Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00624/20.0BEAVR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:IDENTIFICAÇÃO DO ATO IMPUGNADO;
ÓNUS PROCESSUAL;
DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA;
Sumário:I- Conforme resulta do disposto nos artigos 78.º, n.º 2, alínea e) e 79.º, n.º 3, alínea a), ambos do C.P.T.A., impede sobre o Autor o ónus processual de completa identificação do acto que pretende impugnar.

II- Esta normação não contempla a possibilidade do Tribunal suprir oficiosamente a falta ou erro de identificação do ato impugnado em moldes tais que represente, na prática, uma efectiva substituição dos ónus processuais que impedem sobre o Autor, transferindo-os para o Juiz.

III- É sobre o Autor que impede o ónus de proceder às investigações tidas por adequadas à obtenção dos elementos em falta com vista à identificação do ato impugnado, estando-lhe vedada a possibilidade de se socorrer do Tribunal no âmbito da presente acção administrativa para satisfação de tal intento.

IV- Podendo o Autor socorrer-se do direito de consulta e informação previsto nos artigos 61º e seguintes do C.P.A., e na falta de satisfação deste, do meio processual previsto no artigo 104º do CPTA, não há que falar em qualquer denegação de justiça.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

* *
I – RELATÓRIO
1. «AA», melhor identificado nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais são Réus INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL e Município ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro editada em 30.11.2022, que absolveu os Réus da instância, “(…) por não terem sido supridas as insuficiências da petição inicial ou juntos os competentes elementos documentais (…)”.
2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1.
A decisão recorrida enferma de erro de julgamento, violando por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo art. 78°, n° 2, al. o), art. 79° e 90° do CPTA.
2.
Veio o Tribunal a quo decidir que:
«Compulsado o teor da petição inicial, constata-se que, no seu intróito, o autor indica expressamente como objecto da impugnação “o novo traçado da concordância da linha ferroviária, mediante a elaboração de um projecto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2)”.
Este o ato identificado como objecto da presente lide e cuja anulação, a final, o autor peticiona.
Todavia, não logra identificar o seu autor, a data da prática ou o concreto conteúdo do ato cuja anulação visa. Nem ainda, ao arrepio da normação constante do art. 79. °, n.0 3, al. a) do CPTA, juntar “documento comprovativo do ato impugnado”.»
3.
Ora, não podemos concordar com a posição do Tribunal a quo, porquanto ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, o Recorrente por duas vezes veio responder à solicitação do Tribunal a quo, expondo o seguinte:
O A., como pessoa individual, teve acesso à informação pública existente, pelo que quando refere expressamente como objecto da impugnação “o novo traçado da concordância da linha ferroviária, mediante a elaboração de um projecto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2)”, confiando que o A. é Infraestruturas de Portugal, NIPC ..., com sede na Praça ... ... ..., aqui R..
Como já foi solicitado na PI mas ainda não foi junto aos autos, o A. requereu aos RR. a junção aos autos do orçamento para cada uma das 3 soluções apresentadas para a alteração da linha ferroviária no ..., ..., o que permitiria verificar toda a execução de obra prevista para cada solução, e responder ao solicitado.
Mais, e como se considerará natural, o acesso ao documento sobre o respetivo teor e data da sua prática, estará na posse da R. Infraestruturas, o que se requer que seja notificada para no seu dever de colaboração, juntar aos autos.
4.
Em resposta a nova insistência do Tribunal a quo, o Recorrente reiterou o descrito de forma lapidar “no Ac. deste TCAN, de 15-07-2016, proc. n0 03773/11.1BEPRT” ou seja, que a extensão do ónus do Autor afere-se pela extensão da informação acessível emanada pela Administração”
5.
Ora, se o Recorrente juntou aos autos a informação e a documentação possível sobre os atos administrativos impugnados cuja autoria e conteúdo são manifestos, ou seja, da autoria das Infraestruturas de Portugal, IP, com o aval do Município ..., deverá considerar-se preenchido o ónus do Autor pela extensão da informação acessível emanada pela Administração, além de que os Demandados, nas contestações apresentadas, nunca invocaram a inexistência do ato impugnado ou a respectiva falta de comprovação, defendendo-se cabalmente sobre as questões fácticas e jurídicas em causa.
3.
Ora, salvo melhor opinião em contrário, com toda a documentação instruída nos autos, respeitante aos documentos anexos à P.I. e às Contestações apresentadas, considera-se que o Tribunal a quo estava em condições de aferir e comprovar a existência do ato praticado de que se pretende impugnar.
4.
E assim não cabe penalizar o Recorrente por não ter sido pedida pelo Tribunal a quo, nem prestada pelos Demandados, informação suficiente para comprovar, com maior rigor e de forma documental, o ato impugnado.
5.
Deveria assim o Tribunal a quo ter notificado os RR. para vir aos autos juntar o ato em causa, realizando as diligências de prova considerasse necessárias ao abrigo do art. 89° do CPTA e conhecer do mérito da causa.
6.
A sentença proferida ora recorrida é assim nula por violação dos art. 78°, n° 2, al. o), art. 79° e 90° do CPTA (…)”.
*
Notificados que foram para o efeito, os Recorridos INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL e Município ... produziram contra-alegações, ambos defendendo o decidido quanto à sua absolvição da instância.
*
3. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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4. A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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5. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
6. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
7. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em “(…) erro de julgamento, violando por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo art. 78º, nº 2, al. o), art. 79º e 90º do CPTA (…)”, sendo nula.
8. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
9. O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 05.01.2021, «AA» intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [cfr. fls. 1 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B. Nela demandou a (i) Infraestruturas de Portugal e o (ii) Município ... [idem];
C. E formulou o seguinte petitório: “(…)
Nestes termos e nos melhores de direito, a anulação do ato que delibera o novo traçado da concordância da linha ferroviária mediante a elaboração de um projeto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2). (…)” [idem].
D. Em 16.11.2021, o T.A.F. de Aveiro promanou decisão judicial a julgar procedente a suscitada exceção de legitimidade processual ativa do Autor [cfr. fls. 243 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
F) O Autor interpôs recurso jurisdicional desta decisão judicial, o qual, por aresto deste T.C.A.N., datado de 08.05.2022, logrou obter provimento ao recurso jurisdicional, tendo sido revogada a sentença recorrida e determinada a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar [cfr. fls. 260 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
H) Baixados os autos, por despacho datado de 06.06.2022, foi determinada a notificação do Autor “(…) para que, no prazo de 10 (dez) dias, venha proceder à identificação do autor do auto, informando sobre o respectivo teor e data da sua prática, devendo juntar aos autos, nos termos da norma citada, “documento comprovativo do acto impugnado (…)” [cfr. fls. 404 dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
I) Na sequência do que o Autor expor e requerer o seguinte: “(…)
O A., como pessoa individual, teve acesso à informação pública existente, pelo que quando refere expressamente como objecto da impugnação “o novo traçado da concordância da linha ferroviária, mediante a elaboração de um projecto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2)”, confiando que o A. é Infraestruturas de Portugal, NIPC ..., com sede na Praça ... ... ..., aqui R..
Como já foi solicitado na PI mas ainda não foi junto aos autos, o A. requereu aos RR. a junção aos autos do orçamento para cada uma das 3 soluções apresentadas para a alteração da linha ferroviária no ..., ..., o que permitiria verificar toda a execução de obra prevista para cada solução, e responder ao solicitado.
Mais, e como se considerará natural, o acesso ao documento sobre o respetivo teor e data da sua prática, estará na posse da R. Infraestruturas, o que se requer que seja notificada para no seu dever de colaboração, juntar aos autos (…)” [cfr. fls. 413 dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
J) Em 03.10.2022, o Tribunal a quo emanou despacho do seguinte teor: “(…)
Requerimento que antecede:
Muito embora extemporâneo, relativamente ao prazo de 10 (dez) dias, concedido ao autor, nos termos do disposto no art. 87.º do CPTA, para aperfeiçoamento da petição inicial; por se constatar que o autor parece entender que o suprimento da irregularidade é um dever oficioso do Tribunal, sempre se dirá, quanto ao requerido, o seguinte:
A identificação do acto impugnado, bem como a junção da prova da sua prática, correspondem a dever do autor – o qual deve, em momento prévio à acção, providenciar pela sua obtenção.
Aliás, a própria lei põe ao dispor de qualquer interessado mecanismos destinados a efectivar o direito de obtenção desses documentos, designadamente a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104.º e ss.).
Ao Tribunal cabe, nos termos do disposto no art. 87.º, n.º 2 do CPTA, convidar as partes a suprir as irregularidades patentes nos respectivos articulados, designadamente quando a parte não tenha apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa – e não substituir-se à parte no cumprimento dos respectivos deveres.
Pelo exposto, notifique-se novamente o autor para que, no prazo de 10 (dez) dias, venha proceder à identificação do acto, informando sobre o respectivo teor e data da sua prática, devendo juntar aos autos, nos termos da norma citada, “documento comprovativo do acto impugnado” – desta feita sob expressa advertência de absolvição da instância (cf. art. 87.º, n.º 7 do CPTA) (…)” [cfr. fls. 415 dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
K) Por requerimento registado sob o nº. ...71, de 19.10.2022, veio o Autor expor e requerer o seguinte: “(…)
De acordo com o que foi já referido nos autos a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA, pessoa coletiva nº ..., com sede na Praça ..., ... ..., telefone ...00, fax ...97, encontra-se a construir a Concordância entre a Linha do Norte e a Linha da Beira Alta localizada nas freguesias de ..., ... e ..., ... e Antes do Concelho da ....
O projeto faz parte integrante da modernização da Linha da Beira Alta que se enquadra nas infraestruturas de elevado valor acrescentado que integram o Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas (2014-2020) PETI3+, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 61 -A/2015, de 18 de junho.
Nos termos definidos neste diploma, este projeto vai de encontro ao preconizado para a consolidação do corredor ferroviário da rede transeuropeia de transportes (RTE-T) principal Porto/Aveiro – Vilar Formoso assegurando a ligação direta no sentido norte-sul da Linha do Norte com a Linha da Beira Alta.
Para o efeito foi necessário a Câmara Municipal ... aprovar esta construção, licenciando a mesma.
Tudo isto é algo que o Tribunal tem conhecimento.
Pelo que quando o A. é questionado qual o ato que pretende impugnar a resposta encontra-se no pedido da PI, ou seja, a anulação do ato que delibera o novo traçado da concordância da linha ferroviária mediante a elaboração de um projeto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2).
De forma lapidar se escreve no Ac. deste TCAN, de 15-07-2016, proc. nº 03773/11.1BEPRT, que “a extensão do ónus do Autor afere-se pela extensão da informação acessível emanada pela Administração”.
Tem sido entendimento do STA e também do Tribunal Constitucional, que o direito a uma tutela judicial efectiva, como, de resto, outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, não é um direito absoluto ou ilimitado, susceptível de ser exercido em qualquer caso e à margem do processo legalmente estabelecido, antes devendo ser exercitado com observância dos pressupostos acolhidos na lei ordinária, desde que, como é óbvio, tais pressupostos não se traduzam, na prática, em denegação de justiça, mediante a criação de obstáculos de tal monta que se reconduzam na supressão, ou restrição desnecessária ou desproporcional do direito de acesso à via judiciária (cfr. p. ex., os Acs. do STA de 03.04.03, rec. 1531/02, e 09-05-2000, proc.º n.º 701/02, e os Acs. do TC nº 43/92, confirmado em Plenário pelo acórdão do TC nº 366/92, ambos publicados no DR II nº45, de 23.02.1993, e ac. nº 450/91, nº 299/95, de 07.06, nº491/07, de 02.07, nº 247/02, de 04.06, nº 467/03, de 14.10, entre outros).
Perante a arvorada falta de publicação – a que daria suporte documental probatório -, nada contrariando, não é de exigir comprovação.
«Cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 186).
E.D (…)” [cfr. fls. 422 e seguinte dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
L) Em 30.11.2022, foi promanada decisão judicial a absolver os Réus da instância, “(…) por não terem sido supridas as insuficiências da petição inicial ou juntos os competentes elementos documentais (…)” [cfr. 431 e seguinte dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
M) Sobre esta decisão judicial sobreveio, em 20.12.2021, recurso jurisdicional [cfr. fls. 260 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido].



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III.2 - DO DIREITO
10. Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar a questão suscitada no recurso jurisdicional em análise, não sem antes efetuarmos uma breve resenha processual para cabal compreensão dos autos.
11. O Autor intentou a presente ação visando a anulação do ato que “(…) ato que delibera o novo traçado da concordância da linha ferroviária mediante a elaboração de um projeto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2) (…)”, tendo invocado a seu favor, fundamentalmente, a legitimidade processual que deriva do disposto nos artigos 52º, nº 3 da CRP, 2º da Lei 83/95, e artigo 9º, nº 2 do C.P.T.A.
12. O T.A.F. de Aveiro promanou despacho saneador-sentença, que julgou procedente a suscitada exceção de exceção de ilegitimidade processual do Autor, com a consequente absolvição da instância dos Réus.
13. Inconformado, o Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo, tendo invocado o erro de julgamento de direito da decisão recorrida, por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo artigos 52.°, n.° 3, da CRP e 9.°, n.° 2, do C.P.T.A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
14. Este T.C.A.N., por aresto datado de 08.04.2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão judicial recorrida e determinou a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prosseguissem os seus ulteriores trâmites processuais, se outra causa a tanto não obstar.
15. Baixados os autos, o T.A.F. de Aveiro, após algumas vicissitudes processuais, emanou, desta feita, em 30.11.2022, nova decisão judicial a absolver os Réus da instância, “(…) por não terem sido supridas as insuficiências da petição inicial ou juntos os competentes elementos documentais (…)”.
16. A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência da matéria excetiva foi a seguinte: ”(…)
Em despacho de 07.06.2022, consignou-se o seguinte:
«Compulsado o teor da petição inicial, constata-se que, no seu intróito, o autor indica expressamente como objecto da impugnação “o novo traçado da concordância da linha ferroviária, mediante a elaboração de um projecto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2)”.
Este o acto identificado como objecto da presente lide e cuja anulação, a final, o autor peticiona.
Todavia, não logra identificar o seu autor, a data da prática ou o concreto conteúdo do acto cuja anulação visa. Nem ainda, ao arrepio da normação constante do art. 79.°, n.° 3, al. a) do CPTA, juntar “documento comprovativo do acto impugnado”.»
Nessa sequência, determinou-se a notificação do autor para que, no prazo de 10 (dez) dias, viesse aperfeiçoar a petição inicial, procedendo à identificação do autor do auto, informando sobre o respectivo teor e data da sua prática, devendo juntar aos autos, nos termos do art. 79.°, n.° 3, al. a) do CPTA, “documento comprovativo do acto impugnado”.
Em resposta - aliás apresentada em juízo em 13.07.2022, há muito transcorrido o prazo de 10 dias concedido para o efeito - o autor referiu que “como pessoa individual, teve [apenas] acesso à informação pública existente”, solicitando ao Tribunal que notificasse a ré Infraestruturas de Portugal, para que esta juntasse aos autos o referido documento, que, segundo alega, estaria na posse desta ré.
Nesta sequência, por despacho de 03.10.2022 esclareceu-se e determinou-se o seguinte:
«Muito embora extemporâneo, relativamente ao prazo de 10 (dez) dias, concedido ao autor, nos termos do disposto no art. 87.° do CPTA, para aperfeiçoamento da petição inicial; por se constatar que o autor parece entender que o suprimento da irregularidade é um dever oficioso do Tribunal, sempre se dirá, quanto ao requerido, o seguinte:
A identificação do acto impugnado, bem como a junção da prova da sua prática, correspondem a dever do autor - o qual deve, em momento prévio à acção, providenciar pela sua obtenção.
Aliás, a própria lei põe ao dispor de qualquer interessado mecanismos destinados a efectivar o direito de obtenção desses documentos, designadamente a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigos 104.° e ss.).
Ao Tribunal cabe, nos termos do disposto no art. 87.°, n.° 2 do CPTA, convidar as partes a suprir as irregularidades patentes nos respectivos articulados, designadamente quando a parte não tenha apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa - e não substituir-se à parte no cumprimento dos respectivos deveres.
Pelo exposto, notifique-se novamente o autor para que, no prazo de 10 (dez) dias, venha proceder à identificação do acto, informando sobre o respectivo teor e data da sua prática, devendo juntar aos autos, nos termos da norma citada, “documento comprovativo do acto impugnado” - desta feita sob expressa advertência de absolvição da instância (cf. art. 87.°, n.° 7 do CPTA).»
Por sua vez, por requerimento de 19.10.2022, o autor veio reiterar o entendimento que já havia manifestado nos autos, referindo que o acto em questão é o identificado na petição inicial nos seguintes termos:
“(...) ato que delibera o novo traçado da concordância da linha ferroviária mediante a elaboração de um projeto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ... (Solução 2).”
Não obstante expressamente informado do dever que lhe incumbe, dos mecanismos legais colocados ao seu dispor em ordem ao cumprimento da determinação legal contida nos artigos 78.°, n.° 2, al. e) e 79.°, n.° 3, al. a) e ainda da expressa cominação de absolvição da instância, de acordo com o disposto no art. 87.°, n.° 7 do CPTA, o autor omite, como se demonstra, a identificação do autor do acto, do seu concreto conteúdo e data, bem como a junção do respectivo documento comprovativo.
Ora, de acordo com a tramitação processual relatada, importa daqui retirar as legais consequências, tudo conforme as advertências de que a parte foi devidamente notificada.
Assim, prescreve o art. 87.° do CPTA, na parte que para aqui releva:
“1 - Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
2 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
(...)
7 - A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.”
O regime legal que resulta das normas transcritas é claro, dele resultando explicitamente, tal como estabelecido no despacho mencionado, que a consequência para a falta de resposta do autor, no caso dos autos, corresponde à absolvição dos réus da instância.
Justamente, no caso em apreço, depois de devidamente notificado para o efeito, e há muito decorrido o prazo concedido, o autor optou por não dar resposta ao convite formulado pelo Tribunal, mesmo depois de advertido da cominação legal.
Note-se que não está em causa uma mera exigência formal. A verdade é que a condição legal é imposta precisamente em ordem (i) a viabilizar o cabal direito de defesa dos demandados e (ii) a permitir a aferição da validade do acto que constitui o objecto da acção, mediante a análise da integralidade dos seus elementos. Neste sentido, dir-se-á mesmo que o conhecimento do acto, na integralidade dos seus elementos, é condição sine qua non para a apreciação jurisdicional a que incumbe proceder, no âmbito do litígio que é trazido a juízo.
De resto, da análise das contestações apresentadas em juízo ressalta que ambos os réus manifestam dúvidas quanto ao(s) concreto(s) actos cuja sindicância o autor vem peticionar, daí se inferindo que aquela omissão compromete, efectivamente, o direito de defesa dos demandados.
Na realidade, como facilmente se alcança, os elementos relativos quer à autoria do acto, quer à data da sua prática, relevam desde logo na apreciação de pressupostos processuais relacionados com a legitimidade das partes ou tempestividade da acção; o mesmo se diga, no que concerne ao seu teor, relativamente à avaliação de vícios substanciais.
Por conseguinte, incumprido o dever que recai sobre o autor no que toca à identificação do acto impugnado, bem como à junção de documento comprovativo da sua prática, não restará senão absolver os demandados da instância (…)”.
17. Vem agora o Recorrente, por intermédio de um segundo recurso jurisdicional, colocar em crise tal decisão judicial, invocando, para tanto, que a mesma enferma de “(…) erro de julgamento, violando por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo art. 78º, nº 2, al. o), art. 79º e 90º do CPTA (…)”, sendo nula.
18. Realmente, clama o Recorrente que nunca dispôs do documento em causa, ou seja, do documento que delibera o novo traçado da concordância da linha ferroviária mediante a elaboração de um projeto de compensação do atravessamento do plano de água do ..., sobre o CM1714 e represa em ..., razão pela qual veio requerer ao Tribunal a quo que os RR. fossem notificados para juntar esse documento, o que o Tribunal a quo nem considerou.
19. Apregoa ainda que, com toda a documentação instruída nos autos, respeitante aos documentos anexos à P.I. e às Contestações, estava o Tribunal a quo em condições de aferir e comprovar a existência do ato praticado de que se pretende impugnar, não cabendo penalizá-lo por não ter sido pedida pelo Tribunal a quo, nem prestada pelos Demandados, informação suficiente para comprovar, com maior rigor e de forma documental, o ato impugnado.
20. Conclui, assim, que o Tribunal a quo deveria ter notificado os RR. para vir aos autos juntar o ato em causa, realizando as diligências de prova considerasse necessárias ao abrigo do art. 89° do CPTA e conhecer do mérito da causa, sendo, por isso, a sentença proferida ora recorrida é nula por violação dos art. 78°, n° 2, al. o), art. 79° e 90° do CPTA.
21. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa do Recorrente, adiante-se, desde já, que a razão não está do seu lado.
22. De facto, examinado o teor do requerimento de resposta ao convite de aperfeiçoamento formulado pelo Tribunal, apresenta-se como cristalino que o Autor, aqui Recorrente, não cumpriu devidamente o ordenado quanto à identificação do ato impugnado com junção do “documento comprovativo do acto impugnado”.
23. Realmente, no citado despacho de aperfeiçoamento foi salientada a necessidade da completa identificação da decisão [aqui integrando-se a junção do respetivo documento comprovativo] cuja impugnação o Autor pretendia ver efetivada.
24. Porém, na primeira resposta ao convite ao aperfeiçoamento, o Autor referiu que o “(…) acesso ao documento sobre o respetivo teor e data da sua prática, estará na posse da R. Infraestruturas, o que se requer que seja notificada para no seu dever de colaboração, juntar aos autos (…)”.
25. Conforme resulta do disposto nos artigos 78.º, n.º 2, alínea e) e 79.º, n.º 3, alínea a), ambos do C.P.T.A., impede sobre o Autor ónus processual de completa identificação [aqui incluindo-se a junção do respetivo documento comprovativo] do acto que se pretende impugnar nos autos.
26. Ora, o preceito acabado de citar, não contempla, quanto a nós, a possibilidade deste Tribunal suprir oficiosamente a falta ou erro de identificação do acto a impugnar em moldes tais que represente, na prática, uma efectiva substituição dos ónus processuais que impedem sobre o Autor, transferindo-os para o Juiz.
27. Ora, é o que acontece no caso sub juditio.
28. De facto, o A., ao requerer a notificação do R. nos termos e com o alcance supra explicitados, procura transferir para o Juiz o ónus processual que sobre ele impede de completa identificação do ato impugnado.
29. Ora, é sobre o Autor que impede o ónus de proceder às investigações tidas por adequadas à obtenção dos elementos em falta com vista à identificação do ato impugnado, estando-lhe vedada a possibilidade de se socorrer do Tribunal, no âmbito da presente acção administrativa, para satisfação de tal intento.
30. E não se argumente que o entendimento que se vem de expor constitui uma condicionante do acesso à justiça, pois que Autor sempre podia socorrer-se do direito de consulta e informação previsto nos artigos 61º e seguintes do C.P.A., e, na falta de satisfação deste, do meio processual previsto no artigo 104º do CPTA, o que permite, desde logo, afastar qualquer espetro de eventual denegação de justiça.
31. Deste modo, e não se retirando da segunda resposta ao convite ao aperfeiçoamento qualquer fio condutor lógico que justifique entendimento contrário, tem-se por assente que o Autor não deu cumprimento ao disposto à exigência processual prevista nos artigos 78.º, n.º 2, alínea e) e 79.º, n.º 3, alínea a), ambos do C.P.T.A.
32. Por conseguinte, em face do disposto no nº. 7 do artigo 87º do C.P.T.A, impunha-se a absolvição dos Réus da instância, dado que, in casu, e não obstante o convite ao aperfeiçoamento, é cristalino que o Autor não deu satisfação ao ordenado.
33. Deste modo, tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta fez correta subsunção ao bloco legal aplicável, não sendo, portanto, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.
34. E assim improcedem todas as conclusões deste recurso.
35. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão judicial recorrida.
36. A que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de maio de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia