Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00199/06.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO ART. 92º/6 DA LGT
Sumário:1. A exigência legal (art. 77 LGT) e constitucional (art. 268º/3 da Constituição) de fundamentação visa primacialmente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
2. Não está fundamentado o despacho do Exmo. Diretor do Finanças de Viseu.ao abrigo do art. 92º/6 da LGT não remete sequer para o conteúdo do relatório da Inspeção Tributária, e não permite descortinar qualquer conteúdo fundamentador quer quanto aos pressupostos de aplicação do método indireto quer em matéria de quantificação da matéria tributável. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

P…, Lda. melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2001, 2002 e 2003, dela interpôs recurso finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1. O arbitramento (peritagem) devia ter sido efetuado, por meio de prova necessário, dado que no caso, eram necessários conhecimentos especiais, Art.º 116º do CPPT e Art.º 388º e 389º do C. Civil.

2. – Os documentos anexos à Petição Inicial, deviam ter sido dados como provados, Art.º 371º do C. Civil, pois não foram negados.

3. – Existe vício de violação da lei, ao eliminar a presunção de verdade da escrita comercial e fiscal, Art.º 75º da LGT.

4. – O teste à MLB s/compras não tem iter cognitivo de que seja aderente à população, pois não tem ficha técnica, nem tem tolerância de erro amostral.

5. – A Autoridade Tributária apurou uma MLB s/compras, por amostragem e depois efetua uma extrapolação à população na base da MLB s/CEV, sem tolerância de erro, o que vicia as conclusões.

6. – Também em razão dos vícios descritos, a presunção de verdade da escrita comercial tem de manter-se, Art.º 75º da LGT.

7. – Não obstante, existe vício de fundamentação, ao extrapolar-se os rendimentos com base na dita MLB s/compras, na nova quantificação, Art.º 77º da LGT, pois o iter não está suficientemente fundamentado.

8. – Sem prescindir, que quanto à falta de fundamentação, na nova quantificação:

· Existe contradição entre o dito sobre a omissão de compras e a sua não integração para efeitos de quantificação;
· Existe falta de ficha técnica para se verificar se a Amostra é, ou não representativa da população, bem como a falta de integração do erro amostral e a transformação da MLB s/compras em MLB s/CEV;
· Também se desconhece porque da Amostra foram afastados, o feijão verde, os dióspiros, o abacaxi, etc.;
· Finalmente, a Autoridade Tributária não explica, nem o Tribunal se pronuncia, porque é que a recorrente tem de ter em 2001 outras contas bancárias, para além das três contas bancárias apresentadas e por isso se aplicou um critério diferente do relativo ao exercício económico de 2002 e 2003;

9. – Sem prescindir ainda, de que a falta de tolerância na Amostra e depois na transformação da MLB s/compras em MLB s/CEV, têm consequências na errónea quantificação e no manifesto excesso da capacidade contributiva, Art.º 100º do CPPT.

10. – Existe vício de caducidade do direito à liquidação, cf. Art.º 45º, n.º 5 (à época) da LGT, nas liquidações de IRC e Juros Compensatórios referentes aos exercícios de 2001 e 2002.

11. – Por outro lado, as dívidas tributárias de IRC e Juros Compensatórios de 2001 e 2002, estão prescritas, Art.º 48º e n.º 2 do Art.º 49º (à época), ambos da LGT.

Nestes termos;

Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se as liquidações de IRC e Juros Compensatórios, referentes aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, para que assim se faça JUSTIÇA.

Recurso do despacho de fls. 130 que rejeitou o pedido de realização de prova pericial concluindo o seguinte:
1. - O objecto da realização da prova pericial é pertinente e fundamental na apreciação do acto impugnado.
2. – A realização da prova pericial é o meio de prova na descoberta da verdade material.
3. – A prova pericial deve ser considerada nos autos, cfr. Art.º 388º e 389º do Código Civil.
4. - Foram assim violadas as normas constantes dos Artigos 108º, n.º 3 e 116ºº do CPPT.
5. - A rejeição da realização da prova pericial dificulta a recorrente de fazer prova nomeadamente sobre a errónea quantificação e excesso da capacidade contributiva.
6. – A recorrente, face à douta decisão proferida pelo Meretíssimo juiz a quo, fica coartada na sua posição processual em clara violação do princípio da igualdade das partes na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o Art.º 3º-A do CPC.
Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a realização da prova pericial oportunamente requerida pela recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se o MMº juiz errou ao (i) indeferir o pedido de prova pericial e se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito por não julgar provados os documentos anexos à petição inicial (ii) por não se ter determinado a caducidade do direito à liquidação, (iii) por não estarem reunidos os pressupostos para avaliação indireta, (iiii) e por não terem sido desconsiderados os testes quantitativos elaborados pela AT. Adicionalmente, saber se as dívidas relativas a 2001 e 2002 estão prescritas.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Impugnante P…, Lda., melhor identificada nos autos, em cumprimento da Ordem de Serviço nº01200400001, de 2004/10/07 foi objecto de uma acção inspectiva, “inicialmente de âmbito parcial em IRC e IVA, com código PNAIT 222.20, mas que, no decurso da acção inspectiva, se verificou a necessidade de alterar para geral tendo-se também procedido à ampliação do prazo para o procedimento de inspecção (n.° 3 do artigo 36.° do RCPIT), a qual foi notificada ao S.P. através de carta registada de 30-03-2005 (registo interno n.° 6876”), cfr. fls. 3 do Relatório de Inspecção constante de fls. 25 e segs. do Processo Administrativo, bem como fls. 157 e 162 destes autos, uns e outros aqui dado por reproduzido o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;

B) está cadastrada com a actividade de “Comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, excepto batata”, CAE 51311, NIPC 502 933 151, colectada no Serviço de Finanças de Lamego – 2542 e, em termos de IVA, o S.P. encontra-se registada no regime normal com periodicidade mensal, idem anterior;

C) No já aludido relatório de Inspecção, na “DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL” consignou-se o seguinte:
III — 1. Aquisições Intracomunitárias
Do confronto entre as declarações periódicas do IVA, de cada período, remetidas pelo S.P. à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA), com os elementos constantes do sistema de intercâmbio de informação comunitária do IVA - VIES, verificaram-se divergências entre os elementos declarados pelos fornecedores comunitários e os declarados pelo S.P.

Verificadas as diferenças, sugerimos ao S.P., na pessoa de M…, que solicitasse aos fornecedores comunitários em que se detectaram divergências, extractos de conta corrente e os documentos suporte aos mesmos.
Na posse da quase totalidade dos documentos solicitados, concluímos que os valores que constam do sistema VIES correspondem efectivamente a aquisições intracomunitárias e reparações de viaturas. As aquisições de mercadoria não foram registadas na contabilidade da empresa. O S.P., na pessoa de M…, refere em auto de declarações (Anexo n.° II, com 1 fi.), que efectivamente respeitam a compras que por lapso não foram contabilizadas.
Verificou-se da análise dos documentos apresentados pelo S.P., que estão incluídos valores de reparações de viaturas de € 3.136,00, € 5.095,00 e € 2.172,00 nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, respectivamente, devidamente contabilizados pelo S.P. como conservação e reparação.
Falta de liquidação de IVA
O S.P. está sujeito a liquidar imposto (IVA) pelas aquisições intracomunitárias (1), conforme determina o art.° 28.° do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias (RITI), uma vez que se trata de um S.P. dos mencionados na alínea a) do n.° 1 do art.º 2.° também do RITI.
O imposto é devido à taxa prevista no art.º 18.° do CIVA por remissão do art.º 18.° do RITI.
Existe a falta de liquidação e entrega do imposto cujos montantes constam do quadro seguinte, pelo que se propõe que seja efectuada a respectiva correcção resultante do imposto que deveria ter sido liquidado, o qual será uniformemente distribuído por todos os períodos de imposto.


III. — 2. Perda do direito à redução de taxa
O S.P. utilizou, para cálculo do imposto a taxa reduzida de IRC de 25% nos exercícios de 2002 e 2003, a aplicar às entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias (n.° 1 do art.º 7.° da Lei n.° 17 1/99, de 18/09 — Incentivos fiscais à interioridade).
No entanto, pelo facto do S.P. não ter a sua situação tributária regularizada (dívidas fiscais de anos anteriores aos da presente inspecção), perde o direito à redução da taxa, nos exercícios de 2002 e 2003, conforme previsto na alínea b) do n.° 3 do art.º 7.° da Lei n.° 17 1/99 de 18/09.

Também a determinação da matéria tributável, nos exercícios em análise, com recurso a
métodos indirectos de avaliação, implica a perda dos mesmos benefícios fiscais nos exercícios de 2002 e 2003 conforme previsto na alínea a) do n.° 3 do art.º 7.° da Lei n.° 171/99 de 18/09, pelo que, o cálculo do imposto deverá ser efectuado através da aplicação da taxa do regime geral
”, vide fls. 3 a 6 do Relatório;

D) E, no que respeita ao MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS” foi indicado o seguinte:
IV. 1 - Compras (mercado intracomunitário)
Como foi referido no ponto 111.1 verificaram-se divergências entre o total das aquisições intracomunitárias declaradas pelos fornecedores comunitários e as que foram declaradas pelo S .P.
As divergências correspondem a aquisições intracomunitárias efectuadas e que não foram contabilizadas nem declaradas pelo S.P., as quais se resumem no quadro seguinte:
em euros)
Exercícios
200120022003
TOTAL
340.686,00248.264,00437.377,00

IV. 2 - Existências
Analisados os inventários de existências detectam-se as seguintes incorrecções:
• No exercício de 2001 foi contabilizado como existência inicial o valor de € 149.918,98, no qual está incluído o montante de € 47.398,86 de fruta “deitada fora” no ano 2000 e consequentemente regularizada em termos contabilísticos em 2000, pelo que as existências iniciais em 2001 deveriam ser € 102.520,12.

• Pela valorização das existências, conclui-se existirem omissões de compra. A título exemplificativo demonstramos seguidamente:
No inventário final de 2001 constam 23488 kgs de kiwi a € 0,91 e 8200 kgs a € 0,95. A última compra contabilizada de kiwi a € 0,91 foi em 14-05-01 (doc. ínt. 5008) e foram apenas 2880 kgs. Tendo sido € 0,91 o preço máximo em termos de aquisição de kiwi ao longo de todo o ano.

IV. 3 - Vendas
A contabilização das vendas têm como documento suporte apenas vendas a dinheiro, pelo que foram analisados estes documentos.
Da análise efectuada verificou-se que foram emitidas e contabilizadas várias vendas a dinheiro, com a menção “clientes diversos”.
Estes documentos contabilizados pelo S.P. com a menção “clientes diversos”, não contêm os elementos referidos no art.º 35º, n.° 5 al. a) do CIVA, ou seja, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto. Estes elementos deverão obrigatoriamente constar das facturas ou documentos equivalentes.
Os documentos contabilizados com a menção “clientes diversos” têm quase sempre as seguintes características:

•datas de final de mês,
•quantidades muito superiores às das restantes vendas a dinheiro;
• preços de venda unitários muito inferiores às das restantes vendas a dinheiro.
Questionado o S.P., na pessoa de M…, acerca das vendas a dinheiro com a menção “clientes diversos” referiu em auto de declarações (Anexo n.° II, com 1 fl.) que:

• resultam de vendas efectuadas sem que tenham sido emitidos quaisquer documentos de venda, aquando das mesmas;

• as quantidades e preços que delas constam, foram obtidos com base em registos, os quais não apresenta, dado que já os não tem em seu poder, por terem sido destruídos;
• os originais dos documentos que se encontram contabilizados (vendas a dinheiro — clientes diversos) nunca foram entregues a qualquer S.P., tendo sido destruídos.
Do analisado e referido pelo S.P. conclui-se:
• não foram emitidos documentos (facturas ou documentos equivalentes) por cada transmissão de bens, conforme é obrigatório de acordo com o art.º 28.°, n.° 1 al. b) do CIVA;
• desconhecer-se com base em que documentos foram obtidos os valores que constam das vendas a “clientes diversos”, pois não foram apresentados por alegadamente terem sido destruídos os documentos suporte dos valores apurados.

Assim, tudo indica que estas vendas a “clientes diversos” tiveram como único objectivo ajustar os valores contabilizados com base nos documentos que tinham sido emitidos e entregues aos clientes.

IV. 4 — Testes efectuados
Foram efectuados testes para verificar e controlar quantitativamente as compras e vendas contabilizadas, assim como para determinação das margens de lucro bruto.
Nos testes efectuados teve-se em consideração os seguintes factores:
• as compras totais contabilizadas em cada exercício e os documentos das aquisições intracomunitárias não contabilizadas fornecidas pelo S.P. (Anexo n.° III, com 25 fls);
• as vendas contabilizadas dos meses de Setembro a Dezembro de cada ano, dado que se tomava impraticável realizar o teste à totalidade das vendas de cada um dos exercícios (Anexo n.° IV, com 73 fls.);

Nota: Não foram consideradas as vendas com a menção “clientes diversos”, para a determinação das margens de lucro bruto s/ compras de mercadorias, pelos motivos já referidos no ponto IV.3
• as existências finais de cada exercício (Anexo n.° V, com 4 fls.);
• o tempo máximo de conservação de cada mercadoria (frutas e legumes), conforme auto de declarações (Anexo n.° II, com 1 fl.):
Morango ---15 dias
Abacaxi, Figo, Hortonique ---1 mês
Clementina, Clemenvilha, Diospiro, Laranja, Nectarina, Pessego, Tangerina --- 1,5 meses
Castanha --- 2 meses
Manga --- 2 meses
Uva --- 3 meses
Ameixa, Feijão Verde, Kiwi, Marmelo, Romã --- 2 meses
Melão, Meloa, pêra --- 2,5 meses
Maça --- 6 meses

IV.4.1-Testes quantitativos
Descreve-se seguidamente a análise efectuada, que incidiu sobre quase todos os tipos de mercadoria vendida:

Concluímos e demonstrámos através dos testes efectuados e acima descritos a existência de Omissões de compras e vendas cujos montantes exactos não é possível apurar.

IV.4.2 — Determinação das Margens de Lucro Bruto s/ Compras de Mercadorias
Através da análise das declarações apresentadas, pelo S.P., verificam-se as seguintes Margens de Lucro Bruto si Compras de Mercadorias (MLB’s):


(em euros)
20012002 2003
Existências iniciais de mercadorias.1149.918,98103.515,9969.855,75
Compras de mercadorias21.273.789,451.230.257,941.654.761,09
Regularização de existências320.229,97
Existências finais de mercadorias 4 103.515,99 69.855,75 48.476,40
Custo mercadorias vendidas (CMV) 51+2-3-4 5 1.299.962,47 1.263.918,18 1.676.140,44
Vendas de mercadorias 6 1.642.698,36 1.665.885,19 2.049.526,77
MLB 7=(6-5):5 7 26,37% 31,80% 22,28%

Após a correcção às existências iniciais de 2001, descrita no ponto IV.2, obtêm-se as seguintes MLB ‘s:
(em euros)
200120022003
Existências iniciais de mercadorias1149.918,98103.515,9969.855,75
Correcção às existências iniciais de mercadorias247.398,86
Existências iniciais de mercadorias corrigidas 3 102.520,12 103.515,99 69.855,75
Compras de mercadorias 4 1.273.789,45 1.30.257,94 1.654.761 09
Regularização de existências 520.229,97
Existências finais de mercadorias 6 103.515,99 69.855,75 48.476,40
Custo mercadorias vendidas (CMV) 7=3+4-5-6 7 1.252.563,61 1.263.918,18 1.676.140,44
Vendas de mercadorias 8 1.642.698,36 1.665.885,19 2.049.525,77
MLB 9=(8-7):7 9 31,15% 31,80% 22,28%


Após as correcções às aquisições intracomunitárias, referidas nos pontos 111.1 e IV.1, as MLB’s passam a ser de 3,10%, 10,16% e —3,03%, nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, respectivamente, conforme seguidamente se demonstra:
(em euros)

2001 2002 2003
Existências iniciais de mercadorias1149.918,98103.515,9969.855,75
Correcção às existências iniciais de mercadorias 247.398,86
Existências iniciais de mercadorias corrigidas3102.520,12 103.515,9969.855,75
Compras de mercadorias41.273.789,451.230.257,941.654.761,09
Aquisições intracomunitárias não contabilizadas 5 340.686,00 248.264,00 437.377,00
Regularização de existências 6 20.229,97
Existências finais de mercadorias 7 103.515,99 69.855,75 48.476,40
Custo mercadorias vendidas (CMV) 8=3+4+5-6-7 8 1.593.249,61 1.512.182,18 2.113.517,44
Vendas de mercadorias 9 1.642.698,36 1.665.885,19 2.049.526,77
MLB l0=(9-8):8 10 3,10% 10,16% -3,03%


A fim de compararmos as margens que resultam dos elementos contabilísticos, após as correcções ao inventário e às aquisições intracomunitárias, com as efectivamente praticadas pelo contribuinte realizaram-se testes.
Os testes efectuados tiveram em consideração os tempos máximos de permanência da mercadoria em armazém e foram comparados dentro do mesmo período, quantidades e valores das vendas com quantidades e valores das compras, conforme seguidamente se descreve:

Dos testes efectuados apuraram-se MLB ‘s de 32,89%. 26,39% e 27,32% nos exercícios de 2001, 2002 e 2003 respectivamente, conforme se pode verificar no anexo n.° VI com 1 fl.

IV. 5— Movimentos financeiros
Nos exercícios inspeccionados a empresa não movimentou contabilisticamente qualquer conta bancária.
Não obstante, na contabilidade existiam registos contabilísticos na conta caixa (pagamentos), cujo documento suporte fazia referência a cheques, das seguintes instituições bancárias:
• Montepio Geral - conta n.° 9…;
• Banco Espirito Santo - conta n.° 0…e
• Millennium bcp — conta n.° 4….

Não existindo os extractos bancários nem registos contabilísticos através das contas de
depósitos à ordem questionou-se a sócia gerente da empresa – M… -, relativamente às contas acima referidas, esta em auto de declarações (Anexo n.° II, com 1fl.) afirmou que:

• eram contas bancárias em nome de F… (sócio gerente da firma);
• todos os movimentos registados nestas contas resultam da actividade normal da empresa (vendas de mercadoria), dado que, nenhum dos dois sócios exerce qualquer outra actividade, nem tem qualquer outro rendimento e a empresa não possui conta em qualquer instituição bancária, nos exercícios fiscalizados.

Em Janeiro de 2005 foram solicitados, ao S.P., os extractos bancários das referidas contas, relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, o qual se prontificou de imediato a obtê-los.
Em Março de 2005 foram-nos entregues os extractos do Montepio Geral e do Banco Espírito Santo.
Segundo o S.P., o pedido de extractos ao Millenium bcp, foi-lhe cancelado, por falta de provisionamento da conta. No entanto, o S.P. emitiu-nos uma declaração a autorizar o acesso a toda a informação bancária da referida conta.
Através de notificação (oficio n.° 5757 de 04-03-2005) à qual se juntou cópia da referida autorização, solicitou-se à instituição bancária “Millenium bcp”, os extractos bancários supra mencionados.
Em 21 de Março de 2005 o termo do exame à escrita do sujeito passivo dependia de elementos externos de outras entidades (Millenium bcp).

Na posse de todos os extractos bancários solicitados (Anexo n.° VII, com 148 fis.), efectuou-se o seu tratamento, apurando-se os totais dos movimentos a crédito (foram retirados todos os movimentos que pudessem implicar duplicação de valores, juros, empréstimos) (Anexo n.° VIII, com 21 fls.). Estes elementos foram confrontados com as vendas declaradas (IVA incluído) em cada um dos exercícios (Anexo n.° IX, com 1 fl.), que se sintetiza no quadro seguinte:

(em euros)
Exercícios200120022003
Total de movimentos a crédito considerados1.576.593,383.711.391,363.657.172,27 a)*
Vendas declaradas c/IVA incluído1.724.833,281.749.179,452.152.003,11
Diferença-148.239,901.962.211,911.505.169,16

a)* Ano de 2003
Total dos movimentos a crédito considerados (Janeiro a Outubro) + Vendas declaradas c/IVA incluído (Novembro e Dezembro)
3.366.985,64— 32.351,00 —44.538,30 + 219.160,82 + 147.915,11

No exercício de 2001 verifica-se que o total dos movimentos a crédito considerados é inferior ao total das vendas. No entanto, nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Outubro o total dos movimentos a crédito considerados é superior ao total das vendas declaradas.
Nos exercícios de 2002 e 2003 verifica-se que o total dos movimentos a crédito considerados em qualquer dos anos é superior ao total das vendas a dinheiro contabilizadas (único tipo de documento emitido pelo S.P.).
Conforme já foi referido, os movimentos a crédito resultam da actividade normal da empresa (venda de mercadoria).
As vendas contabilizadas são documentadas através de vendas a dinheiro, pelo que a transacção e o recebimento é simultâneo.
Assim, o facto de os movimentos a crédito considerados serem superiores às vendas, mesmo em 2001 (vários meses), revela a existência de vendas efectuadas, cujos documentos não foram emitidos e consequentemente as vendas não foram contabilizadas.

Conclusões
As irregularidades descritas, são em síntese:
• Aquisições intracomunitárias efectuadas nos anos de 2001, 2002 e 2003 que não foram contabilizadas nem liquidado o IVA;
• Incorrecção no inventário inicial do ano 2001, devido à inclusão de fruta “deitada fora” no ano 2000 e regularizada em termos contabilísticos em 2000;
• Emissão e contabilização de várias vendas a dinheiro nos anos de 2001, 2002 e 2003, com a menção “clientes diversos”, as quais segundo o S.P.:
— resultam de vendas efectuadas sem que tenham sido emitidos quaisquer documentos de venda, aquando das mesmas (infracção ao art.º 28.° do CIVA);
— as quantidades e preços que delas constam, foram obtidos com base em registos, os quais não apresenta, dado que já os não tem em seu poder, por terem sido destruídos;
— os originais dos documentos que se encontram contabilizados nunca foram entregues a qualquer S.P., tendo sido alegadamente destruídos.
Estas vendas a dinheiro não possuem os requisitos referidos no art.º 35.° do CIVA.

• Através dos testes efectuados demonstrou-se existirem omissões quer de compras, quer de vendas de mercadorias;

• As margens de lucro bruto por nós apuradas nos testes realizados são superiores às que resultam dos elementos contabilísticos, após as correcções ao inventário e aquisições intracomunitárias, o que indica a existência de omissões de vendas de mercadorias;

• Os movimentos a crédito considerados nos anos de 2001 (alguns meses), 2002 e 2003, nas três contas bancárias de que tivemos conhecimento (segundo o S.P. todos os movimentos nelas registados referem-se à actividade da empresa) são superiores ao total dos valores das vendas declaradas.


Estas irregularidades demonstram que a contabilidade não reflecte a actividade desenvolvida pela empresa.

Não sendo possível em virtude das irregularidades detectadas o cálculo exacto e directo das omissões de custos e proveitos e consequente apuramento da matéria tributável nos termos do art.º 17.° do CIRC e art.º 16.° do CIVA, propõe-se a sua determinação com recurso a métodos indirectos nos termos do n.° 1 do art.º 52.° do CIRC e art.º 84.° do CIVA, para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, já que se verifica o disposto na alínea b) do artigo 87.° da Lei Geral Tributária e a situação prevista na alínea a) do artigo 88.° da L.G.T.”, cfr. fls.6 a 34 do Relatório cujas partes extractadas se reproduziram;

E) Face à conclusão da necessidade do recurso a método indirectos, vinda de referir, a inspecção propôs, nos termos do artigo 90.° da L.G.T., por força do art.º 54.° do CIRC e art.º 84.° do CIVA, os seguintes critérios:
Exercício de 2001:
1. Corrigir o valor das existências iniciais de 2001, retirando o valor da fruta “deitada fora” em 2000;

2. Acrescer às compras contabilizadas e declaradas os valores não declarados das aquisições intracomunitárias (VIES);

3. Determinar as vendas de mercadorias, através da aplicação da MLB apurada nos testes realizados (ponto IV.4) ao CEV corrigido dos pontos anteriores;
4. Determinar o resultado fiscal considerando o valor das vendas e CEV corrigido, assim como os custos declarados, pois não se verificou indícios da existência de outros custos à margem da contabilidade.

Exercícios de 2002 e 2003
1. Considerar que os movimentos a crédito (depois de retirados os que possam implicar duplicação de valores, juros e empréstimos) nas instituições bancárias correspondem ao total de vendas de mercadorias c/IVA incluído (ponto IV.5);

2. Determinar os CEV’s através da aplicação das MLB apuradas nos testes realizados (ponto IV.4) ao total das vendas corrigidas. Teve-se em consideração um desperdício de 5% referido pela sócia gerente (em auto de declarações - anexo n.° II, com 1 fl.), dado que, nestes exercícios na contabilidade não foram registados quaisquer desperdícios.


3. Determinar os resultados fiscais considerando os valores das vendas e CEV’s corrigidos, assim como os custos declarados, pois não se verificaram indícios da existência de outros custos à margem da contabilidade.


Nota: Para o exercício de 2001 não foi utilizado o mesmo critério que para 2002 e 2003, dado que, conforme já referido, nos meses de Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2001 os depósitos efectuados nas três contas bancárias de que tivemos conhecimento não contemplam a totalidade das vendas declaradas, o que poderá indiciar a existência de outras contas bancárias.
“, vide fls. 35 e 36 do Relatório de inspecção a que vimos aludindo;

F) Na sequência do exercício do direito de audição, face à notificação à Impugnante do projecto de relatório, a Inspecção propôs e veio a ser aceite pela Direcção de Finanças a desconsideração das correcções meramente aritméticas do ponto III 1., sendo que o mais proposto, as correcções decorrentes do recurso aos métodos indirectos, foram ratificadas, cfr. fls. 41 do relatório e fls. 25, 69 e 70, todas constantes do Processo Administrativo;

G) Através de carta expedida em 06/07/2005 foi a Impugnante notificada “Nos termos do artigo 77º da Lei Geral Tributária e o artigo 61º do RCPIT, do Relatório de Inspecção e do teor do despacho que sobre ele recaiu…
Foi fixada matéria tributável de IRC por métodos indirectos….”, a que reagiu apresentando pedido de revisão nos termos do artigo 91º da Lei Geral Tributária, vide fls. 71 a 73 do Processo Administrativo e fls. 94 a 101 destes autos;

H) Pedido de Revisão que terminou pela ausência de acordo pelo que: “…considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão.”, cfr. fls. 71 e 72 do Processo Administrativo;

I) A realização da Inspecção contou com a colaboração dos Sócios-gerentes da Impugnada que referiram à Inspectora:
a especificidade da empresa, nomeadamente:
os vários períodos de durabilidade dos vários produtos comercializados;
os desperdícios verificados;
que no dia a dia recorriam a empréstimos de amigos para suprir dificuldades momentâneas de tesouraria, a referida colaboração resulta do Relatório de Inspecção e também do depoimento prestado pela Inspectora em sede de inquirição de testemunhas;

J) O recurso a empréstimos de amigos dos sócios gerentes da Impugnante era, pelo menos nos anos inspeccionados, prática habitual entre vários empresários do mesmo ramo e outros para acorreram a necessidades de curto prazo, dois ou três dias, de tesouraria, para além do que se referiu em I) vejam-se os depoimentos das 2ª e 3ª testemunhas;

K) Nas aquisições que a Impugnante realizou na União Europeia, mormente em Espanha, havia atrasos na emissão e consequente recebimento das facturas que em média seria de seis a oito dias a contar do efectivo fornecimento da mercadoria, vide depoimento das três primeiras testemunhas e os documentos de fls. 111 a 118;

L) As liquidações adicionais e juros compensatórios em causa nos autos, tiveram como data limite de pagamento, a de 2001, em 21-11-2005 e as dos anos seguintes em 19-12-2005, cfr. documentos de fls. 32 a 39;

M) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 10-02-2006, vide carimbo aposto na 1ª folha da petição inicial, folha 3 dos autos;

II Factos não provados
A) que os desperdícios verificados na Impugnante, nos anos inspeccionados, fossem maiores ou diversos dos apurados e considerados pela Administração Fiscal; Sobre esta factualidade a única testemunha que em detalhe se pronunciou, a 1ª, indicando inclusive uma taxa que situou entre os 5% e os 10% foi a que, a encerrar o seu depoimento, quando foi confrontada com o facto de a taxa de desperdício considerado ter sido a indicada pela sócia-gerente da Impugnante, disse: Acha que os desperdícios são superiores a 5% mas se ela disse 5% ela é que sabe”. As testemunhas 3ª e 4ª também falaram em desperdícios mas o seu depoimento foi impreciso não permitindo quantificar os mesmos, comparativamente em termos de taxas com o total de mercadoria transaccionada pela Impugnante.

B) Que dos extractos bancários controlados pela Inspecção constavam empréstimos de pessoas amigas dos sócios-gerentes da Impugnante ou movimentações interbancárias com vista a potenciar boa imagem bancária que não foram expurgadas. Mais uma vez o único elemento probatório que corroborou a versão da Impugnante foi o seu contabilista mas tal elemento de prova esbarra com a assumida colaboração dos sócios gerentes com a Inspectora, a qual referiu o esforço de expurgar todos os valores que aqueles lhe referiram e mais os que lhe suscitaram dúvidas referindo “que em alguns casos beneficiou o contribuinte porque na dúvida assim se deve fazer”. E compreende-se o vindo de referir até pelo espírito de colaboração que originou que Aqueles fornecessem à inspectora os elementos bancários. Veja-se a clareza, prontidão e profundidade patenteada pela Srª Inspectora, em sede de inquirição.

A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais e testemunhais indicados em cada alínea dos factos provados e não provados. As testemunhas apresentaram realidades, aparentemente paradoxais, que podem traduzir-se no seguinte: A 2ª e 3ª testemunhas deixaram a ideia de que a realidade da Impugnante é uma realidade difícil, com altos e baixos onde os problemas da tesouraria, decorrentes de prazos de pagamento muito alargados são diários e onde os amigos se auxiliam mutuamente para que não haja contas a descoberto; a outra face da realidade é a que apresenta a Impugnante como a empresa mais pujante da freguesia, aquela que empregará mais pessoal e que gera até invejas pelo sucesso patenteado.
O alegado no artigo 34º da petição inicial foi objecto de análise e pode referir-se que, no fundamental o alegado não contraria o que consta do Relatório de inspecção; o demais que é referido como sendo documentado com “fitas” apresenta-se fragilizado na referida documentação pois são meras cópias, sem qualquer autenticação e sobre elas a Inspectora, que realçou a colaboração da Impugnante, disse “Não havia fitas de máquina. Não teve acesso.”


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com incidência nos anos de 2001, 2002 e 2003 que culminou com a liquidação adicional por métodos indiretos em relação aos três exercícios.

Instaurado procedimento de revisão a que alude o art. 91º do CPPT, não foi alcançado acordo, pelo que foi decidido manter os valores fixados, por despacho de 30/8/2005.

A Impugnante impugnou as liquidações alegando a inexistência de factos tributários subjacentes à liquidação, erro na determinação qualificação e quantificação da matéria colectável e preterição de formalidades legais.

A final requereu a “realização de prova pericial prevista no Art. 116º do CPPT a realizar em termos singulares, a realizar sobre toda a matéria de facto indicado na petição”.

Por despacho de 4 de dezembro de 2007 foi rejeitada a realização da prova pericial por não enunciar “...as questões de facto que quer ver esclarecidas através da diligência” (fls. 130).

Deste despacho foi interposto recurso para o STA, mas sendo este TCA competente em razão da hierarquia para apreciação do recurso interposto da sentença, cabe também apreciar o recurso do despacho interlocutório, nos termos dos arts. 280º/1 e 285º/3 do CPPT.

Realizado o julgamento, a impugnação foi julgada totalmente improcedente.

A Impugnante não se conforma e daí vem o presente recurso, imputando vários vícios à sentença nos seguintes segmentos:
1- Erro na apreciação da prova (Conclusão 1);
2- Falta dos pressupostos para lançar mão da avaliação indireta (Conclusões 3 e 6).
3- Erro na quantificação (Conclusões 4, 5, 9).
4- Falta de fundamentação (Conclusões 7, 8).
5- Caducou o direito à liquidação relativa aos exercícios de 2001 e 2002 (conclusão 10)
6- As dívidas tributárias referentes a 2001 e 2002 estão prescritas (conclusão 11).

Adicionalmente, a Impugnante invoca ainda o vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativa à falta de fundamentação e errónea quantificação “apesar do alegado na petição inicial de 94 a 131” (art. 43 das alegações.).

Começando a análise do recurso pelo recurso interlocutório, relativo à rejeição da prova pericial, não há dúvidas de que esta é um meio de prova admitido no processo judicial tributário, como resulta do disposto no art. 115º/1 e mais especificamente do art. 116º ambos do CPPT.
Esta prova, diz a lei (art.º 116º/4 do CPPT), é regulada nos termos do Código de Processo Civil.
Ora, o art.º 577º/1 do CPC na numeração vigente à data (2), dispunha que “Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objecto enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência”.

A Impugnante requereu a realização de perícia singular, mas omitiu o dever de enunciar as questões de facto que pretende ver esclarecidas.

Esta omissão implica a rejeição do recurso, pelo que a decisão recorrida não enferma de qualquer ilegalidade.

A alegação de que “A rejeição da realização da prova pericial dificulta a recorrente de fazer prova nomeadamente sobre a errónea quantificação e excesso da capacidade contributiva” e que “A recorrente, face à douta decisão proferida pelo Meritíssimo juiz a quo, fica coartada na sua posição processual em clara violação do princípio da igualdade das partes na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o Art.º 3º-A do CPC” (Conclusões 5 e 6) não tem qualquer pertinência uma vez que foi a Impugnante que voluntariamente incumpriu os requisitos para realização da diligência.

Termos em que improcedem as conclusões do recurso contra o despacho interlocutório, confirmando-se a respetiva decisão.

Iniciando agora a análise do recurso da sentença, começamos a sua apreciação pela validade da sentença, uma vez que esta é o pressuposto necessário para continuação da sua sindicância nesta instância.

A Recorrente, lembremos, imputa à sentença nulidade por omissão de pronúncia porque “quanto à falta de fundamentação e errónea quantificação a sentença é omissa nesta parte, apesar do alegado na Petição inicial de 94 a 131”.

Nos artigos 94º a 131 da petição inicial, a Impugnante argui “errónea quantificação e manifesto excesso na capacidade contributiva e vícios insanáveis na quantificação” dizendo em síntese considerar “viciado e errado” o método e critério adoptado pela AT para efeitos de determinação da MLB s/compras.
Não foi dada qualquer tolerância para o erro amostral;
Está viciada a aplicação ou transformação pela administração tributária da MLB s/compras em MLB s/CEV, por se tratarem de duas realidades diferentes.
As MLB s/c praticadas pela Impugnante são inferiores às determinadas pela administração o que origina um CMVMC superior e consequentemente, um resultado inferior.
Para os anos de 2002 e 2003 a AT deveria ter considerado 5% das compras de mercadorias para desperdícios e não os 20.229,97 declarados pela impugnante.
Nos exercícios de 2002 e 2003 nem todos os movimentos a crédito constantes dos extractos bancários têm origem em vendas de mercadorias (financiamentos particulares, transferências intra bancos).
Requer aplicação da dúvida fundada do art.º 100º do CPPT.
A AT determinou a MLB s/compras de algumas mercadoras vendidas sem explicar a sua aderência à totalidade da população e ao período económico e não explica porque afastou o feijão verde, os diospiros, o abacaxi etc. da amostra.
O que vale por concluir que a decisão final não está suficientemente fundamentada.

Embora não especifique qual a questão concreta em relação à qual a sentença é omissa, basta ler a sentença para se perceber que nenhuma omissão de pronúncia existe.

Na organização da parte relativa à fundamentação da sentença, o MMº juiz "a quo" teve o cuidado de elencar as questões que lhe cumpria conhecer e sobre as quais emitiu pronúncia como se pode ver:
Não recebeu notificação da decisão da tributação pelo método indirecto?
(...)
No debate contraditório, em sede de Comissão de Revisão, o que expôs não foi minimamente tido em consideração; por sua vez da respectiva acta não consta uma justa reconstituição do itinerário valorativo da quantificação do IVA e juros compensatórios?
(...)
Sobre a determinação da MLB s/compras não foi considerada qualquer tolerância para o erro amostral e não são aderentes, antes realidades diferentes a MLB s/compras e MLB s/CEV?”
(...)
Dentro do critério seguido para 2002 e 2003 deveria ter considerado 5% das compras de mercadorias para desperdícios e não os 20 229,97€ declarados pela Impugnante?
(...)
Nem todos os movimentos a crédito tiveram origem em vendas de mercadorias e, se é certo que a Inspecção eliminou alguns movimentos não procedeu à sua eliminação total, sendo que alguns depósitos resultaram de financiamentos particulares para suprir dificuldades pontuais de tesouraria, procedendo-se ao seu reembolso em momento posterior; o mesmo se pode dizer das transferências intra-bancos realizadas para melhorar a imagem da impugnante para efeitos bancários?
(...)
A alteração do âmbito e incidência temporal da acção de inspecção foram efectuadas em preterição de formalidades legais.
(...)
As liquidações dos anos de 2001 e 2002 encontram-se em vício de violação de lei por caducidade, dado terem sido notificadas decorridos mais de seis meses da conclusão do relatório de inspecção; a liquidação do IVA de 2001 foi notificada após os quatro anos a contar da data em que o facto tributário ocorreu.
(...)
Verificada a ilegalidade do acto tributário são os juros compensatórios também atingidos negativamente.
(...)
O exposto evidencia claramente que o MMº juiz enfrentou todas questões que lhe foram colocadas, pelo que improcede a alegada omissão de pronúncia.

No que respeita ao erro no julgamento da matéria de facto, sustenta a Recorrente que os “...documentos anexos à petição inicial deveria ter sido dados como provados -art.º 371º do C. Civil, pois não foram negados”.

Pretende a Impugnante/Recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, mas tal impugnação está sujeita ao cumprimento do ónus previsto no art. 685º-B (na numeração e redação anterior ao actual 640º do CPC) que impõe ao Recorrente o ónus de obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida (art.º 685º-B/1-a), b) do CPC).
Tal ónus não foi minimamente cumprido, o que implica a rejeição do recurso, nesta parte.

Acresce que não são os documentos que podem ser considerados provados, mas sim os factos que eles comprovam e que têm de ser devidamente alegados pela parte cujo ónus de alegação e prova lhe compete, nos termos do art. 74º/1 LGT e 342/1 do Código Civil.

Sustenta ainda a Recorrente que não estavam verificados os pressupostos para lançar mão da avaliação indireta pelo que a sentença errou ao decidir em sentido contrário e que o “iter não está suficientemente fundamentado” (Conclusões 7ª e 8ª).

Ora a exigência legal (art. 77 LGT) e constitucional (art. 268º/3 da Constituição) de fundamentação visa primacialmente permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

A fundamentação adotada pela AT, e os motivos pelos quais considerou legalmente justificado o recurso aos métodos indiretos de tributação e respetiva quantificação ficaram condensados no despacho do Exmo. Diretor do Finanças de Viseu.

A liquidação impugnada assentou num ato emanado no procedimento de revisão, mais propriamente, na decisão do Exmo. Diretor de Finanças, de 30/8/2005, ata n.º 25/05 (fls. 71 do PA apenso), por conseguinte é este ato que cumpre analisar.

O Sr. Diretor de Finanças no seguimento da ata de reunião dos peritos da administração tributária e do contribuinte profere o seguinte despacho (parcialmente transcrito na alínea H) dos factos provados):

Nos termos do n.º6 do art. 92º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Assim, considerando que o perito da administração Tributária defende a manutenção dos valores objeto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão”.

Ora a precedente fundamentação formal, que não remete sequer para o conteúdo do relatório da Inspeção Tributária, não permite descortinar qualquer conteúdo fundamentador quer quanto aos pressupostos de aplicação do método indireto quer em matéria de quantificação da matéria tributável.

A sentença considerou que a atuação da AT se mostrava devidamente fundamentada quanto à explicitação dos motivos da impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável e quanto à respetiva quantificação.

Mas como se refere no acórdão n.º 1349/05.1 de 24/1/2017, que com a devida vénia seguimos de perto, para fazer este juízo atendeu apenas ao relatório inspetivo sem relevar, como devia, o ato de onde emana a liquidação.

Na verdade, a sentença com este discurso afasta-se da relevância do despacho do Diretor de Finanças, fazendo assim o julgamento com base no relatório da inspeção.


Com efeito, o ato que fundamenta a liquidação é o despacho do Diretor de Finanças o qual não faz qualquer alusão aos factos descritos em sede de procedimento de revisão nem tão pouco apela ao que consta do relatório para assim decidir, não explica o modo pelo qual se chegou a tal conclusão.

O conteúdo do despacho impugnado não corporiza um mínimo de raciocínio e de factos explicativos da decisão de manter inalterável a matéria coletável.

Como se já deixou expresso em Acórdão deste tribunal, que se julga ainda inédito (3) “(…) a decisão em apreço é um exemplo daquilo que uma fundamentação mais exigente não pode ser, pois que, limita-se a constatar a posição dos peritos, não procedendo a qualquer discussão da realidade em apreço no sentido de justificar a manutenção dos valores em causa, não existindo qualquer remissão para o RIT, nem sequer qualquer referência a este elemento, o que significa que a AT não deu a conhecer à Recorrente os elementos que enquadram a sua decisão nesta sede, impedindo assim a Recorrente de aceitar tal decisão, conformando-se com a mesma, ou de contra a mesma reagir, discutindo o seu alcance.”

Não restam dúvidas de que o despacho de fixação da matéria tributável padece de manifesta falta de fundamentação pela sua insuficiência intrínseca, pelo que a liquidação e a sentença que confirmou a sua legalidade não se pode manter.

E assim sendo, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas neste recurso.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 25 de janeiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Aquisição intracomunitária — De acordo com o disposto no artigo 1.0 do RITI, estão sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens que respeitem as seguintes condições:
— o vendedor tem de ser um sujeito passivo de IVA;
— o adquirente tem de ser um sujeito passivo de IVA, um sujeito passivo totalmente isento ou uma pessoa colectiva desde que abrangidos por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias;
— os bens têm de ser expedidos ou transportados para o território nacional, com destino ao adquirente a partir do território de outro Estado-membro.

(2) E que é igual ao actual 475º do NCPC.
(3) Ac. do TCA Norte de 7/12/2016, no processo 1206/07.7 BEVIS.