Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00176/10.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO. NOTIFICAÇÃO POSTAL. ÂMBITO. CARTA REGISTADA.
FORMALIDADE AD PROBATIONEM. ÓNUS DA PROVA.
REGISTO INFORMÁTICO. PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO. DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) De acordo com o artº 45º, nº 1 da LGT, “O direito de liquidar impostos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
II) Podem, assim, verificar-se as seguintes situações:
a) A liquidação é efectuada após decorrido o prazo de caducidade, sendo por isso, ilegal por ofensa da referida norma, podendo o interessado impugnar judicialmente o acto de liquidação quando dele tomar conhecimento.
b) A liquidação é efectuada no prazo de caducidade, mas só notificada (notificação válida) após o decurso daquele prazo, caso em que sendo a liquidação ineficaz pode ter lugar a oposição à execução fiscal com fundamento no artº 204, nº 1, alínea e) do CPPT.
c) A liquidação é efectuada no prazo de caducidade, mas não notificada ao contribuinte, caso em que sendo a liquidação ineficaz pode ter lugar a oposição à execução fiscal com fundamento no artº 204, nº 1, alínea i) do CPPT.
III) Tendo o oponente invocado a falta de notificação da liquidação, efectuada no prazo de caducidade, mostrando-se verificada a ausência dessa notificação, nada impede, à partida, que o Tribunal julgue procedente a oposição ao abrigo da alínea i) citada, uma vez que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº. 664.º do C.P.C.).
IV) É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
V) O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
VI) - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
VII) - O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
VIII) Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, de modo que, se o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, consta dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT, os quais sustentam a alegação de que o devedor originário foi notificado em 14-07-2005, o que significa que tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte dos registos postais descritos nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação descrita e o correspondente registo não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pelo Recorrente neste âmbito.
IX) Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Maioria
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
C..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 29-12-2011, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal nº 3743200501007300, instaurada pelo Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis originariamente instaurada contra a sociedade “P..., S.A.”, e contra si revertida, por dívidas de IVA de 2003, no montante de € 22.300,92.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 124-140), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1 - O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente o processo de oposição à Execução Fiscal número 176/10.9BEAVR apresentado por C..., contra o acto de liquidação de IVA referente aos meses de Setembro, Outubro e Novembro do ano de 2003, no valor de 22.300,92 € (vinte e dois mil trezentos euros e noventa e dois cêntimos);
2 - A referida sentença considerou a oposição à execução fiscal apresentada totalmente improcedente, porquanto:
a) não decorreu o prazo de caducidade da liquidação;
b) os elementos da liquidação e do processo de execução fornecem ao oponente todos os elementos válidos para conhecer o itinerário cognoscitivo que levou à prática do acto, sendo que se alguma dúvida pudesse ser suscitada por insuficiência de qualquer informação fornecida sempre poderia o impugnante dispor do regime de sanação consagrado no artigo 37° do CPPT;
c) a Fazenda Nacional não tinha de reclamar o crédito aqui em causa no âmbito do processo de insolvência, uma vez que o mesmo só se venceu após a declaração de insolvência, ou seja, em 11 de Agosto de 2005, embora diga respeito a IVA de 2003, pelo que não é aqui aplicável o disposto no número 6 do artigo 180º do CPPT;
3 - Ora, salvo o devido respeito, tal entendimento é absolutamente ilegal, senão vejamos:
4 - Relativamente à questão da caducidade do direito à liquidação, nos termos do disposto no artigo 45° da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
5 - Ora, não está feita prova nos autos que a sociedade devedora originária tenha sido devidamente notificada do acto de liquidação aqui em causa no dia 14 de Julho de 2005.
6 - Aliás, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 18 de Março de 2004, pelo que tal notificação, a ter sido efectuada, deveria ter sido dirigida ao respectivo administrador de insolvência, o que não se encontra provado nos presentes autos.
7 – O único documento que se encontra junto aos presentes autos para prova da data da notificação da liquidação à sociedade devedora originária é um print das Finanças, que não tem a força probatória que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” lhe atribuiu.
8 - Para além disso, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” incorre num lapso manifesto, ao dar como provado o facto do oponente, ora Recorrente ter sido notificado da liquidação de imposto aqui em causa.
9 - Com efeito, estamos perante uma liquidação de IVA referente à sociedade P..., S.A., da qual o ora Recorrente foi administrador, embora já não à data dos factos tributários aqui em causa.
10 - Por isso, o Recorrente não foi notificado desse acto de liquidação, contrariamente ao que consta da matéria dada como provada na sentença de que ora se recorre, porque não tinha de o ser, uma vez que tal liquidação era referente à sociedade Passamanarias, que deveria ter sido notificada do mesmo acto de liquidação, dentro do prazo legal de caducidade, na pessoa do seu administrador de insolvência.
11 - Ora, a prova dessa notificação da liquidação aqui em causa não foi feita nos presentes autos, pelo que se deve considerar o direito à liquidação do imposto aqui em causa caducado, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária.
12 - Mais, o acto tributário aqui em causa diz apenas respeito ao IVA dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2003, e não a todo o exercício de 2003, conforme erradamente consta da sentença ora sob recurso.
13 - Por outro lado, e em relação à falta de fundamentação do acto de citação aqui em causa, de acordo com o disposto no número 4 do artigo 22° e no número 4 do artigo 23°, ambos da Lei Geral Tributária, a citação do responsável subsidiário, em processo de execução fiscal deve conter, a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão, bem como os elementos essenciais da respectiva liquidação, incluindo a fundamentação, no sentido de se poder reclamar ou impugnar a dívida, cuja responsabilidade lhe foi atribuída, por via do devedor principal.
14 - Com efeito, de acordo com a nota de citação, a reversão aqui em causa baseou-se simplesmente no facto da sociedade P..., S.A., devedora originária, não possuir bens susceptíveis de serem penhorados, pelo que os administradores, “in casu”, o executado, será responsável subsidiariamente pelo pagamento das contribuições e impostos devidos ao estado.
15 - Pelo que a mesma citação não contém a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão.
16 - Por outro lado, a citação em causa também não contém os elementos essenciais da respectiva liquidação, sendo manifestamente vaga e imprecisa, não permitindo ao contribuinte sindicar o “iter” seguido pela Administração, designadamente quanto ao modo de apuramento da matéria tributável, ou seja, quanto ao modo de apuramento do “quantum” tributário.
17 - Mais, a execução fiscal aqui em causa não diz respeito ao IVA de todo o ano de 2003, conforme consta erradamente da sentença sob recurso, mas apenas ao IVA da sociedade P..., S.A., e aos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2003, tendo sido instaurado outro processo de execução fiscal com o número 3743200401002295 e Apensos, que diz respeito ao IVA da mesma sociedade e aos meses de Junho, Julho e Agosto de 2003.
18 - Ora, a citação para a execução fiscal enviada ao ora Recorrente não identifica sequer quais os meses a que se refere a dívida tributária em causa, mas considera apenas como período de tributação o exercício de 2003.
19 - Mais, a citação em causa não especifica a fórmula do cálculo da dívida tributária, mas refere apenas o valor global da dívida, sem sequer imputar os valores a cada um dos meses do exercício em causa.
20- Ora, se é certo que a fundamentação do acto tributário deve ser sucinta, (artigo 125°, número 1 do CPA), a mesma não pode deixar de levar ao conhecimento do contribuinte os elementos básicos tidos em conta no cálculo do imposto, nomeadamente as operações de apuramento da matéria tributável (artigo 77°, número 2 da Lei Geral Tributária).
21 - E nem sequer se diga, como defende a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença de que ora se recorre, que o contribuinte sempre poderia ter feito uso da faculdade prevista no artigo 37°° do CPPT.
22 - O artigo 37° do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão primordialmente previstas no Código de Processo Civil (artigos 193° e seguintes) - Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no âmbito do processo número 01037/11, datado de 20/12/2011, do processo número 780/11, datado de 21/09/2011, do processo número 1034/11, datado de 19/01/2011, do processo número 493/10, datado de 3/10/2010, do processo número 084/10, datado de 12/05/2010 publicados in base de dados em suporte informático - www.dgsi.pt.
23 - Pelo que o acto de citação aqui em causa é nulo, ao abrigo do disposto no artigo 198, número 1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do preceituado no artigo 2°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
24 - Ao contrário do que é defendido pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, o vencimento do crédito fiscal deve ser aferido não a partir da data de pagamento voluntário constante da liquidação administrativa, mas sim a partir do momento em que a Administração Fiscal adquire o direito ao crédito.
25 - A data de vencimento de um crédito é a data em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor. Sendo certo, que no caso dos impostos, o Estado adquire esse direito logo que ocorre a realização dos factos tributários e a sua subsunção automática na norma de incidência.
26 - Aliás, para efeitos do CIRE, todas as dívidas tributárias constituídas à data da declaração de insolvência consideram-se vencidas nessa data independentemente de ter ou não sido efectuado o seu apuramento pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária - artigo 91º do CIRE.
27 - As normas do CIRE que regulam o processo de insolvência (processo de execução universal) são lex specialis em relação às normas do CPPT que regulam o processo de execução fiscal.
28 - No âmbito do processo especial de insolvência, a Administração Tributária está em pé de igualdade com os demais credores, pelo que a Administração Tributária está sujeita aos mesmos prazos, deveres ou ónus que os outros credores, sendo que os efeitos das decisões proferidas no processo especial de insolvência afectam a Administração Tributária da mesma forma que afectam todos os demais credores.
29 - Conforme prevê o artigo 47°, número 1 do CIRE, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
30 - Esclarecendo-se no número 2 desse artigo que “os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência”.
31 - E estipulando-se no número 3 - norma crucial na resolução da questão decidenda - que “são equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.”
32 - Sendo inquestionável que nos termos do número 1 do artigo 47° do CIRE, todos os créditos cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência.
33 - E refira-se que por “fundamento” anterior, o legislador pretende dizer constituição e não vencimento - de facto, o fundamento de um crédito é o facto jurídico que lhe está subjacente e não o seu vencimento, que apenas diz respeito ao momento a partir do qual o crédito pode ser exigido.
34 - Sendo, também, inquestionável que, nos termos do número 3, do artigo 47° do CIRE os créditos com fundamento/constituição posterior à data da declaração de insolvência mas anteriores ao encerramento do processo são “créditos sobre a insolvência”.
35 - O acto de liquidação de imposto aqui em causa tinha como data de vencimento 11 de Agosto de 2005, ou seja, mesmo o seu vencimento foi posterior à data da declaração de insolvência e anterior à data de encerramento do processo de insolvência.
36 - Ora, quanto aos créditos sobre a insolvência prevê o número 1 do artigo 128° do CIRE que dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos, por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham.
37 - Prevendo ainda os números 1 e 2 do artigo 146° do CIRE que “findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor.
38 - Assim, analisando o número 6 do artigo 180° do CPPT em consonância com os artigos 88° e 89° do CIRE percebe-se que tal normativo deve ser interpretado no sentido de que as dívidas com fundamento/constituídas antes do encerramento do processo de insolvência só podem dar origem a execução fiscal quando: a) o processo de insolvência encerre por insuficiência do património do devedor para satisfazer as custas do processo e as dívidas previsíveis da massa insolvente; b) sejam dívidas sobre a massa insolvente (artigo 51° do CIRE) - Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no âmbito do processo número 01089/11.2BEBRG, datado de 15/12/2011, publicado na base de dados em suporte informático - www.dgsi.pt.
39 - Pelo que no caso concreto sob discussão, o crédito da Administração Fiscal deveria ter sido reclamado no âmbito do processo de insolvência da sociedade devedora originária, e não através de um processo de execução fiscal, como sucedeu.
40 - Por último, sempre se diga que a sentença de que ora se recorre é nula, porque o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, ao abrigo do disposto no artigo 668°, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
41 - Com efeito, na oposição apresentada, o Recorrente invocou a sua falta de culpa pela insuficiência do património societário da devedora originária e a inexigibilidade do imposto, por inexistência do facto tributário, em resultado da inactividade do sujeito passivo e a falta de obtenção de quaisquer receitas, sendo que na sentença de que ora se recorre a Meritíssima Juiz “a quo” não se pronunciou sequer sobre estas duas questões.
Nestes termos, deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, devendo a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ser revogada, por ilegalidade e nulidade, e substituída por outra que julgue a oposição apresentada totalmente procedente, por provada, e em consequência, ordene a extinção da respectiva execução fiscal e a anulação do acto tributário de liquidação de imposto, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada caducidade do direito à liquidação, da apontada falta de fundamentação com referência ao acto de citação, sem olvidar a análise da possibilidade de ser instaurada e prosseguir execução fiscal para cobrança de dívida respeitante a facto tributário anterior àquela declaração (IVA de 2003), embora liquidada e vencida após a declaração de insolvência.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 - Por dívidas relativas á executada originária “P... SA”, por dividas de IVA do período de 2003, cujo vencimento ocorreu em 11.08.2005, no valor de € 22.300,92;
2 - Em 14.10.2005 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3743200501007300, contra a sociedade P... SA”, para cobrança coerciva a quantia exequenda de € 22.300,92;
3 - As dividas em causa são relativas ao período de tributação de 01.01.2003 a 31.12.2003, cujo vencimento ocorreu em 11.08.2005;
4- O aqui oponente foi notificado em 14.07.2005;
5 - A sociedade devedora originária “P... SA”, foi declarada insolvente em 18.03.2004;
X
Factos não Provados
Inexistem.
X
Motivação da Decisão de Facto
Os factos considerados resultam dos documentos juntos aos autos e que não foram postos em causa.”
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a primeira questão sucitada pelo prende-se com a matéria da invocada caducidade do direito à liquidação.


Nas suas alegações, o Recorrente refere que, relativamente à questão da caducidade do direito à liquidação, nos termos do disposto no artigo 45° da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, sendo que não está feita prova nos autos que a sociedade devedora originária tenha sido devidamente notificada do acto de liquidação aqui em causa no dia 14 de Julho de 2005, além de que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 18 de Março de 2004, pelo que tal notificação, a ter sido efectuada, deveria ter sido dirigida ao respectivo administrador de insolvência, o que não se encontra provado nos presentes autos, verificando-se que o único documento que se encontra junto aos presentes autos para prova da data da notificação da liquidação à sociedade devedora originária é um print das Finanças, que não tem a força probatória que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” lhe atribuiu.
Para além disso, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” incorre num lapso manifesto, ao dar como provado o facto do oponente, ora Recorrente ter sido notificado da liquidação de imposto aqui em causa, pois que estamos perante uma liquidação de IVA referente à sociedade P..., S.A., da qual o ora Recorrente foi administrador, embora já não à data dos factos tributários aqui em causa, de modo que, o Recorrente não foi notificado desse acto de liquidação, contrariamente ao que consta da matéria dada como provada na sentença de que ora se recorre, porque não tinha de o ser, uma vez que tal liquidação era referente à sociedade Passamanarias, que deveria ter sido notificada do mesmo acto de liquidação, dentro do prazo legal de caducidade, na pessoa do seu administrador de insolvência.
Ora, a prova dessa notificação da liquidação aqui em causa não foi feita nos presentes autos, pelo que se deve considerar o direito à liquidação do imposto aqui em causa caducado, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 45º da Lei Geral Tributária.
Mais, o acto tributário aqui em causa diz apenas respeito ao IVA dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2003, e não a todo o exercício de 2003, conforme erradamente consta da sentença ora sob recurso.
Que dizer?

Quanto à questão do enquadramento da matéria invocada pelo Recorrente em sede de petição inicial em que se coloca essencialmente em crise a notificação da liquidação a que se alude nos autos, importa ter presente o exposto no douto Acórdão do S.T.A. de 28-09-2011, Proc. nº 0473/11, onde se aponta que:

“…

Tal como se escreveu no Acórdão de 18.11.2009 - Processo nº 976/09 “A questão de se saber se a caducidade do direito de liquidação, decorrente da notificação não ter sido efectuada dentro do prazo de caducidade configura vício que afecta a validade dessa liquidação e daí seja fundamento de impugnação judicial ou, ao invés, fundamento de oposição à execução fiscal não é pacífica, havendo quem sustente que a petição inicial de oposição à execução fiscal em que a causa de pedir seja a caducidade da liquidação da dívida exequenda deva seguir, não a forma de oposição à execução fiscal mas a forma de processo de impugnação judicial, porquanto se a liquidação não tiver sido notificada para além do prazo de caducidade, por sobre ser ineficaz, é essa ineficácia consumida pela ilegalidade de carecer de fundamento legal a liquidação notificada depois desse prazo de caducidade, sendo o meio próprio para discutir a ilegalidade da liquidação, designadamente, por caducidade do direito de liquidar, o processo de impugnação judicial (v. o acórdão de 20/5/2009 deste STA, proferido no recurso n.º 979/08) e, por outro lado, quem defenda também que, quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contenda com a eficácia do acto notificado quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal, independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial (v. acórdão deste STA de 19/12/2007, no recurso n.º 844/07)”.

5.2. Em defesa do primeiro entendimento invocaram-se, no Acórdão de 11.05.2005 - Processo nº 0454/05, os seguintes argumentos:

“No caso em apreço, o que foi invocado e a sentença constatou, é que a liquidação nunca foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade, sendo a execução fiscal instaurada quando tal notificação já não podia impedir essa caducidade.

Como assim, tal liquidação não é ineficaz, inoponível ao executado por lhe não ter sido notificada: é ilegal, por força das apontadas disposições legais, que se não bastam com a prática do acto, exigindo a sua notificação para impedir a caducidade.

Neste sentido vem decidindo este Tribunal, como pode ver-se nos acórdãos de 2 de Abril de 2003, recurso nº 37/03, 31 de Janeiro de 2001, recurso nº 25498, e 27 de Fevereiro de 2002, recurso nº 26722. Lê-se neste último:

«(…) a notificação (…) é (…) legalmente considerada como um requisito de validade da própria liquidação, entendida este em sentido lato, que não estrito, isto é, como complexo de actos tendentes à determinação do montante do imposto e imposição da obrigação do seu pagamento ao contribuinte.

Pelo que, contendendo com a legalidade da liquidação que não com a sua eficácia, constitui fundamento de impugnação judicial e não de oposição à execução fiscal.

(…)

Por um lado, a falta de notificação da liquidação antes de decorrido o prazo de caducidade, implicando a ineficácia daquela e consequenciando a inexigibilidade da dívida exequenda, constitui o fundamento de oposição tipificado na dita al. e) do art 204º do CPPT. Por outro, decorrido aquele prazo, tal falta de notificação integra-se na própria caducidade concretizando a ilegalidade da liquidação, fundamento típico de impugnação judicial e não de oposição à execução.

(…) Assim, decorrido o prazo de caducidade, a falta de notificação, por integrante daquela, é fundamento de impugnação judicial e a mesma falta, antes do decurso daquele prazo, é fundamento de oposição à execução fiscal já que a primeira respeita à própria legalidade da liquidação e a segunda à inexigibilidade da respectiva obrigação tributária ou, como é usual dizer-se, da dívida exequenda.

Ou de outro modo: instaurada execução fiscal para cobrança coerciva do tributo, antes de decorrido o prazo de caducidade, a falta de notificação da liquidação é fundamento de oposição; se decorrido já aquele prazo, tal falta é fundamento de impugnação judicial».
Nem se diga, como se faz na sentença, que este entendimento «poderia conduzir a uma situação incomportável, caso o A. tivesse sido notificado do acto de liquidação após o decurso desse prazo de caducidade, tendo-se eventualmente esgotado o prazo para impugnar (…) o que tornaria inviável a convolação para a forma adequada (…)».

É que a regra é que o decurso do prazo para impugnar supõe a legal notificação do acto de liquidação ao contribuinte, como resulta do disposto no artigo 102º nº 1 alínea a) do CPPT. Daí que se não possa falar do esgotamento do prazo para impugnar uma liquidação quando esta não foi validamente notificada”.

5.3. Em defesa do entendimento acima referido em segundo lugar, escreveu-se no Acórdão deste STA, de 19.12.2007 – Processo nº 0844/07:

“3 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se pode ser invocado como fundamento de oposição à execução fiscal a caducidade do direito de liquidação, quando a notificação desta não foi efectuada dentro do prazo de caducidade.

Antes do CPPT, o regime da caducidade do direito de liquidação estava previsto no art. 33.º do CPT, em que se estabelece que «o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».

Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, n.º 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado. Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos.) Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);

– de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;

– de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;

– de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;

– de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,

– de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;

– de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;

– de 23-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;

– de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e

– de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;

– de 3-5-2000, recurso n.º 22608. )

Porém, na vigência do CPT, a jurisprudência foi-se formando no sentido de que, nas situações em que a liquidação havia sido efectuada dentro do prazo de caducidade, mas a notificação ocorrera depois desse prazo, a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.

Por isso, se entendia que o vício da liquidação, em sentido lato, constituído pela não notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, podia apenas ser suscitado em impugnação judicial, que é o meio processual adequado para apreciar a validade de actos de liquidação, e não em oposição à execução fiscal, que está vocacionada, embora com excepções, para apreciar a existência de fundamentos de inexigibilidade da obrigação tributária liquidada.

No entanto, este entendimento não obstava a que, se uma execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, o contribuinte pudesse opor-se, invocando como fundamento a ineficácia daquele acto, pois a sua eficácia dependia da notificação (art. 64.º do CPT) e sem notificação a dívida era inexigível. Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176.º, alínea g), do CPCI e 286.º, n.º 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT. ( ( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:

– de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;

– de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;

– de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768

– de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;

– de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;

– de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;

– de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;

– de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,

– de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;

– de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;

– de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;

– de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;

– de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;

– de 3-3-1999, recurso n.º 22902;

– de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;

– de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;

– de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;

– de 6-10-2005, recurso n.º 500/05. )

O art. 45.º da LGT manteve o essencial do mesmo regime de caducidade do direito de liquidação ao estabelecer que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».

Porém, o CPPT veio introduzir na alínea e) do seu artº. 204.º um novo fundamento de oposição à execução fiscal, não previsto no artº. 286.º do CPT, que é a «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade».

Esta fórmula é ambígua, pois tanto pode ser interpretada:

– como reportando-se a situações em que, antes da execução, ocorreu uma notificação, mas ela foi efectuada fora do prazo de caducidade do direito de liquidação;

– como a situações em que não ocorreu qualquer notificação e a execução foi instaurada dentro desse prazo de caducidade;

– como a todas as situações em não ocorreu uma notificação da liquidação no prazo de caducidade, por isso, tanto aquelas em que a execução foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade, como aquelas em que a execução foi instaurada depois deste termo.

A introdução do fundamento previsto na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a par da manutenção de todos os fundamentos de oposição previstos anteriormente no artº. 286.º, corresponde, forçosamente, a uma intenção legislativa de aumentar os fundamentos de oposição, pois, como é óbvio, se se pretendesse que fossem os mesmos admitidos no CPT, reproduzir-se-iam os aí admitidos em vez de aditar um novo fundamento.

Assim, constatando-se que o CPPT mantém, na alínea i) do n.º 1 do artº. 204.º, o fundamento de oposição previsto na alínea h) do n.º 1 do artº 286.º do CPT, que abrangia todas as situações em que a execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação, conclui-se com segurança que a alínea e), ao aumentar os fundamentos, não se reporta a situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, que se enquadram na referida alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, da mesma forma que antes se enquadravam na alínea h) do n.º 1 do art. 286.º.

Por isso, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade.

Isto é, com o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.

Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.

Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação.

De qualquer forma, mesmo que se entenda, na esteira da jurisprudência anterior, que a intempestividade da notificação é vício do acto de liquidação e contende com a sua legalidade, o que resulta da alínea e) é que essa ilegalidade, como sucede com outras, pode ser apreciada no processo de execução fiscal. ( ( ) Apesar de, em princípio, a execução fiscal não se destinar a apreciar a legalidade da dívida exequenda, esta apreciação pode fazer-se em vários casos, enquadráveis nas alíneas a), g) e h). )

Para além disso, a interpretação que mais linearmente decorre do texto da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT é, na falta de qualquer elemento textual que suporte uma interpretação restritiva, a de que a oposição pode sempre ter por fundamento «a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» e não apenas quando a execução foi instaurada antes de este prazo se completar, como pretende o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público Recorrente. Por isso, num domínio de processos contenciosos em que é dada abertura ampla à possibilidade de intervenção autónoma dos particulares sem representação através de advogado (( )Apenas é obrigatória a constituição de advogado, na 1.ª instância, quando o valor da causa exceda o décuplo da alçada dos tribunais tributários (art. 6.º, n.º 1, deste Código). ) , é de presumir que um legislador que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC), ao elaborar uma norma que se reporta à intervenção primária dos particulares no processo, não deixaria de expressar mais claramente o seu pensamento se entendesse que a norma deveria ter a interpretação fortemente restritiva que consubstanciaria na sua aplicação apenas a casos em que a execução fosse instaurada ainda dentro do prazo de caducidade e sem prévia notificação.

Conclui-se assim que, quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contende com a eficácia do acto notificado quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal. ( ( ) Independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial.

É, aliás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 204.º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal] )”.

5.4. Não podemos de deixar de concordar com este último entendimento (aliás, também seguido no Acórdão desta Secção de 18.11.2009 - Processo nº 976/09 e nos Acórdãos do Pleno desta mesma Secção, de 20.01.2010 – Processo nº 0832/08 e de 07.07.2010 – Processo nº 0545/09) que, a nosso ver, coloca no devido lugar a distinção entre acto de liquidação e acto de notificação. …”.

Na sentença recorrida, ponderou-se que:

“…
O oponente insiste que decorreram mais de 4 anos entre a ocasião do acto tributável e a data de efectivação da notificação da nota de liquidação, motivo por que se verifica a falta de notificação dentro do prazo da caducidade, o que determina a procedência da oposição à execução fiscal nos termos da alínea e) do art. 204.º, n.º 1,do CPPT conjugada com o art. 45.º da LGT.
Vejamos.
A matéria respeitante aos prazos de liquidação dos impostos encontra-se regulada no 45º da LGT.
Dispõe tal normativo legal, o seguinte:
Artº 45.º
(Caducidade do direito à liquidação)
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
(Redacção anterior à Lei 55-B/04, de 30.DEZ).
5 – Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”
Assim, estando em causa um imposto de IVA respeitante ao período de tributação de 01.01.2003 a 31.12.2003, o prazo de caducidade do direito de liquidar o mesmo iniciou-se em 01.01.2004 e terminaria em 01.01.2008, tendo o oponente sido notificado em 14.07.2005.
Assim sendo conclui-se não ter decorrido o prazo de caducidade da liquidação pelo que não tem acolhimento este argumento do oponente.

Desde logo, assiste total razão ao Recorrente quando aponta que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” incorreu num lapso manifesto, ao dar como provado o facto do oponente, ora Recorrente ter sido notificado da liquidação de imposto aqui em causa, pois que estamos perante uma liquidação de IVA referente à sociedade P..., S.A., da qual o ora Recorrente foi administrador, de modo que, o Recorrente não foi notificado desse acto de liquidação, contrariamente ao que consta da matéria dada como provada na sentença de que ora se recorre, porque não tinha de o ser, uma vez que tal liquidação era referente à sociedade Passamanarias, que deveria ter sido notificada do mesmo acto de liquidação, o que significa que tem de considerar-se como não escrito o ponto 4. do probatório.

A propósito desta matéria, o Recorrente alude antes que o único documento que se encontra junto aos presentes autos para prova da data da notificação da liquidação à sociedade devedora originária é um print das Finanças, que não tem a força probatória que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” lhe atribuiu.
Será assim?

Neste domínio, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 10-07-2012, Proc. nº 05672-12 Em que o Relator neste processo é o mesmo, ao que se crê ainda inédito, onde se apontou que:
“…
Sobre a matéria essencial que envolve os autos, crê-se pertinente aludir ao recente Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, que analisa todo o percurso relativo à matéria que também interessa para estes autos, onde se aponta que:
“A questão jurídica a resolver consiste, pois, em determinar se o registo postal da carta que contém a notificação do imposto apenas pode ser provado pelo recibo emitido e entregue ao remetente pelos CTT ou também pode ser demonstrado por outros meios de prova, designadamente os registos informáticos da emissão, distribuição e entrega daquela correspondência existentes nos respectivos serviços.
Tem-se presente que a notificação é um acto independente e com vida própria relativamente ao acto a notificar. Todo o acto tributário necessita de ser notificado para produzir plenos efeitos na esfera jurídica do destinatário, erigindo-se a notificação em corolário da eficácia do acto (cfr. nº 6 do art. 77° da LGT e nº 1 do art. 36º do CPPT). O acto que se notifica deve cumprir determinados requisitos legais para ser válido, mas esses requisitos não dão eficácia ao acto notificado. A eficácia produz-se mediante a notificação, através da qual se dá a conhecer aos interessados os actos que os afectam. A separação nítida entre acto notificado – o que deve cumprir os requisitos de legalidade para ser válido – e acto de notificação, o veículo que dá a conhecer o acto notificado, significa que ambos tomam caminhos jurídicos diversos quanto à sua configuração e respectivo regime jurídico.
Deste modo, podemos assinalar às notificações tributárias algumas características básicas que as distinguem no universo dos demais actos jurídicos: (1) é um acto independente do acto que notifica, ainda que praticado em função dele; (ii) é um acto externo de comunicação, uma vez que põe em relação a administração tributária com o contribuinte; (iii) é um acto expresso, com destinatário perfeitamente individualizado; (iv) é um acto de trâmite, mas que se efectua no âmbito de um (sub)procedimento autónomo; (v) é um acto documental, uma vez que se realiza de forma a colocar o acto tributário na esfera de perceptibilidade do seu destinatário; (vi) é um acto regulado por normas de procedimento, que fixam os requisitos formais da sua produção; (vii) e é um acto que se produz de modo oficial e oficioso.
O facto da notificação corresponder ao exercício de uma actividade documentada, em virtude da qual se comunica oficiosamente ao interessado um determinado acto tributário e que lhe dá a eficácia desejada, tem como consequência que a prova da sua existência pertence à Administração. É a administração tributária quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidações adicionais do IVA apuradas na sequência de inspecção tributária, onde a recorrente exerceu o direito de audição. O artigo 92º do CIVA estabelece que a notificação dessas liquidações é feita nos termos do CPPT. Por sua vez, o nº 3 do artigo 38º do CPPT prescreve que as liquidações que resultem de «correcção à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o nº 1 do artigo 39º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.
No caso concreto, a recorrida Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo. Perante essa omissão, a recorrente conclui que não está provado o dia em que foi efectuado o registo postal da notificação, o que é impeditivo do funcionamento da presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT. A tese da recorrente parece ser no sentido de que o recibo de apresentação da carta é único meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi feito.
Não se dúvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios.
O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do nº 2 do artigo 364º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova. …
Do confronto entre os dois registos pode concluir-se, com elevado grau de probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente através de registo postal. A circunstância de constar nos registos informáticos de entidades diferentes os mesmos números de registo das notificações, a mesma indicação de que foi conseguida a entrega das cartas e as mesmas datas, segundo as regras da lógica e da experiência, que nos indicam não ser credível uma hipotética combinação entre ambas as entidades, pode considerar-se prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial, de que o registo das cartas ocorreu efectivamente …”.

Com este pano de fundo, tal discussão apenas pode ter sentido útil na presença de tais elementos, sendo que o presente processo não exibe qualquer matéria relacionada com o site dos CTT, mas consta dos autos todo o conjunto de elementos vertidos nas informações da AT, os quais sustentam a alegação de que o devedor originário foi notificado em 14-07-2005.
Ora, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
A partir daqui, e perante o que ficou exposto, tem de entender-se que a matéria relacionada com a sorte do registo postal descrito nos autos bem como a correspondência entre a liquidação apontada de IVA e o correspondente registo não está suficientemente esclarecida quer em relação ao alcance que a decisão recorrida lhe confere quer no que diz respeito à pertinência da crítica formulada pela Recorrente neste âmbito.
Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Não se pode, pois, manter o decidido que terá que ser anulado volvendo os autos à 1ª instância para a realização das diligências tendentes a apurar da real situação relacionada com a sorte do registo postal descrito nos autos e bem assim a correspondência entre a liquidação apontada de IVA e o aludido registo conforme já referido e, posteriormente, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado no âmbito do presente recurso.

4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão da prescrição, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 13 de Março de 2014
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Pedro Marques (*)
Ass. Fernanda Esteves
(*) "Vencido, nos termos da fundamentação constante do Acórdão de 27.02.2014, proc. nº 76/11.5BEPRT, por nós relatado."