Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01771/17.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/14/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROTEÇÃO SOCIAL DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS; DIREITO DE INSCRIÇÃO NA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; LEI Nº. 60/2005, DE 29.12.
Sumário:I- Os nº. 1 e 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, de 29 de dezembro, preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito.
II- Na determinação do que se deve entender relativamente à previsão “iniciem funções” contida nos nº. 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, dever-se-á atender ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada seu aresto de 06.03.2014, no processo nº. 0889/13, que, quanto a este conspecto, considerou que o disposto no nºs.1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções.
III- Por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do art. 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação do subscrição do trabalhador em funções públicas decorrente da cessação do exercício do seu cargo prevista no nº.1 do artigo 22º do EA só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.S.M
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

A.S.M, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 06 de junho de 2019, proferida no âmbito da presente Ação Administrativa por si intentada contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES e o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA, ambos também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação improcedente, e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. A Lei n° 4/2009, de 29 de janeiro, concebe e define pela primeira vez o regime de proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas de forma efetiva e integrada. Distingue as responsabilidades do âmbito laboral das relativas à proteção social e cumpre, ainda, o imperativo legal da realização da convergência do RPSFP com o RGSS, prevista na Constituição da República Portuguesa e nas sucessivas leis de bases da segurança social (LBSS).

2. A referida Lei define, pela primeira vez, a proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente de a modalidade de relação jurídica de emprego público ser a nomeação ou o contrato, através da integração em dois regimes:

• Regime Geral de Segurança Social - RGSS

• Regime de Proteção Social Convergente - RPSC

3. Com a definição da proteção social mantêm-se, integralmente, todos os direitos e benefícios sociais que integravam o anterior regime de proteção social da função pública (RPSFP), designadamente no âmbito da saúde e da ação social complementar.

4. A Lei produz efeitos a 1 de janeiro de 2009, data da entrada em vigor do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) (cfr. Artigo 32° alterado pela Lei n° 10/2009, de 10 de março).

5. Nos termos dos Artigos 6° e 7° da Lei n° 4/2009, só são integrados no RGSS, os trabalhadores que foram admitidos como funcionários ou agentes a partir de 2006/01/01, bem como outros trabalhadores cuja relação jurídica de emprego público foi constituída com a entidade empregadora até 2005/12/31 e que já estavam inscritos no RGSS em todas as eventualidades, o que não era o caso da aqui Recorrente.

6. Assim, nos termos dos Artigos 6° e 11°, só os trabalhadores que foram admitidos como funcionários e agente/trabalhador com contrato individual de trabalho inscritos na CGA, até 2005/12/31, não enquadrados no RGSS, como era o caso da aqui Recorrente, mantinham o direito à inscrição na CGA.

7. A norma do Artigo 2° da Lei 60/2005, de 29 de dezembro, refere-se apenas ao pessoal que “inicie funções, proibindo a entrada de novos subscritores”, passando a CGA a estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular da relação jurídica pública, que não é a situação da aqui Recorrente.

8. Assim, passou a aplicar-se o regime da Segurança Social aos funcionários e agentes que “iniciem” funções a partir de 2006/01/01, ou seja, aplica-se este regime aos “trabalhadores que ingressem pela primeira vez (ex novo) na função pública. O objetivo a alcançar é o de não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores” - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1- Secção (CA), de 2014/03/06, Proc. n° 889/13-11.

9. Acresce que o Artigo 22° do Estatuto da Aposentação determina que “só haverá cancelamento da inscrição do subscritor que cesse definitivamente (sublinhado nosso) o exercício do seu cargo assistindo-lhe, porém, o direito a ser de novo inscrito, se voltar a ingressar em funções públicas” - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1º Secção (CA), de 2014/03/06, Proc. n° 889/13-11.

10. Por outro lado, a norma do Artigo 15° da Lei 4/2009, de 29/01 apenas é aplicável aos trabalhadores que à data da entrada em vigor dessa lei sejam titulares de relação jurídica de emprego público constituída até 2005/12/31, que era o caso da aqui Recorrente.

11. Neste sentido, também o Parecer da Provedoria da Justiça refere na pag. 4: “Efetivamente, no seu artigo 15.°, determina-se que os trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente não perdem a qualidade de beneficiários deste regime quando vejam alterada a sua relação jurídica de emprego público, designadamente por mudança da modalidade de vinculação ou por aplicação de instrumentos de mobilidade.

Note-se que a mudança da modalidade de vinculação envolve necessariamente um novo título jurídico, seja a celebração de um novo contrato de trabalho em funções públicas (quando um contrato por tempo indeterminado suceda a um contrato a termo certo ou a uma nomeação, por exemplo), seja a emissão de um ato administrativo de nomeação.

Se a norma em causa qualifica estas situações como de mera alteração da relação jurídica de emprego público insuscetível de determinar a perda da qualidade beneficiário do regime de proteção social convergente, então não poderá deixar de se considerar integrado no mesmo grupo de situações a celebração sucessiva de contratos a termo.

E caso se entenda que este regime contradiz o disposto na Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro, quanto à manutenção do regime de proteção social convergente e, portanto, quanto à conservação da inscrição na CGA, deve ter-se por prevalecente a Lei 4/2009, de 29 de janeiro, porque posterior.

Também a jurisprudência que vem sendo proferida sobre o assunto tem defendido ser de reconhecer aos interessados a manutenção do direito de inscrição na CGA. Por exemplo, em acórdão recente, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que «(...) limitando-se o associado do Recorrente a transitar de uma entidade para outra dentro da Administração pública, a que correspondia direito de inscrição antes de 2006, afirmar que está a iniciar funções, nos termos e para os efeitos do art. 2° da Lei n° 60/2005, afigura-se uma interpretação que não cabe na letra do preceito, que apenas proíbe a inscrição na CGA de trabalhadores que iniciem (ex novo) funções, nem na razão de ser do mesmo». “

12. Razão pela qual a Recorrente não se conforma com o facto de ter sido inscrita no regime geral da Segurança Social, porquanto tal decisão viola os Artigos 15° e 11° da Lei 4/2009, de 29 de janeiro, impedindo a Recorrente de se manter no regime de proteção social convergente.

13. A Lei n° 4/2009, de 29 de janeiro, veio definir a prestação social dos trabalhadores que exerçam funções públicas.

14. Nos termos do Artigo 7°, al. a), da Lei n° 4/2009, de 29 de janeiro, passaram a integrar o regime de segurança social os trabalhadores titulares de relação jurídica de emprego público, independentemente da modalidade de vinculação, constituída a partir de 2006/01/01.

15. Aos trabalhadores que sejam titulares de relação jurídica de emprego público, independentemente da modalidade da vinculação, constituída até 2005/12/31, não abrangidos pela al. b), do Artigo 7° do referido diploma legal, aplica-se o regime de proteção social convergente nos termos previstos no Artigo 11° da Lei 4/2009;

16. Sendo que, por força do Artigo 15° da referida Lei, mantêm-se abrangidos por este regime (proteção social convergente) os trabalhadores previstos na cláusula anterior que vejam alterada a sua relação jurídica de emprego público, designadamente por mudança de modalidade de vinculação.

17. Nesta conformidade, os docentes que estavam contratados em 2009/08/31 e efetuaram descontos para a CGA, não perderam a qualidade de beneficiários do regime de proteção social convergente.

18. Reunindo a Recorrente as condições do ponto anterior, tem direito a manter a qualidade de subscritora da CGA, sendo os atos que determinaram a anulação da sua inscrição e indeferiu a sua reinscrição ilícitos.

19. Ou seja, a redação da Lei (Artigo 15°, n° 2 da Lei 4/2009) é clara pois determina que, mesmo os trabalhadores titulares de relação jurídica de emprego público que “independentemente da modalidade de vinculação” vejam alterada a sua relação jurídica de emprego público, designadamente (entre outros) por mudança da modalidade de vinculação ou aplicação de instrumento de mobilidade, não perdem a qualidade de beneficiários do regime de proteção social convergente.

20. Assim, o legislador pretendeu manter abrangidos pelo regime de proteção social convergente todos os docentes contratados em 2009/08/31 e que efetuaram descontos para a CGA.

21. A Recorrente sente-se, por isso, prejudicada, pois foi impedida de manter o regime de proteção social convergente, obrigando-a a passar a contribuir para o regime geral da Segurança Social.

22. Assim, não se conforma a Recorrente com a recusa/omissão da sua reinscrição na CGA, porquanto viola os Artigos 15° e 11° da Lei 4/2009, de 29 de janeiro, impedindo a Recorrente de se manter no regime de proteção social convergente.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, julgando-o portanto procedente, anulando-se consequentemente, a sentença recorrida, com o que se fará justiça (…)".


*

Notificado que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*

O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

*

Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, e sopesando que cabe a este Tribunal Recursivo apenas indagar a existência de eventuais nulidades e erro de julgamento quanto às decisões judiciais recorridas, e sempre nos termos balizados nas conclusões da recurso, e não [re]sindicar a atuação da Administração quanto a eventuais causas de invalidade que lhe possam ser imputadas, a questão essencial a dirimir resume-se a saber a sentença recorrida, ao decidir nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto nos artigos 15° e 11° da Lei nº. 4/2009, de 29 de janeiro.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
IV.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:“(…)

1) A Autora é licenciada em Ciências Históricas Ramo Educacional, tendo beneficiado do regime de proteção social convergente, porquanto manteve ininterruptamente funções docentes com vínculo laboral ao Ministério da Educação desde, pelo menos, o ano letivo 2004/2005 (fls. 10 e 11 do P.A.)

2) Até 30 de setembro de 2013, a Autora sempre esteve inscrita e efetuou os respetivos descontos legais para o regime da Caixa Geral de Aposentações e para a ADSE (fls. 11 do P.A.).

3) No ano 2013/2014, a A. obteve colocação, em sede de concurso contratação inicial, no Agrupamento de Escolas de (...), tendo denunciado o seu contrato de trabalho durante o período experimental, concretamente, em 2013/09/30, ao abrigo do Concurso de Contratação de Escolas, porquanto obteve nova colocação no Agrupamento de Escolas de (...) a partir de 2013/10/01 (fls. 11 do P.A.)

4) Nesse Concurso celebrou, então, dois contratos de trabalho a termo resolutivo certo, o primeiro com início em 2013/09/01 até 2013/09/30 e o segundo de 2013/10/01 a 2014/08/31 (fls. 1 a 3 e 12 e segs. do P.A.)(…)”


*

IV.2 - DO DIREITO
A decisão judicial “a quo”, tendo sempre como pano de fundo o quadro do que deriva da Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro, considerou que os beneficiários da CGA apenas conservam tal estatuto enquanto vigorar a relação jurídica de emprego público validamente constituída até 31.12.2005, pelo que, tendo a Autora cessado, em 30.09.2013, a relação de emprego público que detinha com o Agrupamento de Escola de (...), e iniciado novo vínculo com a Administração sem qualquer relação com o anterior, extinguiu-se o direito de ser beneficiária da CGA.
A Recorrente pugna pela revogação do assim decidido, impetrando-lhe ofensa do disposto nos artigos 15° e 11° da Lei nº. 4/2009, de 29 de janeiro.
Temos, pois, assim que o nó górdio da questão recursiva está, essencialmente, em saber se o facto da Autora, aqui Recorrida, ao denunciar o contrato de trabalho que detinha com o Agrupamento de Escola de (...), e do qual resultava a inscrição e/ou a manutenção da sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações, e, ao subsequentemente, celebrar um novo vínculo laboral com vista ao exercício das mesmas funções, desta feita, com o Agrupamento de Escolas de Vila d' Este, faz [ou não] extinguir o seu direito de ser beneficiária da C.G.A.
E, podemos, desde já adiantar que assiste à Recorrente no recurso interposto, não sendo, portanto, de manter a decisão recorrida.
Na verdade, percorrido o probatório coligido nos autos, resulta cristalino que, em 30.09.2013, a Autora denunciou o contrato de trabalho obtido, em sede de contratação inicial, no Agrupamento de Escola de (...).
Mais assoma inequívoco do probatório coligido nos autos que a Autora, na sequência da apontada denúncia, celebrou um novo vínculo laboral - contrato de trabalho a termo resolutivo certo, ao abrigo do Concurso de Contratação de Escolas, com efeitos a partir de 01.10.2013, com o Agrupamento de Escolas de (...).
Ora, do circunstancialismo fáctico que se vem de expor destaca-se a dupla “certeza férrea” da (i) existência de uma quebra do vínculo da Autora com o Agrupamento de Escola de (...) e da (ii) celebração pela Autora de um novo contrato de trabalho em funções públicas com outro estabelecimento público de ensino.
Numa perspetiva meramente literal e sem recurso a demais considerações de natureza interpretativa, é abstratamente concebível a tese vertida na sentença recorrida que aponta no sentido de que a transição da Autora de um estabelecimento público de ensino para outro com a quebra do vínculo inicial não lhe confere o direito que quer ver reconhecido nos autos, pois que, à data da nova investidura, já estava abrangida pelo n.° 2 do artigo 2.° da Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro.
Julgamos, todavia, e salvo o devido respeito, que esse não é o caminho mais conforme à boa decisão da causa.
De facto, não se pode olvidar que o objectivo último do normativo que se vem de evidenciar [artigo 2° da Lei n.° 60/2005] é o de impossibilitar a subscrição na Caixa Geral de Aposentação dos trabalhadores que a partir de 01.01.2006 iniciem funções na função pública, encaminhando-os para o regime da segurança social, numa perspetiva de convergência de regimes.
Ora, na determinação do que se deve entender quanto à previsão “iniciem funções” ali contida, dever-se-á atender, face à sua força persuasiva, inerente ao respeito pela sua qualidade e valor intrínseco, ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada seu aresto de 06.03.2014, no processo nº. 0889/13, consultável em www.dgsi.pt, que, quanto a este conspecto, considerou: ”(…)
3.2. A articulação entre os regimes do sistema de segurança social e os regimes de proteção social da função pública, nomeadamente no sentido da sua tendencial uniformização ou convergência, tem constituído um dos objetivos sucessivamente proclamados pelo legislador em vários diplomas de que constitui exemplo a Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro.

O art. 2º deste diploma tem o seguinte conteúdo:

“Artigo 2º

Inscrição

1-A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.

2- O pessoal que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.”

Retira-se imediatamente da letra dos nºs 1 e 2 do preceito que o legislador pretende que a CGA deixe de proceder à inscrição de subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006, o que significa que aos funcionários e agentes que “iniciem” funções, a partir daquela data, passa a aplicar-se o regime da segurança social.

Neste sentido, a utilização do inciso “inicie” funções, afigura-se inequívoco no sentido de abranger os trabalhadores que ingressem pela primeira vez (ex novo) na função pública [destaque nosso].

O objectivo a alcançar é o de não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.

No mesmo sentido, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime atualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de ruturas fraturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”

Assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública (…)”.

Dúvidas, portanto, não podem subsistir de que o disposto nos nºs.1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções públicas no inicio do ano de 2006.
Desta feita, e sopesando o tecido fáctico apurado nos autos, assoma evidente que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a sua aplicação não tem cabimento do domínio no caso concreto da Autora.
Deste modo, no particular conspecto em análise, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida.
Não obstante, poder-se-á objetar que, em face do quadro que deriva do nº.1 do artigo 22º da Estatuto da Aposentação, ainda assim carece de substrato legal a pretensão da Autora de ser reinscrita na Caixa Geral de Aposentações.
Todavia, e como também decidiu no mencionado aresto do Órgão Cúpula desta Jurisdição, cujo sentido acompanhamos, por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do art. 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação do subscrição do trabalhador em funções públicas por motivo de cessação de exercício de funções só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição.
Ora, essa não certamente é a situação da Autora, pelo que falece inteiramente tal objeção.
Nesta esteira, e em face de tudo o quanto se vem de expender, entendemos ser forçosa a conclusão que deverá ser concedido integral provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão judicial recorrida, julgando-se totalmente procedente a presente ação administrativa.
Assim se decidirá.


* *
V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice” , e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a presente ação administrativa.
Custas pela Recorrida.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 14 de fevereiro de 2020,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Helder Vieira