Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00272/14.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ALÍNEA A), N.º 1 DO ART.º 120 DO CPTA
ART.º 307.º E 325.º DO CCP
PERICULUM IN MORA
Sumário:I- A evidência a que se reporta a alínea a), do n.º1 do artigo 120.º do CPTA refere-se à procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal e consubstancia-se numa situação de procedência manifesta, que brota da abordagem meramente perfunctória da questão ou questões litigadas.
II- O artigo 307.º do CCP é claro ao determinar que as decisões pelas quais o contraente público se pronuncie sobre a interpretação ou validade de cláusulas contratuais não consubstanciam atos administrativos vinculativos para o contraente privado mas meras declarações negociais.
III- Pese embora a cobrança de “ malus” pelo contraente público tenha subjacente a interpretação da cláusula 37.2 do respetivo contrato administrativo efetuada pelo mesmo, daí não decorre que, por tal facto, seja manifesta a procedência da pretensão a formular pelo contraente particular em sede de ação principal, por não ser ostensivo que o sentido interpretativo preconizado pelo contraente público seja infundado, não se verificando, consequentemente, o pressuposto previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA.
IV- Não basta à demonstração do requisito do periculum in mora a prova da existência de dificuldades de tesouraria, sendo relevante saber se os acionistas do contraente particular possuem ou não liquidez para mobilizar fundos para que o mesmo possa assegurar a sua existência e o cumprimento da prestação contratual a que se vinculou, nem a alegação em abstracto, da existência de dificuldades na obtenção de financiamento bancário, decorrente da atual conjuntura, sem que em concreto se demonstre existirem tais dificuldades.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., SA
Recorrido 1:Metro do Porto, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE:
I. RELATÓRIO
“P..., S.A.”, com sede na Rua … Porto, pessoa coletiva n.º ..., inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 18.03.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si requerida contra a ”METRO DO PORTO, S.A.”, de intimação da Entidade Requerida, ora Recorrida, a abster-se da prática de qualquer conduta relacionada, direta ou indiretamente, com a cobrança de montantes de “Malus” alegadamente resultantes da aplicação da cláusula 37.2 do Contrato e relativos ao ano de 2013 de execução do Contrato, incluindo a realização de deduções às demais componentes da retribuição da ora Recorrente (incluindo igualmente a revisão anual de preços) ou a quaisquer outros montantes devidos à mesma, faturadas ou a faturar, ou à execução da caução prestada por esta.
*
A RECORRENTE terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

A. O Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria de facto, devendo ser selecionados como provados os factos respeitantes à garantia bancária prestada pela Recorrente, à componente fixa da retribuição da Recorrente, à tesouraria da Recorrente, à existência de dúvidas interpretativas geradas pela aplicação da cláusula 37.2 do Contrato, ao comportamento da Recorrida e da Recorrente quanto a Malus de 2012 e a Malus de 2013 e à suspensão da operação do metro do Porto, alegados nos artigos68.º a 79.º, 81.º, 82.º, 83.º, 97.º, 106.º a 111.º, 115.º, 116.º, 145.º, 147.º, 150.º a154.º, 157.º, 162.º, 166.º a 170.º e 205.º a 210.º do Requerimento Inicial, uma vez que os mesmos resultam provados, ao menos indiciariamente, por documento ou por confissão da Recorrida na sua oposição e são relevantes para a decisão da causa;

B. Ao considerar que a conduta da Recorrida que se procura evitar e que a mesma já adotou para 2012 – a liquidação, faturação e compensação de alegados montantes de Malus – encontra justificação num putativo incumprimento contratual imputável à Recorrente, aplicando o artigo 325.º do CCP, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos provados e na determinação da norma aplicável, uma vez que ao caso deveria ter aplicado o artigo 307.º, n.º 1, do CCP;

C. Ao considerar que a Recorrida não atua ilegalmente quando interpreta unilateralmente a cláusula 37.2 do Contrato, desconsiderando os cálculos apresentados pela Recorrente, e, com fundamento nessa interpretação unilateral, liquida, fatura e compensa alegados montantes de Malus, o Tribunal a quo violou o disposto no 307.º, n.º 1, do CCP, devendo esta norma ser interpretada no sentido de que o contraente público não pode impor unilateralmente a sua interpretação do contrato ao contraente privado prescindido da intermediação de um tribunal para o efeito;

D. O Tribunal a quo devia ter aplicado também o disposto no artigo 279.º do CCP considerando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar, na medida em que decorre do programa contratual – cláusula 37.2 e Anexo C-XVI ao Contrato – que é à Recorrente que cabe liquidar e faturar ou emitir nota de crédito relativamente ao mecanismo Bonus/Malus;

E. O Tribunal a quo devia ter aplicado também o disposto no artigo 847.º do Código Civil considerando que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente previstos com vista a fazer operar a figura da compensação, pois, desde logo, o pressuposto base constitui matéria controvertida entre os contraentes, e, bem assim, considerando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar.

F. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, na medida em que devia ter decretado a providência cautelar requerida ou outra julgada mais conveniente, por se afigurar claro e manifesto que, em sede de execução de um contrato administrativo, o contraente público não pode impor unilateralmente a sua interpretação do contrato ao contraente privado prescindido da intermediação de um tribunal para o efeito.

G. Ao confundir o resultado líquido da Recorrente em 2013 de 28 mil euros com um suposto resultado de 28 milhões de euros e, com esse fundamento, recusar o decretamento da providência cautelar requerida nos autos, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA aos factos provados, uma vez que o resultado líquido da Recorrente enunciado no ponto G) da lista de factos provados bem evidencia uma situação de fundado receio da constituição de uma situação facto consumado, impondo o decretamento de providência cautelar.

H. Em qualquer caso, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, na medida em que, atentos os factos que deviam ter sido dados como provados, designadamente quanto ao impacto que a atuação da Recorrida que se pretende evitar teria na tesouraria da Recorrente, devia ter decretado a providência cautelar requerida por se estar em presença de uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, não sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal”.

Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e que a Recorrida seja intimada a abster-se da prática de qualquer conduta relacionada, direta ou indiretamente, com a cobrança de montantes de “Malus” alegadamente resultantes da aplicação da cláusula 37.2 do Contrato e relativos ao ano de 2013 de execução do Contrato, incluindo a realização de deduções às demais componentes da retribuição da Recorrente (incluindo igualmente a revisão anual de preços) ou a quaisquer outros montantes devidos à Recorrente, faturados ou a faturar, ou à execução da caução prestada por esta,


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A RECORRIDA, apresentou contra alegação, com as seguintes conclusões:
A) Estabelece o Artigo 227.º do C. Civil que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte;
B) No mesmo diploma, seguindo os princípios que enformam a gestão e execução dos contratos, pode ler-se no art. 762º nº 2 que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
C) O mesmo consagra o art. 286º do CCP ao dizer que as partes se devem pautar pelos ditames do interesse público, chegando-se a ir mais longe ao consagrar ainda um dever de colaboração recíproca (art. 289º do CCP).
D) Por isso, apesar de competir formalmente à Recorrente o cálculo e faturação dos valores de Bonus/Malus, cumprindo a clausula 37.2, nada impede no contrato nem na lei que, não cumprindo essa obrigação contratual, a Recorrida se substitua à subconcessionária, Recorrente no cumprimento de um dos deveres de prestação principal no conjunto dos deveres de prestação com estas características e relevância previstos no Contrato, como resulta ainda do principio basilar estabelecido no artigo 325º nº 2 do C.C.P., sob pena de estar a pactuar com um incumprimento contratual não recebendo dinheiros públicos.
E) E nem se diga que a compensação a ser declarada pela Recorrida entre o seu crédito e o contra crédito da Recorrente é ilegal, uma vez que, atuando como ficou demonstrado de acordo com a lei e o contrato, o seu crédito não merece discussão, verificando-se assim todos os requisitos previstos no artigo 848º nº 1 do C. Civil para o efeito.
F) Esta conduta encontra ainda suporte contratual na cláusula 51.º do Caderno de Encargos e do Contrato, aplicável por analogia que permite à Recorrida a correção da situação de desrespeito por normas contratuais, e resulta ainda dos art.s 762.º e ss. e 400º e ss. do C. Civil no tocante ao cumprimento das obrigações e determinação da prestação, aplicáveis ex vi artigo 280.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos, e ainda nos artigos 302º a 304º nº 1 e já citado 325.º, n.º 2 todos do C.C.P. que conferem ao contraente público a possibilidade de efetivação da prestação de natureza fungível em falta, diretamente, de modo a que o contrato não seja executado de forma inconveniente ou inoportuno para o interesse publico e a obrigação de assegurar e dirigir o modo de execução das prestações contratuais.
G) Esta posição da Recorrente nunca mereceu a concordância da Recorrida, não admitindo sequer que estava em causa uma divergência de interpretação do contrato, mas antes uma interpretação indevida que a Recorrente pretendia, como continua a pretender, fazer do texto do mesmo.
H) Tanto assim é que com intervenção do Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Recorrente e Recorrida concordaram na elaboração de um documento conjunto em que cada uma das partes expressou a sua posição sobre os factos em dissídio, que foi submetido ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República para emissão de parecer, o qual foi proferido em 19 de dezembro de 2013, concluindo que não restavam dúvidas que a Recorrida estava a fazer sã e escorreita interpretação e aplicação do contrato, conforme consta do documento que se juntou sob o nº 5 com a oposição.
I) Ao fim de mais de quatro anos de vigência do contrato e estando já no seu último ano, como bem salienta o Tribunal na sua douta decisão, porque é que a Recorrente ainda não instaurou a ação judicial para discutir a interpretação da cláusula 37º do contrato?
J) É que como bem salienta o Tribunal a quo, não está em causa a interpretação do contrato mas tão só a sua aplicação e execução, pelo que não faz sentido falar no artigo 307º nº 1 do C.C.P. como pretende a Recorrente, mas sim aplicar o estatuído no artigo 325º do C.C.P..
K) Acresce que a conduta da Recorrente sustenta se consubstancia num manifesto Abuso de Direito, pelo menos na vertente do ”venire contra factum proprium", estabelecendo o artigo 334.º do Código Civil que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”, já que esta desde a fase concursal que conhece a dita clausula 37.2 e nunca por nunca suscitou qualquer dúvida ou pediu esclarecimento sobre a sua aplicação prática, pelo que é uma realidade contratual à qual aderiu sem reservas.
L) Na ausência de legislação específica sobre a respetiva interpretação, a mesma é regulada pelos princípios gerais do Direito Administrativo e, subsidiariamente, pelas restantes normas de Direito Administrativo e, na falta destas, pelo Direito Civil, como bem detalhadamente se sustenta do douto parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República que se encontra junto aos autos com a oposição como documento nº 5.
M) A Recorrida interpreta o contrato atendo à sua letra, considerando que este não contém qualquer lapso ou lacuna nem evidencia qualquer contradição com o seu espírito sendo que a interpretação do contrato pelo adjudicante público, no caso a Recorrida, não constitui mera declaração negocial nem requer ação administrativa especial para ser concretizada, já que, como negócio jurídico formal ou solene, deve ser em primeiro lugar privilegiada a sua letra que aponta no sentido defendido pela Recorrida e nunca no desejado pela Recorrente.
N) Lidando com dinheiros públicos e por isso dos contribuintes, a Recorrida tem uma obrigação acrescida de observar o estrito cumprimento dos contratos que celebra, que são auditados anualmente por entidades independentes, e está sujeita ao controlo financeiro, em primeiro lugar pelas suas Tutelas Setorial e Financeira e, bem assim, pela Inspeção Geral de Finanças, Tribunal de Contas e agora a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial.
O) Não se verifica o critério do “fumus boni iuris” decisivo na legislação portuguesa em matéria cautelar e imposto pelo artigo 120º nº 1 a) do CPTA pois a Recorrida atuou e continuará a atuar no estrito cumprimento do contrato e da lei, quer agrade ou não à Recorrente.
P) Apesar de se reconhecer que a douta decisão posta em crise laborou num erro quanto ao valor dos resultados da Recorrente no ano de 2013, o que não tem qualquer interferência na apreciação de fundo desta matéria já que não estamos em presença do risco de produção de prejuízos de difícil reparação nos termos consagrados na alínea b) do artigo 120º nº 1 do C.P.T.A..
Q) A cobrança do Malus do ano de 2013 não só não causa lesão ilícita e irreparável nos interesses da Recorrente, como não coloca em perigo qualquer interesse público, mormente o de funcionamento do sistema de metro.
R) A Recorrente sempre conseguiu colmatar todas as dificuldades de tesouraria que, naturalmente, lhe sobrevieram quer de atrasos involuntários de pagamento da Recorrida ao longo da vigência do contrato, quer mesmo do montante de € 6 748 211,31 de malus de 2012, este último em 28 de junho de 2013, não se tendo verificado qualquer interrupção ou perturbação no funcionamento do sistema de metro.
S) A Recorrida não tem que cuidar de satisfazer as dificuldades de tesouraria da Recorrente, determinadas pela correta execução do contrato, sob pena de falsear a concorrência, princípio basilar que deve ser observado no decurso do procedimento concursal e durante a execução do contrato, nem pode afetar dinheiros públicos a financiamento de empresas privadas, por ser manifestamente ilegal e violador dos princípios mais basilares de gestão da coisa pública.
T) Deve ser a Recorrente através dos seus acionistas a mobilizar fundos para que esta continue a laborar, se assim o entenderem, pois estes a tal se obrigaram por declaração de solidariedade que emitiram aquando da outorga do contrato, sendo que se trata de sólidas empresas e grupos que não têm dificuldades financeiras.
U) Se os cálculos que levaram a Recorrente a apresentar uma proposta de preço contratual que não serve os seus interesses e daí resulte diretamente uma situação de dificuldades de tesouraria ou mesmo de insolvência, que é sempre um risco de negócio, é situação cuja responsabilidade não cabe à Recorrida, nem seja acautelável pelo recurso a uma Providência Cautelar.
V) Mas mesmo que tal situação de incapacidade financeira da Recorrente fosse a realidade que pretende transmitir, importa dizer que existem mecanismos contratuais e legais de que dispõe a Recorrida que permitem acautelar a eventual situação de falta de continuidade da prestação do serviço pela Recorrente, como seja o Sequestro previsto na cláusula 56º do contrato ou, no limite o Resgate previsto na cláusula 61º do mesmo contrato, mecanismos que reportam as normas do CCP que também contemplam a matéria. – art 421º e 422º, não implicam qualquer interrupção do sistema.
W) Pelo que, se a isso se vir obrigada, para se continuar a assegurar o serviço público, a Recorrida teria diretamente de assumir a operação como ficou previsto e resulta do Código dos Contratos Públicos, com o referido pessoal e quadros técnicos de que dispõe.
X) Bem andou assim o Tribunal a quo ao considerar que não constituem fundamento para o decretamento da providência os alegados prejuízos, uma vez que, a ocorrer, são manifestamente reparáveis, ou não são da responsabilidade da Recorrida, ficando fora da alçada do art. 120º nº 1 b) do CPTA.
Y) O que mais a preocupa a Recorrente neste processo é a sua própria situação financeira, escusando-se de realçar à custa de quem, sendo que a Recorrida que hoje é uma EPR inserida no perímetro do Orçamento Geral do Estado, lida com dinheiro dos utentes do transporte público e dinheiros públicos, ou seja dos contribuintes, pelo que tem obrigação de observar o estrito cumprimento dos contratos que celebra, devendo o dinheiro que está confiado aos gestores públicos ser gerido com total observância de todos os procedimentos que envolvam responsabilidades financeiras, como é o caso da cobrança do Malus.
Z) Não havendo correlação direta entre a situação financeira da Recorrente e o funcionamento do sistema, também na ponderação de interesses nesta vertente, o eventual interesse da Recorrente tem que ceder, tanto mais que não pode sustentar a sua atividade num incumprimento contratual que se traduza num financiamento com dinheiro público da sua atividade privada.
AA) A solução preconizada e reiterada nas alegações de recurso, de vir a ser decretada a Providência mediante a prestação de caução por depósito em dinheiro pela Recorrente, faz crer que esta tem acesso ao crédito ou disponibilidade financeira para o efeito, por um lado e, por outro lado, seguramente que acautela a situação, como prevê o art. 120º nº 4 do CPTA, embora o desapossamento do capital cause dano à Recorrida, que pode ser minimizado a final com o reembolso dessa quantia e o pagamento de juros remuneratórios”
Termina, pedindo a manutenção da sentença recorrida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito nos termos do artigo 146.º e 147.º do CPTA, não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.
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Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no artº 36º, nºs 1 e 2 do CPTA, os autos foram submetidos à Conferência para julgamento.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1 MATÉRIA DE FACTO
O tribunal a quo considerou como sumariamente provados e relevantes para a decisão da pretensão cautelar, os seguintes factos:
A)
Na sequência de concurso público internacional, a Requerida celebrou com a Requerente, em 26 de fevereiro de 2010, um contrato que tinha por objeto a atribuição à Requerente da subconcessão da operação e manutenção do Sistema, obrigando-se esta a realizar a operação regular e contínua do Sistema, incluindo os equipamentos, instalações fixas e material circulante, ao longo de toda a sua extensão física, e a manutenção de todas essas componentes.
B)
Em contrapartida, a Requerida ficou obrigada a pagar à Requerente uma retribuição, calculada nos termos da Cláusula 37 do Contrato, retribuição essa que compreende uma componente fixa, uma componente variável (que é neutra) e ainda uma componente que reflete o desempenho da Requerente, denominada Bonus/Malus - sendo Bonus um acréscimo de remuneração e Malus uma dedução, calculada em função da evolução da procura e apurada e cobrada anualmente, uma vez publicados todos os índices necessários para o cálculo respetivo.
C)
Requerida procedeu à liquidação de valores correspondentes a Malus para os anos de 2010, 2011, no montante de € 11,12 milhões, e para o ano de 2012, pela quantia de € 6,75 milhões, valores com os quais a Requerente não concorda, por discordar da interpretação dada pelo Requerido à cláusula 37.2 do Contrato de subconcessão.
D)

E)
Nos termos da cláusula 39.2 do Contrato de subconcessão, a faturação relativa à retribuição devida pelas atividades desenvolvidas no âmbito da subconcessão a que se refere a Cláusula 37 e o respetivo pagamento devem ser efetuados nos termos estabelecidos no Anexo C-XVI, e segundo o § 2 deste Anexo: «o apuramento do mecanismo Bonus/Malus é feito anualmente, uma vez publicados todos os índices necessários para o cálculo respetivo», devendo este cálculo ser «apresentado pelo Adjudicatário para emissão de certificado pela Metro do Porto, o qual suportará a fatura do Adjudicatário».
F)
Desde março de 2011, a Requerente veio dando conta à Requerida das dificuldades de cálculo do mecanismo Bonus/Malus, consubstanciadas na inexistência de qualquer "índice relativo à evolução do custo dos combustíveis, publicado anualmente pelo Ministério da Economia", bem como a circunstância de o ACE TIP (Agrupamento Complementar de empresas constituído pelas empresas públicas de transportes ativas na área metropolitana do Porto) não ter apresentado, em 2010 e 2011, os dados da intermodalidade com o mesmo formato que apresentara nos relatórios anteriores (vide carta da Requerente, de 28/03/2011, Doc. 2 da PI e Docs. 3, 4, 5 e 6 da PI).
G)
O resultado líquido do exercício da Requerente foi, em 2013, de € 28.824,49 (vide Demonstração de Resultados da Requerente para o período findo em 31 de dezembro de 2013, junto sob doc. N.º 20).”
Nada mais foi dado como pertinente e sumariamente demonstrado.
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II. 2 DO DIREITO
QUESTÕES DECIDENDAS
(1) Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efetuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda artigo 149º do CPTA.
(2) De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pela Recorrente, as questões a decidir reconduzem-se a saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, por:
(i) ter julgado incorretamente a matéria de facto;
(ii) ter errado na ponderação que efetuou do fumus boni iuris, para efeitos do decretamento da providência requerida ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, ao considerar que o comportamento da Recorrida não é manifestamente ilegal;
(iii) ter errado na ponderação que efetuou no tocante ao requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, considerando-o como não verificado.
DO ERRO DE JULGAMENTO DECORRETE DA INCORRETA SELEÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(3) A Recorrente assaca à decisão recorrida erro de julgamento da matéria de facto, asseverando que o Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria de facto ao não ter selecionado como factos provados os respeitantes à existência da garantia bancária prestada pela Recorrente, ao valor da componente fixa da retribuição da Recorrente, à situação da tesouraria da Recorrente, à existência de dúvidas interpretativas geradas pela aplicação da cláusula 37.2 do Contrato entre as partes, ao comportamento da Recorrida e da Recorrente quanto a Malus de 2012 e a Malus de 2013 e à suspensão da operação do metro do Porto, tudo matéria alegada nos artigos 68.º a 79.º, 81.º, 82.º, 83.º, 97.º, 106.º a 111.º, 115.º, 116.º, 145.º, 147.º, 150.º a154.º, 157.º, 162.º, 166.º a 170.º e 205.º a 210.º do r.i, uma vez que os mesmos resultam provados, ao menos indiciariamente, por documento ou por confissão da Recorrida na sua oposição e são relevantes para a decisão da causa.
4) Ora, devem ser dados como provados todos os factos que de acordo com a prova produzida nos autos, se mostrem, pelo menos, indiciariamente demonstrados e cuja consideração seja relevante para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência constante do Ac.do TCAN, de 25.01.2013, proferido no processo n.º 00115/12, segundo a qual «em sede de julgamento de facto o tribunal deverá seleccionar e apurar toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida [artigo 511º nº1 do CPC ex vi 1º CPTA]. Isto significa que o tribunal não pode limitar o seu julgamento de facto apenas àqueles factos que são pertinentes ao seu pré-juízo de direito. Em sede de julgamento de facto, o julgador terá de assumir posição de absoluta independência perante as plausíveis soluções de direito da questão em apreço, o que significa que o julgamento de facto deverá incidir sobre todos os factos articulados que podem ser pertinentes para qualquer uma dessas soluções plausíveis, e não apenas para aquela, de entre elas, que ao julgador parece ser a mais legal e mais justa.
Se assim não proceder, o tribunal estará, desde logo, e além do mais, a coarctar o eventual direito de recurso das partes, pois que ao tribunal de recurso deve ser fornecido, à partida, e sem prejuízo da invocação de erro sobre o julgamento de facto, todo o acervo de factos que suportam a decisão de direito que foi tomada ou a que, de entre as plausíveis, o recorrente entenda ser mais correcta”.
(5) No tocante à prestação de garantia bancária, a sua prova resulta inequívoca da consideração do documento n.º 30, junto ao r.i., a fls.911 e 912 (processo físico), e a consideração desse facto, tendo em conta o objeto já delineado da ação principal, e o direito invocado pela ora Recorrente, surge como pertinente para a decisão, seja ela qual for de entre as possíveis.
Assim deve ser aditado aos factos assentes, o seguinte ponto:
“H) A Recorrente prestou à Recorrida uma garantia bancária no montante de €10.189.826,00, nos termos que constam do documento de fls. 911 e 912 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”;
(6) No que concerne à componente fixa de remuneração devida pela Recorrida à Recorrente, verifica-se que não foi levado aos factos assentes o montante dessa componente fixa, o qual não oferece qualquer controvérsia, atento o teor do contrato junto com o r.i., como documento n.º1 (cfr, fls. 61 e ss do processo físico) e a posição das partes e cuja consideração para a boa decisão da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito, se afigura relevante.
Assim, deve ser aditado aos factos assentes, o seguinte ponto:
“I) A componente fixa da retribuição, no montante de €3.121.815,90 mensais, é facturada e paga mensalmente pela Metro à P...”;
(7) A Recorrente clama ainda pela inserção na matéria de facto de uma alínea do seguinte teor: “ Os compromissos financeiros mensais da Requerente, incluindo pagamentos mensais a fornecedores, pagamento de salários, encargos fiscais e encargos de segurança social, correspondem a valores globais previstos superiores a 3 milhões de euros”.
Sustenta a adição da referida factualidade aos factos assentes com fundamento no teor dos documentos n.ºs 31 a 34 juntos com o r.i., que alega não terem sido impugnados pela ora Recorrida e que suportam a referida factualidade.
Vejamos.
O documento n.º31, de fls. 913 dos autos, constitui o balancete de dezembro de 2013.
O documento n.º32, de fls.914 dos autos, respeita ao pagamento de IVA referente ao mês de janeiro de 2014, no montante de € 206.763,67;
O documento n.º 33, de fls. 915 dos autos, reporta-se ao pagamento mensal de janeiro de IRS no valor de € 86.193,27;
O documento n.º 34, de fls.916 dos autos, reporta-se ao pagamento mensal em janeiro de 2014 de encargos à Segurança Social no valor de € 157.001,03, referentes a dezembro de 2013.
(8) A Recorrida, diferentemente, opõe-se ao aditamento do sobredito ponto à matéria de facto, objetando, para o efeito, que toda a matéria atinente à situação de tesouraria da Recorrente foi expressamente impugnada nos pontos 231 a 233 da oposição.
Compulsada a oposição, verifica-se que em relação à factualidade aduzida pela ora Recorrente nos pontos 163.º a 171.º do r.i., a Recorrida afirmou desconhecer os mapas cálculos e valores apresentados pela Recorrente nesses itens, não tendo, contudo, impugnado os documentos em referência.
Tendo presente, que em sede cautelar, a prova exigida é uma prova sumária e perfunctória, e que na situação dos autos a Recorrida, pese embora tenha impugnado os mapas cálculos e os valores apresentados pela Recorrente nos referidos pontos do r.i., a verdade é que a mesma não impugnou expressamente os sobreditos documentos, o que, conjugado com o facto da Recorrida ser uma empresa com contabilidade organizada, força a que se conclua estar perfunctoriamente demonstrada a realidade para que tais documentos apontam.
Refira-se, em reforço da predita conclusão, que o próprio senhor juiz a quo deu como provado, na alínea G) dos factos assentes, que o resultado líquido do exercício da Requerente foi, em 2013, de € 28.824,49, alicerçando a sua convicção na Demonstração de Resultados da ora Recorrente para o período findo em 31 de dezembro de 2013, constante do documento junto sob o nº 20 (cfr. fls. 768), documento esse cuja informação se mostra conforme à que se extrai do balancete junto como doc. n.º 31, e que a Recorrida não questionou.
Por fim, importa sublinhar que resulta do documento n.º20, de fls.768 dos autos, que no ano de 2012, a ora Recorrente gastou o valor de 37.823.678,57 € com fornecedores e serviços externos, e o valor de 8.954.206,25 € com o pessoal, tendo apresentado um resultado líquido de 198.462,59; e que no ano de 2013, a Recorrente gastou 36.224.059,84 € com fornecedores e serviços externos e o valor de 8.718.133,33 com o pessoal, tendo apresentado um resultado líquido de € 28.824,49.
Analisando a referida prova documental, que, pelas razões elencadas, constitui fundamento probatório bastante, dela resulta, de facto, que a ora Recorrente suporta custos mensais com pagamento a fornecedores, pagamento de salários, pagamento de impostos e contribuições para a Segurança Social, que ascendem a três milhões de euros.
Nestes termos, porque tal factualidade se mostra sumaria e perfunctoriamente demonstrada e, bem assim, configura matéria relevante para a boa decisão da causa, deve ser aditado aos factos assentes, o seguinte ponto:
“J- Os compromissos financeiros mensais da P..., incluindo pagamentos mensais a fornecedores, pagamento de salários, encargos fiscais e encargos de segurança social, correspondem a valores globais previstos superiores a 3 milhões de euros”.
(10) No tocante ao aditamento de um ponto com o teor “ As partes discordam quanto à forma como deve ser interpretada a cláusula 37.2 do Contrato”, trata-se de pretensão a rejeitar, por se traduzir numa mera conclusão, que, por isso não tem de integrar o acervo dos factos provados, e, além do mais, totalmente irrelevante para a boa decisão da causa, a qual, aliás, assenta na existência dessa discordância [note-se, se não houvesse discordância, não havia processo].
(11) No que concerne ao comportamento da Recorrente e da Recorrida relativamente ao “malus” de 2012 e ao “malus” de 2013, a sua inclusão nos factos assentes é pertinente para a boa decisão da causa, pelo que, tendo em conta os documentos juntos aos autos, defere-se parcialmente a pretensão da Recorrente.
Assim, devem ser aditados aos factos assentes, os seguintes pontos:
“K- A Recorrente enviou os cálculos de malus de 2012, à Recorrida, no dia 10 de maio de 2013, indicando um valor nulo, o que fez nos termos que constam do documento n.º27, junto com o r.i., a fls. 898 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
L- Em 28 de junho de 2012 a Recorrida enviou diferentes cálculos de malus de 2012 à Recorrente, indicando um valor de € 6.748.211,31;
M- O valor referido na alínea que antecede foi facturado pela Recorrida e compensado.
N- Um dos elementos utilizados para calcular o montante de Malus de 2013 não foi ainda disponibilizado pelo TIP;
O- A Recorrida é membro do TIP ACE”.
(12) No que concerne à restante matéria que a Recorrente pretende ver dada como assente a mesma não se encontra provada, por ter sido expressamente impugnada pela Recorrida e não resultar indiciariamente comprovada pela prova documental oferecida, pelo que, nessa parte, se indefere o pretendido aditamento.
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DO ERRO DE JULGAMENTO DECORRENTE DO NÃO DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA REQUERIDA AO ABRIGO DA ALÍNEA A) DO N.º1 DO ART.º 120.º do C.P.T.A.
(13) O TAF do Porto julgou a providência cautelar requerida como improcedente por considerar, em primeiro lugar, não ser manifesto o fumus bónus da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, entendendo que a conduta da Recorrida que se pretende evitar não é manifestamente ilegal, fazendo constar da decisão recorrida que, resultando apurado que a apresentação dos cálculos de “Bonus/Malus” compete à ora Recorrente [cfr. alínea E) da matéria de facto assente], caso a mesma não apresente esses cálculos, então não cumpre a sua parte na relação contratual, pelo que, nesse caso, a apresentação dos cálculos por parte da ora Recorrida não se pode considerar uma declaração negocial sobre a interpretação ou execução do contrato, mas antes um suprimento do incumprimento por parte da ora Recorrente, conforme permite o artigo 325.º do CCP.
Nessa mesma decisão, o senhor juiz a quo afirma ainda que a ora Recorrente se coloca «deliberadamente numa posição de incumprimento para poder invocar o regime do artigo 307.º do Código dos Contratos Públicos, porque não está já impossibilitada de apresentar os cálculos, mesmo com divergências de interpretação do clausulado. Assim, a Requerente pode apresentar os cálculos mencionando a sua versão referente à interpretação do clausulado. As divergências de interpretação não impedem que proceda à realização dos cálculos segundo o seu ponto de vista. Assim, ao não realizar a sua obrigação de apresentação dos cálculos do “Bonus/Malus”, a Requerente incorre em incumprimento contratual. Incumprimento contratual que legitima a atuação da Requerida, no sentido de o contrato poder ser executado, conforme permite o artigo 303.º do Código dos Contratos Públicos».
(14) A Recorrente não aceita o decidido na sentença recorrida por entender estar demonstrada a manifesta ilegalidade da conduta da Recorrida e com ela verificado o pressuposto de que a alínea a) do n.º1 do artigo 120.º do C.P.T.A faz depender o decretamento duma providência, o que por si só impõe a revogação da sentença e a sua substituição por outra que decrete a providência requerida e, para o caso de assim se não entender, deve pelo menos considerar-se preenchido o disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 120.º do C.P.T.A.
(15) Em divergência com a decisão recorrida, a Recorrente clama afigurar-se-lhe claro e manifesto que, em sede de execução de um contrato administrativo, o contraente público não pode impor unilateralmente a sua interpretação do contrato ao contraente privado prescindindo da intermediação de um tribunal para o efeito, pelo que, ao fazê-lo, viola o disposto no art.º 307.º, n.º1 do CCP.
Por outro lado, adianta que resultando do disposto na cláusula 37.2 e Anexo C-XVI ao Contrato, que é à Recorrente que cabe liquidar e faturar ou emitir nota de crédito relativamente ao mecanismo “Bonus/Malus”, o tribunal a quo devia ter aplicado o disposto no art.º 279.º do CCP, e considerado manifestamente ilegal a conduta da Recorrida.
Por fim, objeta ainda contra a decisão recorrida que a mesma devia ter aplicado o disposto no artigo 847.º do C.Civil e, nessa conformidade, ter considerado que não se verificam os pressupostos legalmente previstos com vista a fazer operar a compensação entre os contraentes, julgando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida.
Conclui, em suma, ser errado considerar-se que a conduta da Recorrida encontra justificação num putativo incumprimento contratual da Recorrente, e por isso, errado aplicar-se ao caso o art.º 325.º, como fez a sentença recorrida, quando devia ter-se aplicado o art.º 307.º, n.º1 do CCP, bem como o art.º 279.º do CCP.
Vejamos se lhe assiste razão.
(16) O artigo 120.º do CPTA fornece-nos os critérios que presidem à concessão de providências cautelares, aí se consignando que:
“1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 – Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que possam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
3 – As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados em presença.
4 – Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para os efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.
5 – Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adopção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.
6 – Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”
(17) Decorre do disposto na citada alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do C.P.T.A., que o tribunal decretará a providência cautelar requerida sempre que, mediante um juízo perfunctório possa concluir, sem necessidade de maiores indagações, que é manifesta a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, sendo que, o que é manifesto «é líquido, salta à vista, não oferece qualquer dúvida»- Cfr.acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/10/2008, proferido no processo n.º 0396/08.
(18) Em tais situações, em que resulta evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, a providência é concedida sem mais. Trata-se de situações de máxima intensidade da aparência de bom direito ou fumus boni iuris, surgindo este como único fator relevante para a concessão ou não da providência, pelo que deverá ser decretada quase automaticamente, baseando-se num critério de evidência, sem necessidade de fundamentar a decisão cautelar por referência aos requisitos das alíneas b) e c) do n.º1 e do n.º2 do art.º 120.º do CPTA e, portanto, dispensando-se a ponderação de interesses públicos e privados e o juízo de proporcionalidade quanto à decisão da providência, porque o critério da evidência incorpora já a salvaguarda de tais interesses (do interesse público, porque a Administração não pode praticar atos ilegais, e dos interesses particulares, porque têm direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada).
Do mesmo modo, a providência será recusada sempre que resulte evidente e manifesta, a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. É o que resulta implicitamente do disposto na alínea a) do n.º 1do art.º 120.º do CPTA.
Assim, haverá que averiguar, em cada caso, em face de uma análise sucinta e perfunctória da mesma, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares, que têm por características designadamente, a provisoriedade e a sumaridade, se é possível concluir, sem margem para dúvidas, que a pretensão formulada ou a formular no processo principal será julgada procedente.
Só em tal situação se poderá considerar preenchida a previsão constante da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, incumbindo ao requerente da providência alegar e provar a ilegalidade manifesta, não competindo ao julgador cautelar estar a apurar em profundidade se os vícios assacados ao ato impugnado ocorrem ou não ou se o direito reclamado existe ou não, sob pena de o processo cautelar se transformar, na prática, no processo principal, com as nefastas consequências para o funcionamento dos tribunais e para a aplicação da Justiça. O próprio julgador cautelar apenas tem de apreciar se esses vícios ou os pressupostos do direito cuja tutela cautelar se pretende obter, são ostensivos, evidentes.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F.Cadilha, in ob. citada, a propósito da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, os próprios exemplos que o legislador indica sugerem que este preceito deve ser objeto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações.
(19) Revertendo novamente ao caso em análise, está em causa aferir se a atuação da Recorrida consubstancia uma conduta manifestamente ilegal da sua parte, que determine a manifesta procedência da pretensão a formular em sede de ação principal por parte da Recorrente e que, por conseguinte, reclame deste tribunal a revogação da decisão recorrida e, em sua substituição, a prolação de decisão judicial que decrete a providência cautelar requerida ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA, ou não.
(20) Relembre-se que, com a presente providência cautelar, a Recorrente pretende evitar que a Recorrida, à semelhança do que sucedeu em 2013, venha ela própria a calcular, faturar e a compensar os montantes de “Malus”, com fundamento na interpretação que faz do disposto na cláusula 37.2 do Contrato.
(21) Para bem decidirmos a questão em análise, importa dar nota, primacialmente, e ainda que em traços muito gerais, do enquadramento factual que subjaz a toda esta situação, o que passamos a fazer.
Conforme resulta demonstrado, a Recorrida “Metro do Porto, S.A” explora um sistema de metro ligeiro na área metropolitana do Porto (AMP), nos termos regulados pelas Bases da concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 394/98, de 15/12, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 192/2008, de 01/10, que lhe confere a exploração, em regime de serviço público e de exclusividade pelo prazo de 50 anos desse sistema, devendo, de acordo com o estabelecido na Base XXI, n.º2 subconcessionar a exploração e manutenção da totalidade do sistema.
Na sequência de concurso público internacional que lançou em abril de 2009, a “Metro do Porto, S.A.” celebrou com a ora Recorrente, em 26/02/2010, um contrato que tinha por objeto a atribuição à ora Recorrente da subconcessão da operação e manutenção do Sistema, obrigando-se esta a realizar a operação regular e contínua do sistema de metro ligeiro, incluindo os equipamentos, instalações fixas e material circulante, ao longo de toda a sua extensão física, e a manutenção de todas essas componentes, por um prazo de cinco anos.
Em contrapartida, a ora Recorrida ficou obrigada a pagar à Subconcessionária uma retribuição pelas prestações que constituem objeto do contrato, desenvolvidas no âmbito da subconcessão, calculada nos termos da Cláusula 37 do Contrato.
Essa retribuição compreende uma componente fixa, uma componente variável (que é neutra) e ainda uma componente que reflete o desempenho da ora Recorrente, denominada “Bonus/Malus” – cfr. alíneas A), B) e D) da matéria de facto assente.
Nos termos da cláusula 39.2 do Contrato de subconcessão, a faturação relativa à retribuição devida pelas atividades desenvolvidas no âmbito da subconcessão a que se refere a cláusula 37 e o respetivo pagamento devem ser efetuados nos termos estabelecidos no Anexo C-XVI, e segundo o § 2 deste Anexo: «o apuramento do mecanismo Bonus/Malus é feito anualmente, uma vez publicados todos os índices necessários para o cálculo respetivo», devendo este cálculo ser «apresentado pelo Adjudicatário para emissão de certificado pela Metro do Porto, o qual suportará a fatura do Adjudicatário» -cfr. alínea E) da matéria de facto assente.
Apurou-se também que, desde março de 2011, a ora Recorrente veio dando conta à Recorrida daquilo que para a mesma eram as dificuldades de cálculo do mecanismo “Bonus/Malus”, consubstanciadas na alegada inexistência de qualquer "índice relativo à evolução do custo dos combustíveis, publicado anualmente pelo Ministério da Economia", bem como a circunstância de o ACE TIP (Agrupamento Complementar de empresas constituído pelas empresas públicas de transportes ativas na área metropolitana do Porto) não ter apresentado, em 2010 e 2011, os dados da intermodalidade com o mesmo formato que apresentara nos relatórios anteriores (vide carta da Requerente, de 28/03/2011, Doc. 2 da PI e Docs. 3, 4, 5 e 6 da PI)- cfr. alínea F) da matéria de facto assente.
Por fim, apurou-se ainda que a Recorrente enviou os cálculos de “Malus” de 2012, à Recorrida, no dia 10 de maio de 2013, indicando um valor nulo e em 28 de junho de 2012 a Recorrida enviou diferentes cálculos de “Malus” de 2012 à Recorrente, indicando um valor de € 6.748.211,31, valor esse que foi facturado e compensado – cfr. alíneas J), K) e L) da matéria de facto assente – e bem assim, que um dos elementos utilizados para calcular o montante de Malus de 2013 não foram ainda disponibilizados pelo TIP, sendo a ora Recorrida membro do TIP ACE- cfr. alíneas M) e N) da matéria de facto assente.
(22) Dito isto, resulta dos autos que a questão central que está na origem do presente processo, tem a ver com a aplicação da fórmula constante da cláusula 37.2 do Contrato, referente ao apuramento da componente da retribuição da subconcessão designada por “bónus/málus”, a qual foi incluída no Contrato como forma de retribuição da Recorrente, sendo em relação à fórmula com que a mesma é determinada, que as partes não estão de acordo.
Ora, decorre do Contrato, que o sistema de “bónus/málus” assenta numa fórmula que inclui diversas variáveis e destina-se a atribuir consequências na remuneração da Recorrente aos valores que poderão resultar da diferença entre a designada “Procura de Referência” e a “Procura Efetiva Corrigida”.
A “Procura de Referência”, por sua vez, traduz a procura para cada ano de execução do Contrato, medida em “passageiros x Km” e está fixada no Contrato, sendo que, quando a “Procura Efetiva Corrigida” é 3% superior à “Procura de Referência” a ora Recorrente pode auferir uma remuneração acrescida, máxime, um “bónus” e, quando a mesma é 3% inferior à “Procura de Referência” a Recorrente auferirá uma retribuição diminuída, ou seja, suportará um “malus”.
(23) Sucede que, o valor da “Procura Efetiva Corrigida” depende, conforme resulta do Anexo C-XVI do Contrato, da publicação de todos os índices necessários para o cálculo do TI (a evolução do custo médio anual do transporte individual) e do TC (custo médio anual de utilização do transporte coletivo), havendo divergências entre a Recorrente e a Recorrida, desde logo, quanto aos índices e aos rácios de cuja aplicação a referida fórmula depende, concretamente, sobre “o índice relativo à evolução do custo dos combustíveis, publicado anualmente pelo Ministério da Economia” (IPCb), que interfere no cálculo do TI e sobre os rácios de intermodalidade a ter em conta, que interfere na determinação do TC.
(24) Segundo a posição perfilhada pela ora Recorrente a fórmula de cálculo prevista na referida cláusula contratual exige o recurso a índices e a rácios que a mesma não contém e que, para além disso, são inexistentes. A mesma discorda do entendimento da Recorrida sobre o recurso ao valor da evolução do custo do petróleo para alcançar o índice relativo à evolução do custo dos combustíveis a fim de calcular o valor de TI, argumentando que tal índice não é publicado pelo Ministério da Economia, como exige o clausulado em 37.2 do contrato de subconcessão. E discorda ainda do modo como a Recorrida procede à determinação dos rácios para fixação do valor de TC, por, para além de tais rácios, alegadamente, não constarem, desde 2010, de publicação anual no relatório e contas anual do ACE TIP, os próprios elementos disponíveis para o cálculo dos mencionados rácios originam diversas dúvidas quanto aos termos em que devem ser consideradas as assinaturas e as validações.
(25) No tocante à posição defendida pela Recorrida, a mesma sustenta que os termos constantes da fórmula prevista na cláusula 37.2 do contrato de subconcessão são claros, que os dados por si usados derivam da informação disponibilizada pelo Ministério da Economia e pelo ACE TIP, sucedendo que, muito embora esta última entidade não indique os necessários rácios, a verdade é que disponibiliza toda a informação para o cálculo dos mesmos, não existindo qualquer divergência interpretativa, mas um incumprimento contratual por parte da Recorrente.
Que dizer?
(26) Centrando a nossa atenção sobre o conteúdo da cláusula 37.2 do contrato de subconcessão, dela resulta claramente que o cálculo da componente bonus/malus depende da aplicação de uma fórmula matemática composta, e assaz complexa, cujos factores e variáveis estão, por sua vez, dependentes de informação e elementos externos à própria fórmula, e que devem ser buscados em fontes que se encontram definidas na própria cláusula 37.2.
Outrossim, extrai-se dos autos que a referida informação externa não é de acesso imediato, nem isento de dificuldades, uma vez que os índices e rácios em causa configuram variáveis insertas na fórmula inicial que, por sua vez, dependem de outras variáveis.
(27) Assim, impera concluir que do teor literal dessa cláusula, não brota, de forma imediata, cristalina ou inequívoca, o sentido que lhe é atribuído, quer pela Recorrente, quer pela Recorrida.
(28) Ante o exposto, uma conclusão se pode já retirar, a de que a tese aflorada pela Recorrida, segundo a qual a fórmula contida na cláusula 37.2 do contrato se apresenta clara, não merece acolhimento. Na verdade, a tese da clareza da fórmula inserta na cláusula 37.2 do contrato, aclamada pela Recorrida, não tem nenhuma sustentação fática, uma vez que, como salta à vista, os factores da fórmula em discussão não correspondem a variáveis independentes e, portanto, de acesso imediato e de definição indiscutível e inquestionável.
(29) Pelo contrário, aquilo que se nos depara como evidente é que não obstante estar em discussão a utilização de uma fórmula matemática, o certo é que a sua aplicação envolve o recurso a factores e índices cuja identificação não se divisa como imediata ao aplicador, sendo, por conseguinte, necessário um assinalável esforço hermenêutico, com apelo às regras de interpretação dos contratos administrativos, de forma a apurar quais os factores e índices que devem ser tidos em conta para efeitos de aplicação da referida fórmula, com vista à determinação do “bónus/malus”.
(30) Sendo assim, podemos, em suma, assentar na seguinte evidência: quer o entendimento perfilhado pela Recorrente, quer o sustentado pela Recorrida sobre os factores e índices a considerar na aplicação da fórmula constante da cláusula 37.2 do Contrato, são o produto do esforço interpretativo que foi desenvolvido por cada uma das partes com vista à determinação dos factores e índices a considerar na fórmula contratualmente estabelecida para o cálculo do “bónus/malus”, e não o sentido que qualquer interprete capte prontamente, sem mais, do teor literal dessa fórmula.
Acrescente-se, em abono da evidência de tal conclusão, que se dúvidas houvesse sobre o acerto da mesma, elas ficariam totalmente dissipadas se atentarmos na circunstância, aludida pelas partes, do próprio senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações ter solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República um parecer sobre a matéria.
(31) Saliente-se que em resultado da diferente interpretação que cada uma das partes no Contrato em causa perfilha sobre os índices e ratios que interferem na aplicação da fórmula constante da cláusula 37.2, o montante de málus obtido por aplicação da referida fórmula é diferente consoante seja calculado nos termos preconizados pela Recorrente – valor nulo- ou nos termos defendidos pela Recorrida- cerca de 6,5 milhões de euros, o que, conforme se percebe, faz toda a diferença.
(32) Pese embora a aludida divergência interpretativa sobre a aplicação da fórmula inserta na cláusula 37.2 do Contrato, é também inequívoco que a ora Recorrida avançou, em relação ao ano de 2012, ante a comunicação por parte da Recorrente de um valor nulo a título de “malus”, com a liquidação e cobrança de valores a título de “malus” (cfr. factos assentes), o que fez, reitera-se, com base numa interpretação da cláusula 37.2 que impôs à Recorrente.
(33) É pacífico que o contraente público, em matéria de interpretação de contratos administrativos, não detém nenhum poder de autotutela declarativa.
Isso mesmo resulta do disposto no n.º1 do artigo 307.º do CCP, que sob a epígrafe “ Natureza das declarações do contraente público”, estabelece que “ Com excepção dos casos previstos no número seguinte, as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do co-contratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à acção administrativa comum”.
A referida norma é clara ao determinar que as decisões pelas quais o contraente público se pronuncie sobre a interpretação ou validade de cláusulas contratuais não consubstanciam atos administrativos vinculativos para o contraente privado mas meras declarações negociais.
Conforme bem assinalam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “CONTRATOS PÚBLICOS”, Direito Administrativo Geral, Tomo II, 2.ª Ed., D. Quixote, pág. 149 tais decisões mais não são do que «actos opinativos», pelo que, «em caso de falta de acordo do co-contratante sobre aquelas declarações, a administração só pode obter os efeitos por si pretendidos através da acção administrativa comum [art.37.º, 2, h) CPTA]. Não existe, portanto, autotutela da administração quanto à fixação do sentido e da validade ou invalidade do contrato administrativo».
(34) Deste modo, não subsistindo dúvidas que nos presentes autos se está perante um conflito interpretativo entre os contraentes sobre a aplicação da fórmula constante da cláusula 37.2 do Contrato, a aplicação da referida fórmula nos termos preconizados pela Recorrida à Recorrente, havendo discordância da última, não lhe pode ser imposta pela Recorrida.
(35) Mas a questão que ora se coloca é a de saber se o apurado comportamento da Recorrida, que afronta o disposto no artigo 307.º, n.º1 do CCP, é idóneo a sustentar, como pretende a Recorrente, que a presente providência seja decretada ao abrigo do disposto na alínea a), n.º1 do art.º 120.º do CPTA, sem necessidade de mais indagações, contrariamente ao que foi sentenciado pelo tribunal a quo, quando, como bem se assinala no Ac. do TCAN, de 25.01.13, proferido no processo n.º 00115/12.2BEMDL, “ A evidência de que fala a alínea a), do n.º1 do artigo 120.º do CPTA tem a ver com a procedência da pretensão vertida no processo principal e traduz-se num caso de procedência clara, ostensiva, que emerge da abordagem meramente perfunctória da questão ou questões litigadas”(sublinhado nosso).
Na verdade, importa não olvidar que a presente providência cautelar só pode ser deferida com fundamento na alínea a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA caso o tribunal conclua, ainda que de forma sumaria, que a ilegalidade detetada conduz à manifesta procedência da pretensão a deduzir em sede da ação principal, não sendo, por conseguinte, de afastar a hipótese de verificada uma ilegalidade ainda assim se não revelar manifesta a procedência da pretensão a deduzir em sede da ação principal.
Em face do exposto, torna-se crucial aferir, neste momento, qual será a pretensão que a Recorrente irá deduzir em sede de ação principal, de molde a poder ajuizar-se se a sua procedência se afigura manifesta ou não ante a referida violação do art.º 307.º, n.º1 do CCP.
(36) A este respeito, a Recorrente alega no seu r.i., que a presente providência irá depender da ação administrativa comum a ser proposta no TAF do Porto, nos termos dos artigos 37.º e ss do CPTA, cujo objeto consistirá na declaração de que, no quadro do Contrato, não pode a ora Recorrida obter os efeitos pretendidos em matéria de interpretação do Contrato de modo unilateral e bem assim, na interpretação do Contrato, mais particularmente da cláusula 37.2 do Contrato.
(37) Tendo em conta que o dissídio entre as partes se prende com a interpretação da cláusula 37.2 do Contrato, máxime, com os factores e índices a considerar na fórmula matemática aí prevista para a determinação dos montantes de “bónus/malus”, a pretensão a deduzir em sede de ação principal passará, como está bom de ver, por resolver a verdadeira questão em litígio, qual seja, a de saber que factores e índices são esses que interferem no cálculo dos montantes de “bónus/malus” e que devem ser utilizados na aplicação da referida fórmula, designadamente, se esses factores e índices são os preconizados pela Recorrida ou se, ao invés, assiste razão à Recorrida.
(38) E sendo assim, entendemos que, pese embora à Recorrida não assista o direito de impor a sua interpretação do contrato à Recorrente, por nesse domínio não deter poderes de autotutela declarativa, sendo as suas decisões nesse domínio meras declarações negociais, como supra tivemos o ensejo de explicitar, a verdade é que, em sede de ação principal a instaurar, e tendo em consideração que aquilo que ali se vai discutir será saber qual o sentido interpretativo com que deve valer a designada cláusula contratual, máxime, se o sentido que dela se deve extrair é aquele que lhe foi conferido pela Recorrida ou antes o preconizado pela Recorrente, então forçoso é concluir que nesse plano já não se nos afigura evidente que a Recorrente logre obter ganho de causa, por não ser manifesto qual o sentido interpretativo correto com que tal fórmula deve ser utilizada, se a defendida pela mesma, se a sustentada pela Recorrida.
(39) Em conclusão, transposta a questão para o domínio da ação principal, não é manifesto que o sentido interpretativo preconizado pela ora Recorrida seja infundado, de tal modo que, seja evidente a procedência da ação principal que a Recorrente venha a instaurar [veja-se, por tal cláusula não poder ser aplicada de acordo com a interpretação que a Recorrida dela faz].
Aferir qual o sentido com que a dita cláusula contratual deve ser interpretada requer um exercício interpretativo complexo, cujo resultado não se revela óbvio. Assim, pese embora a Recorrida tenha imposto a sua interpretação da referida cláusula à Recorrente, tal não significa que, em sede de ação principal, a Recorrente venha a obter ganho de causa, o que só sucederá caso logre convencer o tribunal que a interpretação realizada pela Recorrida se revela infundada, o que, neste momento processual não é captável pelo tribunal, sendo, aliás, de referir, a existência de um parecer emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria que, debruçando-se sobre a interpretação da referida cláusula, conclui em sentido favorável à Recorrida.
Assim sendo, forçoso é concluir que, sob este prisma, a pretensão a formular pela Recorrente em sede de ação principal não se revela como manifestamente procedente, razão pela qual a providência não pode ser decretada com tal fundamento, ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA.
(40) Mas, a Recorrente alega ainda [cfr. conclusão D)] que o Tribunal a quo devia ter aplicado também o disposto no artigo 279.º do CCP e considerado manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar, na medida em que decorre do programa contratual – cláusula 37.2 e Anexo C-XVI ao Contrato – que é à Recorrente que cabe liquidar e faturar ou emitir nota de crédito relativamente ao mecanismo Bonus/Malus e, bem assim que devia ter aplicado também o disposto no artigo 847.º do Código Civil, considerando que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente previstos com vista a fazer operar a figura da compensação, pois, desde logo, o pressuposto base constitui matéria controvertida entre os contraentes, e, bem assim, considerando manifestamente ilegal a conduta da Recorrida que se pretende evitar [cfr. conclusão E].
(41) A este respeito, afigura-se-nos não ser manifesto que haja um incumprimento contratual por parte da Recorrente, como, também se não nos afigura que haja uma situação de manifesto incumprimento contratual por parte da Recorrida, quando procede, ela própria, ao cálculo do “málus”.
(42) Não se olvida que de acordo com o Contrato (cfr. cláusula 38) a obrigação de proceder ao cálculo e determinação da componente anual de bonus/malus é da ora Recorrente , verificando-se, porém, que a referida componente foi determinada pela Recorrida.
(43) Porém, permanece por esclarecer e apurar se subsistem razões justificativas, quer do lado da Recorrente, quer do lado da Recorrida, para a respetiva atuação, por forma a aquilatar se ocorre efetivo incumprimento contratual e por qual das partes.
(44) Quer isto significar, portanto, que o juízo quanto ao eventual incumprimento contratual exige e impõe o aprofundamento factual e jurídico, quer quanto à execução do contrato, quer quanto à atuação de cada uma das partes e, finalmente, quanto à matéria que é alvo da discórdia entre as co-contraentes, por forma a avaliar de que lado contratual se situa o incumprimento e de que lado contratual se justifica a invocação da excepção de não cumprimento ou da utilização da compensação de créditos. E, sendo assim, resulta inequívoco que não é patente, no caso versado, qual das partes contraentes é a inadimplente.
Por conseguinte, por este prisma, inexiste o necessário pendor da “evidência“ imposto pelo art.º 120º, n.º 1, al. a) do CPTA.
Assim sendo, não estão verificados os pressupostos para que a presente providência possa ser decretada com fundamento na alínea a) do art.º 120.º do CPTA, mantendo-se, embora com a presente fundamentação, o sentido da decisão recorrida.
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DA ERRADA PONDERAÇÃO DO PERICULUM IN MORA
(45) A Recorrente imputa ainda à sentença recorrida erro de julgamento de direito por o senhor juiz a quo ter sentenciado que não se verificava o requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA.
(46) Em sustento da sua pretensão, começa por invocar que o tribunal a quo, ao confundir o resultado líquido da Recorrente em 201,3 que foi de 28 mil e oitocentos euros com um suposto resultado de 28 milhões de euros e, com esse fundamento, recusar o decretamento da providência cautelar requerida nos autos, fez uma errada aplicação do disposto na alínea b) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA aos factos provados, uma vez que o resultado líquido da Recorrente enunciado no ponto G) da matéria de facto assente bem evidencia uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, impondo o decretamento da providência requerida.
Acrescenta ainda, que em qualquer caso, o tribunal a quo fez uma errada ponderação do disposto na referida disposição legal, uma vez que, atentos os factos que deviam ter sido dados como provados, designadamente quanto ao impacto que a atuação da Recorrida que se pretende evitar teria na tesouraria da Recorrente, devia ter decretado a providência cautelar requerida por se estar em presença de uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado.
(47) Ora, considerando que o legislador optou por estabelecer requisitos mais exigentes para a concessão de providências cautelares antecipatórias, nomeadamente no que respeita à aparência do bom direito, importa, previamente, determinar que natureza reveste a presente providência cautelar.
Nas providências cautelares de natureza conservatória, como a própria designação indica, tem-se em vista a manutenção da situação jurídico-material existente. Já nas providências cautelares que assumam um caráter antecipatório pretende-se antecipar, a título provisório, uma situação jurídica nova, a qual se aspira obter a título definitivo, com a sentença a proferir no processo principal.
Segundo palavras que não são nossas mas de Vieira de Andrade, “providências conservatórias são as que visam manter ou preservar a situação de facto existente, designadamente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de perder; providências antecipatórias são as que visam prevenir um dano, obtendo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito, mas que lhe é negado (antecipam uma situação que não existia, quando haja um interesse substancial pretensivo)”.(cfr “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, 10.ª edição, pág. 347).
Nem sempre se revela uma tarefa fácil a distinção entre providências cautelares conservatórias e antecipatórias. Na situação dos autos, tendo em conta que a pretensão da Recorrente se consubstancia em obter do tribunal uma decisão judicial que legitime a não apresentação dos cálculos de málus nos termos que a administração entende resultar da aplicação da cláusula 37.2, o mesmo é dizer, que seja mantido o seu status quo enquanto o tribunal não resolver definitivamente a questão da interpretação dessa cláusula, a presente providência não pode deixar de ser qualificada como conservatória.
(48) Estando-se, pois, perante uma providência cautelar conservatória o seu decretamento depende da verificação dos requisitos constantes da alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 120.º do CPTA:
i) O “periculum in mora”, traduzido na existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal;
ii) A aparência do bom direito, na perspectiva de que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.
iii) A ponderação de interesses, donde decorra a superioridade dos interesses que a requerente visa assegurar com a adoção da providência cautelar, sobre os demais interesses, públicos ou privados, em presença.
(49) Segundo o disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 120.º do C.P.T.A, o periculum in mora traduz-se no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Como se sabe, as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer ação, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela, o mesmo é dizer, obviar a que a sentença não se torne numa decisão para “encaixilhar” ou puramente “platónica”, da qual o seu destinatário retire apenas um ganho moral.
Nessa medida, o requisito do “periculum in mora” encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Para aferir da verificação ou não deste requisito, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar- cfr. Acs. do STA de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11 e Ac. do TCAN de 14.09.2012 - Proc. n.º 03712/11.0BEPRT, disponíveis em «www.dgsi.pt/jtcn».
Nesse juízo de prognose, o juiz deve, por conseguinte, atender a todos os prejuízos que se mostrem relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais, sendo certo que o fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado ou da verificação de prejuízos de difícil ou impossível reparação terá sempre de se alicerçar em circunstâncias factuais que revelem, de forma objetiva, a iminência da lesão e a necessidade imperiosa de serem tomadas providências que obstem à produção de tais prejuízos, não sendo apto para o efeito, as simples conjeturas ou receios subjetivos.
Note-se que nem todo o receio é digno de tutela, posto que um receio meramente eventual ou hipotético não é um “fundado receio”. No dizer de Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., págs. 108, “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões.”
Frise-se que os critérios a atender na apreciação do “periculum in mora” devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito, por forma a evitar a concessão indiscriminada de proteção cautelar.
No que concerne à prova do “fundado receio” a que a lei faz referência, a mesma deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada, não sendo, por conseguinte, lícito ao tribunal que se substitua ao mesmo nessa incumbência, e bem assim, de oferecer prova sumária dos fundamentos em que se sustenta a existência desse requisito- cfr. artigos 114.º, n.º3, al.g) e 118.º do C.P.T.A e art.º 5.º, n.º1 do C.P.C.
Neste sentido existe, aliás, abundante jurisprudência, de que são exemplo os Acórdãos do STA de 14.07.2008, Processo n.º 0381/08 e de 22.01.2009, Processo n.º 06/09 e Acs. do TCAN, de 25.01.2013, Processo n.º 01056/12.9BEPRT-A; de 08.02.2013, Processo n.º 02104/11.5BEBRG e de 17.05.2013, Processo n.º 01724/12.5BEPRT.
Nesta esteira, o requerente tem a obrigação de convencer o tribunal quanto à verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida, devendo, para o efeito, articular, e consequentemente provar, factos concretos e relevantes para a sua pretensão, e não quedar-se por uma alegação conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Conforme bem se refere no Ac. do TCAN, de 14.03.2014, proferido no processo n.º 1334/12.7BEPRT,” o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 384.º, n.º 1 do CPC/2007 (atual art. 365.º, n.º 1 do CPC/2013)] [cfr., entre outros, Acs. STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 19.11.2008 - Proc. n.º 0717/08, de 22.01.2009 - Proc. n.º 06/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCAN de 11.02.2011 - Proc. n.º 01533/10.6BEBRG, de 08.04.2011 - Proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A, de 08.06.2012 - Proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B, de 14.09.2012 - Proc. n.º 03712/11.0BEPRT, de 30.11.2012 - Proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A, de 25.01.2013 - Proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A, de 25.01.2013 - Proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A, de 08.02.2013 - Proc. n.º 02104/11.5BEBRG, de 17.05.2013] bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos ”.
(50) Regressando ao caso presente, a Recorrente, como vimos, começa por objetar contra a sentença recorrida que nela o senhor juiz a quo confundiu, em sede de resultados líquidos do exercício de 2013, milhares com milhões, e que ao assim atuar não fez a adequada aplicação do direito aos factos provados.
No tocante a esta questão é um facto que houve erro notório por parte da decisão recorrida, quando parte do pressuposto que a Recorrente, no ano de 2013, teve um resultado líquido de exercício na ordem dos 28 milhões de euros, quando o mesmo foi de apenas cerca de 28 mil euros [cfr. alínea G) da matéria de facto assente], o que, como é obvio, não pode deixar de inquinar a ponderação que a esse respeito foi desenvolvida pelo senhor juiz a quo.
(51) Tendo em conta que a competência do tribunal ad quem não é apenas cassatória ou rescindente, antes lhe assistindo o poder de julgar de novo o mérito da causa (cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA), impõe-se-nos verificar se no caso estão preenchidos os pressupostos de que depende a afirmação do requisito do periculum in mora, para o que releva verificar se o ora Recorrente alegou factos bastantes à sua demonstração e se os mesmos resultam provados.
Vejamos.
(52) Alega a Recorrente que sendo o resultado líquido do exercício de 2013, de apenas vinte e oito mil e oitocentos euros, a retenção de pagamentos na ordem dos seis milhões e meio de euros implicará que a mesma pura e simplesmente deixe de ter condições para continuar a prosseguir a atividade para que foi constituída- a operação e manutenção do metro do Porto, deixando de ter condições para, entre outros, pagar os salários dos seus trabalhadores, pagar aos seus fornecedores e cumprir as suas obrigações tributárias. E que, noutra perspectiva, caso a providência não seja concedida, a cobrança de “malus” por parte da Recorrida implica um défice de tesouraria da Recorrente superior a 0,91 milhões de euros até ao final de abril de 2014, a 4,16 milhões de euros até ao final de maio de 2014 e a 4,28 milhões de euros até ao final de junho de 2014, deixando a mesma de ter condições para fazer face aos seus compromissos financeiros mais prementes, entre outros, os pagamentos mensais a fornecedores de salários, encargos fiscais e encargos com a segurança social, que correspondem a valores globais previstos superiores a 3 milhões de euros, tudo, para concluir estar em causa a existência da Recorrente e a sua capacidade para manter em funcionamento a operação do sistema de metro do Porto.
(53) No tocante a esta questão, a Recorrida contrapõe que a Recorrente sempre conseguiu colmatar as dificuldades de tesouraria que lhe sobrevieram quer de atrasos involuntários de pagamento da Recorrida ao longo da vigência do contrato, quer mesmo do montante de €6.748.211, 31 de malus de 2012, este último em 28/06/2013, não se tendo verificado qualquer interrupção ou perturbação do funcionamento do sistema de metro, nem tão pouco a Recorrente fez instaurar ação judicial, volvidos que foram mais de sete meses, para se defender da alegada ilicitude da conduta que agora vem dizer ter seguido, no que, a nosso ver, lhe assiste razão, sem que, porém, como pretende, daí se possa inferir prontamente que aquilo que se verificou no passado seja o que virá a passar-se in casu, uma vez que, como sabemos, a realidade da vida das empresas não é estanque, sendo, ao invés, muito dinâmica.
(54) Quanto ao risco de paralisação imediata da operação e manutenção do sistema de metro, assevera que o mesmo não se verifica de todo, em primeiro lugar por que até hoje tal não sucedeu; em segundo lugar porque a Recorrente sempre haveria de colaborar para tal não viesse a suceder e em terceiro lugar porque ainda que essa fosse a realidade, os mecanismos contratuais e legais de que a Recorrida dispõe permitem-lhe acautelar uma eventual situação de falta de continuidade da prestação do serviço.
(54.1) A este respeito, e tendo em conta a posição das partes, afigura-se-nos que o risco da paralisazação dos serviços de metro na Área Metropolitana do Porto, caso a presente providência não seja concedida, é inexistente, designadamente, tendo em conta os vários mecanismos previstos no contrato de subconcessão que visam acautelar tal risco, de que é exemplo o sequestro previsto na cláusula 56 .º do Contrato ou, como invoca a Recorrida, no limite, o resgate previsto na cláusula 61.º do mesmo contrato, figuras que reportam as normas dos artigos 421.º e 422.º do CCP, que versam sobre a matéria, e que não implicam a interrupção do sistema.
(55) Por fim, a Recorrida aduz que não lhe incumbe satisfazer as dificuldades de tesouraria da Recorrente, não podendo afetar dinheiros públicos a financiamento de empresas privadas, devendo ser os accionistas da Recorrente a mobilizar fundos para que a Recorrente continue a laborar, se assim o entenderem, pois estes a tal se obrigaram por declaração de solidariedade que emitiram aquando da outorga do contrato, sendo que se trata de sólidas empresas e grupos que não têm dificuldades financeiras.
(56) Pese embora resulte demonstrado que a Recorrente teve apenas um resultado líquido de exercício de cerca de vinte e oito mil e oitocentos euros em 2013, que em despesas com fornecedores, salários, pagamento de impostos e contribuições para a Segurança Social despende mensalmente cerca de três milhões de euros e que, a não ser decretada a presente providência a Recorrida lhe irá faturar e cobrar um montante a título de “malus” que rondará os seis milhões e meio de euros, a verdade é que, tendo em conta a impugnação deduzida pela Recorrida na sua oposição não está demonstrado que a cobrança de “malus” por parte da Recorrida implique um défice de tesouraria da Recorrente superior a 0,91 milhões de euros até ao final de abril de 2014, a 4,16 milhões de euros até ao final de maio de 2014 e a 4,28 milhões de euros até ao final de junho de 2014.
(57) De igual modo, embora alegada a impossibilidade dos accionistas da Recorrente mobilizarem fundos para que a Recorrente mantenha a operação e manutenção do sistema, não foi produzida qualquer prova sobre a existência ou inexistência de liquidez por parte dos seus accionistas para o efeito, matéria cujo apuramento se revela absolutamente essencial para a aferição deste requisito.
(58) De igual modo, pese embora a Recorrente alegue que na ausência de tesouraria, apenas lhe restará recorrer a financiamento bancário, o qual atendendo à conhecida falta de liquidez das próprias instituições financeiras e à atual conjuntura económica é muito limitado, senão mesmo impossível, e, bem assim, que a garantia da existência desses financiamentos sempre estaria dependente da Recorrida lhe pagar os montantes devidos à luz do Contrato, a verdade é que não foi produzida prova sobre tal factualidade, que igualmente se revela, a nosso ver, de crucial importância para a aferição do requisito do periculum in mora.
(59) A nosso ver, as dificuldades de tesouraria sinalizadas pela Recorrente, mesmo que demonstradas, não são por si só bastantes para que se conclua pela verificação do requisito do periculum in mora, para o que não pode deixar de ser relevante saber se os accionistas da Recorrente possuem ou não liquidez para mobilizar fundos para que a mesma possa assegurar a sua existência e a manutenção do sistema.
(60) Também não bastará alegar, em abstrato, a existência de dificuldades na obtenção de financiamento bancário, decorrente da atual conjuntura, sem que em concreto se demonstre existirem tais dificuldades em relação à Recorrente, para que daí se possa colher algum subsídio para a demonstração do pressuposto do periculum in mora.
(61) Tendo em consideração que ambas as partes arrolaram testemunhas, afigura-se-nos que a sua inquirição sobre a referida factualidade é determinante para que o tribunal possa concluir sobre a alegada falta de meios financeiros e do eventual risco de insolvência da Recorrente, o qual, a verificar-se poderá consubstanciar um prejuízo irreparável, posto que, terminando o Contrato já no próximo ano, não divisamos de que modo a Recorrente poderá ultrapassar essa situação.
(62) Assim sendo, o tribunal a quo não poderia, pois, ignorar a alegação dos mencionados factos, mas antes, face à impugnação que dos mesmos resulta do teor da oposição apresentada pela ora Recorrida, ter determinado a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
(63) Pelas razões apresentadas, entende este tribunal ad quem que deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, anulada a decisão recorrida, e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para aí ser realizada a inquirição de testemunhas sobre os factos explicitados, seguindo-se a pertinente tramitação até nova decisão final, e caso nada mais obste a isso.
Assim se decidirá.
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III. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, no seguinte:
I) Conceder provimento ao recurso jurisdicional;

II) Anular a decisão recorrida;
III) Ordenar que os autos baixem à primeira instância a fim de ser aberto período de produção de prova sobre os factos constantes do r.i. e supra referidos, seguindo-se a pertinente tramitação até nova decisão final, caso nada mais obste a tal.
IV) Custas pela recorrida que contra-alegou artigos 446º CPC, 189º CPTA, e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabela I-B a ele anexa.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 27 de junho de 2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Fernanda Brandão