Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00428/13.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PRESCRIÇÃO
Sumário:I-A prescrição é uma excepção peremptória que, a proceder, importa a absolvição total ou parcial do pedido, estando sujeitos a prescrição os direitos que, não sendo indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, não sejam exercidos durante um período de tempo estabelecido na lei;

I.1-considerou o legislador que, não tendo o titular do direito respectivo exercido o seu direito em devido tempo, o obrigado tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer meio, ao exercício do referido direito;

I.2-o supra referido não implica que a prescrição ponha em causa a existência do direito invocado; o instituto em apreço apenas impede a execução desse direito por banda do respectivo titular, desde que devidamente invocada, o que ora não sucedeu. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Comissão para a Eficácia das Execuções
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
J. instaurou ação administrativa especial contra a Comissão para a Eficácia das Execuções, ambos melhor identificados nos autos, visando impugnar a deliberação desta de 13.12.2012, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa no valor de 500,00 Euros.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgado extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar de que resultou a aplicação de pena de multa em 13.12.2012, com todas as legais consequências.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ) formulou as seguintes conclusões:
1. A única questão em discussão neste recurso é o da prescrição do procedimento disciplinar, que a sentença considera verificada, decisão com que não se concorda.

2. Nas datas de comunicação dos factos passíveis de virem a gerar a instauração do procedimento disciplinar e da respetiva instauração deste, era aplicável o art. 135.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS).

3. A norma em causa previa um prazo geral para prescrição do procedimento disciplinar, de 3 anos, contados desde o conhecimento da prática da infração, pelo “órgão da Câmara”.

4. Desvalorizando de todo a letra da lei, entende-se na sentença que o início da contagem de tal prazo de prescrição se inicia na data da “denúncia” da prática de atos porventura geradora de cometimento de infração disciplinar, ou seja 9/12/2009.

5. Todavia, a lei não faz iniciar o prazo com tal denúncia, mas sim com o “conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração”; a letra da lei remete para um conhecimento em concreto, por uma entidade determinada: órgão da Câmara.

6. Tal órgão só pode ser aquele a que a lei atribui competência para instaurar procedimento disciplinar, única interpretação que se mostra compatível com a ratio legal, ou seja, o Grupo de Gestão da então CPEE.

7. Por tanto, só a data do conhecimento por este órgão da eventual prática da infração faz iniciar o prazo de prescrição, ou seja, 14/1/2010.

8. “Infração” é um conceito que supõe mais do que factos; supõe que em relação a certos factos – os denunciados – seja feita uma avaliação, de conhecimento das circunstâncias em que ocorreram e de confronto com o comportamento diferente exigível ao seu autor, para que daí resulte a perceção, ainda que indiciária, da prática de um ilícito disciplinar.

9. A decisão impugnada também assim parece entender: “o conhecimento da prática da infração reporta-se necessariamente aos factos subjacentes à mesma, ainda que seja exigível que o conhecimento dos factos abranja os factos e todas as circunstâncias aplicáveis, por forma a permitir à entidade em causa aferir se existe ou não um disciplinar (sic)” (com realce aditado).

10. Todavia, a sentença decide em contradição com estes pressupostos, que aceita, pois considera que a simples receção de uma comunicação, de uma “denúncia”, abre, no próprio dia da receção, a contagem do prazo de prescrição.

11. A decisão impugnada viola, pois, o art. 135.º do ECS.

12. Erra ainda a decisão no que respeita à qualificação da infração como não continuada.

13. Ao contrário do que consta da sentença, foi provada a natureza continuada das infrações cometidas pela Recorrida.

14. É o próprio A. que confessa que a conta-cliente se mantém com falta de provisão, pelo menos de 8/12/2009 até 2/2/2012.

15. Viola ainda a sentença o art. 135.º do ECS, ora relativamente à suspensão da contagem do prazo.

16. Considera a sentença que a alínea c) do n.º 3 do art. 135.º impõe que o prazo de prescrição deixe de estar suspenso com a decisão sancionatória.

17. Porém, o que resulta da conjugação das alíneas b) e c) do n.º 3 do art.135.º é de que a suspensão cessa e apenas cessa com a notificação do arguido, mesmo que este não seja efetivamente notificado, se tal falta de notificação a si ficar a dever-se.

18. Assim, sendo, o erro da notificação é irrelevante, pois só com a notificação efetiva, que veio a acontecer, cessou a suspensão do prazo de prescrição.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a decisão recorrida.

Não foram juntas contra-alegações.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 09.12.2009, foi enviado à Entidade Demandada um fax com o seguinte teor parcial, através do qual foram juntos vários documentos atinentes ao desenvolvimento do processo judicial que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira sob o n.º 5909/04.0TBVFR:
(…)
RF
Proc.º N.º 5909/04.0TBVFR – 1.º Juízo Cível
Your reference Number:
AE 1940 – J.
(…)
Anexamos documentos para que seja analisada a postura do Senhor Agente de execução nos autos acima identificados.
Mesmo depois de uma sentença transitada a pronunciar-se por uma penhora ilegal, mesmo depois de ordenado que restitua o dinheiro ao executado, este faz um requerimento aos autos a informar que restituiu o dinheiro, mas, fê-lo, para o NIB do Advogado do exequente. (…)
(cfr. fax a fls. 2 do p.a.).
2. Em 14.01.2010, por deliberação do Grupo de Gestão da Comissão para a Eficácia das Execuções, foi instaurado procedimento disciplinar contra o Autor, tendo sido nomeada a instrutora de tal procedimento (cfr. notificação a fls. 16 e ss do p.a.).
3. Através do ofício n.º 225/2010, datado de 05.02.2010, o Autor foi informado da instauração, contra si, de um processo disciplinar com o n.º 02/2010, bem como para se pronunciar sobre a matéria vertida na participação constante do fax referido em 1, prestar esclarecimentos e juntar elementos (cfr. ofício e comprovativo de registo a fls. 46 e 47 do p.a.).
4. O ofício referido no ponto anterior foi enviado ao Autor por correio postal no dia 05.02.2010, para o endereço “Rua (...), (...)” (cfr. registo postal a fls. 25 e 26 do p.a.).
5. Em 12.02.2010, foi entregue junto da Entidade Demandada um requerimento elaborado pelo Autor, em que este vem prestar esclarecimentos à instrutora do processo disciplinar e juntar 15 documentos ao processo (cfr. requerimento a fls. 27 e ss do p.a.).
6. Em 13.11.2012, foi deduzida acusação contra o Autor, em que se lhe imputa a prática de várias infrações disciplinares (cfr. acusação a fls. 315 e ss do p.a.).
7. O Autor foi notificado da acusação referida no ponto anterior, bem como para apresentar a sua defesa escrita, através do ofício n.º 2969/2012, datado de 13.11.2012, endereçado ao Autor na “Rua (...), (...)”, e recebido por este em 16.11.2012 (cfr. ofício a fls. 353 aviso de receção a fls. 354 do p.a.).
8. Em 04.12.2012, o Autor veio apresentar a sua defesa escrita, juntando 12 documentos (cfr. defesa escrita a fls. 355 e ss do p.a.).
9. Em 13.12.2012, foi emitido relatório final no âmbito do processo disciplinar referido em 3, em que a instrutora do processo propõe a aplicação ao Autor da pena disciplinar de multa no valor de 500,00 EUR (cfr. relatório de fls. 379 e ss do p.a.).
10. Do relatório final referido em 9 consta, entre outros, o seguinte:

(…)
V. DOS FACTOS PROVADOS
A) No dia 10/11/2004, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, um requerimento executivo a dar início a uma execução para pagamento de quantia certa, consistindo o título executivo numa livrança, sendo Exequente "Banco (...), S.A. - Sociedade Aberta", e Executados "J., Lda.", "J.", "M." e "F.", tendo sido indicado como bens a penhorar "prédio descrito sob o número 1069, descrito na Cons. Registo Predial de (...) (…) inscrito sob o artigo 3096''3 - processo distribuído e autuado sob o n.º 5909/04.0TBVFR, a correr termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, no valor de € 736.014,45 (setecentos e trinta e seis mil e catorze euros e quarenta e cinco cêntimos);
B) Os referidos autos de execução foram inicialmente distribuídos ao Agente de Execução C.;
C) O Agente de Execução C. foi destituído dos referidos autos de execução e nomeado, em sua substituição, o Agente de Execução J. (CP 1940);
D) A Câmara dos Solicitadores comunicou ao Agente de Execução Arguido a sua designação em 21/08/2007 (fls. 363 dos presentes autos disciplinares);
E) O Tribunal comunicou ao Arguido a sua designação em 03/09/2007;
F) O Agente de Execução declarou aos autos de execução a sua aceitação de processo;
G) No dia 03/09/2007 foi enviada ao Agente de Execução Arguido notificação judicial de "comunicação de nomeação", a informar ter sido indicado o Arguido como Agente de Execução nos autos;
H) No dia 13/09/2007 foi efetuada a aceitação do processo pelo Agente de Execução Arguido;
I) Em 05/05/2008 a Exequente apresenta um requerimento em juízo a solicitar novamente a penhora do imóvel anteriormente ordenada e bem assim a penhora de todos os saldos bancários dos Executados, veículos automóveis; 1/3 dos vencimentos auferidos pelos 2.°, 3.° e 4.° Executados, bens móveis existentes na residência dos 2.°, 3.° e 4.° Executados e a penhora da quota social do 2.° Executado sobre a sociedade "J., Lda." (1.ª Executada);
J) Em 09/09/2008 o Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores procedeu à entrega ao Arguido do Processo que corre os seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, sob o n.º 5909/04.0TBVFR anteriormente a cargo do Agente de Execução C.;
K) Em 28/11/2008 o Executado J., notificado da penhora de saldos bancários, deduziu oposição à penhora, com fundamento na penhora dos saldos bancários dos Executados, no montante de € 128.739,45, sendo o Exequente detentor de uma garantia real sobre um imóvel (hipoteca), a qual foi subscrita para garantia da quantia exequenda, não tendo o bem ainda sido vendido, e como tal, excutido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 835.° do CPC;
L) No dia 02/12/2008 o Agente de Execução procede à junção aos autos de execução de:
i) Cópia de notificação para penhora de saldos bancários aos Executados "J., Lda.", "J.', "M." e "F.", datadas de 30/10/2008 e respetivos AR's e respostas das entidades bancárias que responderam à notificação que lhes fora dirigida;
ii) Resposta (positiva) do Banco (...), S.A. informando ter ficado penhorada a quantia de € 6.226,39, referente a saldo de conta titulada pelo Executado "F.”;
iii) Resposta (positiva) do Banco (...), S.A. informando ter ficado penhorada as seguintes quantias:

EXECUTADO CONTRATON.º TITULARESMONTANTE
J. 0006 5728 11191119.990,41
J. 6230 0480 000923.372,83
J. 6230 0480 100521.001,69
M. 6230 0480 000923.372,83
M. 6230 0480 100521.001,69 €

iv) Cópia de notificação para transferência enviada ao Banco (...), S.A., datada de 12/11/2008, e respetivo AR e resposta, datada de 19/11/2008, com comprovativo de transferência no montante de € 6.266,39;
v) Auto de penhora de saldo bancário do Executado "F.", datado de 19/11/2008;
vi) Cópia de notificação do Executado após penhora (datada de 02/12/2008) e respetivo talão de registo postal (datado de 03/12/2008)
vii)Notificação para transferência à entidade patronal do Executado "F.", à sociedade "F., S.A." para dar início aos descontos no respetivo vencimento, datada de 30/10/2008;
viii) Resposta da sociedade "F., S.A." a informar que "o colaborador supra mencionado, comunicou à F., S.A. por escrito, através de carta cuja cópia anexamos, informando a existência de um imóvel hipotecado ao credor e que ainda não foi vendido (...) solicita a não penhora de 1/3 do seu salário.".
M) Em 03/12/2008 o Agente de Execução informou os autos de execução que "sobre o imóvel referido, o S.E. C. já havia registado uma penhora que ficou provisória por dúvidas, tendo entretanto caducado. Entretanto, tendo sido nomeado no processo, foram efectuadas novas buscas e outras penhoras foram tentadas, enquanto que se diligencia pela penhora do imóvel, até porque, dada a elevada quantia exequenda, a penhora do imóvel, por si só, não será suficiente para o pagamento de tal montante.";
N) Em 10/12/2008 o Agente de Execução foi notificado para juntar aos autos cópia da notificação do Executado J. após a penhora dos saldos bancários e respetivo talão de registo postal;
O) Em 16/12/2008 o Agente de Execução elaborou o auto de penhora relativo ao saldo bancário depositado na conta n.º 12653168 no (...)banco, S.A, no montante de € 56,80, da titularidade da Executada ''J., Lda.";
P) Em 16/12/2008 o Agente de Execução elaborou os seguintes autos de penhora de saldos bancários da titularidade do Executado J.:
a) Saldo bancário depositado na conta n.º 657281119 no Banco (...), S.A, no montante de € 119.990,41;
b) Saldo bancário depositado na conta n.º 657281119 no Banco (...), S.A, no montante de € 3.372,83;
c) Saldo bancário depositado na conta n.º 623004801005 no Banco (...), S.A, no montante de € 1.001,69.
Q) No dia 22/12/2008 o Agente de Execução Arguido, na sequência da notificação judicial datada de 10/12/2008, procedeu à junção aos autos de:
a) Cópia de notificação para transferência de saldo enviadas ao B(...), S.A, das quantias referidas no artigo anterior, datada de 02/12/2008;
b) Cópia de notificação para transferência de saldo enviadas ao (...)banco, S.A, da quantia referida no artigo 8.°, supra, datada de 02/12/2008;
c) 2 Autos de penhora dos respetivos saldos bancários penhorados;
d) Cópias das notificações após penhora dos saldos bancários dos Executados J., M. e J., Lda. e respetivos talões de registo postal, datadas de 18/12/2008.
R) No dia 27/01/2009 o Mandatário Judicial do Exequente, Dr. N. enviou um e-mail ao Agente de Execução Arguido solicitando "que responda à entidade patronal do executado F. no sentido de efectuar os respectivos descontos, sob pena de ser demandada judicialmente de acordo com a lei civil.";
S) Em 28/01/2009 o Agente de Execução Arguido notifica a entidade patronal do Executado F., sociedade "F., S.A." para dar início aos descontos no respetivo vencimento;
T) Em 30/01/2009 a sociedade "F., S.A." informou o Agente de Execução Arguido que os descontos se iniciariam em Fevereiro de 2009, dado que os vencimentos referentes ao mês de Janeiro de 2009 já haviam sido processados;
U) Em 05/03/2009 o Exequente apresentou a sua contestação à oposição à penhora;
V) Em 17/03/2009 o Agente de Execução junta aos autos de execução os seguintes comprovativos:
a) Cópia de notificação para transferência de saldo enviada ao B(...), S.A (dos saldos de € 3.372,83 e € 1.001,69) e respetivo AR e resposta;
b) Auto de penhora de depósitos bancários (dos saldos de € 3.372,83 e € 1.001,69);
c) Cópia de notificação dos Executados J. e M., datadas de 18/03/2009, após penhora e respetivos talões de registo postal.
W) Em 23/03/2009 o Agente de Execução Arguido notificou os credores estatais (Alfândega de Aveiro, Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis 3, Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis e Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro) nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 865.° e na alínea c) do n.º 3 do artigo 864.°, ambos do CPC e do artigo 80.° do Código do Procedimento Tributário;
X) Em 05/05/2009 o Agente de Execução Arguido juntou aos autos os seguintes comprovativos:
a) Auto de penhora de imóvel (rústico - Pinhal e eucaliptal com a área total de 20697 m2 - sito no Lugar de (...) – (…), freguesia de (…), concelho de (…), inscrito na matriz sob o artigo rústico n.º 3096, descrito na conservatória sob o n.º 1069/19970506), datado de 30/03/2009;
b) Certidão Permanente com o código GP-0045-33160-010903-001069 do imóvel penhorado, donde se lê:
i) Hipoteca registada em 19/04/2000 (montante máximo assegurado 160.000$00) a favor de Banco (…), S.A. para garantia de um crédito em conta corrente cedido a Lugar de (…), Limitada'';
ii) Penhora registada em 30/03/2009 pelo Banco (...), S.A. da quantia exequenda de € 772.815,17.
Y) Em 20/05/2009 o Agente de Execução é notificado da sentença judicial de oposição à penhora, proferida em 13/05/2009, a qual julgou ''procedente o presente incidente de oposição à penhora e, em consequência, ordeno o levantamento da penhora efectuada nos autos sobre o saldo dos depósitos bancários titulados pelo executado J.'', porquanto considerou que "(r)esulta, pois, do exposto que na presente execução e em relação ao executado J., a penhora deveria ter-se iniciado pelo bem imóvel sobre que incide a garantia real e de que aquele é proprietário, só podendo recair noutros bens do aqui opoente quando se reconheça a insuficiência de tal imóvel hipotecado para satisfazer a dívida exequenda e os demais encargos do processo, nos termos do já citado artigo 835.º n.º 1 do CPC.
Assim, e não estando apurado nos autos que o imóvel em causa é insuficiente para conseguir o fim da execução, é manifesto que a penhora dos saldos de depósitos bancários titulados pelo aqui opoente foi efectuada ilegalmente, impondo-se assim o seu levantamento.".
Z) Em 01/06/2009 o Agente de Execução é notificado pelo Mandatário Judicial da Exequente, Dr. N., da interposição recurso da decisão proferida no apenso C na mesma data;
AA) Em 25/06/2009 o Agente de Execução apresentou requerimento aos autos solicitando que "tendo tido conhecimento de que o Exequente/Recorrido Banco (...) interpôs recurso de apelação que, embora não suspenda a decisão proferida por V. Exa. no âmbito do processo apenso - C, tal recurso poderá decidir em sentido contrário e, por conseguinte, ter que restituir de novo a quantia penhorada, pelo que, requer a V Exa., nos termos do disposto na alínea d) do artigo 809.º do CPC, se digne ordenar se o A.E. deverá cumprir a douta decisão de V Exa., ou se, deverá aguardar o resultado do recurso interposto referido";
BB) Em 26/06/2009 o Agente de Execução recebeu um telefax do Dr. F., Mandatário Judicial do Executado J., "a solicitar se digne proceder à transferência das verbas pertencentes ao nosso constituinte J. para a nossa conta cujo NIB é o seguinte 0010 0000 XXXX-XXXX-XXXX 7 (R.", sendo que do papel timbrado do referido fax pode ler-se R./F. G. Advogados;
CC) Em 27/07/2009 o Tribunal notifica o Agente de Execução Arguido do despacho judicial proferido em 22/07/2009 de admissão do recurso interposto pelo Exequente, de agravo, com subida imediata, com efeito suspensivo;
DD) Em 29/09/2009 o Executado J. requer aos autos de execução que seja ordenado ao Agente de Execução Arguido a notificação deste para cumprimento a "sentença proferida no apenso "C" (ou seja devolver ao executado os valores que ilegalmente lhe penhorou), a qual já transitou em julgado, por o recurso interposto se ter por deserto.";
EE) Em 27/11/2009 o Agente de Execução foi notificado do despacho judicial proferido em 26/11/2009 com o seguinte teor: "Atento o trânsito em julgado da decisão proferida no apenso C e tendo em conta o teor do requerimento apresentado pelo executado J. a fls. 260, notifique o Sr. Solicitador de Execução para, em 10 dias, informar os autos se procedeu já à restituição ao executado dos saldos de depósitos bancários que havia penhorado.";
FF) Em 03/12/2009 o Agente de Execução solicita informação aos autos de execução "se foram reclamados créditos no âmbito do processo em epígrafe e, em caso afirmativo, quais as entidade reclamantes, a fim de prosseguir com as diligências de venda do imóvel penhorado.";
GG) Em 04/12/2009 o Agente de Execução juntou aos autos de execução os comprovativos de transferências do montante total de € 128.739,45 (€50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45), efetuadas no dia 02/12/2009, para a conta com o NIB 0035 (…), relativos à penhora levantada sobre os saldos bancários, por sentença judicial de 26/11/2009 e informou que só no dia 02/12/2009 tomou conhecimento de que o recurso apresentado pela Exequente tinha ficado deserto;
HH) No dia 07/12/2009 o Mandatário Judicial do Executado J., Dr. F. , enviou um email ao Agente de Execução Arguido com o seguinte teor:
"(...) Informou V. Exª. os autos de que havia procedido à entrega ao executado J. dos valores que, ilegalmente, lhe havia penhorado. Ora, já o dissemos no nosso fax que antecede que isso não corresponde à verdade. Porém, para que não hajam dúvidas, veja-se o documento anexo para cujo NIB V. Exª. efectuou as transferências do dinheiro.
Oportunamente foi enviado a V. Exª; o respectivo NIB, porém, preferiu-se transferir os valores em causa para o Exmo. Mandatário do banco outrora constituída nos autos.
São, já, demasiados lapsos cometidos nestes autos (...)", juntando em anexo um comprovativo de transferência para o NIB 0035 (…), como sendo destinatário o Dr. F..
II) No dia 07/12/2009 o Executado J. informa os autos de que "tendo compulsado a informação agora prestada pelo Senhor Agente de Execução, vem, veementemente, repudiar a mesma por falsa, pois que este não transferiu qualquer valor para o executado J., antes, procedeu à transferência dos valores em causa para a conta do Ex. Mandatário do Exequente.
O Senhor Agente de Execução vem tendo um comportamento, manifestamente, reprovável, causador de graves danos ao executado, pelo que deverá ser exemplarmente condenado em multa em favor deste e, atenta a desobediência ao douto despacho que antecede, bem assim, às falsas declarações prestadas deverá ser ordenada a extracção da certidão e o seu envio ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. '': juntando um comprovativo de que o NIB 0035 (…) como sendo destinatário da transferência o Dr. F.;
JJ) No dia 09/12/2009 o Agente de Execução envia um telefax ao Mandatário Judicial do Executado J., Dr. F. a "remeter comprovativos de transferência do montante 128.739,45 euros, que por sentença foi ordenado a devolução aos seus clientes, peço desculpa pelo incómodo, apesar de não me sentir culpado, pois agi sempre de boa fé, e com sentido profissional, igual procedimento deveria ter V Ex.ª";
KK) Em 11/12/2009 o Agente de Execução junta requerimento aos autos de execução onde se pode ler: "(...) na sequência da decisão proferida no apenso C em 16/10/2009, por lapso, foi transferida a quantia a restituir ao executado para a conta do Mandatário do Exequente, facto do qual desde já se penitencia, pelo que, logo após ter sido detectado o lapso cometido, foi efectuada a respectiva correcção, transferindo-se a quantia em causa para a conta indicada pelo Mandatário do Executado, conforme comprovativos de transferência anexos.", juntando os comprovativos de transferências do montante total de € 128.739,45 (€50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45), efetuadas no dia 08/12/2009, para a conta com o NIB 0010 (…);
LL) Em 03/02/2010 o Agente de Execução apresenta requerimento aos autos de execução solicitando "ao abrigo da alínea d) do art.º 809.º do CPC, requerer a intervenção de V.ª Exa. a no sentido de a exequente proceder à devolução do valor de 128.739,45 euros que, por lapso, o signatário transferiu para a conta indicada pelo Mandatário daquela ao tempo, Dr. N., por este os ter reclamado e, por sentença do M.mo Juiz esse montante penhorado deveria ser entregue ao executado J., uma vez que, ambos os Mandatários da exequente e do executado indicaram os NIB’s da conta para onde o A.E. deveria transferir o referido montante, tendo o A.E. transferido erradamente para a conta indicada pelo Mandatário da exequente e, depois de verificado o lapso, transferiu o mesmo montante para a conta indicada pelo Mandatário do executado, como era devido.
Notificado aquele Mandatário da Exequente, Dr. N., aquele veio dizer, e comprovou através de cópia do comprovativo de transferência, que já havia transferido o referido montante para a sua cliente, Banco (...), S.A., dado que tinha substabelecido os poderes que aquela sua cliente lhe conferiu, na sua colega Dr.ª A.. Contactada a nova Mandatária da exequente por e-mail em 07/12/2009, por faxes de 04/01/2010 e 22/01/2010 e por telefone, aquela apesar de telefonicamente dizer que estava a tratar do assunto, acontece que passados mais de cinquenta dias aquela exequente ainda não procedeu à devida devolução.
Assim, requer a V. Exa. que seja ordenada àquela que, num curto espaço de tempo, proceda à transferência do referido montante para a conta cliente do A.E. com o NIB 0033 (…)", juntando para o efeito, os seguintes documentos:
a) Email do Agente de Execução ao Dr. N., datado de 07/12/2009, informando "que por lapso foi transferido o montante de 128.739,45 euros, para a conta cliente com o NIB 0035 (…), indicada por V Exa. no âmbito do processo 5909/04.0TBVFR, cuja cópia junto.
Na verdade tal montante deverá ser liquidado aos Executados, por oposição procedente a favor destes, cuja sentença me solicita a respectiva devolução.
Assim, face ao exposto solicito que o mais breve possível me seja devolvido o referido montante de 128.739,45 euros, para a conta cliente com o NIB 0033 (…).
Para o efeito junto remeto cópia do seu ofício a fim de reconhecer o NIB e cópia dos comprovativos da transferência.";
b) Carta do Dr. N., datada de 07/12/2009, informando que deixara de patrocinar a Exequente, que em 03/12/2009 dera entrada na sua conta bancária pessoal a quantia de € 128.739,45, relativo ao Processo Judicial n.º0 5909/04.0TBVFR, a qual foi no mesmo dia remetida para a conta bancária da Exequente, com o NIB 0007 (…).
c) Email do Agente de Execução à Dra. A., datado de 07/12/2009, informando "que por lapso foi transferido o montante de 128.739,45 euros, para a conta cliente da sua constituinte, vide cópia de documentos em anexo.
Na verdade tal montante deverá ser liquidado aos Executados, por oposição procedente a favor destes, cuja sentença me solicita a respectiva devolução.
Assim, face ao exposto solicito que o mais breve possível me seja devolvido o referido montante de 128.739,45 euros, para a conta cliente com o NIB 0033 (...).
Para o efeito junto remeto cópia do seu ofício a fim de reconhecer o NIB e cópia dos comprovativos da transferência.";
d) Notificação efetuada à Dra. A., em 08/01/2010, via telefax, a solicitar os ofícios da Mandatária no sentido de a sua constituinte devolver o montante de € 128.739,45, que por lapso, transferiu para a conta do seu colega, Dr. N..
e) Notificação efetuada à Dra. A., em 22/01/2010, a reiterar o pedido de devolução do montante de € 128.739,45, que por lapso, transferiu para a conta do seu colega, Dr. N..
MM) Em 04/02/2010 o Executado J. informou os autos de execução que "após uma série de sucessivos lapsos, incompreensíveis, em 09.12.2009, foi devolvida a quantia indevidamente penhorada";
NN) Na conta-cliente do Agente de Execução Arguido com o n.º 45248053370 ocorreram dois momentos de grupo de movimentos a débito relativos à mesma quantia de € 128.739,45 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), no âmbito do Processo Judicial n.º 5909/04.0TBVFR:
1) No dia 02/12/2009 €50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 (= € 128.739,45), erroneamente efetuadas para a conta com o NIB 0035 (…) (conta bancária titulada por F.);
2) No dia 08/12/2009 €50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 (= € 128.739,45), efetuadas para a conta com o NIB 0010 (…) (conta bancária titulada por R.);
00) Sucede que, o segundo grupo de transferências ocorridas em 08/12/2009 foi efetuada antes de ter sido devolvido pelo Exequente o montante que erroneamente tinha sido transferido em 02/12/2009.
VI. QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS APURADOS/APROVADOS
65. Em face dos factos provados na Parte V supra, verifica-se que o Arguido praticou, em concurso de infrações, as seguintes infrações disciplinares:
A) A VIOLAÇÃO, POR ACÇÃO OU OMISSÃO, DOS DEVERES CONSAGRADOS NO PRESENTE ESTATUTO, NAS DEMAIS DISPOSIÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS E NOS REGULAMENTOS INTERNOS (ARTIGO 133.°/1 DO ESTATUTO DA CÂMARA DOS SOLICITADORES - ECS), ATENDENDO À VIOLAÇÃO DO DEVER DE PRATICAR DILIGENTEMENTE OS ATOS PROCESSUAIS DE QUE SEJA INCUMBIDO (ARTIGO 123.º/1/A) DO ECS).
66. Da factualidade descrita nas alíneas Y), EE), GG) a KK) e MM) do ponto V. do presente relatório final resulta que o Agente de Execução Arguido efetuou em 02/12/2009 a transferência de € 128.739,45 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) para a conta bancária do Dr. F., por lapso, admitido pelo próprio Agente de Execução, em vez de proceder à devolução de tal quantia ao Executado J., em cumprimento da sentença que julgou procedente a oposição à penhora deduzida por este, o que apenas ocorreu em 08/12/2009.
67. Ora, atendendo a que o Agente de Execução foi notificado em 20/05/2009 da sentença judicial que julgou procedente a oposição à penhora, ordenando "o levantamento da penhora efectuada nos autos sobre o saldo dos depósitos bancários titulados pelo executado J." e que em 27/11/2009 foi notificado do despacho judicial sobre o "trânsito em julgado da decisão proferida no apenso C e tendo em conta o teor do requerimento apresentado pelo executado J. (...)" e para "em 10 dias, informar os autos se procedeu já à restituição ao executado dos saldos de depósitos bancários que havia penhorado.", em 04/12/2009 informou os autos de execução das transferências do montante total de € 128.739,45 (€50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45), efetuadas no dia 02/12/2009, para a conta com o NIB 0035 (...).
68. No entanto, em 07/12/2009 o Mandatário Judicial do Executado J., Dr. F. , esclarece o Agente de Execução e o Tribunal que o Executado não recebeu qualquer valor, comprovando, ainda que o NIB 0035 (...), para o qual o Agente de Execução Arguido realizou as transferências de dia 02/12/2009, corresponde a uma conta bancária do Dr. F. e não do Executado.
69. Sendo a situação apenas regularizada no dia 08/12/2009 quando o Agente de Execução Arguido realizou novamente as transferências relativas à quantia de € 128.739,45 (€50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 = € 128.739,45), efetuadas para a conta com o NIB 0010(…) (conta bancária titulada por R.), considerando o Agente de Execução o "lapso, foi transferida a quantia a restituir ao executado para a conta do Mandatário do Exequente, facto do qual desde já se penitencia, pelo que, logo após ter sido detectado o lapso cometido, foi efectuada a respectiva correcção, transferindo-se a quantia em causa para a conta indicada pelo Mandatário do Executado", situação confirmada pelo Mandatário Judicial do Executado J., ao informar os autos de execução que "após uma série de sucessivos lapsos, incompreensíveis, em 09.12.2009, foi devolvida a quantia indevidamente penhorada".
70. O Agente de Execução Arguido não agiu deste modo com a diligência que lhe é exigida na realização de transferências relativas a pagamentos ao Exequente ou, mais concretamente, devoluções aos Executados, no âmbito da sua atividade de agente de execução, atendendo a que o destinatário das transferências realizadas no dia 02/12/2009 no montante total de € 128.739,45 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) não foi o Executado J., como se impunha, nos termos da sentença judicial proferida em 13/05/2009, antes, foi, erroneamente, o Dr. F..
71. Neste sentido, a prática não diligente pelo Agente de Execução Arguido em causa é relativa à realização das transferências no dia 02/12/2009 erroneamente efetuadas para a conta do Dr. F. em lugar de o ser para a conta bancária dos Executados, tudo no âmbito da sua atividade de agente de execução.
72. Consequentemente, o Agente de Execução Arguido violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.° do ECS atendendo a que antes de cumprir com a sentença judicial que ordenou o levantamento da penhora sobre os saldos bancários do Executado e a sua restituição a este dos montantes penhorados, entregou tais quantias a um destinatário diferente do Executado.
B) FALTA DE PROVISÃO NA CONTA-CLIENTE N.° 45248053370 OU IRREGULARIDADE NA RESPETIVA MOVIMENTAÇÃO (ARTIGO 125/1) DO ECS); “NÃO TER CONTABILIDADE ORGANIZADA, NEM MANTER AS CONTAS-CLIENTES SEGUNDO O PRESENTE ESTATUTO E O MODELO E REGRAS APROVADAS PELA CÂMARA''; VIOLAÇÃO DO DEVER DE REGISTAR TODOS OS MOVIMENTOS DAS CONTAS-CLIENTES DOS AGENTES DE EXECUÇÃO EFETUADOS NO ÂMBITO DE CADA PROCESSO JUDICIAL; VIOLAÇÃO DOS DEVERES LEGAIS PREVISTOS NAS ALÍNEAS E G) DO N.º 1 DO ARTIGO 123.º DO ECS, NO N.º 4 DO ARTIGO 124.º DO ECS, E NO REGULAMENTO N.º 201/2007, DE 16 DE AGOSTO (REGULAMENTO DAS CONTAS-CLIENTE DE SOLICITADOR DE EXECUÇÃO), CONSTITUINDO INFRAÇÕES DISCIPLINARES TIPIFICADAS NO N.º 1 DO ARTIGO 125.º E NA ALÍNEA E) DO ARTIGO 131.º-A, TODOS DO ECS
73. Da factualidade descrita nas alíneas JJ) a 00) do Ponto V. do presente relatório final resulta que, tendo o Agente de Execução Arguido procedido à transferência de € 128.739,45 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) para a conta bancária do Dr. F., por lapso, admitido pelo próprio Agente de Execução, em vez de logo proceder à devolução de tal quantia ao Executado J., em cumprimento da sentença que julgou procedente a oposição à penhora deduzida por este, o que apenas ocorreu em 08/12/2009, implicou que:
a) Na conta-cliente do Agente de Execução Arguido com o n." 45248053370 ocorressem dois momentos de grupo de movimentos a débito relativos à mesma quantia de € 128.739,45 (cento e vinte e oito mil, setecentos e trinta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), no âmbito do Processo Judicial n.º 5909/04.0TBVFR, a saber:
i) No dia 02/12/2009: €50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 (= € 128.739,45), erroneamente efetuadas para a conta com o NIB 0035 (...) (conta bancária titulada por F.);
ii) No dia 08/12/2009: €50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 (= € 128.739,45), efetuadas para a conta com o NIB 0010 (...) (conta bancária titulada por R.);
b) O segundo grupo de transferências ocorridas em 08/12/2009 fosse realizado antes de ter sido devolvido pelo Exequente ao Agente de Execução o montante que erroneamente tinha sido transferido em 02/12/2009,
gerando-se um movimento irregular da conta-cliente n." 45248053370 relativamente ao Processo Judicial n.º 5909/04.0TBVFR, atendendo a que, no dia 08/12/2009 ainda não havia saldo suficiente para a realização da transferência no âmbito neste Processo Judicial, atendendo a que, pelo menos de 08/12/2009 a 03/02/2010 o Agente de Execução ainda não havia sido ressarcido pelo Exequente da quantia de € 128.739,45, erroneamente transferida a 02/12/2009, conforme resulta do requerimento apresentado pelo próprio Agente de Execução aos autos em 02/02/2012, onde requer "a intervenção de V Exa. a no sentido de a exequente proceder à devolução do valor de 128.739,45 euros que, por lapso, o signatário transferiu para a conta indicada pelo Mandatário daquela ao tempo, Dr. N., por este os ter reclamado e, por sentença do M.mo Juiz, esse montante penhorado deveria ser entregue ao executado J. Costa, uma vez que, ambos os Mandatários da exequente e do executado indicaram os NIB's da conta para onde o A.E. deveria transferir o referido montante, tendo o A.E. transferido erradamente para a conta indicada pelo Mandatário da exequente e, depois de verificado o lapso, transferiu o mesmo montante para a conta indicada pelo Mandatário do executado, como era devido.
Notificado aquele Mandatário da Exequente, Dr. N., aquele veio dizer, e comprovou através de cópia do comprovativo de transferência, que já havia transferido o referido montante para a sua cliente, Banco (...), S.A., dado que tinha substabelecido os poderes que aquela sua cliente lhe conferiu, na sua colega Dr.ª A..
Contactada a nova Mandatária da exequente por e-mail em 07/12/2009, por faxes de 04/01/2010 e 22/01/2010 e por telefone, aquela apesar de telefonicamente dizer que estava a tratar do assunto, acontece que passados mais de cinquenta dias aquela exequente ainda não procedeu à devida devolução.
Assim, requer a V Exa. que seja ordenada àquela que, num curto espaço de tempo, proceda à transferência do referido montante para a conta cliente do A.E. com o NIB 0033 0000452480533 70 05" (realce nosso), confessando a falta de provisão da conta-cliente n." 45248053370 no âmbito desse Processo Judicial para a realização do referido grupo de transferências bancárias que totalizam a quantia de € 128.739,45 aos 08/12/2009, que configuraram um movimento irregular da mesma conta;
74.Assim sendo, o Agente de Execução Arguido ao realizar o grupo de transferências bancárias no dia 08/12/2009 [€50.000,00 + €50.000,00 + €28.739,45 (= € 128.739,45)], realizou um movimento irregular da conta-cliente n." 45248053370, atendendo à falta de provisão da mesma no âmbito do Processo Judicial n.º 5909/04.0TBVFR àquela data, violando:
a) O dever legal consagrado na alínea g) do artigo 123.° do ECS, de ter contabilidade organizada de acordo com o modelo a aprovar pelo Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores (à data o Regulamento n.º 201/2007, de 16 de Agosto - Regulamento das contas-cliente de Solicitador de Execução), punida como infração disciplinar nos termos da alínea e) do artigo 131.°-A do ECS ("não ter contabilidade organizada, nem manter as contas-clientes segundo o presente estatuto e o modelo e regras aprovadas pela Câmara”);
b) O dever legal consagrado no n.º 4 do artigo 124.° do ECS, de registar todos os movimentos das contas-clientes dos agentes de execução efetuados no âmbito de cada processo judicial, punida como infração disciplinar na alínea e) do artigo 131.º-A do ECS, acima transcrita;
c) Os deveres legais previstos nas alínea g) do n.º 1 do artigo 123.° do ECS, no n.º 4 do artigo 124.° do ECS, e no Regulamento n.º 201/2007, de 16 de Agosto (Regulamento das contas-cliente de Solicitador de Execução), constituindo a prática das infrações disciplinares tipificadas no n.º 1 do artigo 125.° e na alínea e) do artigo 131.°-A, ambos do ECS, acima transcrita.
(…)
XII. PROPOSTA DE SANÇÃO DISCIPLINAR A APLICAR
97. Atendendo ao grau de gravidade das infrações, aos antecedentes profissionais e disciplinares do Agente de Execução, ao grau de culpa, às consequências das infrações praticadas, à circunstância atenuante da confissão do Arguido e à inexistência de circunstâncias agravantes, poderá ser aplicável uma pena de MULTA, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 142.° do ECS, conjugado com o n.º 4 do artigo 145.°, ex vi o n.º 1 do artigo 131.°-B do mesmo Estatuto, a ser fixada no seu limite mínimo, de € 500 (quinhentos euros).
(…)
(cfr. relatório de fls. 379 e ss do p.a.)
11. Por deliberação do Grupo de Gestão da Entidade demandada de 13.12.2012, foi aprovada a aplicação ao Autor da sanção disciplinar proposta no relatório final (cfr. despacho a fls. 379 do p.a.).
12. Em 14.12.2012, foi emitido o ofício n.º 3373/2012, enviado, por lapso, para o endereço “Rua (…), (…)”, com o seguinte teor parcial:
Serve o presente para informar V. Exa. que, concluído o Processo Disciplinar autuado sob o n.º 2/2010, instaurado por deliberação do Grupo de Gestão da Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE), tomada na reunião de dia 14.01.2010, em que V. Exa. é Arguido, foi (….) proferida DECISÃO FINAL naqueles autos de processo disciplinar (…), tendo sido aplicada a V. Exa. a seguinte pena disciplinar:
• A pena de MULTA, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º do ECS, conjugado com o n.º 4 do artigo 145.º, ex vi o n.º 1 do artigo 131.º-B do mesmo Estatuto, a ser fixada no seu limite mínimo, de € 500 (quinhentos euros) e que deverá constituir receita da Caixa de Compensações.
(…)
(cfr. ofício a fls. 406 e ss do p.a.).
13. O ofício referido em 12 foi devolvido ao remetente (cfr. aviso de receção e cópia do sobrescrito a fls. 430, frente e verso, do p.a.).
14. Em 06.02.2013, foi emitido o ofício n.º 398/2013, com teor idêntico ao do ofício referido em 12, endereçado ao Autor na “Rua (...), (...)”, e recebido por este em 07.02.2013 (cfr. ofício, comprovativo do registo postal e aviso de receção a fls. 439 e ss, 470 e 471 do p.a.).

DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador (na parte que ora releva):
Da prescrição do procedimento disciplinar:
Vem ainda o Autor por invocar a prescrição do procedimento disciplinar.
Segundo alega, o procedimento disciplinar prescrevia no prazo de 3 anos a partir do conhecimento das infrações em causa, nos termos do art. 135.º do ECS. Contudo, apesar de a Entidade Demandada ter tido conhecimento da infração em 09.12.2009, a decisão final de condenação apenas lhe foi remetida em 06.02.2013.
Em sentido contrário, alega a Entidade Demandada que o prazo de prescrição apenas se inicia com a data do conhecimento que a CPEE teve de que os factos em causa constituem indícios de infração e são suscetíveis de violar as normas estatutárias, o que apenas sucedeu em 14.01.2010, mediante a apresentação ao Grupo de Gestão de uma análise com proposta para deliberação.
Por outro lado, uma vez que algumas das infrações em causa constituem, simultaneamente, ilícito penal, deve aplicar-se o prazo prescricional previsto no art. 118.º do Código Penal, superior ao prazo de 3 anos.
Finalmente, sustenta que as infrações em causa têm a natureza de infrações continuadas, pelo que o prazo prescricional só se começa a contar a partir do momento em que cessa a infração.
Vejamos então.
*
Nos termos do art. 135.º, n.º 1, do ECS, “O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre o conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração.”
Cumpre, antes do mais, referir que, à luz deste preceito, não procede a argumentação da Entidade Demandada no sentido de que o prazo prescricional apenas conta a partir da data do conhecimento que teve de que os factos em causa constituem indícios de infração.
Na verdade, aquilo que a lei prevê é que a contagem do prazo da prescrição se inicie com o conhecimento da “prática da infracção”. Ora, o conhecimento da prática da infração reporta-se necessariamente aos factos subjacentes à mesma, ainda que seja exigível que o conhecimento dos factos abranja os factos e todas as circunstâncias aplicáveis, por forma a permitir à entidade em causa aferir se existe ou não um disciplinar.
Recorrendo às palavras do Tribunal Central Administrativo Norte, “Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que o conhecimento pelo dirigente máximo do serviço referido no n.º 2 do art. 04.º do ED/84 se tem de reportar a todos os elementos caraterizadores da situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar»], de modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador [cfr., entre os mais recentes, os Acs. do STA de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 0957/02, de 22.06.2006 (Pleno) - Proc. n.º 02054/02, de 23.01.2007 (Pleno) - Proc. n.º 021/03, de 13.02.2007 - Proc. n.º 0135/06, de 01.03.2007 - Proc. n.º 0205/06, de 19.06.2007 - Proc. n.º 01058/06, 14.05.2009 - Proc. n.º 01012/08, de 09.09.2009 - Proc. n.º 0180/09, de 14.04.2010 - Proc. n.º 01048/09, de 26.01.2012 - Proc. n.º 0450/09 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCA Norte de 08.11.2007 - Proc. n.º 354/04.0BEBRG (inédito), de 19.11.2009 - Proc. n.º 02161/08.1BEPRT, de 20.01.2012 - Proc.º 00851/07.5BEPRT, de 10.05.2012 - Proc. n.º 00370/10.2BECBR, de 14.12.2012 - Proc. n.º 00493/06.2BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»]” (cfr. Ac. do TCAN de 19.04.2013, proc. n.º 02269/10.3BEPRT, in www.dgsi.pt).
Circunstância bem diversa, e que já se revela indiferente para se considerar a existência de um tal conhecimento, é o juízo e enquadramento jurídico que a Entidade Demandada possa efetuar quanto à factualidade em questão.
Não tendo sido por esta invocada a falta de conhecimento de nenhum facto ou circunstância, mas tão somente que o Grupo de Gestão apenas teve conhecimento de que os factos constituem infração na data em que lhe foi apresentada a proposta de instauração de processo disciplinar, há que improceder totalmente o alegado.
Deve pois o prazo prescricional contar-se a partir do dia 09.12.2009, data em que foi enviada à Entidade Demandada a participação que serviu de base à instauração do processo disciplinar (cfr. ponto 1 do probatório).
*
Por outro lado, também se entende que não estamos perante uma situação em que há lugar à aplicação do prazo prescricional aplicável em direito penal.
Invoca a Entidade Demandada, a este respeito, que três das infrações imputadas ao arguido – relativas à falta de provisão na conta-cliente n.º 45245053370 - podem constituir, simultaneamente, o crime de peculato.
Nos termos do art. 135.º, n.º 2, do ECS, “As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o processo criminal, quando este for superior.
O crime de peculato encontra-se descrito no art. 375.º, n.º 1, do Código Penal, nos seguintes termos:
O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Por seu turno, a infração de falta de provisão de conta-cliente encontra-se descrita nos seguintes termos, no art. 125.º, n.º 1, do ECS:
É imediatamente instaurado processo disciplinar no caso de se verificar falta de provisão em qualquer conta-cliente ou se houver indícios de irregularidade na respetiva movimentação.”
Desde logo inexiste uma coincidência entre a descrição legal da infração disciplinar em causa e do crime de peculato, na medida em que integra o tipo penal em causa a apropriação, em proveito próprio ou de terceiro, de dinheiro ou outra coisa móvel, o que não sucede no caso da infração disciplinar de falta de provisão.
Ao que acresce que não resulta de nenhum ponto da factualidade constante do relatório final que, com a falta de provisão da conta-cliente, o Autor, ali arguido, se tivesse apropriado de dinheiro em causa em seu proveito ou de terceiro (cfr. ponto 10 do probatório).
Assim sendo, improcede totalmente o alegado a este respeito pela Entidade Demandada, devendo aplicar-se o prazo prescricional de 3 anos previsto no art. 135.º, n.º 1, do ECS.
*
Finalmente, a Entidade Demanda invoca que está causa uma infração continuada, pelo que o prazo prescricional apenas começa a contar a partir do momento em que cessa a infração.
Ora, inexistem elementos dos autos - nem vem sequer alegado pela Entidade Demandada -, no sentido de que as infrações alegadamente praticadas pelo Autor, arguido no procedimento disciplinar, tenham continuado a ser praticadas para além do dia 09.12.2009, data em que se dá início à contagem do prazo prescricional, por corresponder à data da tomada de conhecimento dos factos que consubstanciam as infrações imputadas ao Autor.
Assim sendo, improcede totalmente o alegado, sem necessidade de quaisquer considerações adicionais.
*
Cumpre então verificar se, no caso dos autos, decorreu ou não o prazo de prescrição.
Nos termos do art. 135.º, n.ºs 1 e 3, do ECS:
1 - O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre o conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração.
(…)
3 - O prazo de prescrição do processo disciplinar suspende-se durante o tempo em que:
a) O processo disciplinar estiver suspenso, a aguardar despacho de acusação ou de pronúncia em processo penal;
b) O processo disciplinar estiver pendente, a partir da notificação da acusação;
c) A decisão do processo não puder ser notificada ao arguido, por motivo que lhe seja imputável.
Conforme decorre do probatório, o prazo de prescrição começou a correr na data da tomada de conhecimento, por parte da Entidade Demandada, da prática das infrações, em 09.12.2009 (cfr. ponto 1 do probatório), tendo havido lugar à sua suspensão no dia 16.11.2012, data em o Autor foi notificado da acusação (cfr. ponto 7 do probatório).
Caso não tivesse ocorrido a suspensão do prazo de prescrição, este terminaria, nos termos do art. 279.º, al. c), do CC, a 09.12.2012.
Assim, à data da suspensão, faltavam apenas 23 dias para se completar o prazo prescricional (cfr. art. do Código Civil).
Sucede que, em 13.12.2012, foi deliberada a aplicação ao Autor da sanção disciplinar em causa nos autos (cfr. ponto 11 do probatório).
Ora, há que considerar que, a partir desta data, cessa a pendência do processo disciplinar, que culmina com a decisão final.
Note-se, aliás, que a al. c) do n.º 3 do art. 135.º do ECS impõe uma tal interpretação. É que, se a decisão do processo não puder ser notificada ao arguido, por motivo que lhe se seja imputável, o prazo de prescrição volta a suspender-se. A existência de uma tal causa de suspensão pressupõe que, aquando da notificação da decisão, o processo não se encontra suspenso, por não estar já pendente, nos termos da al. b) do mesmo número.
Assim, ao abrigo do art. 120.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável por remissão do art. 141.º do ECS, a prescrição voltou a correr a partir do dia 13.12.2012.
Ora, em virtude de um lapso nos serviços da Entidade Demandada, que enviaram a decisão final para um endereço errado (cfr. pontos 12 e 13 do probatório), o Autor apenas foi notificado da decisão final no dia 07.02.2013 (cfr. ponto 14 do probatório), e portanto quando já havia decorrido 1 mês e 25 dias da data em que retomou a contagem do prazo.
Assim sendo, quando o arguido foi notificado da decisão final, em 07.02.2013, já se encontrava prescrito o procedimento disciplinar, o que acarreta a extinção do “ius puniendi” da Entidade Demandada e, por conseguinte, também a extinção do procedimento, com a consequente ilegalidade da aplicação da respetiva sanção (cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 19.09.2012, proc. n.º 21/12.0YFLSB, in www.dgsi.pt).
X
Vejamos:
A única questão em discussão neste recurso é o da prescrição do procedimento disciplinar, que a sentença considera verificada.
Na óptica da Recorrente está de todo afastada a prescrição.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos:
Nas datas de comunicação dos factos passíveis de virem a gerar a instauração do procedimento disciplinar e da respetiva instauração deste, era aplicável o artigo 135.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS).
A norma em causa previa um prazo geral para prescrição do procedimento disciplinar, de 3 anos, contados desde o conhecimento da prática da infração, pelo “órgão da Câmara”.
Ora, desvalorizando de todo a letra da lei, entende-se na sentença que o início da contagem de tal prazo de prescrição se inicia na data da “denúncia” da prática de atos porventura geradora de cometimento de infração disciplinar, ou seja, em 9/12/2009.
Todavia, a lei não faz iniciar o prazo com tal denúncia, mas sim com o “conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração”.
A letra da lei remete para um conhecimento em concreto, por uma entidade determinada: o órgão da Câmara disciplinarmente competente.
Tal órgão só pode ser aquele a que a lei atribui competência para instaurar procedimento disciplinar, única interpretação que se mostra compatível com a ratio legal.
Ao invés, a sentença apenas faz relevar o conhecimento pela “Entidade Demandada”, como se o simples conhecimento por qualquer funcionário desta, ou mesmo a total falta de conhecimento (a comunicação, no caso por fax, pode ser recebida fora das horas de expediente, ou a um fim-de-semana) fosse suficiente para iniciar a contagem do prazo.
O recebimento num simples setor de receção de correspondência, por qualquer funcionário administrativo, sem qualquer função e poder disciplinar, não pode fazer iniciar a contagem do prazo que faz extinguir direitos pelo seu não exercício, natureza atribuída à prescrição.
O não exercício supõe inerentemente a possibilidade de exercício e esta só cabe a quem tem competência para iniciar o procedimento disciplinar.
O “órgão” com poderes disciplinares era, na então Comissão Para a Eficácia das Execuções (CPEE), o Grupo de Gestão; portanto, só a data do conhecimento por este órgão da eventual prática da infração faz iniciar o prazo de prescrição, ou seja, 14/1/2010.
Para este modo de contagem contribuem ainda outros elementos interpretativos. Desde logo, a já invocada diferença entre “conhecimento da infração por órgão competente” e “denúncia”. É aquele e não este o facto a que a lei atribui relevância. Por outro lado, a lei não atribui relevância ao simples conhecimento de factos com eventual relevância disciplinar, mas sim ao conhecimento da “prática da infração”.
“Infração” é um conceito que supõe mais do que factos; supõe que em relação a certos factos - os denunciados - seja feita uma avaliação, de conhecimento das circunstâncias em que ocorreram e de confronto com o comportamento diferente exigível ao seu autor, para que daí resulte a perceção, ainda que indiciária, da prática de um ilícito disciplinar. E tal perceção só corre quando essa avaliação é feita pelo órgão competente, instaurando o competente processo disciplinar.
Aliás, a decisão recorrida também assim parece entender.
Começa esta por defender, corretamente: “Na verdade, aquilo que a lei prevê é que a contagem do prazo de prescrição se inicie com o conhecimento da “prática da infracção”. Ora, o conhecimento da prática da infração reporta-se necessariamente aos factos subjacentes à mesma, ainda que seja exigível que o conhecimento dos factos abranja os factos e todas as circunstâncias aplicáveis, por forma a permitir à entidade em causa aferir se existe ou não um ilícito disciplinar.
Neste sentido seguiu o Acórdão citado na decisão, deste TCA Norte, de 19/4/2013: “Constitui entendimento jurisprudencial uniforme o de que o conhecimento pelo dirigente máximo do serviço (…) se tem de reportar a todo os elementos caracterizadores da situação (não basta o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar”.
Todavia, a sentença decide em contradição com estes pressupostos, que aceita, pois considera que a simples receção de uma comunicação, de uma “denúncia”, abre, no próprio dia da receção, a contagem do prazo de prescrição.
Por último, o “enquadramento jurídico”, ao contrário do que pretende a decisão, integra a determinação do “conhecimento da prática da infração”, pois esta só ocorre se for identificada a norma violada.
A decisão recorrida viola, pois, o artigo 135.º do ECS.
E erra ainda no que respeita à qualificação da infração como não continuada.
Ao contrário do que consta da sentença, foi provada a natureza continuada das infrações cometidas pelo Recorrido.
Conforme consta do relatório final, foi dado como provado que com a sua conduta “o ocorrido gerou um movimento irregular da conta-cliente n.º 45248053370 relativamente ao Processo Judicial n.º 5909/04.0TBVFR, atendendo a que, no dia 08/12/2009 ainda não havia saldo suficiente para a realização da transferência no âmbito deste Processo Judicial, atendendo a que, pelo menos de 08/12/2009 a 03/02/2010 o Agente de Execução ainda não havia sido ressarcido pelo Exequente da quantia de € 128.739,45, erroneamente transferida a 02/12/2009, conforme resulta do requerimento apresentado pelo próprio Agente de Execução aos autos em 02/02/2012, onde requer “a intervenção de V. Exa.ª no sentido de a exequente proceder à devolução do valor de 128.739,45 euros que, por lapso, o signatário transferiu para conta indicada pelo Mandatário daquele ao tempo” (n.º 73). Ou seja, é o próprio Autor que confessa que a conta-cliente se mantém com falta de provisão, pelo menos, de 8/12/2009 até 2/2/2012.
Como é doutrina pacífica “(…) importa saber se a infração assume uma natureza instantânea ou permanente. Na primeira hipótese, a prescrição verifica-se um ano após o momento em que a violação dos deveres disciplinares ocorrer, enquanto que na segunda hipótese a prescrição só ocorre um ano após ter cessado a conduta ilícita e a violação dos deveres disciplinares” - vide Paulo Veiga e Moura, em Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, pág. 68.
Viola ainda a sentença o artigo 135.º do ECS, ora relativamente à suspensão da contagem do prazo.
Efectivamente, considera a sentença que a alínea c) do n.º 3 do artigo 135.º impõe que o prazo de prescrição deixe de estar suspenso com a decisão sancionatória.
Atente-se na fundamentação da sentença: “Note-se, aliás, que a al. c) do art. 135.º do ECS impõe uma tal interpretação. É que, se a decisão do processo não puder ser notificada ao arguido, por motivo que lhe seja imputável, o prazo de prescrição volta a suspender-se. A existência de uma tal causa de suspensão pressupõe que, aquando da notificação da decisão, o processo não se encontra suspenso, por não estar já pendente, nos termos da alínea b) do mesmo número”.
Ora, o que resulta da conjugação das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo135.º é que a suspensão cessa e apenas cessa com a notificação do arguido, mesmo que este não seja efetivamente notificado, se tal falta de notificação a si ficar a dever-se.
A lei equipara a falta de notificação à notificação, se aquela se ficar a dever a comportamento do arguido no sentido de frustração da notificação.
Assim, sendo o erro da notificação é irrelevante, pois só com a notificação efetiva, que veio a acontecer, cessou a suspensão do prazo de prescrição.
Em suma:
-a única questão em discussão neste recurso é o da prescrição do procedimento disciplinar, que a sentença considera verificada;
-nas datas de comunicação dos factos passíveis de virem a gerar a instauração do procedimento disciplinar e da respetiva instauração deste, era aplicável o artigo 135.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS);
-a norma em causa previa um prazo geral para prescrição do procedimento disciplinar, de 3 anos, contados desde o conhecimento da prática da infração, pelo “órgão da Câmara”;
-desvalorizando de todo a letra da lei, entende-se na sentença que o início da contagem de tal prazo de prescrição se inicia na data da “denúncia” da prática de atos porventura geradora de cometimento de infração disciplinar, ou seja, 09/12/2009;
-contudo, a lei não faz iniciar o prazo com tal denúncia, mas sim com o “conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração”; a letra da lei remete para um conhecimento em concreto, por uma entidade determinada: órgão da Câmara;
-tal órgão só pode ser aquele a que a lei atribui competência para instaurar procedimento disciplinar, única interpretação que se mostra compatível com a ratio legal, ou seja, o Grupo de Gestão da então CPEE;
-por tanto, só a data do conhecimento por este órgão da eventual prática da infração faz iniciar o prazo de prescrição, isto é, 14/01/2010.
-“Infração” é um conceito que supõe mais do que factos; supõe que em relação a certos factos - os denunciados - seja feita uma avaliação, de conhecimento das circunstâncias em que ocorreram e de confronto com o comportamento diferente exigível ao seu autor, para que daí resulte a perceção, ainda que indiciária, da prática de um ilícito disciplinar;
-a decisão impugnada também assim parece entender: o conhecimento da prática da infração reporta-se necessariamente aos factos subjacentes à mesma, ainda que seja exigível que o conhecimento dos factos abranja os factos e todas as circunstâncias aplicáveis, por forma a permitir à entidade em causa aferir se existe ou não um ilícito disciplinar;
-todavia, a sentença acaba por decidir em contradição com estes pressupostos, que aceita, pois considera que a simples receção de uma comunicação, de uma “denúncia”, abre, no próprio dia da receção, a contagem do prazo de prescrição;
-ao assim proceder viola o artigo 135.º do ECS;
-erra ainda no que respeita à qualificação da infração como não continuada;
-ao contrário do que consta da sentença, foi provada a natureza continuada das infrações cometidas pelo Recorrido;
-é o próprio que confessa que a conta-cliente se mantém com falta de provisão, pelo menos, de 08/12/2009 até 02/02/2012;
-tal equivale a dizer que viola ainda a sentença o artigo 135.º do ECS, ora relativamente à suspensão da contagem do prazo;
-de facto, considera que a alínea c) do n.º 3 do artigo 135.º impõe que o prazo de prescrição deixe de estar suspenso com a decisão sancionatória;
-porém, o que resulta da conjugação das alíneas b) e c) do n.º 3 de tal preceito é que a suspensão cessa e apenas cessa com a notificação do arguido, mesmo que este não seja efetivamente notificado, se tal falta de notificação a si ficar a dever-se;
-assim, sendo o erro da notificação é irrelevante, pois só com a notificação efetiva, que veio a acontecer, cessou a suspensão do prazo de prescrição;
-a prescrição é uma excepção peremptória que, a proceder, importa a absolvição total ou parcial do pedido (artº 576º/3 do CPC), estando sujeitos a prescrição os direitos que, não sendo indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, não sejam exercidos durante um período de tempo estabelecido na lei (artº 298º/1 do C. Civil);
-considerou o legislador que, não tendo o titular do direito respectivo exercido o seu direito em devido tempo, o obrigado tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer meio, ao exercício do referido direito;
-o supra referido não implica que a prescrição ponha em causa a existência do direito invocado; o instituto em apreço apenas impede a execução desse direito por banda do respectivo titular, desde que devidamente invocada, o que ora não sucedeu.
Procedem, pois, todas as conclusões da Recorrente.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso
, revoga-se a sentença e julga-se não extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar de que resultou a aplicação de pena de multa em 13.12.2012, com todas as legais consequências.

Sem custas, nesta instância, atenta a ausência de contra-alegações, e, na 1ª, a cargo do Autor.

Notifique e DN.

Porto, 19/06/2020

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas