Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02247/14.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL; DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS (DFA)
Sumário:
I-A questão de saber se a doença se encontra ou não directamente relacionada com a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica” essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro;
I.1-no caso concreto as entidades médicas intervenientes são unânimes quanto à inexistência de nexo causal entre a doença de que padece o Autor e o cumprimento do serviço militar;
I.2-como decorre do nº 1 do artigo 6º do DL 43/76, de 20 de janeiro, as juntas de saúde de cada ramo das forças armadas são as únicas com competência para julgar a aptidão para todo o serviço ou para verificar a eventual diminuição permanente, exprimindo-a em percentagem de incapacidade;
I.3-resultando provado que o Autor não prestou serviço nas condições exigidas no artigo 1º/2 do DL 43/76, ainda que a sua doença tivesse sido adquirida ou agravada no cumprimento do serviço militar, não poderia ser considerada como adquirida “em serviço de campanha”, o que por si só inviabilizaria o pedido. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Defesa Nacional
Recorrido 1:JAAP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
JAAP, N.I.F. 13…70, residente na Rua S…, Fragoso, Barroselas, instaurou acção administrativa especial contra o Ministério da Defesa Nacional, pedindo que:
-seja anulado o acto deste que indefere o seu pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas, por violar o preceituado nos artigos 2º e 268º/3 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 6º-A, 9º, 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo, e ainda o estatuído nos artigos 1º/2 e 3, e 2º/1, 2 e 3, do DL 43/76, de 20 de janeiro;
-seja o Ministério da Defesa Nacional condenado na prática do acto administrativo devido, reconhecendo que a sua doença foi adquirida em cumprimento do serviço militar obrigatório e por motivo da sua exposição a factores traumáticos de stress.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi anulado o acto impugnado e condenado o Réu a praticar novo acto, munido da fundamentação adequada.
Desta vem interposto recurso.
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Alegando, o Réu concluiu:
A. Considerando o quadro factual, dado como provado, e bem assim, da factualidade apurada ao nível do serviço militar prestado pelo Autor no Ultramar, é manifesto que o mesmo não preenche os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, designadamente os previstos no n.º 2 do artigo 1º, por não ter sido estabelecido nexo de causalidade entre a doença e o cumprimento do serviço militar e ainda que tivesse sido, não integraria os conceitos descritos nos nºs 2 e 3 do artigo 2º, para ser qualificado DFA.
B. As entidades médicas competentes após apreciação de todos os elementos que compõem o processo clínico do A., designadamente a avaliação levada a cabo na clínica de psiquiatria do HMR1 e o relatório de psicometria forense realizado no mesmo hospital, elaboraram os respetivos pareceres que obtiveram despacho de homologação por parte das entidades respetivamente competentes.
C. As juntas de saúde de cada ramo das forças armadas são as únicas com competência para julgar a aptidão para todo o serviço ou para verificar a eventual diminuição permanente exprimindo-a em percentagem de incapacidade, como decorre do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.
D. Para a tomada de decisão quanto ao não estabelecimento do nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, foram considerados todos os elementos clínicos que integram o processo clínico o qual inclui o parecer da JHI/HMR1.
E. A questão de saber se a doença se encontra ou não diretamente relacionada com a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica” essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro. Como decidiu o STA no Acórdão de 06.10.2011, Processo n.º 0502/11 (in www.dgsi.pt).
F. Foi, ainda, devidamente fundamentado de facto e de direito, o ato que indeferiu o pedido do A. para ser qualificado DFA., na parte relativa às condições em que prestou o serviço militar, resultando amplamente provado que o A. não prestou serviço nas condições exigidas no n.º 2 do artigo 1.º do referido Decreto-Lei n.º 43/76, pelo que a doença, ainda que tivesse sido adquirida ou agravada no cumprimento do serviço militar, o que não foi considerado, nunca poderia ser considerada como adquirida “em serviço de campanha”, o que por si só inviabilizaria o pedido.
G. Verifica-se, assim, que a douta sentença se ficou por uma análise perfunctória do quadro jurídico aplicável, fazendo uma incorreta aplicação do direito ao caso “sub judice”, pelo que se impõe a devida sanação.
Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deve ser dado provimento à presente alegação e, consequentemente, ser anulada a sentença recorrida, com a prolação de novo aresto que confirme o ora impugnado ato do Secretário-geral do MDN, assim se mantendo na ordem jurídica o indeferimento do pedido de qualificação do autor como deficiente das Forças Armadas, com as demais consequências legais associadas.
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Não foram juntas contra-alegações.
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O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor, ex-Soldado JAAP, foi alistado em 12 de junho de 1967 e incorporado em 5 de fevereiro de 1968 como recrutado, tendo cumprido uma comissão de serviço na ex - Província Ultramarina (PU) de Angola, no período de 6 de agosto de 1968 a 7 de setembro de 1969, tendo integrado o Pelotão de Artilharia Antiaérea 2xx8, com a especialidade de Condutor de Auto-Rodas, tendo passado à disponibilidade em 3 de janeiro de 1969 – cfr. fls. 108 a 119 do PA apenso;
2. O processo para qualificação como DFA do Autor foi impulsionado pela Repartição Técnica de Saúde (RTS) da Direção dos Serviços de Saúde (DSS), por ter sido recebido naquela Repartição um processo clínico respeitante ao ex-Soldado JAAP, para admissão à Rede Nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação de pós-stress traumático – cfr. fls. 123 e 124 do PA apenso;
3. Do processo consta uma informação do Núcleo de Stress Traumático do Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional N.º 1 (HMR1), datada de 16 de outubro de 2008, em que se refere que foi recebido naquele Serviço um Relatório Médico do Serviço de Psiquiatria do Hospital de S. Marcos – Braga, com o diagnóstico definitivo “Perturbação de Stress Pós Traumático” – cfr. fls. 126 a 155 do PA apenso;
4. Considerou aquela RTS/DSS ser “necessário provar, no âmbito da instrução do processo, com a finalidade de estabelecer nexo causal entre a situação clínica atual e as vivências traumáticas ocorridas durante o serviço militar” a eventual atividade operacional do Autor e a ocorrência de episódios potencialmente traumáticos no decurso do serviço militar – cfr. fls. 123 e 124 do PA apenso;
5. Foi instruído um processo por Stress Pós-Traumático, na Escola Prática dos Serviços, do Comando da Instrução e Doutrina, ao qual para além da folha de matrícula, foi junto um Processo de Averiguações por Doença em Serviço, instaurado na sequência de um requerimento do Autor de 17 de julho de 1979 – cfr. fls. 156 a 209 do PA apenso;
6. Nesse requerimento, o Autor expôs que “Quando prestava serviço na ex-Província de Angola, foi acometido, da doença de paludismo, tendo como consequência da mesma sido tratado de problemas psiquiátricos. Motivado por tal doença, foi evacuado para o HMP [Hospital Militar Principal] de Lisboa sendo pelo mesmo, dado incapaz de todo o serviço militar, tendo desde essa data, sofrido de constantes dores de cabeça, alteração fácil dos nervos e bastante falta de memória. Uma vez, (…) não existir processo por doença; vem requerer (…) se digne conceder-lhe a abertura do mesmo (…) juntando para tal uma declaração do seu médico assistente.” – cfr. fls. 159 do PA apenso;
7. Em Informação da DSS n.º 17/80, de 21 de fevereiro de 1980, refere-se o seguinte “ (…) 02-Consultados o ficheiro que nos foi enviado por aquele Hospital [Hospital Militar de Luanda] foi localizada uma ficha do referido militar em que consta que - Baixou à Enfermaria de Psiquiatria em 02JUL69 e teve alta a 08 SET69 por ter sido transferido para o Hospital Militar Principal. 03- Consultados os livros de actas da JHI daquele hospital, (…) onde consta: - Presente à JHI em 14AGO69. – Nome da lesão: Esquizofrenia (sic). – Opinião da Junta: Transferido para o Serviço de Psiquiatria do H.M.P. em Lisboa para continuação de observação e tratamento. Evacuação não urgente e não grave.”- cfr. fls. 122 do PA apenso;
8. Recebida a cópia do Boletim Clinico do HML onde consta o Relatório Médico do Serviço de Psiquiatria do mesmo hospital de agosto de 1969, alusivo ao Autor, no mesmo conclui-se que “01- O soldado JAAP é portador de uma esquizofrenia inicial.” – cfr. fls. 168 a 174 do PA apenso;
9. Foi proposta a sua presença a uma Junta Hospitalar de Inspeção (JHI) a fim de ser transferido para o HMP, tendo a evacuação do Autor sido autorizada a 14 de agosto de 1969 – cfr. fls. 168 a 174 do PA apenso;
10. Em 28 de outubro de 1969 o Autor foi considerado pela JHI do HMP “Incapaz de todo o serviço militar (…) apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência” pelo diagnóstico de esquizofrenia – cfr. fls. 162 a 164 do PA apenso;
11. No âmbito do processo instrutório, o Autor foi ouvido em auto de declarações três vezes – cfr. fls. 160 a 187 do PA apenso;
12. A primeira em 14 de fevereiro de 1980, referindo que “(…) foi destacado para Noqui. Aqui passou a desempenhar os serviços normais da sua especialidade que era a de condutor; fazendo também serviços no posto de sentinela da secção à qual pertencia. Refere que não participou em colunas ou missões operacionais por tais serviços não lhe competir uma vez que pertencia à secção de Radar que tinha como principal missão o controlo da aviação. Que em Maio de mil novecentos e setenta o declarante foi em gozo de licença para Malange e uma vez aí teve um surto de paludismo tendo por essa razão sido evacuado para Luanda onde permaneceu cerca de dois meses e meio e daqui para o Hospital Militar Principal Lisboa, não tendo por conseguinte voltado a Noqui.” – cfr. fls. 160 e 161 do PA apenso;
13. Em 18 de julho de 1980 é de novo ouvido destacando-se o seguinte, “que confirma as declarações das folhas 4 e quatro verso apenas rectificando (…) para fins de Junho de mil novecentos e sessenta e nove, data em que teve o surto de paludismo.” – cfr. fls. 186 do PA apenso;
14. E uma outra vez em 19 de setembro de 1980 acrescentando o seguinte “que durante cerca de onze meses que permaneceu em Noqui, nunca participou em actividade operacional fazendo apenas serviço de sentinela na secção de Radar a que pertencia” – cfr. fls. 187 do PA apenso;
15. No âmbito da instrução do processo por doença foram inquiridas testemunhas, das quais apenas uma se recorda do requerente tendo referido que “não conheceu o soldado AT na sua fase anterior ao serviço militar (…) e segundo lhe contaram outros elementos da Secção Radar, que (…) andava a mostrar indícios de alienação mental” – cfr. fls. 177 a 181 do PA apenso;
16. Em relatório final de 5 de fevereiro de 1981, o Oficial Averiguante concluiu que, “Nestes termos e nos mais autos, pese embora o facto de não existir prova concludente pode presumir-se como ocorrido em serviço a doença do foro psiquiátrica manifestada, na Ex-RMAngola, pela qual o Sold. AP foi em 28OUT69 e pela J.H.I. considerado “Incapaz de todo o serviço” – cfr. fls. 189 e 190 do PA apenso;
17. A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção dos Serviços de Saúde (CPIP/DSS) do Estado Maior do Exército emitiu o Parecer n.º 234, que concluiu que “A esquizofrenia é uma doença de base constitucional para a qual nem o serviço nem o paludismo podem ser imputados como factor causal. Não podemos no entanto excluir a hipótese de que tenham actuado como factor adjuvante de agravamento de uma situação básica pré-existente. Nestas condições, esta Comissão é de parecer que a doença pela qual a JHI julgou este militar incapaz de todo o serviço deve ser considerada agravada em serviço.” – cfr. fls. 191 do PA apenso;
18. Este parecer foi homologado em 23 de junho de 1982, por despacho do Diretor do Serviço de Justiça e Disciplina – cfr. fls. 191 do PA apenso;
19. Por despacho, de 24 de outubro de 1983, da Caixa Geral de Aposentações, foi decidido “em virtude da doença de que sofre o interessado ter sido qualificada pelos competentes serviços, como agravada em serviço, e não se enquadrar no disposto pelo art.º 38.º, conjugado com o art.º 127.º do E.A., que contempla apenas «doenças contraídas no serviço e por motivo do seu desempenho», pelo que não pode, deste modo, ser-lhe atribuída qualquer pensão de invalidez” – cfr. fls. 193 do PA apenso;
20. No seguimento do que foi solicitado pelo Núcleo de Stress Traumático do Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional N.º 1, em 18 de dezembro de 2008, foi determinada a elaboração de um Processo por Stress Pós-Traumático de Guerra, por Despacho do Tenente-General Comandante da Instrução e Doutrina, ao ex-soldado JAAP – cfr. fls. 104 do PA apenso;
21. Em auto de declarações de 10 de fevereiro de 2009 o Autor referiu que “pertencia à Secção de Radares que foi destacada para Noqui, no Norte, junto ao Congo Belga, ficando num acampamento de outra unidade.”, acrescentando que como “condutor tinha por tarefas ir buscar a comida a CCS do Batalhão para o referido morro para o pessoal da secção alimentar. Era um trajecto de cerca de 5 km pelo exterior do aquartelamento. Não ia acompanhado de escolta. […] Neste trajecto não havia qualquer perigo de ataque feito pelo inimigo. (…) Nunca houve qualquer ataque ao morro nem à zona, durante a permanência do requerente. Nunca esteve em contacto directo nem indirecto com o inimigo, não saia para o mato, nunca viu mortos nem feridos resultantes de ataques inimigos.” – cfr. fls. 194 a 196 do PA apenso;
22. Referiu ainda que esteve cerca de onze meses em Noqui “no final dos quais foram-lhe concedidas umas férias para tirar a carta civil em Malange que era uma cidade (…) e apanhou paludismo. Dirigiu-se ao Hospital Militar de Malange, foi medicado e quando estava a ficar bom começou a descontrolar-se psicologicamente, não conseguindo dormir (…). Foi encaminhado para o médico que o tinha assistido que na altura pensou que tinha sido uma injecção estragada. Foi colocado num ambulância para a psiquiatria do Hospital Militar de Luanda, onde permaneceu cerca de dois meses, sendo de seguida evacuado para a metrópole. Nesta fase não se recorda de muita coisa só sabe que sofria muito, psicologicamente, não conseguia ler, nem sequer tomar banho, nem escrever, o sangue parecia que lhe fervia, nunca parava quieto. Antes de ir de férias para Malange nunca sentiu qualquer situação em que a sua vida estivesse em perigo ou em que camaradas estivessem em perigo.” – cfr. fls. 194 a 196 do PA apenso;
23. O processo sumário foi encerrado em 11 de fevereiro de 2009, tendo o Oficial Averiguante concluído que “foi submetido à JHI que o considerou incapaz com o diagnóstico de esquizofrenia. Esta doença não foi considerada como adquirida em serviço, tendo sido considerada como agravada em serviço (…). O requerente não foi considerado DFA porque se considerou que não prestou serviço de campanha (…). Ao requerente não foi atribuída qualquer pensão por invalidez pela CGA (…).”, propondo que os autos fossem enviados ao Gabinete de Justiça do Comando da Instrução e Doutrina, para apreciação e decisão – cfr. fls. 204 a 208 do PA apenso;
24. Sobre o relatório recaiu despacho de concordância do Comandante da Escola Prática dos Serviços, exarado na mesma data, tendo sido ordenado o envio do processo ao Gabinete de Justiça do Comando da Instrução e Doutrina para apreciação e decisão – cfr. fls. 209 do PA apenso;
25. Por despacho de 11 de março de 2010 do Tenente General Quartel Mestre General (TGen QMG), o Autor foi autorizado a ser presente a Junta Hospitalar de Inspeção (JHI) no Hospital Militar Regional 1 (HMR1) “tendo em vista a reavaliação da sua situação clinico-militar e a atribuição do grau de desvalorização que eventualmente corresponda às sequelas da doença adquirida/agravada durante o cumprimento do serviço militar, algures em Angola: “PPST”
(Incapaz de todo o SM pela JHI/HMP de 07Set69)” – cfr. fls. 96 do PA apenso;
26. Em 15 de junho de 2010, o médico psiquiatra, no HMR1 nos Serviços de Consulta Externa de Psiquiatria, responsável pela avaliação do Autor refere no que respeita à possibilidade de sofrer de Perturbação Pós-Stress Traumático (PPST) “Sem critérios de perturbação de stresss pós-traumático” e conclui que, “Durante tratamento de paludismo, quadro confusional. O uso de doses elevadas de neurolépticos para o tratamento da agitação psicomotora, determinou sintomas extrapiramidais exuberantes, que desaparece com a suspensão dos antipsicóticos. Posteriormente, surge síndrome ansioso reactivo (perturbação de adaptação) à repercussão social e estigmatização do episódio psiquiátrico.
Não existe nexo de causalidade entre a doença actual e o cumprimento do Serviço Militar” – cfr. fls. 83 a 85 do PA apenso;
27. Foi anexado na mesma data, um relatório de avaliação psicológica ao Processo de Junta que tem como conclusão “Trata-se de um perfil neurótico bifásico com traços de susceptibilidade e hostilidade, que funciona principalmente com base num mecanismo de projecção. Para além dos níveis elevados de Neuroticismo, não parece existir psicopatologia.” – cfr. fls. 70 a 92 do PA apenso;
28. O Autor foi presente à JHI/HMR1, em 30 de junho de 2010, tendo sido julgado: “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização«” por sofrer de “síndrome ansioso reactivo” – cfr. fls. 74 e 75 do PA apenso;
29. O Parecer da JHI/HMR1 foi homologado, em 20 de maio de 2011, por Despacho do Diretor de Saúde, no uso de competências subdelegadas pelo TGen QMG, após delegação recebida do General Chefe do Estado-Maior do Exército – cfr. fls. 91 do PA apenso;
30. A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção de Saúde (CPIP/DS) do Exército Português emitiu o Parecer n.º 111, e concluiu que – cfr. fls. 93 e 94 do PA apenso: 31. Aquele parecer foi homologado em 5 de novembro de 2012, por despacho do Tenente General Ajudante General do Exército – cfr. fls. 94 do PA apenso;
HISTÓRIA DO EVENTO
1. Foi incorporado em 05FEV68 como recruta no RAP 3, posteriormente tirou a especialidade de Condutor Auto Rodas no CICA 2.
2. Passou à disponibilidade em 03.JAN.69.
3. Embarcou em 25JUL68, com destino a ex-PU de Angola, fazendo parte do Pelotão de Artilharia Anti-Aérea 2xx8.
4. Em 17JUL.79 elaborou um requerimento a solicitar a instauração de um Processo de Averiguações por Doença, alegando ter tido problemas psiquiátricos em Angola, resultantes do paludismo de que foi vítima durante a comissão.
5. O requerente não participava em atividades operacionais, fazia parte da sentinela na Secção de Radar.
6. Durante o gozo de uma licença em Malange foi infectado com paludismo, tendo havido necessidade de ser evacuado para Luanda, foi medicado e quando estava a ficar bom começou a descontrolar-se psicologicamente, não conseguindo dormir. Foi internado na psiquiatria do Hospital Militar de Luanda, sendo posteriormente evacuado para a metrópole.
7. O requerente, na sequência da evacuação foi submetido a uma JHI que o julgou incapaz para o serviço militar com o diagnóstico de esquizofrenia.
RELATÓRIO PSIQUIÁTRICO
“… sem critérios de perturbação de stress pós traumático”
CONCLUSÕES
Em 30JUN10 foi presente a uma JHI no HMR1 que o considerou incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% (trinta por cento) de desvalorização por síndrome ansioso reactivo.
PARECER
Esta comissão é do parecer que a síndrome ansioso reactiva, pela qual a JHI julgou este ex-militar incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% (trinta por cento), NÃO TEM relação com o serviço militar.
32. A Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos (DSAJ) do MDN procedeu, em 03 de junho de 2014, à notificação do Autor do projeto de decisão final, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – cfr. fls. 39 a 50 do PA apenso;
33. Em sede de audiência do interessado, o Autor pronunciou-se, e em resposta, apresentada através de advogada, manifestou discordância quanto ao sentido da decisão final, tendo solicitado a alteração do “projeto de decisão de Qualificação como Deficiente das Forças Armadas, por outro que decida sobre todos os elementos probatórios e clínicos existentes no processo do Requerente”, mormente fazendo referência ao parecer do Hospital de São Marcos referido no ponto 3 supra (junto a fls. 143 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido) – cfr. fls. 31 a 36 do PA apenso;
34. A DSAJ pronunciou-se do seguinte modo – cfr. fls. 20 a 29 do PA apenso:
IV
Análise
21. O presente processo foi remetido ao Ministério da Defesa Nacional com vista à eventual qualificação do ex-Soldado NIM 07894468 JAAP como Deficiente das Forças Armadas, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
22. Pressuposto desta qualificação é, antes de mais, e conforme resulta do artigo 1° do aludido diploma legal, que o requerente padeça atualmente de uma diminuição permanente na capacidade geral de ganho, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
23. A JHI considerou o ex-militar "Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização" por "síndrome ansioso reactivo".
24. Torna-se necessário avaliar se a doença diagnosticada foi adquirida ou agravada devido ao cumprimento do serviço militar. A CPIP/RTS que é a entidade médico militar competente para estabelecer o nexo de causalidade entre as doenças e o serviço militar, foi de parecer " (...) que a síndrome ansioso reactiva, pela qual a JHI julgou este ex-­militar (...) NÃO TEM relação com o serviço militar" prestado pelo ex- Soldado em Angola.
25. No mesmo sentido já se haviam pronunciado os médicos psiquiatras e psicólogos do HMR1 em junho de 2010 (os nossos pontos 12 e 13).
26. Assim, aquela Comissão, analisados todos os elementos disponíveis no processo, considerou que a situação clínica atual do requerente não está relacionada com o serviço militar por si prestado, o que, desde logo, impede a qualificação do ex-Militar como Deficiente das Forças Armadas, pelo que não é relevante avaliar, correspondentemente às circunstâncias em que este poderia ter adquirido ou agravado as doenças, nomeadamente se em serviço de campanha, circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha ou outra situação equiparada.
27. Não sendo possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a doença de que sofre o ex-militar e o serviço militar não é, por maioria de razão, possível estabelecê-lo com o serviço de campanha, ou qualquer outro item do n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, acima transcrito.
28. Mas, ainda que se concluísse que a doença teria sido adquirida em serviço, o que não aconteceu, sempre se diria que a doença não foi adquirida em serviço de campanha, pelo circunstancialismo em que esta se verificou (5). Para que um militar, ou ex-militar, seja qualificado DFA é necessário que se tenha deficientado, adquirido ou agravado a doença em teatro de guerra, guerrilha ou contraguerrilha por causa, direta ou indireta, das atividades do inimigo ou do possível contacto com ele e que tudo ocorra em condições de perigo e dificuldade superiores às da vida castrense normal, tal como decorre dos n.°s 2 e 3 do artigo 2° do referido Decreto-Lei n.° 43/76.
29. Neste sentido, as circunstâncias que motivaram os problemas de foro psiquiátrico do requerente, não envolveram as ações diretas do inimigo ou eventos decorrentes da atividade indireta do inimigo.
30. Pese embora o grau desvalorização atribuído ao requerente corresponda ao valor mínimo fixado pela alínea b) do n.º1 do artigo 2.° do referido diploma legal, todavia, não permite, por si só, a qualificação de Deficiente das Forças Armadas, uma vez que esta qualificação exige o preenchimento de todos os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
31. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 100° e 101° do Código do Procedimento Administrativo, através do ofício n° 020016 da DSAJ, de 03.06.2014, o requerente na sua resposta, apresentada através de advogada, manifestou discordância quanto ao sentido da decisão final, tendo solicitado a alteração do "projeto de decisão de Qualificação como Deficiente das Forças Armadas, por outro que decida sobre todos os elementos probatórios e clínicos existentes no processo do Requerente".
32. Acontece que o estabelecimento do nexo de causalidade entre as sequelas e doença de que sofre qualquer militar ou ex-militar e o cumprimento do serviço prestado, nos termos dos n.°s 8 e 9 da Determinação n.° 5, publicada na Ordem do Exército n.° 8, 1ª Série de 31 de agosto de 1973, está atribuída à Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção de Saúde (CPIP/DS) do Exército Português.
33. A CPIP/DS é um órgão de perícia, composto por três médicos, cuja idoneidade e competência técnica não há fundamento para pôr em dúvida. O estabelecimento do nexo causal das patologias é uma área de elevada complexidade técnica, pressupondo um juízo pericial, médico. E, de acordo com a jurisprudência do STA designadamente a vertida no Acórdão de 07.05.1998, relativa ao processo 042076, para determinar o nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, a Administração tem de recorrer a regras de ordem técnico-jurídica (médica) que se inserem na chamada discricionariedade técnica. Neste domínio, o controlo jurisdicional (e, por analogia também o controlo administrativo), só é possível nos casos de erro grosseiro ou manifesto, incumbindo ao requerente fazer a sua prova.
34. Analisado todo o processo, constata-se, por um lado, que as entidades médicas na avaliação clínica efetuada ao requerente observaram todos os elementos clínicos susceptíveis de influenciar e determinar a sua avaliação, não se reconhecendo qualquer erro grosseiro ou manifesto, e por outro lado que inexistem novos elementos que ponham em crise o parecer da CPIP/DS que justifiquem o pedido de uma nova avaliação clínica, pelo que somos de parecer que o proposto se deve manter.
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(5) O próprio requerente refere em sede de alto de declarações que nunca participou em atividade operacional nem teve contactos com o inimigo (nosso ponto 8)
V
Parecer
Face ao exposto, é nosso parecer que o ex-Soldado NIM 07894468 JAAP não deve ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas, porquanto não preenche os requisitos exigidos, para o efeito, pelo n.° 2 do art.° 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
35. Em 10 de julho de 2014, o Secretário-Geral do MDN proferiu, ao abrigo de subdelegação de competências, decisão final (ora impugnada) de não qualificação como deficiente das Forças Armadas (DFA), porquanto o Autor, não preenchia os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro – cfr. fls. 20 do PA apenso;
36. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, via correio eletrónico, em 14.10.2014 – cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
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DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
No presente processo, o Autor sindica a avaliação médica levada a cabo pelos serviços do Réu sustentando, mormente, que havia relatórios médicos discrepantes quanto à existência de nexo de causalidade entre o serviço militar e a doença de que padece, que o relatório médico, que sustenta a decisão de indeferimento da qualificação como deficiente das forças armadas padece de falta de fundamentação, por não se referir a tais relatórios médicos, que a circunstância de haver pelo menos um relatório médico que atesta a existência de nexo de causalidade lhe criou expectativa do deferimento da sua pretensão que foi, a final, frustrada.
Importa aferir, antes de mais, da ocorrência de vício de fundamentação, porquanto este, a ser procedente, consumirá os demais.
Ao nível da falta de fundamentação, importa que, nos termos do disposto no artigo 124.º do C.P.A. (vigente à data), sob a epígrafe de “Dever de fundamentação”, determina-se que:
1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.".
Por outro lado, estatui o artigo 125.º do C.P.A. que:
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.”.
Estes normativos correspondem ao cumprimento do postulado no atual artigo 268.º, n.º 3 da C.R.P., no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação, sendo que, com a consagração de tal dever, se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de atuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Dito de outro modo, a fundamentação traduz a exigência de exteriorização das razões ou motivos determinantes da decisão, obrigando o autor do ato a ponderar a solução. Um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Ou seja, fundamentar um ato administrativo consiste em expor o raciocínio de aplicação aos pressupostos que se verificam no caso concreto face às normas jurídicas que regulam tal situação, ou que, pelo menos, permitem à Administração que um dado assunto seja apreciado, segundo o seu critério e à luz de determinado interesse público.
Conforme vem decidindo a jurisprudência, a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, porém só é suficiente quando permite a um destinatário aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão. Assim, há suficiência de fundamentação quando um destinatário normal, colocado na situação do real destinatário, apreender as razões de facto e de direito por que o autor do ato atuou como atuou.
Diferente da falta de fundamentação, é a discordância com o seu teor, o que se insere já num vício de violação de lei e não em vício de falta de fundamentação.
Analisado o relatório de junta médica em causa, porque sustenta o ato impugnado, verifica-se que, efetivamente, o mesmo não faz, em momento algum, referência aos relatórios médicos anteriores, nem tampouco se sabe, pelo teor do relatório, que elementos foram considerados para que se chegasse à conclusão de que “[…] a síndrome ansioso reactiva, pela qual a JHI julgou este ex-militar Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% (trinta por cento), NÃO TEM relação com o serviço militar.”.
E, não obstante estar em causa campo de discricionariedade técnica e que o Tribunal, sob pena de violar o princípio da separação de poderes, não interfere em tal domínio, salvo erro grosseiro ou ilegalidade manifesta, é objetivo que não resulta dos elementos documentais que suportaram a matéria de facto dada como provada, que elementos foram considerados para que se obtivesse tal conclusão.
Logicamente que não se exige que o relatório denote a análise de todo e qualquer elemento que o Autor apresentasse, nem todos os procedimentos que levou a cabo aquando da análise médica efetuada. Contudo, sempre terá que apresentar uma indicação minimamente percetível do caminho que empreendeu e seguiu, de modo a que seja possível compreender como se chegou a determinado resultado.
Assim, sempre deveria referir se equacionou os relatórios médicos anteriores e em que termos e fazer constar que procedimentos adotou, de modo a concluir o que concluiu.
Não se exige qualquer vinculação aos referidos pareceres/relatórios, mas exige-se que demonstre que os analisou e que, se não concordou com os mesmos, o indique com referência aos concretos motivos.
Não resultando tal do relatório de junta médica, é forçoso julgar procedente o vício de falta de fundamentação.
Como tal, não se pode avançar para a análise do demais invocado, nem do segundo pedido do Autor (tendente a que seja reconhecido o nexo causal entre a doença e o serviço militar), porquanto, antes de mais, deve o Réu fundamentar o ato, nos moldes expendidos, e, só após, se poderá aferir da existência de erro nos pressupostos.
Destarte, procede a presente ação, anula-se o ato impugnado e condena-se o Réu a praticar novo ato, munido da fundamentação adequada, tal como exposto.
X
Na óptica do Recorrente, considerando o quadro factual dado como provado e bem assim a factualidade apurada ao nível do serviço militar prestado pelo Autor no Ultramar, é manifesto que o mesmo não preenche os requisitos exigidos no DL 43/76, de 20 de janeiro, designadamente os previstos no nº 2 do artigo 1º, por não ter sido estabelecido nexo de causalidade entre a doença e o cumprimento do serviço militar, e ainda que tivesse sido, não integraria os conceitos descritos nos nºs 2 e 3 do artigo 2º, para ser qualificado DFA, pelo que, o Tribunal a quo, ao limitar-se a fazer uma análise perfunctória do quadro jurídico aplicável, incorreu numa incorrecta aplicação do direito.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos:
O presente recurso vem interposto da sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor condenou o Ministério da Defesa Nacional (MDN) à prática de novo acto administrativo devidamente fundamentado.
O recorrente imputa-lhe, e bem, erro na aplicação do direito.
Na verdade, o Tribunal a quo considerou que “Analisado o relatório de junta médica em causa, porque sustenta o ato impugnado, verifica-se que, efetivamente, o mesmo não faz, em momento algum, referência aos relatórios médicos anteriores, nem tampouco se sabe, pelo teor do relatório, que elementos foram considerados para que se chegasse à conclusão de que «[…] a síndrome ansioso reactiva, pela qual a JHI julgou este ex-militar Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% (trinta por cento), NÃO TEM relação com o serviço militar.»”.
E considerou, ainda, que “… é objetivo que não resulta dos elementos documentais que suportaram a matéria de facto dada como provada, que elementos foram considerados para que se obtivesse tal conclusão.”.
Argumenta, também, “Logicamente que não se exige que o relatório denote a análise de todo e qualquer elemento que o Autor apresentasse, nem todos os procedimentos que levou a cabo aquando da análise médica efetuada. Contudo, sempre terá que apresentar uma indicação minimamente percetível do caminho que empreendeu e seguiu, de modo a que seja possível compreender como se chegou a determinado resultado.”, continuando “…sempre deveria referir-se se equacionou os relatórios médicos anteriores e em que termos, e fazer constar que procedimentos adotou, de modo a concluir o que concluiu.”. Terminou: “Não resultando tal do relatório de junta médica, é forçoso julgar procedente o vício de falta de fundamentação.”.
Analisadas estas premissas, constata-se que o Tribunal partiu, inadvertidamente, do pressuposto de que o estabelecimento do nexo causal entre a doença e o cumprimento do serviço militar, compete à Junta de Saúde que avaliou a situação clínica do ex-militar e aqui Recorrido.
É que o reconhecimento do referido nexo de causalidade é um requisito indispensável, embora não seja o único, para que qualquer militar ou ex-militar possa ser qualificado deficiente das Forças Armadas (DFA).
Como resulta do artigo 1º/2 do referido DL 43/76 são três os requisitos (cumulativos) para a qualificação como DFA, a saber: o estabelecimento do nexo de causalidade entre a doença e o cumprimento do serviço militar, que a doença diagnosticada tenha sido adquirida em serviço de campanha ou em situação de risco agravado àquele equiparável e que o grau de desvalorização atribuído seja igual ou superior a 30%.
Ora, o Tribunal recorrido, ao considerar que o parecer da Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção de Saúde (CPIP/DS) do Exército Português, que considerou que a doença do ex-militar não tem relação com o serviço militar, como sendo “o relatório de junta médica em causa”, cometeu um erro que, como bem alegado, inquinou todo o raciocínio subsequente.
A instrução do processo subjacente à eventual qualificação de qualquer militar ou ex-militar como DFA encontra-se na responsabilidade do Ramo das Forças Armadas a que o militar ou ex-militar pertence ou pertenceu, respectivamente, quando se lesionou, tal como decorre do nº 3 da Portaria 162/76, de 24 de março. E, até à entrada em vigor do DL 170/2015, de 25 de agosto, (que criou a Junta Médica Única - com a missão restrita aos processos de qualificação como DFA, a funcionar nas instalações do Hospital das Forças Armadas -), funcionava junto de cada Ramo das Forças Armadas uma junta de saúde, com uma organização própria e distinta. E no que respeita ao Autor era o Exército o Ramo responsável pela organização do respectivo processo e respectiva avaliação clínica, tendo o mesmo passado por diversos procedimentos, sendo obrigatória, na parte referente à situação clínica, a emissão de parecer de uma Junta Hospitalar de Inspeção (JHI) que, confirmou a doença diagnosticada ao Autor em sede de avaliação na especialidade “Síndrome ansioso reactivo”, e o considerou “Incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho com 30% de desvalorização” (cfr. fls. 74/75 do PA). Foi, também, sujeito a parecer CPIP/DS, que, no caso, considerou não existir nexo de causalidade entre a doença de que padece o Autor e o cumprimento do serviço militar.
Os pareceres das Juntas de Saúde estão sujeitos a homologação do Chefe do Estado-Maior do respectivo ramo das forças armadas, como decorre do artigo 6º/4 do referido DL 43/76, competência que em regra se encontra delegada no TGEN Quartel Mestre General que por sua vez a subdelega no Director de Saúde, como de resto ora aconteceu.
Estava, igualmente, sujeito a homologação o parecer da CPIP/DS, estando no caso a competência atribuída ao TenGeneral Ajudante General do Exército, o que também se verificou no caso do Autor.
E é precisamente com o acto de homologação do parecer da CPIP/DS que o processo instruído com vista à qualificação de qualquer militar ou ex-militar como DFA se considerava, ao tempo dos factos, concluído no Exército (actualmente com a criação da Junta Médica Única os processos dos ex-militares são avaliados por esta Junta deixando de ter intervenção da CPIP/DS).
O Tribunal a quo parece considerar como relatório da junta médica o parecer da CPIP/DS, uma vez que a transcrição constante do mesmo corresponde, ipsis verbis, ao parecer desta Comissão.
Contudo as duas entidades médicas referidas tinham uma intervenção diferenciada no processo clínico pelo que se torna indispensável distinguir as respectivas competências.
Assim, a matéria relativa ao diagnóstico das doenças e atribuição do respectivo grau de desvalorização (considerada a tabela nacional de incapacidades) encontra-se cometida às Juntas de Saúde de cada ramo, tal como determina a alínea a) do nº 1 do artigo 2º do DL 43/76, de 20 de janeiro, sendo a das Juntas de Saúde dos ramos competentes para, relativamente a cada militar ou ex-militar, julgar da aptidão para todo o serviço ou verificar da diminuição permanente, exprimindo-a em percentagem de incapacidade, tal como previsto no nº 1 do artigo 6º do mesmo DL 43/76, considerando-o apto ou incapaz para o serviço militar, atribuindo-lhe, neste último caso, um coeficiente de desvalorização.
Já a CPIP/DS do Exército Português é a entidade médica competente para determinar e estabelecer a existência ou não de uma relação de causalidade entre as sequelas e a doença de que sofre qualquer militar ou ex-militar e o cumprimento do serviço prestado, nos termos dos nºs 8 e 9 da Determinação nº 5, publicada na Ordem do Exército nº 8, 1ª Série, de 31 de agosto de 1973 (cfr. doc. 1).
Verifica-se, assim, que para efeitos da qualificação como DFA no Exército eram duas as entidades médicas que intervinham no processo clínico para a avaliação das doenças dos ex-militares.
Por um lado, a Junta de Saúde que observando todo o processo clínico e quanto à doença diagnosticada, atribuía o respectivo grau de desvalorização e por outro a CPIP/DS que tinha por incumbência o estabelecimento, ou não, do nexo de causalidade entre a doença diagnosticada e o cumprimento do serviço militar.
Tal como consta do ponto 13 das Orientações para a elaboração dos pareceres Técnicos da CPIP, inseridas no documento “Comissão Permanente para Informações e Pareceres de processos por acidente, doença ou morte em serviço”, de 8 de março de 2000, “No Parecer final devem mencionar-se as sequelas ou doenças pelas quais a JHI ou a JMR julgou o militar incapaz de todo o serviço, os graus da desvalorização global e parciais que eventualmente tenham sido atribuídos ao militar e a definição da relação de uma e outras com o serviço militar” (cfr. doc. 2).
No caso concreto a CPIP/DS, no Parecer nº 111, descreveu sumariamente a “História do Evento”, evidenciando do processo do Autor os pontos mais relevantes que respeitam ao seu percurso militar designadamente “Em 17JUL 79 elaborou um requerimento a solicitar a instauração de um Processo de Averiguações por Doença, alegando ter tido problemas psiquiátricos em Angola, resultantes do paludismo de que foi vítima durante a comissão.” e ainda “O requerente não participava em atividades operacionais, fazia parte da sentinela na Secção de Radar” (cfr. fls. 74/75 do PA).
Do ponto de vista clínico, e, quanto ao relatório psiquiátrico, evidenciou o ponto que considerou susceptível de fundamentar o respectivo parecer “… sem critérios de perturbação de stress pós traumático”, concluindo nos termos determinados no suprarreferido ponto 13 das Orientações para a elaboração dos pareceres Técnicos da CPIP, que “Esta comissão é de parecer que a síndrome ansioso reactiva, pela qual a JHI julgou este ex-militar incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% (trinta por cento), NÃO TEM relação com o serviço militar.”.
No Serviço de Psiquiatria do HMR1 o clínico responsável pela avaliação realizada ao Autor, em 10 de janeiro de 2015, emitiu o seguinte juízo: “Durante tratamento de paludismo, quadro confusional, o uso de doses elevadas de neurolépticos para o tratamento da agitação psicomotora, determinou sintomas extrapiramidais exuberantes, que desaparece com a suspensão dos antipsicóticos. Posteriormente, surge síndrome ansioso reativo (perturbação de adaptação) à repercussão social e estigmatização do episódio psiquiátrico. Não existe nexo de causalidade entre a doença atual e o cumprimento do Serviço Militar.” (cfr. fls. 84 do PA).
Na referida avaliação considerou o mesmo clínico: “Sem critérios de perturbação de stress pós-traumático” tendo proposto a sua submissão à JHI pela doença de “Síndrome ansioso reativo” e com proposta de 30% de desvalorização, com base no artigo 78º, alínea c) da Tabela Nacional de Incapacidades.
Integra o processo clínico do Autor o relatório de psicometria forense do HMR1 realizado em 15/06/2010, que concluía pela inexistência de psicopatologia. E foi com base no referido relatório e na avaliação efectuados pelo HMR1, que a JHI do HMR1 emitiu parecer concordante com as conclusões vertidas nessa mesma avaliação, adiantando a seguinte fundamentação:
A Junta Hospitalar de Inspeção (JHI) que teve lugar no HMR1, em 30 de junho de 2010, cuja composição inclui 3 médicos (um presidente e dois vogais), no cumprimento da sua competência de confirmar a/s doença/s diagnosticada/s e atribuir o/s respetivo/s grau/s de desvalorização, considerou que o Autor sofria de “Síndrome ansioso reativo” e considerou-o “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização”.
E analisado todo o processo clínico referente ao Autor considerou a Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso (DSAJ), ao tempo responsável pela análise e proposta de decisão quanto aos processos desta natureza, que o mesmo continha todos os elementos que permitiam a sua decisão, não se verificando qualquer contradição entre, quer a avaliação clínica levada a cabo no serviço de psiquiatria do HMR1 e o parecer da JHI/HMR1, quer entre este parecer e o parecer da CPIP/DS.
Na verdade, as entidades médicas intervenientes são unânimes quanto à inexistência de nexo causal entre a doença de que padece o Autor e o cumprimento do serviço militar, como expressamente é referido pelo médico responsável pela sua avaliação no Serviço de Psiquiatria do HMR1 (cfr. fls. 84 do PA), pela médica psiquiatra que propõe a presença do Autor a Junta Hospitalar de Inspeção no mesmo hospital (cfr. fls. 79 do PA) e pela CPIP/DS, que é a final a entidade legalmente competente para a prática do acto em causa (cfr. fls. 94 do PA).
De resto, a questão de saber se a doença se encontra ou não directamente relacionada com a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica” essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro. Como decidiu o STA no Acórdão de 06/10/2011, Proc. 0502/11“… o estabelecimento do nexo de causalidade entre a lesão e o serviço militar não decorre de regras essencialmente “jurídicas”, mas sim de regras da ciência médica obviamente acolhidas pelo Direito, inseridas no campo da chamada discricionariedade técnica, insindicável pelos Tribunais fora de casos extremos de erro grosseiro ou insanável contradição entre os peritos que pudesse legitimar o Tribunal a assumir a função de “peritus peritorum …”. (no mesmo sentido, vide, entre outros, os Acórdãos também do STA de 30/01/83 in BMJ nº 323, pág. 262; de 16/01/86, Proc. 20919; de 29/09/88, Proc. 22497; de 07/05/98, Proc. 42076).
Todos estes arestos coincidem no seguinte:
-para determinar o nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar, para o efeito de atribuir pensão de reforma a um militar, a Administração tem de recorrer a regras de ordem técnico-jurídica (médica) que se inserem na chamada discricionariedade técnica;
-neste domínio, o controlo jurisdicional, só é possível nos casos de erro grosseiro ou manifesto, incumbindo ao recorrente fazer a sua prova;
-se tal prova não for feita, prevalece o parecer da junta médica segundo o qual “não há relação entre a doença e o serviço militar”;
-os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, bem como o princípio da igualdade, estruturantes do princípio do Estado de direito não relevam no domínio da actividade vinculada - como é a fixação da pensão de invalidez.
Assim, não tem, igualmente, razão o Tribunal a quo quando afirma que no relatório de junta médica se “deveria referir se equacionou os relatórios médicos anteriores e em que termos e fazer constar que procedimentos adotou, de modo a concluir o que concluiu”.
Como decorre do mencionado nº 1 do artigo 6º do DL 43/76, as juntas de saúde de cada ramo das forças armadas são as únicas com competência para julgar a aptidão para todo o serviço ou para verificar a eventual diminuição permanente, exprimindo-a em percentagem de incapacidade, não lhe sendo exigível, ao contrário do que pretende a sentença recorrida, que refira “se equacionou os relatórios médicos anteriores”.
Como decidiu o STA no Acórdão de 07/04/2005, no âmbito do processo 01322/04, em matéria de qualificação como DFA, “Mas mesmo que assim não fosse e, portanto, que essa contradição existisse nada impedia que a Autoridade Recorrida optasse pelas conclusões fornecidas pelos médicos do HFA (Hospital da Força Aérea] e não indicasse a razão dessa escolha porquanto, constituindo a fundamentação numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que determinam a decisão, bastava a indicação dessa opção para que se pudesse concluir que o acto estava suficientemente fundamentado, visto a mesma revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão e permitir ao Recorrente conhecer as razões que determinaram a sua prática”.
Ora, a DSAJ, na informação que sustentou a decisão de não qualificação do Autor como DFA, descreveu, detalhadamente, os motivos pelos quais considerou que o seu pedido não podia ser atendido, evidenciando, para além das circunstâncias em que prestou o serviço militar, todos os elementos clínicos, mormente a avaliação psicológica junta ao respectivo processo de Junta, o parecer da JHI/HMR1, e ainda o parecer da CPIP/DS, apresentando, assim, fundamentação de facto e de direito que sustentava o projecto de decisão que foi notificado ao Autor.
Foi, ainda, devidamente fundamentado, de facto e de direito, o não preenchimento de um segundo requisito indispensável e cumulativo para a pretendida qualificação, porquanto aquele não prestou serviço nas condições exigidas no nº 2 do artigo 1º do referido DL 43/76, uma vez que a doença não foi adquirida “em serviço de campanha” como resulta demonstrado no processo do Autor, o que por si só inviabilizaria a qualificação como DFA; de realçar que tal nunca foi contrariado.
No âmbito do direito de pronúncia que assistia ao Autor o mesmo manifestou discordância quanto ao sentido da decisão final, solicitando a sua alteração …por outra que decida sobre todos os elementos probatórios e clínicos existentes no processo do Requerente.
A proposta de decisão foi mantida com os fundamentos de que a avaliação clínica está cometida às entidades médicas competentes e que só poderia ser posta em causa no caso de erro grosseiro ou manifesto, o que não se verifica, uma vez que foram observados todos os elementos clínicos susceptíveis de influenciar e determinar a respectiva avaliação.
Em suma:
-a questão de saber se a doença se encontra ou não directamente relacionada com a prestação do serviço militar constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica” essencialmente médica, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro;
-resultando provado que o Autor não prestou serviço nas condições exigidas no artigo 1º/2 do DL 43/76, de 20 de janeiro, ainda que a sua doença tivesse sido adquirida ou agravada no cumprimento do serviço militar, nunca poderia ser considerada como adquirida “em serviço de campanha”, o que por si só inviabilizaria o pedido;
-de todo o modo, o acto impugnado não enferma do vício/falha de fundamentação que lhe foi atribuído;
-e, na medida em que não se mostram reunidos os requisitos para que o Autor possa ser qualificado DFA, a sua pretensão tem de ser desatendida in totum;
Procedem pois todas as conclusões do Apelante.
***
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se totalmente improcedente a acção.
Custas pelo Autor e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e D.N.
Porto, 03/05/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho