Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00122/02-Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IMPUGNAÇÃO
SENTENÇA
FACTOS NOVOS INVOCADOS EM DIREITO DE AUDIÇÃO
AVALIAÇÃO DIRECTA.
Sumário:1. A sentença deve ser clara - e não pode deixar de ser – pelo que o juiz tem de encontrar a melhor forma de exposição e articulação, estruturada e lógica, que expresse «claramente» o seu pensamento, sem margem para dúvidas ou ambiguidades que comprometam a sua validade.
2. Nos termos do art. 607º/4 do CPC (correspondente ao anterior art. 659º/2 CPC, com ligeiras alterações) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
3. Na declaração dos factos provados e não provados a obrigação de clareza implica que eles não sejam expostos em «amálgama» indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal. E muito menos que tenham conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios.
4. A prática de verter nos factos provados todo o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática desadequada.
5. O relatório não está organizado sob a forma de factos que possa ser transposto «automaticamente» para a sentença. O relatório é uma informação inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, conclusões etc.
6. Neste acervo de material, só uma parte se pode considerar «factos» com o conteúdo que a lei processual civil lhe dá.
7. Por isso, se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos) descriminando-os por alíneas ou números, reflectindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT)
8. Elementos novos levados ao procedimento no exercício do direito de audição são as questões (factuais e de direito) que, a procederem, conduziriam a uma decisão diferente daquela que se projeta e que ainda não foram ponderados.
9. A ATA recorre à avaliação direta quando se limita a não aceitar os valores declarados pelo contribuinte nas suas declarações, contabilidade ou escrita, e opera sobre esses elementos de um modo mais rigoroso. Não recorre a qualquer presunção ou indício, antes lançando mão de meios directos como as declarações fornecidas por terceiros ou uma análise mais atenta dos documentos do próprio.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Mediante escritura de compra e venda e locação financeira, o BANCO... adquiriu à empresa V…, Lda dois prédios pelo valor global de 20.000.000$ expressamente com o objectivo de os dar de locação financeira à locatária “A… – Vendas”.
O BANCO... emitiu dois cheques no valor de 20.000.000$ cada sendo um emitido à ordem de V... Lda e outro à ordem de V....
Embora o sujeito passivo defendesse que o cheque à sua ordem titulava o reembolso de empréstimos particulares efectuados por si, em datas anteriores a 13/2/1997 aos sócios da A..., a ATA recolheu, em ação inspectiva, elementos demonstrativos de que o valor da compra e venda e locação financeira referente aos dois imóveis foi, efectivamente, de 40.000.000$.
Por isso a ATA considerou que o recorrente se apropriou - sem qualquer contrapartida-, daquela quantia de 20.000.000$ o que constituiu uma liberalidade, sujeita a tributação nos termos do 1º e 3º do CIMSISSD.
O contribuinte impugnou judicialmente a liquidação, mas o TAF de Coimbra julgou totalmente improcedente a impugnação.

O recurso.
Inconformado com a sentença, o contribuinte dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
1. A remissão (total)/transcrição (parcial) para o relatório de inspecção não constitui forma adequada de fixação da matéria de facto, pelo que a decisão recorrida não satisfaz, em sede de especificação da matéria fáctica relevante, as exigências vertidas nos artigos 123.º do CPPT e 659.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT), sendo nula nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT.
2. A norma do artigo 123.º, principaliter, o seu n.º 2, do CPPT, interpretado no sentido de admitir como adequadamente discriminada a matéria de facto dada como provada através de remissão/transcrição parcial de documentos constantes dos autos, de per se e/ou em articulação com o artigo 125.º do CPPT, numa dimensão normativa de acordo com a qual a “discriminação” da matéria de facto dada como provada feita por mera transcrição/remissão para documentos constantes dos autos, não configure causa de nulidade da respectiva decisão atentam, de modo flagrante, contra o parâmetro jusfundamental tipificado no artigo 20.º, na dimensão de direito a um processo justo e equitativo – due process of law, com sentido material análogo ao inferido do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3. Desde já se requerendo ao Tribunal que, após a correcta fixação da matéria de facto, ordene a notificação do recorrente para que este possa alegar o que tiver por conveniente em complemento ao constante da presente peça processual, maxime no que diz respeito a tal factualidade e respectiva valoração judicial, sendo inconstitucional, por violação das referidas exigências axiológico-normativas, o critério normativo inferido dos artigos 3.º, n.º 3, 712.º e 715.º do CPC, aplicáveis ex vi arts. 2.º e 281.º do CPPT, na interpretação segundo a qual é dispensada a audição do recorrente após a alteração/modificação ou fixação definitiva da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª instância, de modo a poder alegar, “complementando” o seu recurso, o que tiver por conveniente em face de tal fixação.
4. A norma do artigo 282.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de o prazo aí previsto não se considerar aplicável ao alegado pelo recorrente após notificação da fixação definitiva da matéria de facto, também aqui por violação do direito a um processo justo e equitativo inferido dos arts. 2.º e 20.º da CRP e por violação do parâmetro tipificado no artigo 18.º, n.º 2, do diploma fundamental.
5. Quanto ao invocado vício de preterição de formalidades legais, na dimensão da não apreciação do direito de audição exercido antes da conclusão do relatório, o recorrente entende que a douta sentença recorrida não avaliou correctamente a questão.
6. De acordo com o Ac. do STA, Secção de Contencioso Tributário, de 7.12.2005, Processo n.º 01245/03: “O artigo 60º n.º 6 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a Administração Fiscal está obrigada a pronunciar-se sobre os elementos novos, quer de facto, quer de direito, trazidos ao procedimento pelo contribuinte ou interessado em sede de direito de audição, sob pena de anulação daquela decisão administrativa, por vício de forma por deficiência de fundamentação”.
7. Ou seja, o invocado preceito da Lei Geral Tributária – artigo 60º, n.º 6 – não só não circunscreve ou reduz a obrigatoriedade de pronúncia por parte da Administração à matéria de facto invocada pelo contribuinte no âmbito do exercício do direito de audição, como impõe antes, em sede de fundamentação da decisão administrativa subsequente, a consideração dos elementos novos. Em sede decisória, incumbe à Administração o dever de considerar, de ter em conta, na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento pelo contribuinte em sede do exercício do seu direito de audição, sob pena de, não o fazendo, se impor concluir que esta última decisão se revelar inquinada do apontado vício de forma por deficiente fundamentação.
8. E no caso em análise, a AF, na apreciação do direito de audição limitou-se a afirmar: “Direito de audição – fundamentação: o sujeito passivo foi notificado para no prazo de oito dias exercer o direito de audição nos termos do art. 60.º da L.G.T. e art. 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária. A notificação foi enviada por carta registada em 07.07.00. Direito de audição exercido por escrito tendo as respectivas declarações dado entrada nesta Direcção em 19.01.00, cujo conteúdo não suscita elementos novos nem apresenta outros que sejam relevantes para que se proceda a quaisquer alterações de fundamentos e valores constantes no relatório”, demitindo-se de considerar ou de ter em conta, na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento pelo ora recorrente.
9. Como errou ao considerar quanto ao invocado vício de preterição de formalidades legais, na dimensão da inviabilização do exercício do direito de audição antes da notificação da liquidação.
10. Com o alcance consagrado, parece que o n.º 3 da LGT, elimina em grande parte a essência do direito de audiência, pois este não pode deixar de consubstanciar-se em possibilidade de pronúncia pelo interessado sobre todas as questões, de facto ou de direito, que possam relevar para a decisão. Por outro lado, a possibilidade de audição sobre as provas não se pode reduzir aos casos em que são invocados novos factos pela administração tributária, pois pode haver novos factos que a administração tributária não invoque na decisão mas que possam ser favoráveis ao interessado.
11. Por isso, o n.º 3 do art.º 60º da LGT é materialmente inconstitucional, por afectar o conteúdo essencial do direito de audiência, constitucionalmente garantido pelo art. 267.º, n.º 5, da C.R.P. e concretizado nos arts. 8.º e 100.º a 103.º C.P.A., sempre que, não se tratando de uma situação enquadrável no n.º 2 deste art. 60.º, a decisão não totalmente favorável ao interessado seja proferida sem que ele tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre qualquer questão de direito apreciada na decisão ou haja realização de diligências que produzam prova sobre factos que lhe possam aproveitar e sobre os quais não tenha podido pronunciar-se.
12. Veja-se que no caso em apreço, no direito de audição exercido, o ora recorrente até requereu que lhe fossem enviados os anexos referidos no projecto de conclusões, porquanto os mesmos lhe eram desconhecidos, razão também pela qual, não se poderia dispensar o direito de audição antes da liquidação, pelo que, ao ser preterida tal formalidade foi igualmente violado o princípio do inquisitório e do contraditório.
13. Depois, a douta sentença recorrida errou no julgamento da questão colocada que a correcção feita pela AF não foi uma correcção aritmética.
14. As correcções à contabilidade podem ser correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.
15. Que foi o que aconteceu no caso em análise: retirando ilações de factos conhecidos, nomeadamente, a escritura de compra e venda e locação financeira e a contabilização das operações pelas várias partes contratantes, os Serviços de Inspecção firmaram um facto desconhecido, isto é, a existência de simulação.
16. Os Serviços de Inspecção Tributária preteriram, assim, formalidades essenciais prescritas por lei, nomeadamente, as referidas na norma do art.º 81º do Código de Processo Tributário.
17. A não observância pela Administração Fiscal das referidas formalidades essenciais prescritas na lei, necessárias à validade do acto, gera a anulabilidade do acto por esta praticado.
18. Errando também quando conclui que a liquidação não está eivada de erro quanto aos seus pressupostos de direito.
19. A lei não prevê que a falta de conhecimento pela Administração Fiscal da existência das contrapartidas imponha ou possibilite que essa prestação tenha que ser havida como liberalidade.
20. É à AT que cabe fazer a prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) pertencendo, por contrapartida, ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos – Ac. do TCAS de 17.4.2007, Processo n.º 1213/06, ou seja, cabe à AT o ónus de provar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, competindo-lhe a prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, cabe-lhe demonstrar a factualidade consubstanciadora do pressuposto relativo à renúncia, sendo que a partir daí passa a dispor de uma presunção legal da gratuidade desta, que a dispensa de provar essa gratuidade, passando a competir à impugnante o ónus de provar o contrário, isto é, de demonstrar que o credor que renunciou ao direito não o fez por espírito de liberalidade e que houve, antes, uma contrapartida patrimonial ou uma prestação correspectiva - Ac. do TCAS de 18.10.2005, Processo n.º 1135/03.
21. A AF não provou os pressupostos dos factos constitutivos do direito que exerceu no procedimento, permitindo-se apenas invocar que “a apropriação daquele valor, em 14.02.97, sem qualquer contrapartida por nós conhecida, representa um facto constitutivo de uma liberalidade, no montante de 20.000.000$00, passível de tributação nos termos dos art. 1º e 3º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações”, sendo que, o invocado simples não conhecimento não basta para aquele fim, devendo, pois, ser onerada com tal actuação.
22. Mas independentemente de tal questão, o ora recorrente é do entendimento que foi no processo feita prova bastante para se considerar que não existiu qualquer liberalidade, pelo que, decidindo em sentido contrário a douta sentença errou no julgamento da matéria de facto.
23. Havendo que dar como provados os seguintes factos:
a) O Banco..., celebrou em 13.2.1997, no 6º Cartório Notarial do Porto, uma escritura pública de compra e venda e locação financeira, através da qual comprou à sociedade V…, Lda., dois armazéns, sitos em Tábua, escolhidos e negociados como é próprio do regime jurídico da locação financeira pela locatária A…, Lda., e que seguidamente foram dados em locação financeira a esta sociedade (Doc. de fls.)
b) O BANCO... celebrou ainda com a A... – Vendas, Distribuições, Representações e Prestação de Serviços, Lda., na mesma data, um contrato de financiamento no montante de 26.000.000$00 (Doc. de fls.)
c) E ainda um montante de 12.000.000$00 concedido a título de abertura de crédito em conta corrente por um período de seis meses renovável por iguais períodos (Doc. de fls.).
d) O cheque n.º 4001024001 no valor de 20.000.000$00 emitido pelo BANCO... à ordem da V..., Lda., refere-se ao pagamento do preço da compra dos armazéns que, seguidamente, foram dados de locação financeira aquela identificada sociedade (Doc. de fls.).
e) Na altura da celebração do contrato, referido em 2., a aludida A..., Lda., forneceu instruções ao BANCO... para que, por conta do valor financiado, fosse emitido um cheque no valor de 20.000.000$00 à ordem de V..., ora impugnante (documento de fls., onde
f) O cheque n.º 3101024002, no valor de 20.000.000$00 emitido à ordem do ora impugnante, refere-se tão somente ao reembolso de empréstimos particulares que haviam sido realizados por aquele aos sócios da referida A..., Lda. (depoimento da testemunha J...: “Mais refere que o valor de 40.000 contos é correspondente ao valor do crédito atribuído pelo Banco... à empresa A... para liquidar o armazém, no valor de 20 mil contos e uma dívida de igual montante, dos sócios da referida empresa A... ao Sr. V...” (acta de fls. 131 e segs.); depoimento da testemunha A...: “Sabe por isso que o armazém em causa foi vendido à firma A..., composto por dois pavilhões por 10 mil contos cada, no total de 20 mil contos. Os sócios da A... deviam dinheiro ao Sr. V... e teriam feito nesse negócio o acerto de contas (acta de fls. 131 e segs.); depoimento da testemunha An...: “No que respeita à venda em causa, aprecia que o negócio foi feito por 20 mil contos. Simultaneamente foi emitido pelo BANCO... m cheque no valor de 20 mil contos correspondente ao reembolso que o Sr. V... havia efectuado aos sócios da empresa A...” (acta de fls. 131 e segs.); “Após as declarações, falou com um dos sócios e deu-lhe conta das declarações juntas aos autos, sendo que foi respondido por ele que afinal não correspondiam à realidade as declarações prestadas, porque afinal o denunciante tinha emprestado dinheiro a sócios da firma”( depoimento de L..., proferido nos Autos de Inquérito n.º 279/03.6TACBR – 3 I do DIAP de Coimbra, cuja certidão se junta).
g) Que a avaliação dos dois imóveis foi feita pela testemunha M… por um valor de 9.000.000$00 ou 10.000.000$00 para cada parcela (acta de fls. 131 e segs.).
h) Que a avaliação dos dois imóveis foi feita pelo BANCO... pelo valor global de 25.000.000$00 (certidão que ora se junta).
24. Desta forma entende o ora recorrente que a prova efectuada, merecedora de credibilidade não deixa margem para quaisquer dúvidas de que o negócio em causa foi efectivamente efectuado por 20 mil contos e não por 40 mil contos, como erradamente se deu como provado, assumindo particular relevância para aquela conclusão ainda os depoimentos das testemunhas An... e M…: “Considera que não haveria benefício para a empresa V... em simular um preço diferente, pois que o valor fiscal dos terrenos e armazéns era substancialmente superior ao valor de venda dos imóveis. Precisa que o valor fiscal dos dois artigos se situava em 69 mil contos. Acrescenta ainda que, o Sr. V... foi avalista das operações financeiras – leasing e mútuo – até ao valor de 45 mil contos, independentemente do valor atribuído ao armazém. Colhia particular relevância nesta operação a garantia pessoal do Sr. V...” (acta de fls. 131 e segs.); “Tem por isso conhecimento que foi feita internamente uma avaliação imobiliária dos terrenos dos armazéns em causa” (acta de fls. 131 e segs.).
25. Errou a douta sentença recorrida de forma patentemente flagrante na avaliação dos factos em discussão, permitindo-se mesmo referir que os depoimentos das testemunhas não se revelaram minimamente consistentes e credíveis, sem que, contudo, avançar com qualquer explicação para tal.
26. Havendo ainda que dar como assente a seguinte factualidade:
i) Para suspensão da execução fiscal n.º 0868-02/1001181.7 no montante de 42.712.60€, foi pelo impugnante apresentada em 21.6.2002 a garantia bancária n.º 125-02-0256214 do Banco Comercial Português no valor de 54.868.53€ (informação de fls. do PA).
27. Tendo o recorrente apresentado garantia bancária no processo de execução fiscal para suspensão da mesma e tendo obtido vencimento de causa no processo de impugnação onde se discute a legalidade da dívida exequenda e sendo esta anulada por erro imputável aos serviços que se verifica se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação (Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis 1999, em anotação ao art.º 53º ), tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do art.º 53º da LGT.
28.Estando aqui em causa um princípio muito importante de justiça processual, que foi descoberto por CHIOVENDA e trazido para Portugal pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE: a inevitável demora do processo ou a necessidade de a ele recorrer não pode causar dano à parte que tem razão (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 388)” - Acórdão do STA de 18/12/2002 tirado no Recurso n.º 0940/02.
29.Ademais, consagra o art.º 100º da LGT que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão “, representando este preceito um simples postulado do princípio constitucional que dispõe que as decisões dos tribunais transitadas em julgado são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 205.º da Constituição), sendo também um simples corolário do sentido do princípio rector constitucional nos termos do qual o poder jurisdicional foi constitucionalmente conformado enquanto órgão de soberania, imparcial e independente e por via do qual as decisões são obrigatórias ex natura constitucional e não por força de qualquer poder exterior.
30.A administração está assim obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um seu acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, sendo que a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigatoriedade da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art.º 43.º da LGT e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o art. 53.º do mesmo diploma legal.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, com a consequente anulação da liquidação impugnada e bem assim com a condenação da Administração Fiscal no pagamento da indemnização referida no art.º 53º da LGT, por força da prestação de garantia bancária apresentada pelo recorrente para suspensão do processo de execução fiscal, assim se fazendo Justiça.



CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Sra. PGA junto deste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes:
Saber se a sentença enferma de nulidade, por violação do disposto no art. 123º e 659 do CPC; se padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
Foi feita uma inspecção ao exercício de 1997 em matéria tributária, a qual originou uma liquidação de imposto sucessório de 31.798,36 € e 10.914.24 a título de juros compensatórios, baseando-se a mesma no relatório de fls. 4 a 14 e respectivos anexos do p.a. apenso, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, do qual resulta que: em 13.02.97, por escritura de compra e venda e locação financeira celebrada no 6.° Cartório Notarial do Porto, o BANCO... adquiriu à empresa V..., L.da os prédios urbanos, sitos em Tábua e inscritos na respectiva matriz predial da freguesia de Tábua, sob os artigos n°s 1… e 1…., pelo preço global de 20.000.000$00, expressamente com o objectivo de os dar de locação financeira à empresa (locatária) A... - Vendas, Distribuições, Representações e Prestações de Serviços, L.da, NIPC: 5…, com sede em Tábua.
De acordo com as condições específicas do documento complementar à escritura, o montante a financiar (artigo terceiro) é de 22.000.000$00 e o capital seguro (artigo sétimo) será de, pelo menos, 45.000.000$00.
Para efeitos de liquidação de sisa (conhecimento de sisa n. 090/97, de 04.02.97, emitido pela Repartição de Finanças de Tábua) foi declarado o preço de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos,). Anexo 3. Ainda, na empresa A…, em face de acção inspectiva levada a efeito em 31.03.99, foram verificados os seguintes factos constantes dos seus elementos contabilísticos: em Agosto de 1997, na conta 42.2-Edifícios e outras construções foi lançado a débito, o valor de 40.000.000$00, pela aquisição dos prédios antes referidos e destinados a armazéns, bem como o valor de 2.000.000$00 (imposto de sisa), através das notas de lançamento com os registos contabilísticos n°s 2.818 e 2863-E, respectivamente; O pagamento do valor daquela aquisição (40.000.000$00) foi efectuado através da conta de depósitos à ordem n° 44948210001, junto do BANCO... e titulado pelos cheques n°s: 4001024001 e 3101024002, de 13.02.97, emitidos pelo BANCO..., no valor de 20.000.000$00 cada (o primeiro foi emitido ordem de V... ..., L.da e o segundo emitido à ordem de V...) e lançado a crédito da conta 12.7;
Em Agosto/97, na conta 12.7 (Depósitos à Ordem - BANCO...) da sua contabilidade, foram efectuados os seguintes lançamentos: a débito os montantes de 26.000.000$00 (Reg. contab. n° 2828) e de 22.000.000$00 (Reg. contab. “ 2863-A), correspondentes aos financiamentos referidas anteriormente a crédito os montantes de 20.000.000$00, 20.000.000$00 e de 2.000.000$00 (Reg. contab. n° 2863-B), correspondentes ao valor da aquisição dos imóveis referidos anteriormente e ao valor da sisa liquidada; os dois imóveis (armazéns antes referidos) encontram-se segurados desde 08.02.97, na Companhia Real Seguros, S.A., sediada no Porto, sob a Apólice n°21/002723, no valor de 45.000.000$00, tendo o prémio do seguro relativo ao período 2/97 a 02/98, no valor de 58.179$00, sido pago pela empresa A... e contabilizado a crédito da conta 12.7 (Depósitos à Ordem - BANCO...), por contrapartida da conta 6222323;
Na empresa V... ..., Lda, NIPC: 500295700:
Pela alienação daquele imobilizado antes referido, esta empresa apenas contabilizou e declarou o valor de 20.000.000$00, efectuando os seguintes lançamentos contabilísticos: pela venda, debitou a conta 26.8.1.17 (Devedores por Vendas de Imobilizado - BANCO...) pelo valor de 20.000.000$00, através do registo n° de 28.02.97, por contrapartida da conta 79.4.2.2 e das respectivas contas da classe 4; Ver Anexo 7. Pelo recebimento (cheque n° 1024001.85 de 13.02.97, emitido pelo BANCO...), debitou a conta “Caixa” pelo valor de 20.000.000$00, por contrapartida da conta 26.8.1.17 (registo n° 23, de 28.02.97); pelo depósito daquele cheque, debitou a conta 12.6. (Depósitos à Ordem - BTA) pelo valor de 20.000.000$00, por contrapartida da conta “Caixa” (registo n.° 22, de 28.02.97), Ver Anexo 8.
Ainda, para apuramento das mais/menos valias contabilísticas e fiscais na venda do imobilizado em questão, esta empresa considerou como valor de realização o montante de 20.000.000$00. Ver Anexo 9. Após solicitação, ao sócio-gerente da empresa (Oficio n° 04194, de 27.05.99), de esclarecimentos sobre quais as transacções tituladas pelos referidos cheques, aquele responsável veio, por carta datada de 04.06.99, informar o seguinte: o cheque n° 4001024001, no valor de 20.000.000$00, sobre o BANCO..., de 13.02.97, à ordem de V... , L.da, titula o recebimento correspondente à venda do edifício comercial (escritura de compra e venda de 13.02.97);
O cheque nº 3101024002, no valor de 20.000.000$00, sobre o BANCO..., de 13.02.97, à ordem de V..., titula o reembolso de efectuados por si, em datas anteriores a 13.02.97, aos sócios de empresa A.... Quanto á informação de que este último cheque titula empréstimos particulares, é de referir que tal facto não está evidenciado na contabilidade das empresas em questão, nem se conhece a existência de quaisquer contratos ou escritura pública que registem tais empréstimos, conforme obriga o estabelecido no artigo 1143° do Código Civil. Do BANCO... Banco..., S.A., NIF 5… Por carta datada de 20.04.99, após solicitação para o efeito, esta instituição bancária enviou cópias (frente e verso) dos cheques por ela emitidos, com os n°s 4001024001 e 3101024002, no valor de
20.000.000$00 cada, onde está registado: Ver Anexo 11.

Que o primeiro cheque, à ordem de V..., L.da, foi o seu valor recebido para crédito da conta do beneficiário (conta n° 02314850/001/237) do Banco Totta & Açores - Agência em Tábua; o segundo cheque, à ordem de V..., foi o seu valor recebido para crédito da conta do beneficiário (conta n° 40011.76) na CCAN Beira Centro_ Tábua. Foi ainda pedido esclarecimento (Oficio n° 04193, de 27.05.99) de quais as transacções tituladas pelos referidos cheques, tendo o BANCO..., por carta datada de 05.07.99, informado o seguinte: Ver Anexo 12; cheque n° 4001024001, no valor de 20.000.000$00, sobre o BANCO..., de 13.02.97, à ordem de V..., L.da, refere-se ao pagamento do preço de compra dos armazéns que foram dados de locação financeira; o cheque n° 3101024002, no valor de 20.000.000$00, sobre o BANCO..., de 13.02.97, foi emitido à ordem de V..., a pedido da empresa A…M, por conta do contrato de financiamento no montante de 26.000.000$00
O Cartório Notarial do Porto, depois de solicitado através dos Ofícios datados de 09.04.99 e 27.05.99, enviou por Ofício n° 212, de 21.05.99, cópia do contrato de compra e venda e locação financeira celebrado em 06.02.97 e do respectivo documento complementar.
Síntese dos factos verificados

Em face dos factos e procedimentos antes referidos, designadamente nas alíneas D, E e F do ponto 1.1 e nas alíneas B e C do ponto 1.2, deste relatório, onde está demonstrado que o valor real da transmissão dos dois imóveis foi de 40.000.000$00, consubstanciado pelo pagamento/recebimento através dos dois cheques no valor de 20.000.000$00 cada, as entidades e os seus responsáveis intervenientes praticaram a ocultação de factos e valores pela celebração de negócio simulado, quanto ao valor declarado na escritura de compra e venda e locação financeira, constituindo tal prática fraude fiscal tipificada no artigo 230 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, de que resultaram vantagens patrimoniais indevidas e consequente prejuízo para a Administração Fiscal, em termos de impostos (IRC, Sisa e Sucessório) a seguir quantificados.
Tributação
2.1 - Imposto Sucessório - V...:
Perante os factos verificados, este sujeito passivo apropriou-se de parte do recebimento pela alienação do imobilizado corpóreo da empresa V..., L.da, no montante de 20.000.000$00, através do crédito na sua conta (conta n° 40011.76) da CCAM Beira Centro - Tábua, em 14.02.97, pelo depósito do cheque n° 3101024002, sobre o BANCO..., de 13.02.97, emitido à sua ordem. A apropriação daquele valor, em 14.02.97, sem qualquer contrapartida por nós conhecida, representa um facto constitutivo de uma liberalidade, no montante de 20.000.000$00, passível de tributação nos termos dos artigos 1° e 3° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, tendo como beneficiário o Sr. V... e autor da liberalidade a empresa V..., L.da, ambos sediados em Tábua.
Dos factos verificados, vai ser prestada informação para envio à Repartição de Finanças do concelho de Tábua, para efeitos dos artigos 59.° e 60.° do Código do Imposto Municipal de Sisa de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Imposto Municipal de Sisa BANCO... Banco...
Dos factos antes descritos, que se consubstanciam na transmissão, a título oneroso, de dois edifícios destinados a armazéns, pelo preço de 40.000.000$00, de que é adquirente o BANCO... e dado que o adquirente, conforme escritura de compra e venda, apenas declarou como preço da referida transmissão o valor de 20.000.000$00, há que proceder à liquidação de sisa pela diferença de valores, de conformidade com o disposto nos artigos 2.º, 7.º, 19.°, 33.° 46.° e 115.° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações. Foi levantado auto de notícia, pela ocultação de factos e valores em face do preço simulado na celebração da escritura de compra e venda e locação financeira (fraude fiscal tipificada no artigo 23° do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras), às entidades e aos seus responsáveis intervenientes.
Direito de audição - fundamentação: o Sujeito passivo foi notificado para rio prazo de oito dias exercer o direito de audição nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária. A notificação foi enviada por carta registada em 07.01.00. Direito de audição exercido por escrito tendo as respectivas declarações dado entrada nesta Direcção em 19/1/00, cujo conteúdo não suscita elementos novos nem apresenta outros que sejam relevantes para que se proceda a quaisquer alterações de fundamentos e valores constantes no relatório.
b) No exercício do direito de audição o impugnante disse:
(...) Tal cheque não está relacionado de forma alguma com o negócio da alienação do referido edifício comercial, mas tão somente com a impossibilidade que os sócios daquela empresa tiveram no passado em se financiarem junto da Banca e com o início das relações comerciais com o identificado banco, para a realização de operação de locação financeira imobiliária, o que viabilizou a realização de um mútuo com a finalidade de liquidação dos aludidos empréstimos particulares.»
c) no âmbito do procedimento de inspecção o contribuinte por escrito disse: «(...) Cheque n° 3101024002 no valor de 20.000.000$ (...) refere-se ao reembolso de empréstimos particulares que haviam sido efectuados por V..., em datas anteriores a 97.02.13, aos sócios da empresa A..., por intermédio do advogado desta empresa Dr. A…, com o objectivo de efectuara adiantamentos a produtores de fruta das regiões do Alentejo e Algarve.
(...) mas tão só com o facto de, na impossibilidade de os sócios da empresa “A...” se financiarem individualmente, e aproveitando o início das relações comerciais com o BANCO... com a realização da operação de locação financeira do edifício comercial, se ter proporcionado contracção de um mútuo para a empresa com o objectivo de liquidar os empréstimos particulares a V..., mútuo que seria posteriormente pago com entradas dos sócios em suprimentos.»

Sobre a matéria não provada, a sentença registou o seguinte:
O negócio titulado pela escritura pública de compra e venda com locação financeira foi realizado pelo preço de 20.000.000$00.

Na motivação da decisão de facto diz-se o seguinte:
Os factos basearam-se nos documentos juntos ao processo nomeadamente o p.a. apenso do qual consta todos os documentos referenciados, bem como o contrato de financiamento com a respectiva alteração n°1, dos quais resulta que o que efectivamente foi realizado foi urna compra e venda pelo valor de 40.000.000$, porque o valor do financiamento assim o indica, o valor pelo qual foi feito o seguro, a data em que os cheques são emitidos e entregues ao seu beneficiário com a ausência total de explicação plausível e credível para o cheque emitido à ordem do impugnante fosse para pagar dívidas ou quaisquer outras prestações. Por fim cabe referir que o depoimento das testemunhas não tem qualquer credibilidade, resulta dos depoimentos das testemunhas que sabem que o negócio foi realizado por 20 mil mas não é evidenciada qualquer razão preponderante para que soubessem de tal facto, depois os depoimentos do contabilista e economista além de opiniões técnicas também não justificam a razão da emissão do cheque à ordem do impugnante. Em suma a prova testemunhal, na parte que relevaria, não é minimamente consistente e credível.



III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto à nulidade da sentença por incumprimento das exigências vertidas nos artigos 123ºº do CPPT e 659º/2,3 do CPC (conclusões 1 a 4).

O recorrente começa por imputar à sentença o vício de nulidade por a sentença não satisfazer as exigências vertidas nos arts. 123º do CPPT e 659 do Código de Processo Civil («ex vi» do art.º 2º/e) do CPPT).
Conclui, a este propósito, que «A norma do artigo 123.º, principaliter, o seu n.º 2, do CPPT, interpretado no sentido de admitir como adequadamente discriminada a matéria de facto dada como provada através de remissão/transcrição parcial de documentos constantes dos autos, de per se e/ou em articulação com o artigo 125.º do CPPT, numa dimensão normativa de acordo com a qual a “discriminação” da matéria de facto dada como provada feita por mera transcrição/remissão para documentos constantes dos autos, não configure causa de nulidade da respectiva decisão atentam, de modo flagrante, contra o parâmetro jusfundamental tipificado no artigo 20.º, na dimensão de direito a um processo justo e equitativo – due process of law, com sentido material análogo ao inferido do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».

Efectivamente, quer o art. 659º do CPC (art.º 607º - redacção actual) quer o CPPT (artsº 123 a 125º) enunciam os princípios gerais e as regras específicas a que deve obedecer a sentença - acto por meio do qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa - art.º 152º/2 CPC.

Assim, a sentença deve ser estruturada por três grandes partes, ou capítulos, a saber:
o relatório (art.º 659º/1CPC e 123º/1, 1ª parte do CPPT);
a fundamentação (art.º 659º/2 CPC e 123º/1, 2ª parte e 123º/2 do CPPT) e
a conclusão final (art.º 659º/4, 152º/2 CPC e 124º/1 do CPPT).

Ora se a primeira e a terceira partes não levantam questões práticas de maior, o mesmo não se pode dizer em relação à segunda parte, respeitante à fundamentação.

Na fundamentação da sentença a lei determina que o juiz «tome em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer (art.º 659º/3 do CPC).

Mais impressivamente, diz o actul art.º 607º/4 do CPC que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (art.º 607º/4 CPC).

O conteúdo do capítulo respeitante à fundamentação é de tal modo extenso e complexo que se não for traduzido em prática clara pode tornar a sentença completamente obscura, inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, podendo levar à declaração de nulidade (art.º 615º/1,c) NCPC), ou ao pedido de esclarecimento, previsto no art. 669º/1,a) do anterior CPC.

Se a sentença deve ser clara - e não pode deixar de ser - o juiz tem de encontrar a melhor forma de exposição e articulação, estruturada e lógica, que expresse «claramente» o seu pensamento, sem margem para dúvidas ou ambiguidades que comprometam a sua validade (art.º 615º/c) CPC).

Tarefa que nem sequer é difícil face à quantidade de sentenças e acórdãos publicados que permitem extrair um «modelo», adaptável às caraterísticas próprias de cada juiz, e que de algum modo espelham um esforço permanente de clareza (e por isso, também, de simplicidade).

Lançando um olhar sobre os acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, verificamos que se tem dividido o capítulo respeitante à fundamentação de facto, em três partes: Uma que inclui os factos provados, outra para os factos não provados e uma terceira referente à análise crítica da prova, também chamada motivação da decisão de facto (quando esta não se faz facto a facto, porventura a forma mais clara e precisa de expressar a motivação).

Mas também em relação a cada uma destas partes da fundamentação factual há regras de estrutura e clareza que devem ser observadas.

Assim, na declaração dos factos provados e não provados a obrigação de clareza implica que eles não sejam expostos em «amálgama» indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal. E muito menos que tenham conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios.

O ditame do art. 607º/4 do CPC (correspondente ao anterior art. 659º/2 CPC, com ligeiras alterações) é claro: o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados. Por seu turno, o art. 123º/2 do CPPT manda discriminar a matéria provada da não provada, cominando com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito.

A declaração do juiz sobre os factos que julga provados e não provados é sobre factos. E não sobre outra coisa qualquer que não sejam factos (pese embora a distinção entre facto e direito nem sempre seja fácil).

Mais uma vez um olhar sobre os acórdãos proferidos pelos tribunais superiores demonstra que os factos são cuidadosamente separados por números ou alíneas, cabendo a cada número ou alínea determinado facto, ordenado segundo uma sequência lógica ou temporal.

Isto não só por dever de clareza e objectividade, mas também porque a sentença assenta num diálogo constante (num movimento lógico de vai – vem) entre o facto e o direito (A. Varela e outros in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 666) ao qual o juiz (e as partes) têm de recorrer permanentemente para exporem o seu raciocínio, o direito que mobilizam e os factos ao qual o aplicam.

Ora tal «diálogo», que se assume imperioso na sentença, não é possível fazer-se (ou pode ser demasiado difícil de fazer) quando na estrutura desta se não separam ordenadamente os factos relevantes obrigando o intérprete a «decantá-los», substituindo-se ao dever inalienável do juiz nessa matéria.

Do exposto já se vê que a prática de verter nos factos provados todo o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática que não acompanhamos.

E não acompanhamos porque o relatório não está organizado sob a forma de factos que possa ser transposto «automaticamente» para a sentença. O relatório é uma informação inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, conclusões etc.
Neste acervo de material, só uma parte se pode considerar «factos» com o conteúdo que a lei processual civil lhe dá.

Por isso, se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão (o que sucede na maioria das vezes), deverá cuidadosamente selecioná-los (e só os factos) descriminando-os por alíneas ou números, reflectindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT)

Mas embora não satisfaça as regras da boa prática jurídica, tal modo de estruturar a fundamentação de facto não a fere, imediatamente, de nulidade, a menos que pelo seu conteúdo ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615º/c) do NCPC - no anterior art. 669º do CPC a obscuridade ou ambiguidade da sentença era fundamento de pedido de «esclarecimento» - ou falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito, ou algum dos restantes elementos previstos no art. 125º/1 CPPT .

Mas diferentes desta, são as situações em que o juiz não fixa quaisquer «factos», limitando-se a remeter para os documentos que se encontram no processo, e que contêm os «factos» relevantes.

Ora, este modo de fixação dos factos provados tem sido objecto de repetida condenação por parte dos tribunais superiores (cfr. a título de exemplo os Ac. do STA n.º 0596/07 de 31-10-2007 (Relator: ANTÓNIO CALHAU) Sumário: « I - Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. II - A mera remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, um meio de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados» e do STJ n.º 186/1999.P1.S1 (Relator: OLIVEIRA ROCHA) de 25-03-2010) Sumário : «I - Os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos, constituindo, portanto, prática incorrecta, na decisão sobre a matéria de facto, remeter para o teor de documentos».).

Com esta prática (ilegal) o juiz omite o dever de fixar os factos que julga provados, não os discrimina, como lhe impõe o art.º 659º/2 CPC (607º/3 NCPC), ou especifica, como exige o art.º 125º/1 do CPPT.

Esta prática tem consequências graves que se reflectem na clareza devida na fundamentação (de direito e de facto) mas também na própria validade da sentença.

Com efeito, se nos «factos provados» não consta qualquer facto, mas apenas a remissão para um documento, este procedimento configura uma omissão da especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, fulminando com nulidade (parcial) a respectiva sentença (art.º 615º/1,b) CPC e 125º/1 do CPPT).

Porém, tal não é o caso dos autos.
A sentença «acolheu» na fundamentação de facto a quase totalidade do conteúdo do relatório. Não sendo uma prática consentânea com a melhor técnica, ainda assim não é fundamento de nulidade porque a matéria de facto provada e não provada está devidamente discriminada, e os factos mostram-se suficientemente especificados (art. 123º/2 e 125º/1 do CPPT).

E como tal, improcedem as conclusões 1 a 4.

Quanto à preterição de formalidades legais na dimensão da não apreciação do direito de audição exercido antes da conclusão do relatório. (conclusões 5 a 12)

Nesta parte, o recorrente entende que a sentença recorrida não avaliou correctamente a questão, na medida em que a AF se demitiu de analisar as questões ou de «…ter em conta na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os elementos, quer de facto, quer de direito trazidos ao procedimento pelo recorrente».

O direito de audição regulado genericamente no art. 60º da LGT é uma garantia dos contribuintes que integra o direito de participação no qual o interessado é chamado a pronunciar-se sobre um projecto de decisão da administração.

A notificação a efectuar para esse efeito, deve fornecer os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, quer de facto quer de direito, concedendo-lhe assim, real oportunidade de se pronunciarem sobre o conteúdo e o mérito da decisão final, evitando-se as chamadas «decisões surpresa», com as quais o contribuinte não contava (cfr. Rui Duarte Morais “Manual de Procedimento e Processo Tributário”; Almedina, 2012, pp. 42 e segs..).

E para garantir o efectivo contraditório, o n.° 7 do art.° 60.° impõe que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes sejam tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. «A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, "Lei Geral Tributária", 2012, pp. 513).

Mas o que são elementos novos?
Na lição Rui Duarte Morais, elementos novos serão as questões (factuais e de direito) que, a procederem, conduziriam a uma decisão diferente daquela que se projeta.

O impugnante, ora recorrente, foi notificado para exercer o direito de audição.
E exerceu.

Mas na apreciação que a ATA dele fez, diz-se que o seu «…conteúdo não suscita elementos novos nem apresenta outros que sejam relevantes para que se proceda a quaisquer alterações de fundamentos e valores constantes no relatório».

Ora na sentença a MMª juiz apreciando a questão decidiu que
«No exercício do direito de audição o impugnante disse: (...) Tal cheque não está relacionado de forma alguma com o negócio da alienação do referido edifício comercial, mas tão somente com a impossibilidade que os sócios daquela empresa tiveram no passado em se financiarem junto da Banca e com o início das relações comerciais com o identificado banco, para a realização de operação de locação financeira imobiliária, o que viabilizou a realização de um mútuo com a finalidade de liquidação dos aludidos empréstimos particulares.»
O que diverge este texto daqueloutro subscrito pelo contribuinte, que constitui o anexo 10 do relatório, no qual se afirma «(...) Cheque n° 3101024002 no valor de 20.000.000$ (...) refere-se ao reembolso de empréstimos particulares que haviam sido efectuados por V..., em datas anteriores a 97.02.13, aos sócios da empresa A..., por intermédio do advogado desta empresa Dr. A…, com o objectivo de efectuar adiantamentos a produtores de fruta das regiões do Alentejo e Algarve.
(...) mas tão só com o facto de, na impossibilidade de os sócios da empresa “A...” se financiarem individualmente, e aproveitando o início das relações comerciais com o BANCO... com a realização da operação de locação financeira do edifício comercial, se ter proporcionado contracção de u mútuo para a empresa com o objectivo de liquidar os empréstimos particulares a V..., mútuo que seria posteriormente pago com entradas dos sócios em suprimentos.»
Em ambos os documentos são referidos os mesmos factos, o cheque é para pagar um empréstimo feito pelo impugnante aos sócios da A..., por dificuldades, tidas por eles, em se financiarem aproveitando, assim, o negócio de compra e venda e locação para o fazer.
Manifestamente que não há aqui qualquer vício de procedimento pois não se omitiu aqui qualquer decisão ou diligência que fosse necessária dar».

E de facto assim é. Não foi requerida qualquer diligência, pelo que não sendo realizada, não há qualquer vício do procedimento.

E analisando os factos alegados no direito de audição, eles referem-se à circunstância de um dos cheques (n.º 4001024001) respeitar ao valor do recebimento correspondente à venda do edifício comercial e o outro (n.º 3101024002) titular o reembolso de empréstimos particulares efectuados por V... aos sócios da empresa A....
Ora essa informação já tinha sido prestada à AT pelo ora recorrente, por carta datada de 4/6/1999.
Por isso, repetir o mesmo no âmbito do direito de audição desonera a ATA do dever de pronúncia. Efectivamente, nada de novo foi trazido aos autos.

Como salienta Rui Duarte Morais (op. cit. pp. 44) «A lei não obriga a administração fiscal a pronunciar-se sobre todos e cada um dos argumentos expendidos pelos interessados, mas apenas sobre aqueles que, objetivamente, possam ser relevantes para a tomada de uma boa decisão…».

O recorrente defende ainda que a sentença errou na inviabilização do exercício do direito de audição antes da notificação da liquidação, louvando-se no ac. do STA n.º 01245/03, de 7/12/2005 (conclusões 9 a 12).

A sentença, porém, não reconheceu a ocorrência deste vício, referindo a propósito que «O art. 60, n°1. da LGT assegura a participação dos contribuintes na formação das, decisões que lhes digam respeito.
O impugnante foi ouvido nos termos do art. 60° do projecto de correcções e das conclusões do relatório da inspecção.
Ainda assim deveria o impugnante ser ouvido antes da liquidação do imposto?
A tal questão em concreto pronunciou-se já o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no qual, passamos a transcrever: «A questão encontra-se resolvida no n°3 do art. 60º da LGT, que dispõe: ”Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n°1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em casos de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado”
É certo que este normativo resulta do n°1 do art. 13° da Lei n° 16-A/2002 de 31/5, ou seja posterior à acção de fiscalização e à notificação da inspecção tributária.
Porém, o n°2 daquele art. 13° estatui que o citado n°1 tem natureza interpretativa.
E, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13°, n°1, do Código Civil).
A lei interpretativa, que é uma interpretação autêntica da lei, é vinculativa».
Diga-se ainda que no que respeita ao n°3 do artigo em apreço o Tribunal Constitucional já também se pronunciou.
Mas ainda que assim não fosse, já antes da nova redacção do n°3 do art. 60° da LGT dada pelo art. 13° da Lei 16-A/02, já a jurisprudência do Supremo havia formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las (3). O direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer a influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.(4)
Tendo sido assegurado o exercício do direito de audição no âmbito do procedimento da inspecção, dando conhecimento das correcções e do relatório não se verifica a invocada preterição legal.»

Tendo em conta jurisprudência uniforme após o ac. do Pleno da Secção do CT n.º 0131/07 de 24-10-2007, não podemos deixar de concordar com a douta sentença, que nesta parte fez uma correcta interpretação dos critérios e oportunidade do exercício do direito de audição (ac. do Pleno da Secção do CT n.º 0131/07 de 24-10-2007 sumário I – O n. 1 do art. 60º da LGT assegura a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito.
II – Tendo o contribuinte, no decurso de uma acção de fiscalização, sido notificado, ainda no âmbito do procedimento inspectivo, do projecto das correcções, nos termos do citado art. 60º da LGT, sendo assim ouvido numa das fases do procedimento inspectivo, não tem que ser de novo ouvido antes da liquidação.
III – É o que resulta do disposto no n. 3 do citado art. 60º da LGT, na redacção do n. 1 do art. 13º da Lei n. 16-A/2002, de 31/5.
IV – Nos termos do n. 2 do art. 13º desta lei, aquele n. 1 tem natureza interpretativa.

E ao contrário do que defende o recorrente (conclusão 11), não vemos que esta solução padeça de qualquer inconstitucionalidade. O impugnante teve oportunidade de se pronunciar sobre os fundamentos e projecto de decisão, dando assim cumprimento ao comando constitucional previsto no art. 267º/5 da Constituição.

A circunstância de o impugnante ter requerido o envio dos anexos referidos no projecto de conclusões não implica a notificação para exercício do direito de audição antes da liquidação. Tal pedido não o impediu de tecer as considerações que achou pertinentes, nem na oportunidade alegou qualquer dificuldade no exercício do direito de audição em consequência da alegada falta de documentos.

Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto (conclusões 22 a 30).
O impugnante defende haver erro no julgamento da matéria de facto porquanto entende que no processo foi feita prova bastante de que não existiu qualquer liberalidade no montante de 20.000.000$.

E por isso considera deverem ser provados os seguintes factos.
- Constantes da escritura pública de compra e venda e locação financeira (conclusão 23-a);
- Constantes do contrato de financiamento celebrado entre o BANCO... e A... (conclusão 23-b);
- Que o cheque n.º 4001024001 se refere ao preço de compra dos armazéns que seguidamente foram dados de locação financeira (conclusão 23-d);
- Que na altura da celebração do contrato entre o BANCO... e A... esta forneceu instruções ao BANCO... para que pr conta do valor financiado fosse emitido um cheque no valor de 20.000.000$ à ordem do impugnante (conclusão 23-e);
- O cheque n.º 3101024002 no valor de 20.000.000$ constitui reembolso de empréstimos particulares realizados pelo impugnante (conclusão 23-f);
- A avaliação dos dois imóveis foi feita pela testemunha Marcos Augusto Rosário Serra por um valor de 9.000.000$ ou 10.000.000$ para cada parcela (conclusão 23-g)
- Que a avaliação dos dois imóveis foi feita pelo BANCO... pelo valor global de 25.000.000$
- Para suspensão da execução fiscal n.º 0868-02/1001181.7 foi prestada garantia bancária (conclusão 23-i)

Estes factos são sustentados em documentos e prova testemunhal, cuja inquirição se encontra documentada a fls. 131 e segs. dos autos.

Para além disso, o recorrente juntou com as alegações de recurso um conjunto de documentos sem especificar o fim a que se destinam, nem os fundamentos jurídicos da sua junção.

Os documentos juntos são em número de três:
uma certidão de denúncia de V... contra Luís Alberto Fonseca Lopes e declarações deste como arguido prestadas em 3/7/2003; uma cópia de «fax» proveniente de A..., com data de 12 de Janeiro de 1998, e um documento de avaliação emitido por Parvir em 30/1/1997.

Nos termos do Art. 693º-B do CPC (aditado pelo Decreto - Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a quês e refere o art. 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude julgamento proferido na primeira instância e nos caos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art. 691º

Não são documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, e tendo em conta a data em que foram produzidos os documentos, poderiam ter sido apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância (art. 523º/2 do CPC).

E também não são documentos necessários em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. O facto de a sentença ter sido desfavorável ao recorrente, não é motivo suficiente para se admitir a junção dos documentos. «A necessidade de junção por via do julgamento efectuado, só se verifica, quando pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se torne necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas» inserto no indicado normativo, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes da prolacção da decisão de 1ª instância ( vide Ac. do STJ de 12-1-94, BMJ 433, pág. 467 ), situação que, igualmente, se não verifica no caso vertente» (ac. do Ac. do TRC n.º 2561/05 de 22-11-2005 Relator: GARCIA CALEJO)

Não se admite, por isso, a junção dos documentos.

Retomando a questão do erro de julgamento da matéria de facto, desde já se adianta que a prova dos factos que o impugnante reclama está em contradição com a prova fixada no probatório. Não é possível considerar-se provado que o valor de venda dos imóveis foi de 20.000.000$ sem colidir com o facto provado segundo o qual este valor foi 40.000.000$.

Isto significa que o recorrente, além do aditamento de matéria de facto, discorda e pretende a reapreciação dos factos provados, sem no entanto, dar cumprimento ao disposto no art. 685-B/1,a) do CPC (actual art. 640º do NCPC).

Tal omissão é fundamento de rejeição da impugnação da matéria de facto, como expressamente resultava daquela norma e assim tem sido entendido na jurisprudência (cfr. ac. do TRC n.º 381022/09.9YIPRT.C1 de 02-03-2011 (Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA) Sumário: I - Se o recorrente não identificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, face ao disposto no artigo 685.º-B n.º 1 a) do Código de Processo Civil, o recurso deve ser rejeitado na parte em que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto).

No entanto, cremos que a propósito se devem tecer algumas considerações.

A primeira, é de que esta instância poderia alterar a matéria de facto provada nos termos do art. 712º do CPC (actual art. 662º) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712º/1,b) CPC).
Mas não é isso que se verifica.

Os documentos de caráter público apenas fazem prova plena dos factos praticados pelo oficial público e bem assim do conteúdo das declarações perante ele prestadas (art. 371º do Código Civil). Mas não provam a veracidade destas declarações.

Ora, é precisamente a veracidade de tais declarações que está em causa. São declarações cuja credibilidade a MMª «a quo» rejeitou, assim como na mesma na mesma linha rejeitou credibilidade aos depoimentos prestados «confirmativos» do valor da transação, ponderando todos os factos que lhe foi dado conhecer.

A MMª juiz «a quo» fundamentou clara e suficientemente, em termos que consideramos irrepreensíveis e merecem a nossa adesão, a motivação da decisão de facto ao referir que «Os factos basearam-se nos documentos juntos ao processo nomeadamente o p.a. apenso do qual consta todos os documentos referenciados, bem como o contrato de financiamento com a respectiva alteração n°1, dos quais resulta que o que efectivamente foi realizado foi urna compra e venda pelo valor de 40.000.000$, porque o valor do financiamento assim o indica, o valor pelo qual foi feito o seguro, a data em que os cheques são emitidos e entregues ao seu beneficiário com a ausência total de explicação plausível e credível para o cheque emitido à ordem do impugnante fosse para pagar dívidas ou quaisquer outras prestações. Por fim cabe referir que o depoimento das testemunhas não tem qualquer credibilidade, resulta dos depoimentos das testemunhas que sabem que o negócio foi realizado por 20 mil mas não é evidenciada qualquer razão preponderante para que soubessem de tal facto, depois os depoimentos do contabilista e economista além de opiniões técnicas também não justificam a razão da emissão do cheque à ordem do impugnante. Em suma a prova testemunhal, na parte que relevaria, não é minimamente consistente e credível».

Com efeito, a prova não pode resultar de uma avaliação fragmentada, isolada, antes tem empreender uma ponderação global com todas as conexões e conjugação entre os meios de prova apresentados (cfr. Ac. do TRE n.º 515/13.0GDPTM.E1 de 25-03-2014 (Relator: RENATO BARROSO) Sumário: I - A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção).

Ora, nesse contexto de apreciação global de toda a prova, não vemos que os factos provados careçam de qualquer modificação, nem a prova nos merece qualquer censura, pelo que também não concedemos que os factos cujo aditamento o recorrente pretende mereçam ser provados.

O facto referido na conclusão 23-i) cujo aditamento o recorrente requer refere-se à prestação de garantia para suspensão da execução.
Porém, não vemos que este facto tenha qualquer relevância para a apreciação deste recurso, pelo que, por esta razão, também se não adita.

Quanto à natureza das correcções efectuadas (conclusões 13 a 17).
Também aqui o recorrente discorda da sentença por considerar que a correção feita pela AF não foi uma correcção aritmética, mas sim uma correcção por métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.

Discordamos do recorrente.
No procedimento de inspecção e na liquidação a AT não recorreu a quaisquer presunções como é próprio da avaliação indirecta (cfr. art.º 81 do CPT e art. 83º/2 LGT). Antes se socorreu de meios directos, como seja os cheques de 20.000.000$ cada, o lançamento a débito no montante de Esc. 40.000.000$ pela empresa locatária A... e o valor do capital seguro – 45.000.000$, próximo do valor pelo qual os imóveis se encontravam segurados.

A este propósito, veja-se o ac. TCAN n.º 00063/04 de 21-10-2004 Relator: Dulce Neto, com o seguinte sumário: 1. Tendo a A.Fiscal desconsiderado custos declarados em face da ausência de documentos de suporte relativamente a algumas despesas e da divergência entre os valores declarados e os valores documentados relativamente a outras, mostram-se verificados os pressupostos necessários à efectivação das correspondentes correcções (técnicas ou meramente aritméticas), de harmonia com o disposto nos arts. 78º nº 2, 81º e 84º do CIRS, passando a competir ao contribuinte o ónus de comprovar os respectivos custos, sendo-lhe permitido recorrer a outros meios de prova, designadamente à prova testemunhal, para comprovar esses custos.
2. E porque neste tipo de situações não se mostra inviabilizada a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação do respectivo lucro tributável, não é legítimo que a A.Fiscal recorra a métodos indiciários).

Ou, como esclarece Joaquim Freitas Rocha (Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5ª edição, pp. 198 e segs..) no caso das correcções técnicas «…a Administração limita-se a não aceitar os valores declarados pelo contribuinte nas suas declarações ou na sua contabilidade ou escrita – seja porque nela existem erros ou omissões, seja porque existe uma divergência na qualificação de actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto – e “trabalha” esses elementos de um modo mais rigoroso, mas sem recorrer a qualquer presunção ou indício, antes lançando mão de meios directos como as declarações fornecidas por terceiros ou uma análise mais atenta dos documentos do próprio»

Assim, considerando não ter a ATA lançado mão de quaisquer presunções ou indícios na avaliação, a mesma revestiu caráter directo. E assim improcedem as conclusões 13 a 17.

Quanto à prova pela AT dos factos constitutivos do direito (conclusões 18 a 21).
Segundo o recorrente, a AT não provou os pressupostos dos factos constitutivos do direito que exerceu no procedimento permitindo-se apenas invocar que “a apropriação daquele valor, em 14.02.97, sem qualquer contrapartida por nós conhecida, representa um facto constitutivo de uma liberalidade, no montante de 20.000.000$00, passível de tributação nos termos dos art. 1º e 3º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações”, sendo que, o invocado simples não conhecimento não basta para aquele fim, devendo, pois, ser onerada com tal actuação.

A este propósito a MMª juiz «a quo» referiu na sentença que « O art. 1º do CIMSISSD, dispõe que são sujeitas a sisa e a imposto sobre as sucessões e doações, nos termos dos artigos seguintes, as transmissões perpétuas ou temporárias dos bens, qualquer que seja o título por que se operem.
Por sua vez, o art. 3° estatui que: O imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários.
§ 1° Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens (...)
Assim esta norma não exige qualquer espécie de formalidade ou forma externa para a tributação da transmissão gratuita dos bens. Para efeitos do imposto devido, desde que exista uma tradição de valores de um património para outro, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida por parte de quem os recebe, existe uma doação sujeita a colecta, qualquer que seja o meio ou acto jurídico através do qual essa tradição de valores se opera.
Para efeitos deste imposto, o que interessa é o conceito económico de doação, que é fundamentalmente uma transmissão gratuita de bens, e não o conceito civilístico que pressupõe a existência do contrato a que refere o art. 1452° do Cód.Civil
Em sede de direito tributário revela mais o conceito naturalístico e económico da transmissão que a correspondente qualificação jurídico-civilista.
Encontra-se firmada uma sólida jurisprudência, mormente no Supremo, no seguimento do já antigo Ac. do Pleno de 29/6/61, AD, Ano 1, n°1, pág. 140, quer para efeitos fiscais e do art. 3° do CIMSISSD, desde que exista uma tradição de valores do património duma pessoa para o de outra sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica por parte de quem os receber, existe uma doação sujeita a tributação, qualquer que seja o meio ou o acto jurídico através do qual essa tradição de valores se opere.
O acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.
Doação nos termos do art. 940° do Código Civil, é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume a obrigação, em benefício do contraente.
Todavia, como já se viu, no âmbito do direito fiscal é preponderantemente o conceito económico de transmissão gratuita de bens, e não o conceito estritamente civilista, que pressupõe existência do contrato a que se refere o art. 940° do Cód. Civil.
Para efeitos de incidência de imposto sobre as sucessões e doações, existe uma doação ou liberalidade sempre que um património é enriquecido com a transferência de bens ou valores integrantes de outro património, sem quem essa transferência corresponda qualquer contrapartida ou compensação.
Dada a construção legal do tipo de tributação, prevista nos arts. 1° e 3° do CIMSISSD, que procura abranger na sua previsão qualquer transferência de bens, desde que concretize a função de doação, qualquer que seja o título por que se opere, é clara a existência de um ónus material da prova a cargo do contribuinte, quer no processo administrativo, que no processo de impugnação judicial que contra a liquidação tenha instaurado, fornecendo quer à A.T. quer ao tribunal não se tratar de liberalidade.
Claramente emerge do processo que o impugnante não logrou demonstrar justificação para receber da A... o cheque de 20.000.000$00, logo deu-se pura e simplesmente uma transferência de valores que aumentou/enriqueceu o património do impugnante, verificando-se assim correcta a norma de incidência aplicável e bem assim a subsunção dos factos ao direito».

Esta fundamentação parece-nos correcta e bem alicerçada. Não vemos necessidade de acrescentar mais o que quer que seja, a não ser que concordamos inteiramente com o seu conteúdo.

Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões improcede o recurso.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Paula Teixeira