Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00748/05.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:IRC; REGIME GERAL; REGIME SIMPLIFICADO; JUROS INDEMNIZATÓRIOS; CULPA DA ADMINISTRAÇÃO
Sumário:I. O regime simplificado era aplicável aos sujeitos passivos (de IRC) residentes que exercessem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrassem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentassem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (149 639,37 €) e que não optassem pelo regime geral de determinação do lucro tributável (cfr. nº1 do artigo 53º do CIRC).
II. No exercício do início da actividade, o enquadramento fazia-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da declaração de início de actividade (cfr. nº2 do artigo 53º do CIRC).
III. A opção pelo regime geral, a que se reportava o nº1 do citado preceito, deveria ser formalizada na declaração de início de actividade ou na declaração de alterações referida nos artigos 110º e 111º do CIRC, até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (cfr. nº 7 do artigo 53º do CIRC).
IV. Por sua vez, efectuada a opção pelo regime geral, a mesma era válida por um período de três exercícios, findo o qual caducava, excepto se o sujeito passivo manifestasse a intenção de a renovar através de uma declaração de alterações apresentada até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (nº 8 do artigo 53º do CIRC).
V. Não sendo exercida a opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime era aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos (cfr. nº 9 do artigo 53º).
VII. O regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade. Temos deste modo uma daquelas situações em que a lei atribui relevância à vontade do contribuinte e em que este pode optar pelo regime que considera mais favorável.
VIII. Padece de vício de violação de lei a actuação da Administração Tributária ao enquadrar o sujeito passivo no regime simplificado de determinação do lucro tributável de IRC respeitante ao exercício de 2003 (desconsiderando a opção efectuada pelo regime geral em 2002, ano do início da actividade) e ao liquidar o imposto em conformidade com tal regime.
IX. A isto não se opõe a circunstância de o sujeito passivo, para o exercício de 2003, ter entregue uma segunda declaração de rendimentos, assinalando o regime simplificado, quando tal apresentação (em correcção da declaração inicialmente entregue sob o regime geral) foi efectuada na sequência de instruções da Administração, nas quais foi expressamente assinalado o erro de enquadramento no regime geral e foi concedido ao sujeito passivo o prazo de 30 dias para corrigir a declaração, com menção das consequências legais da não apresentação, no referido prazo, da declaração corrigida, equiparando essa não correcção à falta de entrega da declaração.
X. Os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).
XI. São requisitos do direito aos juros indemnizatórios: que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; que esse erro seja imputável aos serviços; que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido; que o imposto se mostre pago.
XII. Se o erro que afecta a declaração ou a liquidação for derivado de instruções incorrectas da administração tributária, ele não poderá deixar de considerar-se imputável a esta, pois, naturalmente, o que a lei lhe impõe é a prestação de informações correctas e, ao não as prestar, haverá uma actuação da sua parte de incumprimento dos seus deveres, que apenas a ela pode ser imputado.
XIII. A imputabilidade do erro à Administração é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

M… Lda, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação de IRC nº 2004 2310362612 (a que corresponde a identificação do documento 2005 00000021515), relativo ao exercício de 2003, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

“A - O Tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de facto, quando deu como não provados os seguintes factos:

a) A Impugnante só apresentou nova declaração de rendimentos Mod. 22 referente a 2003 indicando o regime simplificado de tributação, por a tal ter sido induzida pela notificação da Administração Tributária, comunicando-lhe que na sua declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC exercício de 2003, submetida à Administração Fiscal via Internet, tinha sido detectado um erro, por ter sido assinalado regime geral e sujeito passivo enquadrado no regime simplificado;

b) Fazendo fé nas informações prestadas pela Administração Fiscal, a Impugnante prestou-se corrigir o suposto lapso da sua declaração, embora continuando a indicar os demais factos e valores relevantes, já incluídos na declaração recusada pela Administração Fiscal, com especial destaque para o total de proveitos do exercício; €186.980,32.

B - Impõe-se dar como provada essa matéria, tendo em conta os documentos n.ºs 1 a 5 da PI, bem como a demais documentação junta ao processo administrativo, que atestam a veracidade do alegado nos artigos 9.º a 13.º daquela peça processual.

C - Caso a matéria de facto venha a ser alterada no sentido propugnado pela Recorrente, tornar-se-á evidente que a errada indicação do regime simplificado, feita na segunda declaração referente a 2003, foi determinada exclusivamente pelo erro em que a AT a induziu, não podendo servir para esta agora se prevalecer desse erro.

D - De qualquer modo, mesmo que tal matéria não se dê como provada, nunca poderia a AT tributar a Recorrente sob o regime simplificado, em 2003, quando esta optara, em 2002, pela tributação ao abrigo do regime geral.

E - Por um lado, porque o volume de proveitos indicado ultrapassava o tecto imposto para a aplicação do regime simplificado, art.º 53º n.º 1 in fine do CIRC.

F - Por outro, porque a opção pelo RGDLT, formalizada nos termos da alínea a) do n.º 7 do art.º 53º do CIRC, era válida por um período de três exercícios, que ainda estava em curso.

G - É quanto bastava, durante esses 3 anos, para que o regime aplicável tivesse que ser o geral não o simplificado.

H - Que fique claro: qualquer um destes requisitos se basta por si, não sendo exigida qualquer cumulação entre eles ou quaisquer outros.

I - Por isso, o tribunal a quo engana-se redondamente quando afirma que atento o volume de negócios em causa efectivamente verificado, passou a integrar todas as condições para se enquadrar no regime simplificado, por força do vertido no n.º2 do artigo 53º do CIRC.

J - O entendimento subscrito pelo tribunal a quo ignora toda a jurisprudência existente na matéria, que há muito vem sublinhando que o regime simplificado de determinação do lucro tributável, previsto no artigo 53º do CIRC, tem carácter facultativo e não obrigatório - sob pena de violação da disposição constitucional de que “a tributação dos empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (nº 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa) - como declarou o STA por douto acórdão de 22.04.2009, Proc. n.º 01114/08, in www.dgsi.pt.

K - Por outras palavras, desse Tribunal Central Administrativo, aquela opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva, quer esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial, quer face ao volume de proveitos (inferior a 149.639,37) posteriormente declarado relativamente a esse exercício - ac. de 29.03.2012 (Proc. 66/08.5BEBRG) in www.dgsi.pt.

L - Interpretar em sentido diverso o artigo 53º do CIRC é manifestamente incompatível com regras e princípios constitucionais, como o princípio da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real (art. 104º da CRP).

M - De qualquer modo, não pode imputar-se à Recorrente a responsabilidade desse erro - como faz o tribunal recorrido - pois esse erro resultou de um erro cometido pela AT, que indevidamente a determinou a substituir a primeira declaração Mod. 22.

N - A sentença recorrida violou, pois, o artigo 53º do CIRC, aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 30 de Dezembro, bem como os princípios legais e constitucionais acima enunciados.

Pelo que tal decisão deve ser anulada e substituída por douto acórdão que altere a matéria de facto provada no sentido acima enunciado e que julgue procedente a impugnação, anulando a liquidação impugnada e condenando a Administração Tributária a restituir aos Impugnantes o imposto e juros já pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal. Assim se fazendo justiça”.


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Não foram produzidas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao mesmo.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, temos que a Recorrente pede a este Tribunal que aprecie e decida se:

(i) A sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, concretamente quanto aos factos não provados;

(ii) A sentença recorrida errou no julgamento de direito ao determinar a manutenção do acto tributário de liquidação de IRC do exercício de 2003 impugnado, operado de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

“1. A Impugnante, “M…, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, apresentou a declaração de início de actividade em 26/6/2002 (CAE 20101), e declarou no modelo oficial apresentado à data, um volume de negócios esperado de € 230.000,00, e a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável (nº 2 do art. 53º do CIRC) – contabilidade organizada, conforme documento de fls. 11/13 que se dá por reproduzido.

2. Na declaração de rendimentos apresentada, referente ao exercício de 2002, a impugnante declarou um total de proveitos de € 81.410,74, conforme documento de fls. 15/17 que se dá por reproduzido.

3. Na declaração relativa ao período 1/1/2003 a 31/1/2003, apresentada pela impugnante, está inscrito no campo 410 do modelo 22 de IRC, o montante de € 186.980,32 correspondente ao total dos proveitos do exercício, e no anexo B que ostenta bem visível “Regime Simplificado”, nos quadros 1 e 11, relativos à venda de mercadorias e produtos, está inscrito o montante de € 169.772,83, e no quadro 12, relativo ao lucro tributável, o montante de € 41.697,94, conforme documento de fls. 19/21 que se dá por reproduzido.

4. Dá-se por integralmente reproduzido o documento de fls. 18.

5. A Administração Tributária emitiu a liquidação nº 2005 00000021515, relativa a IRC, referente a 2003, no montante global de € 8.610,72, que admitia pagamento voluntário até 23/2/2005, conforme documento de fls. 22 que se dá por reproduzido.

6. A presente impugnação foi apresentada em 19/05/2005.

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, nomeadamente não se provou que a impugnante tivesse apresentado declaração de rendimentos relativa a 2003, com a menção “regime simplificado”, por ter sido induzida em erro pela Administração Tributária, uma vez que não foi apresentada qualquer prova relativamente a este facto, constando dos autos apenas um documento que dá conta de um erro na declaração apresentada.

A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil”.


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Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:

6 – Na declaração a que se reporta o nº1 supra, a Recorrente assinalou possuir contabilidade organizada, por exigência legal, informatizada e centralizada na sede, tendo aí identificado NIF do respectivo TOC (cfr. fls. 11 a 13 dos autos);

7 – Anteriormente à entrega da declaração de rendimentos do exercício de 2003, com enquadramento no regime simplificado (cfr. ponto 3 supra), foi entregue uma declaração desse exercício sob o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável (tal facto resulta evidente face ao teor do ofício emitido pela Administração Tributária, cujo teor foi dado por reproduzido no ponto 4 supra, de acordo com o qual foi comunicado ao sujeito passivo a verificação de um erro na Mod. 22 do ano de 2003 por incorrecto enquadramento no regime geral);

8 - O acto tributário de liquidação de IRC nº 2004 2310362612 (a que corresponde a identificação do documento 2005 00000021515), relativo ao exercício de 2003, no montante de € 8.610,72, foi pago em 23-02-05 (conforme vinheta aposta no documento junto a fls. 23 dos autos).


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2.2. De direito

Como oportunamente deixámos apontado, são duas as questões a apreciar por este Tribunal de recurso.

Desde logo, defende a Recorrente que a sentença errou no julgamento da matéria de facto, em concreto no que respeita aos factos não provados.

Importa relembrar o que, a este propósito, se deixou consignado na decisão recorrida. Assim:

“Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, nomeadamente não se provou que a impugnante tivesse apresentado declaração de rendimentos relativa a 2003, com a menção “regime simplificado”, por ter sido induzida em erro pela Administração Tributária, uma vez que não foi apresentada qualquer prova relativamente a este facto, constando dos autos apenas um documento que dá conta de um erro na declaração apresentada (o sublinhado é nosso).

A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil”.

Em primeiro lugar, pretende a Recorrente que se considere, ao invés, nos factos provados, que a Impugnante só apresentou nova declaração de rendimentos Mod. 22 referente a 2003 indicando o regime simplificado de tributação, por a tal ter sido induzida pela notificação da Administração Tributária, comunicando-lhe que na sua declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC exercício de 2003, submetida à Administração Fiscal via Internet, tinha sido detectado um erro, por ter sido assinalado regime geral e sujeito passivo enquadrado no regime simplificado.

Se bem interpretamos o pretendido pela Recorrente, em confronto com aquilo que foi dado como não provado, o que leva à discordância daquela relativamente ao decidido passa unicamente por saber se se demonstrou que a Recorrente entregou uma segunda declaração de IRC de 2003, assinalando o enquadramento do regime simplificado, por a tal ter sido (erradamente) induzida pela Administração Tributária.

O Mmo. Juiz a quo entende que tal não está demonstrado, porquanto não foi apresentada qualquer prova relativamente a este facto, constando dos autos apenas um documento que dá conta de um erro na declaração apresentada. Por seu turno, a Recorrente entende que os documentos nºs 1 a 5 juntos com a p.i demonstram que a sua actuação (entrega de segunda declaração) está directamente relacionada com a comunicação que lhe foi feita pela Administração.

E na verdade, em parte, tem razão a Recorrente.

É que, quando o Mmo. Juiz refere que apenas consta dos autos um documento que dá conta de um erro na declaração apresentada – documento esse cujo teor foi dado por reproduzido no ponto 4 dos factos provados, cujo conteúdo adiante iremos necessariamente recuperarparece não tomar em consideração que esse tal documento, além de assinalar um erro no regime de determinação do lucro tributável, concedia um prazo de 30 dias para a Recorrente apresentar nova declaração de rendimentos, corrigindo a anteriormente apresentada, desta vez com enquadramento no regime simplificado (e não no regime geral conforme efectuado), sob pena de a declaração de rendimentos do exercício ser considerada como não entregue.

Portanto, não há dúvidas que à Recorrente foram transmitidas instruções concretas para actuar de uma certa forma.

Sucede, porém, que a sucessão das ocorrências no procedimento de liquidação de 2003 constam já, naquilo que é necessário, nos factos provados, na medida em que daí se retira que foi inicialmente entregue uma declaração de rendimentos de 2003 sob o enquadramento no regime geral, que foi comunicada à Recorrente a existência de um erro no enquadramento assinalado, com a fixação de um prazo para o corrigir e que, nessa sequência, foi entregue uma nova declaração de 2003 em conformidade com essas instruções administrativas, ou seja, com enquadramento no regime simplificado.

E isto é quanto basta para perceber, em que circunstâncias a segunda declaração foi entregue e, para a partir daí, se poderem retirar as necessárias conclusões. O essencial, e isso está demonstrado, é que entre a declaração primeiramente entregue e a segunda já corrigida, se interpôs uma comunicação da Administração com instruções concretas sob a forma de apresentar a declaração de 2003.

Quanto ao mais, saber se, afinal, essa comunicação foi errada e se, por a acatar, foi a Recorrente induzida nesse mesmo erro, é um juízo conclusivo que o Tribunal há-de retirar da factualidade assente, a qual, de resto, se afigura manifestamente suficiente para esse efeito, após o aditamento oficioso por nós efectuado.

Portanto, em suma, não pode manter-se o facto não provado, tal como ficou fixado pelo Mmo. Juiz, por encerrar um juízo conclusivo a retirar da decisão da matéria de facto, da mesma forma que, e pelas mesmas razões, não deve tal facto, nos termos propostos pela Recorrente, ser integrado nos factos provados.

Já quanto ao segundo ponto que, a este propósito, a Recorrente pretendia ver apreciado, ou seja, incluído nos factos provados – Fazendo fé nas informações prestadas pela Administração Fiscal, a Impugnante prestou-se corrigir o suposto lapso da sua declaração, embora continuando a indicar os demais factos e valores relevantes, já incluídos na declaração recusada pela Administração Fiscal, com especial destaque para o total de proveitos do exercício; €186.980,32 - dir-se-á o que se segue.

Desde logo, o facto assim referido, não consta do elenco dos factos não provados. Com efeito, o único facto expressamente dado como não provado na sentença recorrida já o analisámos.

Portanto, há que interpretar que o Mmo. Juiz ao referir que “nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito”, nem reconduziu o apontado facto a não provado, nem tal expressão tabelar significa que se provou o seu contrário.

Ora, que a Impugnante, aqui Recorrente, procedeu à correcção do suposto lapso da sua declaração e que na declaração corrigida fez constar €186.980,32 a título de proveitos do exercício, já decorre da matéria de facto julgada provada (cfr. pontos 3, 4 e 7). Quanto ao restante segmento da factualidade que se pretende ver incluída nos factos provados – que os €186.980,32 de proveitos já constavam da declaração inicial é patente que a mesma é absolutamente irrelevante, na economia dos autos, para a decisão da causa.

Como é sabido, no que respeita à matéria de facto, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre todos os factos alegados, tendo apenas o dever de, nos termos do disposto nos artigos 508º-A, nº1, alínea e), 511º e 659º do CPC, seleccionar os que interessam para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

E assim sendo, fica claro que demonstrar que os €186.980,32 de proveitos já constavam da declaração inicial é absolutamente indiferente para a decisão da causa – saber se a liquidação de IRC de 2003 efectuada com base no enquadramento no regime simplificado é, ou não, legal.

Assim, e em conclusão, só parcialmente, como explicitado, é de atender à pretensão da Recorrente, pelo que se determina a eliminação do facto dado como não provado na sentença recorrida.


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Estabilizada a matéria de facto, nos termos vistos, importa relembrar, no essencial, a posição da Recorrente.

Em síntese, defende a Recorrente que tendo, na declaração de início de actividade, apresentada em 26/06/02, estimado um valor de proveitos equivalente a € 230.000,00 (para o período compreendido entre 26/06/02 e 31/12/02) e tendo procedido, nessa mesma declaração, à opção pelo regime geral de tributação, tal opção há-de ser válida por três exercícios. Assim sendo, não podia, no exercício de 2003, a Administração Tributária, atenta a opção efectuada pelo regime geral, enquadrar a Recorrente no regime simplificado de tributação e liquidar IRC em conformidade com tal regime.

A isto não se opõe, sustenta a Recorrente, a circunstância de ter sido ela própria, em 2004, a entregar uma declaração de rendimentos de 2003 assinalando, como regime de tributação dos rendimentos, o regime simplificado. E isto é assim porque, como esclarece a Recorrente, após ter entregue a declaração Mod. 22 de 2003, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável (em coerência com a opção inicial tomada), foi notificada pela Administração Tributária através de ofício que lhe comunicava a existência de erro na declaração apresentada, concretamente o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável, mais estipulando um prazo de 30 dias para proceder à correcção do erro detectado, sob pena de a mesma ser considerada como não entregue, com as legais consequência daí decorrentes.

Por conseguinte, e é esta a tese da Recorrente que o Tribunal não acolheu, foi, por tal ofício, induzida pela própria Administração a apresentar uma declaração de rendimentos integrada num regime (o simplificado) que não correspondia à sua opção inicialmente manifestada. Assim sendo, sustenta a Recorrente, tal não pode deixar de implicar a ilegalidade da liquidação impugnada, por violação do artigo 53º do CIRC, com a consequente anulação de tal acto tributário.

Vejamos então, não sem antes deixar nota de que na sentença recorrida se deixou dito, sem que tal tenha sido posto em causa, o seguinte:

“Prescreve o artigo 131º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.”.

A liquidação impugnada nos presentes autos resultou da apresentação pela impugnante do modelo 22 de IRC, pelo que em abstracto suscita-se a aplicabilidade da norma acima transcrita.

Todavia, a questão suscitada pela impugnante prende-se essencialmente com o seu enquadramento no regime simplificado, que, salvo melhor opinião, não depende de prévia apresentação de reclamação graciosa.

Assim sendo, vai conhecer-se do mérito da presente impugnação”.

Feito este esclarecimento, e com vista à apreciação da questão que vem colocada ao Tribunal, importa traçar em linhas gerais o Regime simplificado de determinação do lucro tributável, em sede de IRC, tendo presente o disposto no artigo 53º do CIRC, em vigor no exercício a que se reporta a liquidação objecto da sentença recorrida – 2003 O regime simplificado, em sede de IRC, foi entretanto revogado pelo artigo 92º, da Lei nº 3-B/2010, de 28/04 (O.E de 2010)..

Nos termos do artigo 53º do CIRC, era permitido aos sujeitos passivos optar pelo apuramento do lucro tributável de acordo com as regras definidas para o regime simplificado de tributação, regime este incluído na determinação do lucro tributável por métodos indirectos.

Tal regime era aplicável aos sujeitos passivos (de IRC) residentes que exercessem, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrassem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentassem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30 000 000$00 (149 639,37 €) e que não optassem pelo regime geral de determinação do lucro tributável (cfr. nº1 do artigo 53º do CIRC).

No exercício do início da actividade, o enquadramento fazia-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da declaração de início de actividade (cfr. nº2 do artigo 53º do CIRC).

A opção pelo regime geral, a que se reportava o nº1 do preceito, deveria ser formalizada na declaração de início de actividade ou na declaração de alterações referida nos artigos 110º e 111º do CIRC, até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (cfr. nº 7 do artigo 53º do CIRC).

Por sua vez, efectuada a opção pelo regime geral, a mesma era válida por um período de três exercícios, findo o qual caducava, excepto se o sujeito passivo manifestasse a intenção de a renovar através de uma declaração de alterações apresentada até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (nº 8 do artigo 53º do CIRC).

Não sendo exercida a opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime era aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos (cfr. nº 9 do artigo 53º).

Caso o sujeito passivo não pretendesse ver prorrogada a aplicação do regime simplificado, deveria comunicar a opção de transitar para o regime geral, mediante declaração de alterações, no prazo antes mencionado.

Ora, retomando o caso dos autos, temos que, no ano do início da actividade, 2002, o Recorrente, tendo estimado um valor de proveitos de € 230.000,00 (para o período compreendido entre 26/06/02 e 31/12/02), fez a opção expressa pela tributação ao abrigo do regime geral, tendo inclusivamente assinalado possuir contabilidade organizada, informatizada e centralizada na sede e identificou o TOC. Neste exercício de 2002, a Recorrente ficou, pois, enquadrada no regime geral.

Sucede, porém, que, após ter entregue a Declaração Mod. 22 do IRC do exercício de 2003, enquadrada na regime geral de determinação do lucro tributável, a ora Recorrente foi notificada do ofício a que alude o ponto 4 dos factos provados, cujo teor foi aí dado por reproduzido, e que, para a decisão da causa, se torna imperioso aqui recuperar. Assim, é o seguinte o teor do referido ofício, emitido pelos Serviços do Imposto sobre o Rendimento, da Direcção-Geral dos Impostos:

Assunto: Erros centrais na declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC do exercício de 2003

Na sua declaração mod. 22 de IRC, submetida à Administração Fiscal via internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central:

D68 ASSINALADO REC. GERAL E SUJ. PASSIVO ENQUADRADO NO REG. SIMPLIFICADO

Assim, queira V. Exa. proceder à sua correcção, para o que deverá entrar de novo no site da DGCI, na opção de “Entrega de Declarações Via Internet”, dispondo para o efeito de um prazo de 30 dias, contado a partir da data de emissão do presente documento.

Decorrido este prazo sem que tenha sido efectuada a sua correcção, considera-se a declaração como não entregue, com todas as consequências legais, conforme o disposto no art. 5º da Portaria nº 1214/2001, de 23 de Outubro.

Para resolução do erro da sua declaração, caso necessite, poderá contactar a Direcção de Finanças da área da sede.

(…)”

Foi, portanto, refere a Recorrente, na sequência e por causa desta concreta indicação dada pelos competentes serviços administrativos que procedeu à entrega de nova declaração de rendimentos para o exercício de 2003, desta feita assinalando o seu enquadramento no regime simplificado. Em consequência, foi emitido o acto tributário de liquidação de IRC impugnado, cujo montante de imposto apurado foi de € 8.619.72.

É relativamente a esta liquidação, resultante de um enquadramento no regime simplificado (não querido pelo sujeito passivo e traduzido na desconsideração da opção efectuada na declaração de início de actividade), que a Recorrente não se conforma, nem tão-pouco com o entendimento manifestado pelo Tribunal de 1ª instância que, como se sabe, manteve o acto sindicado, por o considerar legal.

Na contestação apresentada, a Fazenda Pública sustentou, em defesa da legalidade do acto, que, no caso, o sujeito passivo “querendo optar pelo regime geral de determinação do lucro tributável (…) deveria tê-lo feito no termos da alínea b), do nº7, do artigo 53º do CIRC, através da entrega de declaração de alterações até ao fim do mês de Março de 2003, o que não se verificou, sendo considerados legalmente irrelevantes os fundamentos invocados pelo sujeito passivo”.

Esta actuação da Administração Tributária, e a contestação apresentada pela Fazenda Pública, corresponde a uma interpretação da lei que não é aceitável, carecendo do mínimo de apoio legal, tendo, aliás, sido repudiada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores em muitas situações semelhantes às dos presentes autos.

Com efeito, contrariamente ao que a Administração Tributária entendeu aqui, como em inúmeros outros casos idênticos a este, a opção feita pela Recorrente – opção pelo regime geral de tributação, formulada na declaração de início de actividade - é válida por um período de três exercícios, findo o qual caduca, excepto se o sujeito passivo manifestar a intenção de a renovar pela forma prevista na alínea b) do nº 7, do artigo 53º do CIRC – cfr. seu nº 8.

Nesta linha de entendimento, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 21/05/2008, no Processo nº 010/08, 18/06/2008, no Processo 0205/08, de 26/11/2008, no Processo 0733/08, de 10/12/2008, no Processo 0874/08, de 14/07/10, no Processo 0268/10 e de 07/12/10, no Processo 0808/10. Ainda sufragando a mesma jurisprudência, os acórdãos do TCA Norte proferidos em 03/07/2008, no Processo nº 00095/05.0BEBRG, em 08/01/09 no Processo 00333/06.2 BEBRG e em 15/01/09, no Processo 01363/06.0 BEBRG.

Como se escreveu no acórdão do STA, proferido no Processo nº 0205/08, acima melhor identificado:

«No exercício do início da actividade, o enquadramento faz-se em conformidade com o volume de proveitos estimados para um ano de actividade.

O regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro, previsto nos artigos 17.º a 46.º do Código do IRC.

A opção pelo regime geral deve ser formalizada: na declaração de início de actividade; ou na declaração de alterações referida nos artigos 110.º e 111.º do Código do IRC, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime – cf. a alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC.

Uma vez efectuada a opção pelo regime geral, a mesma é válida por um período de 3 exercícios, findo o qual caduca, excepto se for renovada através de uma declaração de alterações no prazo referido – cf. o n.º 8 do artigo 53.º do Código do IRC.

Não sendo exercida a opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime é aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos. Caso o sujeito passivo não pretenda ver prorrogada a aplicação do regime simplificado, deverá comunicar a opção de transitar para o regime geral, mediante declaração de alterações, no prazo mencionado.

O regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade. Temos deste modo uma daquelas situações em que a lei atribui relevância à vontade do contribuinte e em que este pode optar pelo regime que considera mais favorável – cf. Saldanha Sanches, Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001.

No regime simplificado o contribuinte será tributado com base num lucro normal – que será o resultante da aplicação de indicadores de base técnica definidos para os diferentes sectores da actividade económica – cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, p. 551.

A tributação segundo o regime simplificado é facultativa, sendo colocada na disponibilidade do sujeito passivo a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º do Código do IRC. A opção feita na declaração de início de actividade pela aplicação do regime geral releva para os três exercícios seguintes (n.º 7 do referido artigo 53.º), ainda que esse regime já resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial – cf. o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008, proferido no recurso n.º 10/08.»

Como também se escreveu no acórdão do STA acima identificado, proferido no Processo nº 0733/08:

«Ressalta deste enquadramento normativo que a natureza facultativa da tributação segundo o regime simplificado (que se traduz em o rendimento que serve de base à tributação ser determinado através da aplicação de indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes sectores da actividade económicas, ou, na sua falta, através da aplicação de determinados coeficientes ao valor das mercadorias e de produtos e restantes proveitos, com um determinado montante mínimo) se define como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, dessa forma preservando a respectiva conformidade constitucional em face do disposto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP que preceitua que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Definindo-se como uma garantia que é conferida ao sujeito passivo de poder ser tributado pelo rendimento real, sendo certo que o regime simplificado não constitui o regime regra consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, acompanha-se a sentença recorrida quando entende que não se vê razão para não ser atendida a opção pelo regime geral de tributação expressa pela recorrente (2. do probatório), tanto mais que assinalou na mesma declaração de início de actividade possuir contabilidade organizada (4. do probatório).

Nestas circunstâncias, muito embora o regime geral logo resultasse obrigatório em face do volume total anual de proveitos estimado na declaração inicial para o ano de 2002, a intenção manifestada pelo ora recorrido de opção por esse regime não poderia deixar de relevar para o caso de, como veio a acontecer, o valor declarado para esse ano (€16.945,76 - 6. do probatório) determinar a aplicação, em princípio, do regime simplificado a partir do exercício de 2003.

Relevando, como releva, essa opção inicial pelo regime geral de determinação do lucro tributável em IRC à luz da alínea a) do n.º 7 do artigo 53.º do CIRC, opção essa válida para os três exercícios seguintes (n. 8 do mesmo artigo), ao invés do que defende a recorrente Fazenda Nacional, a concretização da opção em causa não estava dependente de nova declaração até ao fim do mês de Março de 2003, nos termos da alínea b) do citado n.º 7 (neste mesmo sentido, vide acórdãos de 21/05/08 e 18/06/08, nos recursos n.ºs 10/08 e 205/08).»

Ora, no caso sub judice, e conforme resulta do probatório, a Recorrente apresentou a declaração de início de actividade em 26/06/02, onde inscreveu um total de proveitos estimados de € 230.000,00, em 2002 (a partir de 26/06/02, ou seja, para cerca de seis meses do ano), tendo assinalado a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável.

Perante este comportamento declarativo, em que clara e expressamente se opta pelo regime geral de determinação do lucro tributável, não se pode deixar de considerar como válida e relevante essa escolha quanto ao exercício aqui em causa, 2003, pois que, como se viu, uma vez efectuada a opção pelo regime geral a mesma é válida por um período de três exercícios, e o regime simplificado só é aplicável quando os sujeitos passivos não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro.

Assim, tem de se concluir que foi ilegal a actuação da Administração Tributária ao enquadrar o sujeito passivo no regime simplificado de determinação do lucro tributável de IRC respeitante ao exercício de 2003 (desconsiderando a opção efectuada pelo regime geral) e ao liquidar o imposto em conformidade com tal regime.

Portanto, não temos dúvidas em afirmar que, no caso concreto, este enquadramento e a consequente liquidação são ilegais.

É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que a liquidação sindicada foi emitida, como enfatizou o Mmo. Juiz a quo, na sequência da entrega da declaração a que alude o ponto 3 do probatório, ou seja, uma declaração apresentada pela ora Recorrente, em que a mesma assinalou, para 2003, o enquadramento no regime simplificado.

Contudo, não é menos verdade, e convém não esquecer, que tal declaração foi já uma correcção (por indicação da Administração) à declaração inicialmente entregue para esse exercício, na qual o sujeito passivo havia assinalado o seu enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável (cfr. ponto 7 da matéria de facto). Por outro lado, também corresponde à realidade dos factos, que na declaração inicial de actividade, dando cumprimento às normas assinaladas no já citado artigo 53º do CIRC, o sujeito passivo claramente optou pelo regime geral de determinação do lucro tributável, opção essa que se mostrava válida, nos termos expostos, por três exercícios.

Por assim ser, este Tribunal não pode acompanhar a sentença recorrida quando, a este propósito, refere que:

“(…)

Porém, “in casu” a liquidação impugnada resultou do preenchimento pela impugnante do modelo 22, referente ao período 1/1/2003 a 31/1/2003, e apresentação do anexo B, donde consta a menção “regime simplificado”, (…). A impugnante alegou ter sido induzida em erro, imputável à Administração Tributária, no que respeita à opção pelo regime simplificado. Contudo, não apresentou qualquer prova desse facto, pelo que as menções nessa declaração têm de se imputar unicamente à sua actuação. Na verdade, dos presentes autos consta apenas o documento constante de fls. 18 do qual resulta apenas que foi detectado um erro relativo ao regime de tributação, não podendo daí extrair-se a ocorrência do alegado erro.

De resto, ainda que tal se tivesse provado, a impugnante não estava obrigada a acatar a orientação da Administração Tributária, podendo manter na declaração de rendimentos a opção pelo regime geral, e, na hipótese de alteração oficiosa da declaração e subsequente tributação pelo regime simplificado não estava impedida de lançar mão de reclamação graciosa e posteriormente recorrer à via judicial.

Consequentemente, dada a presunção de veracidade dos dados inscritos nas declarações oficiais apresentadas pela impugnante, a Administração Tributária aceitou tal declaração como verdadeira, tendo-se limitado a liquidar o imposto em conformidade com as mesmas. Com efeito, a Administração Tributária limitou-se a corporizar a liquidação impugnada, em conformidade com as menções constantes da declaração oficial apresentada pela impugnante”.

É que, bem vistas as coisas, o Tribunal a quo, na consideração e análise da segunda declaração de IRC de 2003 entregue, põe o assento tónico na presunção de veracidade dos dados inscritos nas declarações oficiais apresentadas que, no caso, diz, a Administração se limitou a aceitar como verdadeira e a liquidar o correspondente imposto; contudo já não parece extrair as mesmas consequências nem da declaração de início de actividade apresentada pela ora Recorrente quando, aí, expressamente e sem margem para dúvidas, fez uma opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, nem da declaração de rendimentos Mod. 22 de 2003 inicialmente entregue e com enquadramento no regime geral.

E não há dúvida, é das regras da experiência, que perante um ofício do teor daquele que ficou transcrito (que, diga-se, tem subjacente uma interpretação da lei que era generalizadamente acolhida pela Administração e que veio sendo afastada pelos Tribunais), com menção das consequências legais da não apresentação, no prazo de 30 dias, da declaração corrigida (equiparando essa não correcção à falta de entrega da declaração) é das regras da experiência comum, dizíamos, que muitos contribuintes (enquanto declaratários normais, homens médios, colocados na concreta situação em análise) fossem induzidos, efectivamente, a fazer essa entrega, mesmo contra a sua vontade.

Não é despiciendo chamar aqui à colação as consequências que podem estar associadas à não entrega da declaração de rendimentos, tais como a responsabilidade contra-

-ordenacional, a dificuldade na obtenção de crédito bancário, obstáculos à candidatura a determinados programas, apoios ou subsídios, entre outras, o que do ponto de vista dos sujeitos passivos, concretamente das sociedades comerciais, pode traduzir-se em efeitos prejudicais assinaláveis.

Por outro lado, a presunção de boa-fé da actuação da Administração (e, naturalmente, dos contribuintes), a que alude o artigo 59º, nº2 da LGT, tem ínsita a ponderação de valores tão importantes como a confiança suscitada por uma determinada actuação na contraparte (cfr. artigo 6º-A do CPA), o que não pode deixar de ser tido em conta num caso com as particularidades daquele que estamos a tratar.

A não se entender assim, estaríamos a fazer impender, de forma absolutamente injustificada, sobre o contribuinte aquele que se afigura ter sido o seu único erro: ter acatado e dado cumprimento ao teor do ofício emanado pela Administração Tributária, que lhe concedeu o prazo de 30 dias para entregar nova declaração de rendimentos com enquadramento no regime simplificado, sob a cominação expressa de “decorrido este prazo sem que tenha sido efectuada a sua correcção, considera(r)-se a declaração como não entregue, com todas as consequências legais…”,

É que uma coisa não se pode escamotear. O erro inicial está a montante e foi praticado pela Administração Tributária ao desconsiderar a opção feita, em tempo e local oportuno, pelo contribuinte, no sentido de ser tributado pelo regime geral. Foi esse erro que esteve na origem da liquidação impugnada e que, nos termos expostos, já vimos que era ilegal, por violação do artigo 53º do CIRC.

Em suma, procedem, na parte que vínhamos analisando, as conclusões da alegação do recurso, devendo a sentença, que não decidiu em conformidade com o exposto, ser revogada e, em consequência, deve o acto tributário de liquidação sindicado ser anulado. Isto mesmo se determinará na parte dispositiva do presente acórdão.

Mas a apreciação do presente recurso não fica por aqui.

É que, logo em sede de p.i, a impugnante veio pedir (o que aqui reiterou), para além da anulação do acto impugnado, a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data de emissão da respectiva nota de crédito, o que fez ao abrigo do disposto nos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT

Vejamos, tendo presente que tal pedido não foi objecto de qualquer pronúncia por parte do Tribunal a quo, já que, obviamente, ficou prejudicado pela solução dada ao litígio, ou seja, na medida em que na sentença recorrida se determinou a manutenção do acto impugnado.

Porém, já vimos que assim não é, ou seja, que o acto é ilegal e que, como tal, não se pode manter na ordem jurídica.

Vejamos, agora sim, se o Recorrente tem direito aos peticionados juros.

Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).

Nos termos da lei, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

a) que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

Como decorre daquilo que vem dito, a liquidação de IRC impugnada foi efectuada com base num erro, entendendo-se como tal o erro nos pressupostos de facto e/ou o erro nos pressupostos de direito. Num caso como aquele que está em apreciação, o que se verificou foi o apuramento do IRC respeitante ao exercício de 2003 com base num regime de determinação do lucro tributável incorrectamente aplicado, por contrário à opção expressa do sujeito passivo (nos termos já atrás expostos e, como explicámos, com violação do artigo 53º do CIRC)

Há, pois, um erro no acto tributário de liquidação de IRC sindicado.

Importa ver se tal erro se pode dizer imputável à AT, o que equivale a outro dos requisitos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, sendo imputável à Administração a ilegalidade que não decorra de uma actuação do contribuinte.

Daquilo que ficou dito, percebe-se bem que, no nosso entendimento, não é o facto de o sujeito passivo ter entregue a declaração corrigida de 2003, que torna irrelevante a actuação (errada), a montante, da Administração Tributária. A declaração foi apresentada porque a Administração assim indicou ao sujeito passivo para o fazer, sob pena de considerar não entregue a declaração em causa.

Acrescente-se que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 43º da LGT, considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. Percebe-se bem o alcance da norma se tomarmos em devida consideração os deveres de informação que impendem sobre a Administração Tributária de informar os contribuintes sobre a interpretação das leis tributárias e sobre a forma de lhes dar cumprimento, nos termos previstos no artigo 59º, 3 da LGT, concretamente nas alíneas a), c) e f).

Aliás, como aponta J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, I Volume, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora, págs. 536 e 537), “à face destes deveres, não será só nos casos de actuação de acordo com actuações genéricas, mas também em todos os outros em que o sujeito passivo actue de acordo com instruções da Administração Tributária e de boa fé que deverá entender-se que o erro é imputável aos serviços. Na verdade, se o erro que afecta a declaração ou a liquidação for derivado de instruções incorrectas da administração tributária, ele não poderá deixar de considerar-se imputável a esta, pois, naturalmente, o que a lei lhe impõe é a prestação de informações correctas e, ao não as prestar, haverá uma actuação da sua parte de incumprimento dos seus deveres, que apenas a ela pode ser imputado.

(…)

Por isso, a exclusão das instruções não incluídas em orientações genéricas, não poderá ter a ver com o afastamento da imputabilidade do erro à administração tributária quando tiver prestado informações por outra via, mas será explicada pela evidencia da prova que a existência daquelas orientações proporciona.

(…)

Mas o que não poderá questionar-se, por força do preceituado no referido art. 22º da CRP, será o direito dos contribuintes a indemnização por actuações da administração tributária que os lesem e sejam levadas a cabo com violação dos deveres que a lei lhe impõe”.

Por outro lado, e ainda sobre a imputabilidade do erro à Administração, dúvidas não há que esta é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços.

Como refere o autor citado (pág. 539), e”esta culpa está, em regra, conexionada com a própria prática de uma liquidação ilegal e, por isso, ilícita (…). Quando uma determinada conduta constitui um facto que à face da lei é qualificável como ilegal, deverá fazer-se decorrer da constatação da ilegalidade a existência de culpa, por ser algo que em regra se liga ao próprio carácter ilícito do facto, só a sendo de afastar se se demonstrar que ela, no caso, não ocorre”.

Em suma, no caso em análise, a liquidação de imposto impugnada resultou de uma errada interpretação e aplicação da lei, concretamente do artigo 53º do CIRC, por banda da Administração Tributária, o que a levou a transmitir instruções erradas ao contribuinte acerca da correcção da sua declaração de rendimentos inicialmente entregue.

Está, pois, assente que o erro é, no caso, imputável aos serviços.

Segue-se outro requisito, a saber: que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial. Tal requisito é aqui evidente, em face daquilo que se determinará no presente acórdão e que já se deixou antedito, a saber: a revogação da sentença recorrida e a consequente anulação da liquidação impugnada.

Por último, decorre dos factos provados, que o imposto se mostra pago.

Trata-se, pois, de uma quantia indevidamente entregue ao Estado.

Assim, entende este Tribunal estarem preenchidos todos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento dos peticionados juros indemnizatórios.

Os juros em causa serão calculados sobre o montante de € 8.610,72, contados desde a data do pagamento indevido do imposto, 23-02-05, até à data do processamento da respectiva nota de crédito (artigo 61º, nº5 do CPPT), à taxa prevista para os juros compensatórios (cfr. nº4 do artigo 43º da LGT), aplicável por força do artigo 35º, nº10 da LGT e do artigo 559º do CC.


*

3 - CONCLUSÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em conceder provimento ao recurso interposto pela impugnante e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida;

- julgar procedente a impugnação;

- anular o acto de liquidação impugnado, por vício de violação de lei.

- reconhecer o direito da impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante de € 8.610,72, contados desde 23-02-05 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Custas pela FP, apenas em 1ª instância.

Porto, 15 de Fevereiro de 2013.

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves