de Janeiro de 1998 (cfr. art. 34.º, n.º 2, do CPT).

Por outro lado, o prazo de prescrição interrompeu-se em 03/02/2003, por força da instauração da execução fiscal (cfr. alínea c) dos factos provados e o n.º 3 do art. 34.º do CPT).

Ora, seguindo os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa, apenas é necessário calcular o tempo que, à data de entrada em vigor da LGT, 1 de Janeiro de 1999, faltava para a prescrição se completar em face da lei antiga (CPT), então, in casu, é irrelevante para o cômputo do prazo considerar a causa de interrupção supra referida, pois ocorre já após a entrada em vigor da LGT.

Assim, desde 1 de Janeiro de 1998 até 1 de Janeiro de 1999, decorreu um ano, o que significa que, à data da entrada em vigor da LGT, faltavam nove anos para se completar o prazo de prescrição ao abrigo do CPT, e oito anos ao abrigo da LGT, pelo que, nos termos do art. 297.º do Código Civil, aplica-se este último prazo, pois não faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga.

Em suma, in casu, o prazo de prescrição da dívida exequenda é o de oito anos previsto na LGT, e conta-se da data da entrada em vigor desta Lei (cfr. art. 297.º do Código Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

Nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 da LGT a citação interrompe a prescrição, o que ocorreu, in casu, em 14 de Junho de 2004.

Deste modo, desde 1 de Janeiro de 1999 até 14 de Junho de 2004, decorreram 5 anos 5 meses e 13 dias.

Sucede que, o processo esteve parado por mais de um ano, desde a citação até à emissão do mandado de penhora em 10/10/2006, sem que resulte apurado o motivo (cfr. alíneas c) e e) da matéria de facto provada), pelo que, não sendo imputável ao contribuinte a paragem, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 49.º da LGT cessou o efeito interruptivo, que se degrada em suspensivo.

Por outro lado, a oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro) – cfr. Ac. do STA de 08/05/2013, proc. n.º 0629/13.

Deste modo, o prazo de prescrição se encontra suspenso desde 15/12/2006, data da penhora que conjuntamente com a dedução da Oposição, determina a suspensão do prazo de prescrição, até à presente data, pois a suspensão vigora até ser proferida decisão definitiva na presente oposição ou “passada em julgado”.

Voltando ao cômputo do prazo de prescrição, temos então que, tal como já referimos, desde 1 de Janeiro de 1999 até 14 de Junho de 2004, havia decorrido 5 anos 5 meses e 13 dias. Por outro lado, desde 15/06/2005 (data em que cessa o efeito interruptivo) a 15/12/2006 (data do início da suspensão) decorreu 1 ano e 6 meses.

Por conseguinte, desde o início do prazo de prescrição, até à presente data decorreram um total de 6 anos, 11 meses e 13 dias, sendo certo que se encontra suspenso o decurso do prazo de prescrição nos termos do disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT.

Concluindo, in casu, ainda não se completou o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 1 da LGT, e nessa medida, a sentença recorrida que assim não decidiu, deve ser revogada, merecendo o recurso provimento.

III. Cumpre, agora, aplicar a regra da substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido, pois a sentença recorrida ao julgar verificada a prescrição da dívida, não conheceu dos demais fundamentos invocados pela Oponente, ora Recorrida, e que haviam sido invocados na petição, designadamente, caducidade do direito de liquidação, falsidade do título executivo, ilegalidade da liquidação da dívida exequenda.

No que diz respeito à caducidade do direito de liquidação, entende a Oponente que nunca foi notificada da liquidação de IRS de 1997, subjacente à dívida exequenda, sendo que deveria ter sido notificada validamente no prazo de 5 anos a que se refere o art. 33.º do CPT, ou seja, até 31/12/2002, pelo que, invoca o fundamento de oposição previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Apreciando.

O prazo de caducidade do direito de liquidação aplicável ao caso dos autos é o de cinco anos previsto no art. 33.º do CPT, diploma em vigor à data do facto tributário.

In casu, invoca a Oponente que nunca foi notificada da liquidação, e que devia tê-lo sido dentro do prazo de caducidade, o que constitui, na sua perspectiva, fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Sucede que, os casos que são enquadráveis na alínea e) daquele preceito legal são aqueles em que a liquidação é efectuada no prazo de caducidade, mas só notificada (notificação válida) após o decurso daquele prazo.

In casu, estamos perante situação diversa, em que a liquidação é efectuada no prazo de caducidade, pois diz respeito a IRS de 1997 e foi emitida em 02/10/2002, pelo que se encontra respeitado o prazo de cinco anos previsto no art. 33.º do CPT.

No entanto, a liquidação não foi (alegadamente) notificada ao contribuinte antes de instaurada a execução fiscal.

Nesse caso, a liquidação é ineficaz e constitui fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do art. 204, n.º 1, alínea i) do CPPT (nesse sentido, vide, Ac. do Pleno da secção do CT do STA de 07/07/2010, proc. n.º 0545/09:“I - Nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na al. i) do nº 1 do artº 204º do CPPT. II - A falta de notificação do acto de liquidação antes de decorrido o prazo de caducidade é fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na al. e) do nº 1 do artº 204º do CPPT.”).

Ou seja, considerando o invocado pelo Oponente, não está em causa o fundamento de oposição previsto na alínea e), mas antes o da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Não obstante, nada impede que se conheça o fundamento de oposição previsto na alínea i), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664.º do CPC, a que corresponde o actual art. 5.º do CPC) – Nesse sentido, vide, Ac. do STA de 28/09/2011, proc. n.º 0473/11.

Vejamos então se, in casu, se verifica o fundamento previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

Invoca, então, a Oponente, que nunca foi notificada da liquidação subjacente à dívida exequenda, pelo que cabe à Administração Tributária (AT) o ónus de demonstrar que a liquidação foi remetida, por carta registada, para o domicílio do Oponente, nos termos da distribuição do ónus da prova previsto no art. 74.º, n.º 1 da LGT.

Conforme resulta dos autos, apenas consta um “print informático”, da DGCI, com a menção de que foi remetida a liquidação à Oponente, por correio registado datado de 09/10/2002, sob o registo privativo n.º RY139550103PT.

Sucede que, estamos perante um documento interno, ou seja, elaborado pela própria AT, que pressupõe que se tenha introduzido esses mesmos dados no sistema informático através dos seus funcionários. Por outro lado, desse documento também não resulta qual a morada concreta para a qual foi remetida a correspondência, o que não permite saber se a notificação foi remetida para o domicílio fiscal do contribuinte.

Ou seja, o “print informático”, não prova nem a remessa da liquidação em causa para o domicílio do contribuinte, nem o seu recebimento (nesse sentido, Ac. do TCAN de 27/02/2014, proc. n.º 76/11.5BEPRT).

Isto não significa que este documento não possa constituir meio de prova idóneo, mas, de per se, este meio de prova é insuficiente para conduzir à prova pretendida.

In casu, seria necessário um recibo de entrega ou aceitação da correspondência, ou outro meio de prova que corroborasse o que consta do sistema informático da DGCI, sendo manifestamente insuficiente o “print informático” para se concluir pelo envio da liquidação para o domicílio da Oponente.

Como se sumariou no Ac. do STA de 16/05/2012, proc. n.º 01181/11, a cuja fundamentação se adere:
I – É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
II – O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
III – Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
V – O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo princípio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
V – O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado.”.

Por conseguinte, instaurada a execução fiscal, sem que se prove ter sido efectuada a notificação da liquidação, como sucede no caso dos autos, o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, atenta a ineficácia do acto que impede que o mesmo produza efeitos em relação a ele (art. 36.º, nº 1, do CPPT) e, por isso, a falta da notificação da liquidação, obsta a que a dívida possa ser exigida.

Em suma, o recurso merece provimento no que diz respeito à não prescrição da dívida exequenda, e conhecendo em substituição, a oposição deve ser julgada procedente com fundamento na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, ficando prejudicada a decisão dos demais fundamentos invocados na p.i., nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC.


3. Sumário

I. Não constitui omissão de pronúncia o não constar da matéria de factos todos os factos relevantes para a decisão da causa, pois não se trata de “questão” para efeitos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e art. 608.º do CPC;

II. Atento ao disposto no art. 297.º do Código Civil há que averiguar se à data em que entrou em vigor a LGT (lei que encurtou o prazo de prescrição), faltava menos tempo para o prazo de prescrição se completar à luz da lei antiga (CPT), porque só se tal se verificar é que se aplicará o prazo do CPT;
III. A oposição à execução fiscal, desde que a dívida exequenda esteja garantida ou haja dispensa de prestação de garantia, determina a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro);
IV. Nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT;
V. O “print informático” da base de dados da DGCI não prova nem a remessa da liquidação para o domicílio do contribuinte, nem o seu recebimento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida, e ao conhecer em substituição, julgar procedente a Oposição.

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Sem custas.
D.n.
Porto, 16 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos