Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00114/17.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Coutinho
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA.
Sumário:I - Existindo decisão judicial transitada em julgado, de cuja execução emergia para a Administração a obrigação de recolocar os representados do Autor na situação em que se encontrariam caso não tivessem sido destinatários de uma decisão administrativa inválida, o pagamento dos juros de mora sobre as diferenças remuneratórias abonadas constitui um ato de execução do acórdão anulatório necessário à reconstituição da situação actual hipotética em que se encontrariam os administrados se o ato anulado não tivesse sido praticado pela Administração.

II. Para a concretização da pretensão do Recorrente o meio processual de que o mesmo devia ter lançado mão era o processo de execução de sentença e não a ação administrativa comum.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.A.S.C.
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

A.A.S.C. intentou contra o Ministério da Educação e Ciência acção administrativa, tendo peticionado fosse reconhecido o direito do A. aos juros de mora devidos pelo atraso nos vencimentos pagos de acordo com a correcta contagem do tempo de serviço do A., mediante a condenação do R. no pagamento da quantia de 4.528,50 €, a título de juros pelas diferenças salariais pagas em 10 de Janeiro de 2012.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi julgada procedente a excepção decorrente do uso impróprio da acção administrativa, tendo o R. sido absolvido da instância.

Inconformada com o decidido, o A. recorreu para este TCA, tendo formulado as seguintes conclusões:

“ A) O Recorrente é licenciado em Ciências Históricas pela Universidade Portucalense; Mestre em História Medieval pela FLUP e pós-graduado em Ciências Documentais – Ramo Biblioteca e Documentação.
B) O Recorrente leccionou no ensino superior entre 1990 e 2004.
C) Por sentença proferida no processo 2018/07.3BEPRT, confirmada por Acórdão do TCA Norte, viu-lhe ser reconhecido o tempo de serviço prestado nesses anos para efeitos da sua progressão na carreira docente no ensino não superior.
D) Por força dessa determinação judicial, o Ministério da Educação determinou que fosse refeita a evolução salarial do recorrente, posicionando-o sucessivamente nos escalões e níveis que o A. teria direito se tivesse havido respeito pelo seu tempo de serviço prestado no ensino superior.
E) Consequentemente, o ME pagou ao recorrente as diferenças salariais referentes à reconstituição da sua carreira, sem que no entanto tenha procedido ao pagamento de quaisquer juros.
F) Nesta sequência, o Recorrente interpôs a presente acção para obter a condenação do Ministério da Educação ao pagamento daqueles juros.
G) No âmbito desta acção, o Tribunal a quo absolveu o Réu da instância por considerar que o Recorrente fez um uso impróprio da presente acção administrativa, concluindo que o Recorrente deveria ter dirimido o pagamento dos juros no âmbito da execução de sentença do processo 2018/07.3BEPRT, no qual foi reconhecido ao docente o direito à contagem do tempo de serviço prestado no ensino superior.
H) Esta sentença, agora colocada em crise, padece de nulidade, por total falta de fundamentação de direito (artigo 615º, nº 1, alínea b)), conforme supra alegado.
I) Com efeito, a sentença fixa os factos e retira uma conclusão de direito, sem fazer constar qualquer fundamentação de direito que permita perceber o porquê daquela conclusão.
J) Sem prescindir da invocada nulidade, o Recorrente não se pode conformar com a conclusão retirada.
L) Na verdade, no processo 2018/07.3BEPRT não foi peticionado o pagamento de quaisquer juros, pelo que a respectiva sentença não conheceu da obrigatoriedade ou não do pagamento de juros.
M) Consequentemente, tal sentença nunca valeria como título executivo para uma questão da qual não conheceu (nem podia conhecer por não ter sido peticionado).
N) Assim, o Autor lançou mão de uma acção administrativa, meio processual adequado à tutela jurisdicional efectiva do seu direito.
O) Não se verificando qualquer excepção de caso julgado em relação ao pagamento de juros, a existência do processo anterior não fez precludir qualquer direito de acção ao docente.
P) Conclui-se, por isso (e aqui dando por reproduzidas as alegações supra expendidas por razão de economia processual), pela utilização de meio processual adequado à tutela do direito legalmente protegido do Recorrente.
Q) Em suma, a decisão recorrida não contem qualquer fundamentação de direito, razão pela qual está ferida de nulidade.
R) Acresce a errada conclusão retirada, que não respeita o direito aplicável, pelo que a Sentença recorrida uma má aplicação do direito aos factos dados como provados.
S) Assim, em função do exposto, não assiste razão à decisão recorrida.

O recorrido não contra-alegou.

II – Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1) No âmbito do processo n.º 2018/07.3BEPRT (acção administrativa especial) que correu termos neste Tribunal e em que eram partes o ora A. e o ora R. foi este condenado a proceder à contagem, para efeitos de progressão na carreira docente, do lapso de tempo que o Autor leccionou durante o ano lectivo de 1990/1991 até Setembro de 2004 na Universidade Portucalense.
2) Tal acórdão transitou em julgado no dia 15 de Junho de 2011.
3) Em execução do acórdão referido em 1), o R. refez a evolução salarial do A. posicionando-se, sucessivamente, nos escalões e níveis que teria se tivesse havido o respeito pelo seu tempo de serviço prestado no Ensino Superior e pagou as verbas respeitantes às diferenças salariais devidas tendo em atenção o seu reposicionamento, não tendo procedido ao pagamento de quaisquer quantias a título de juros (confissão – art.º 6º da contestação)




III – Fundamentação jurídica

Sendo o objecto dos recursos limitado pelas conclusões das respectivas alegações, as questões que importa resolver consistem em determinar se a sentença recorrida padece da nulidade que lhe é imputada, bem como do erro de julgamento que sustentou o presente recurso.

Assacou o Recorrente à decisão recorrida, a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C., referindo que a mesma é absolutamente omissa quanto à fundamentação de direito, argumentação que este Tribunal não acolhe dado a sentença recorrida, depois de no segundo parágrafo da folha 3 fazer correctamente o enquadramento da questão, referir que o meio processual do qual o A. deveria ter lançado mão era a execução de sentença prevista nos artigos 173º e seguintes do CPTA, pelo que não padece a sentença recorrida da nulidade que lhe é assacada.

Importa agora indagar o invocado erro de julgamento, tendo presente que o ora Recorrente intentou a presente acção comum peticionando o pagamento de juros que não foram pagos pelo Recorrido, na sequência da sentença proferida pelo T.A.F. do Porto no âmbito do Proc. nº 2018/07.3BEPRT, no qual este último foi condenado a proceder à contagem, para efeitos de progressão na carreira docente, do lapso de tempo que o Recorrente leccionou durante o ano lectivo de 199/1991 até Setembro 2004 na Universidade Portucalense, tendo o Tribunal a quo concluído pelo uso impróprio da acção administrativa com a consequente absolvição do Recorrido da instância.

A questão central do presente recurso foi já objecto de tratamento em Acórdão proferido por este Tribunal no âmbito do Proc. 00848/13.6BEPRT, em 6 de Novembro de 2014 do qual se transcreve o seguinte passo:
(….)
“Resulta da petição inicial que aquilo que o Autor, ora Recorrente, pretendia obter, era uma decisão judicial que, reconhecendo o direito a juros moratórios, servisse de título executivo contra o Réu, relativamente aos montantes que reclama serem devidos aos seus representados a esse título.

Não pode, porém, ignorar-se, conforme resulta da matéria de facto apurada, que os representados do Autor, ora Recorrente, já tinham obtido decisão judicial- o acórdão de 23.09.2005- de cuja execução emergia para a Administração a obrigação de recolocar os seus representados na situação em que se encontrariam caso não tivessem sido destinatários de uma decisão administrativa inválida, o mesmo é dizer, que os mesmos já dispunham de título executivo contra o réu, ora Recorrido, que lhes permitia exigir o pagamento coercivo dos juros moratórios.

Com efeito, não oferece dúvida, como bem se afirma na decisão recorrida que constituindo o pagamento das diferenças remuneratórias uma consequência do reposicionamento, os juros deverão ser considerados como uma componente da quantia a pagar, na medida em que a Administração está obrigada a repor a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, devendo os juros ser pagos para compensar o prejuízo sofrido por força do pagamento tardio das diferenças remuneratórias.
E que, mesmo nos casos em que o particular não tenha cumulado o pedido de anulação, no processo impugnatório, com quaisquer daqueles que o n.º 2 do artigo 47.º refere, máxime, com o pedido de condenação à prática do ato devido em substituição do ato praticado ou o pedido de condenação da Administração à adopção dos actos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela não tenha cumprido com fundamento no acto impugnado, isso não obsta a que se accionem tais pretensões no âmbito do processo de execução da sentença de anulação – cfr. o disposto no artigo 47.º, n.º 3 do CPTA.

No dizer de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in “ A Justiça Administrativa” (Lições), 4.ª Edição, pág.359/360 “ A lei não obriga à cumulação dos pedidos de anulação de actos positivos com os de condenação à prática do ato devido ou ao restabelecimento da situação hipotética, determinando expressamente que a não cumulação não preclude a faculdade de as pretensões serem accionadas no âmbito do processo de execução da sentença de anulação (…)- naturalmente, na medida em que as providências pretendidas resultem da sentença anulatória e sejam estritamente necessárias para assegurar o cumprimento integral dos respectivos efeitos.

A respeito do cumprimento pela Administração activa das consequências decorrentes das sentenças anulatórias de actos administrativos, a doutrina utiliza um conceito amplo de execução, em que o dever de execução vai para além do âmbito da decisão jurisdicional e cujas fronteiras são traçadas pelo exercício da função administrativa.

Tendo em conta que a execução do julgado visa assegurar a tutela judicial efectiva e o respeito pela legalidade, através da reconstituição da situação hipotética que teria existido se a violação não se tivesse verificado, os actos e operações a ordenar em sede do processo de execução sempre seriam os que teriam sido ordenados na anterior acção administrativa especial, caso o autor tivesse cumulado o respectivo pedido.

Considerando o pedido formulado na petição inicial, e os factos em que o Autor, ora Recorrente, fundamenta essa sua pretensão, percebe-se claramente, reafirma-se, que aquilo que o mesmo pretendia com a acção instaurada era, ainda, obter a execução do acórdão proferido em 23/09/32005, ou, noutra formulação, obter a prática, por parte da Administração, de um ato de execução do acórdão anulatório necessário à reconstituição da situação actual hipotética em que se encontrariam os seus representados se o ato anulado não tivesse sido praticado pela Administração, uma vez que os juros reclamados, são os que incidem sobre as quantias que os mesmos receberam em consequência do reposicionamento remuneratório a que foram sujeitos por força do acórdão anulatório a que supra nos referimos.

Ademais, não é desconhecido deste tribunal o sentido da jurisprudência nacional que a este respeito vem sendo uniformemente proferida pelos tribunais superiores. Veja-se, entre outros, os acórdãos do TCAS, de 23.03.11, proc. 07016/10 e de 21.05.2001, proc. 02915/07, nos quais se entendeu que tendo a entidade demandada procedido ao pagamento das devidas diferenças remuneratórias, corrigindo, dessa forma, a falta de oportuno pagamento “(…) a reconstituição integral da situação hipotética actual implica também a correcção relativa ao tardio pagamento dessas diferenças remuneratórias, o que implica o pagamento de juros de mora, tal como (…) é permitido pelo art. 47.º, n.º 3 do CPTA”. “Em julgado anulatório que reconheça o direito ao funcionário a novo posicionamento em escalão e índices remuneratórios, a jurisprudência é unânime a considerar que a situação a reconstituir deve corrigir não só a falta desse pagamento, mas também a falta da sua tempestividade, fazendo-se a correcção dessa falta de oportunidade na satisfação dos abonos através do pagamento de juros moratórios calculados à taxa legal, sobre as prestações em atraso (abonos não processados, ou a diferença entre o processado e o devido conforme as circunstâncias), mesmo no caso de sobre elas a sentença anulatória se não pronunciar.”

Sendo assim, forçoso é concluir que para a concretização da pretensão do Recorrente o meio processual de que o mesmo devia ter lançado mão era o processo de execução de sentença e não a ação administrativa comum.”

O Tribunal adere, na íntegra, à fundamentação vertida no supra parcialmente transcrito Acórdão, pelo que considerando a pretensão do Recorrido, conforme se retira do pedido formulado, bem como da causa de pedir em que Recorrente fundamentou a sua pretensão, pela qual o mesmo almejava com a acção instaurada obter, ainda, a execução integral do acórdão proferido por este Tribunal nos autos de acção administrativa especial 2018/07.3BEPRT, não padece a sentença recorrida do imputado erro de julgamento, conclusão que não é afectada pela circunstância de a sentença proferida pelo T.A.F. do Porto, nos referidos autos, confirmada por este Tribunal, não fazer qualquer menção ao pagamento de juros, dado o âmbito da actividade reconstituída que se impõe fazer não ser total e inteiramente definido pela sentença declarativa Cfr. neste sentido Acórdão proferido pelo S.T.A. em 16 de Novembro de 2011, no âmbito do Proc. 035/10, pelo que a pretensão recursiva terá que improceder.


IV – Decisão

Assim, face ao exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 17 de Janeiro de 2020


Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão