Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:04861/04-Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
AJUDAS DE CUSTO.
BOLETINS DE ITINERÁRIO.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:I) O ónus da prova do excesso (relativo ao limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado), como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a AT;
II) As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS.
III) A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo que não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134.º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.).
IV) O direito a juros indemnizatórios previsto no nº 1 do art. 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
F…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 31-12-2013, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações adicionais de IRS dos anos de 1996 e 1997 e juros compensatórios, liquidações n.ºs 45107225 e 4511979285, no montante global de Esc. 275 325$00 (1 373,32€).

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 50-56) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A) O TRIBUNAL “A QUO” FUNDAMENTOU A DECISÃO DE JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NUMA SÉRIE DE
IRREGULARIDADES ALEGADAMENTE COMETIDAS PELA ENTIDADE
PATRONAL NO PROCESSAMENTO E PAGAMENTO DAS AJUDAS DE CUSTO;

B) ORA, NÃO PODE O RECORRENTE SER RESPONSABILIZADO POR EVENTUAIS IRREGULARIDADES NO PROCESSAMENTO DAS AJUDAS DE CUSTO, RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE PATRONAL;
C) IMPORTA, SIM, AVERIGUAR CONCRETAMENTE A SITUAÇÃO DO
RECORRENTE, VERIFICANDO SE EFECTUOU DESLOCAÇÕES AO SERVIÇO
DA ENTIDADE PATRONAL E SE FOI OU NÃO REEMBOLSADO DAS
DESPESAS QUE TAIS DESLOCAÇÕES LHE ACARRETAVAM;

D) FACE AO DESPACHO DE 24-10-2006 NÃO PODE DEIXAR DE SE DAR COMO ASSENTE QUE O IMPUGNANTE ESTEVE A TRABALHAR DESLOCADO, COMO FOI POR SI ALEGADO;
E) ORA, ADMITINDO-SE QUE O RECORRENTE EFECTUOU DESLOCAÇÕES AO SERVIÇO DA ENTIDADE PATRONAL NÃO PODERIA DEIXAR DE SE CONSIDERAR JUSTIFICADO O PAGAMENTO DAS AJUDAS DE CUSTO QUE LHE FORAM ABONADAS PELA ENTIDADE PATRONAL, DEVENDO EM CONSEQUÊNCIA JULGAR ILEGAIS AS LIQUIDAÇÕES EFECTUADAS.
F) AO NÃO PROCEDER DESSA FORMA O TRIBUNAL “A QUO” VIOLOU, ALÉM DOS MAIS, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 2, N.° 3, E), DO CIRS, ART. 72° DA LGT E ART. 100°, N.° 1 E ART. 115º, DO CPPT.
TERMOS EM QUE, DANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA E JULGANDO-SE A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE, SERÁ FEITA JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada pelo recorrente resume-se, em suma, em saber se ocorre erro no julgamento no que concerne à existência ou não dos pressupostos para a atribuição ao impugnante de quaisquer quantias a título de ajudas de custo.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) O Impugnante pelo menos nos anos de 1996 e 1997 trabalhou por conta de outrem, sendo a sua entidade empregadora a sociedade J…, SA ., com sede no Porto, tendo esta, nos anos já aludidos se dedicado, predominantemente à realização de empreitadas de obras públicas efetuando diversas obras um pouco por todo o Portugal continental e ainda na Região autónoma dos Açores, cfr., entre outos, os docs. de fls. 6, 52 e 53 do PA, aqui dadas por reproduzidas, o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos;
B) As liquidações impugnadas tiveram origem numa ação de fiscalização levada a efeito à escrita/contabilidade da sociedade empregadora do impugnante, vide todo o relatório constante de fls. 6 a 53 do PA;
C) No âmbito da inspeção referida em B) verificou-se:
“…
As situações verificadas são, em síntese, as seguintes:
A empresa não possuía boletins assinados pelos trabalhadores…;
Os boletins itinerário utilizados na nossa análise foram elaborados, com o nosso assentimento, depois do início do exame à escrita e respeitam apenas a uma parte das ajudas pagas…;
As ajudas de custo a receber indicadas nos referidos documentos para a maior parte dos trabalhadores (produto da importância diária pelo número de dias de deslocação constantes do boletim itinerário) respeitam a um número de dias inferior àquele em que estiveram deslocados…;
As ajudas de custo a receber calculadas para um trabalhador respeitam ao número de dias em que esteve deslocado e as apuradas para outro respeitam a um número de dias superior àquele em que esteve deslocado…;
As ajudas de custo pagas à generalidade dos trabalhadores são muito inferiores (muitíssimo nalguns casos) às verbas a receber constantes dos respetivos boletins itinerário…;
A relação (quociente) entre aquelas duas quantias não é igual para todos os trabalhadores…;
A relação (quociente) entre as ajudas de custo pagas e as remunerações normais dos seus beneficiários não é a mesma para todos…;
As ajudas de custo pagas não correspondem ao subsídio de 25% da retribuição normal a que os trabalhadores tinham direito, quando estivessem deslocados sem regressarem diariamente à sua residência, nos termos da alínea c) do nº 1 da cláusula 27ª do CCT…;
Foram pagas a vários trabalhadores ajudas de custo de montantes superiores aos totais a receber apurados nos respectivos boletins itinerário…;

Os valores médios diários pagos (quocientes entre os valores totais pagos e os números de dias constantes dos boletins itinerário ou, nos casos em que estes não nos foram exibidos, quocientes entre os valores totais pagos e os números de dias de deslocação apurados através das folhas de ponto) apresentam as seguintes características:
Terminam, quase sempre, em centavos, o que nos parece anormal; de facto o procedimento usual seria o de a ajuda de custo diária ser fixada em escudos certos…;
São diferentes para quase todos os trabalhadores, mesmo para os que, no mesmo mês, trabalharam na mesma obra; de facto só encontrámos 2 casos em que há coincidência destes valores, o que nos parece irrelevante…;

Foram pagas ajudas de custo durante as férias…;

Relativamente a 2 trabalhadores não encontramos nenhuma relação lógica entre os nºs de dias de ajudas de custo considerados e os correspondentes montantes que lhe foram pagos…;

Os totais das ajudas de custo pagas aos trabalhadores durante o ano aparecem divididos em duas verbas nos resumos das contas-correntes dos seus vencimentos, em relação à maior parte deles; não podemos certificar as informações da empresa acerca deste procedimento, porque as repartições em causa não foram efectuadas nos meses em que ocorreram, mas sim apenas nos referidos resumos anuais…;
Resulta, do exposto, que não é possível saber a que critério(s) objectivo(s) e de aplicação geral obedeceu a atribuição das ajudas de custo processadas e pagas… sendo de salientar que a empresa, quando foi questionada sobre este assunto respondeu de forma pouco esclarecedora, inferindo nós da sua resposta que as quantias pagas a titulo de custos terão sido valores mensais globais negociados caso a caso com cada trabalhador e que revestirão, por isso, a natureza de um qualquer subsídio ou prémio.

A nossa conclusão é reforçada pelo facto de a empresa ter suportado custos avultados com o fornecimento de alimentação ao pessoal e com o funcionamento de cantinas.

Pode ainda ser entendido que as quantias pagas a título de ajudas de custo, não podendo ser qualificadas como tal, revestiriam a natureza de despesas de deslocação ou similares; mesmo que assim fosse as verbas em apreço estariam também sujeitas a tributação em IRS em virtude de não nos terem sido exibidos documentos comprovativos de que haviam sido prestadas contas até ao termo do exercício (cfr. alínea e) do nº 3 do nº 2 do CIRS), cfr. relatório já aludido, fls. 19 e seguintes, mormente a síntese constante de fls. 37 a 40;
D) Concretizando os referidos elementos para o ora Impugnante vieram a emitir-se em 2001-06-26 e 2001-07-18 as liquidações adicionais de IRS dos anos de 1996 e 1997 e juros compensatórios, liquidações n.ºs 45107225 e 4511979285, no montante global de Esc. 275 325$00 (1 373,32, com datas limites de pagamento de 2001-08-16 e 2001-09-05, cfr. fls. 52 a 55 do PA e docs, de fol. 5 destes autos;
E) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 2001-12-05, vide carimbo aposto a folha 1 destes autos e folha 1 da petição inicial;
F) As liquidações referidas em D) foram pagas em 2001-08-02, cfr. docs. de fls. 5.

II II Factos não provados
Inexistem
*
A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se apontar que o Recorrente questiona a sentença proferida nos autos, na medida em que esta concedeu abrigo à posição da AT no sentido de que as quantias que a entidade patronal do Impugnante lhe pagou a título de “ajudas de custo” constituíam verdadeiras remunerações do trabalho.
Na verdade, da decisão recorrida consta, além do mais, que:
“…
Respigando a referida argumentação verifica-se que a AF não questiona que os valores em causa não foram pagos ao Impugnante; que este terá trabalhado em obras fora do local da sua residência, em várias localidades de Portugal continental e da Região Autónoma dos Açores.
Não pode também questionar-se o esforço que a inspeção realizou no sentido de pela análise dos elementos contabilísticos realizar documentação que competia à Entidade Patronal apresentar. Elucidativo do que se referiu é o extenso relatório, transcrito em síntese na alínea C) da factualidade assente. Esforço que não permitiu apurar qual o critério critério(s) objectivo(s) e de aplicação geral a que obedeceu a atribuição das ajudas de custo processadas e pagas”.
Do referido esforço, das incongruências verificadas concluiu a inspeção que “as quantias pagas a título de custos terão sido valores mensais globais negociados caso a caso com cada trabalhador e que revestirão, por isso, a natureza de um qualquer subsídio ou prémio.”.
O que se verificou na Entidade Patronal foi o que minuciosamente foi aludido na inspeção e que, em síntese se transcreveu em C), quanto ao Impugnante a sua argumentação é constituída por meras alegações genéricas as quais originaram o despacho de fls. 17 a que se seguiu o prescindir da produção de prova testemunhal pelo Impugnante.
Dito de outra forma a AF explicou, disse o porquê, de não considerar as importâncias em causa como ajudas de custo e o Impugnante limitou-se a meras generalidades como se olvidasse toda a argumentação expendida pela AF. Era a Impugnante e não a AF que deveria produzir prova. Esta juntou os elementos suficientes para a fundamentação do ato impugnado. Explicou, disse as razões do porquê da não aceitação das despesas como ajudas de custo. A propósito de ónus de prova, defendendo-se o contrário do propugnado pela Impugnante, veja-se entre outros Ac. do TCA, proc. 01006/03, 23-03-2004, José Gomes Correia, “Gozando o acto tributário, como todo o acto administrativo em geral, da presunção de legalidade, tal conduz à inversão do ónus da prova, competindo ao impugnante provar os factos constitutivos da ilegalidade invocada como fundamento da pretendida anulação.”. O entendimento acabado de expressar e que se encontra mais desenvolvido no Ac. referido, é, com a devida vénia, também o nosso. …”.
Nas suas alegações, o Recorrente aponta que a decisão da AT está relacionada com uma série de irregularidades cometidas pela entidade patronal no processamento e pagamento das ajudas de custas, matéria que não se pode repercutir sobre a sua situação, impondo-se, isso sim, averiguar concretamente a situação do Recorrente, verificando se efectuou deslocações ao serviço da entidade patronal e se foi ou não reembolsado pelas despesas que tais deslocações lhe acarretavam, sendo que, face ao despacho de 24-10-2006 não pode deixar de se dar como assente que o impugnante esteve a trabalhar deslocado, como foi por si alegado, de modo que, admitindo-se que o recorrente efectuou deslocações ao serviço da entidade patronal, não poderia deixar de se considerar justificado o pagamento das ajudas de custo que lhe foram abonadas pela entidade patronal, devendo em consequência julgar ilegais as liquidações efectuadas.
Desde logo, cumpre ter presente que o art. 1º do CIRS refere que “consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:
a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;
b) Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante;
c) Exercício de função, serviço ou cargo públicos;
d) Situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva, com ou sem prestação de trabalho, bem como de prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social aplicáveis para a passagem à situação de reforma, ou, mesmo que não subsista o contrato de trabalho, se mostrem subordinadas à condição de serem devidas até que tais requisitos se verifiquem, ainda que, em qualquer dos casos anteriormente previstos, sejam devidas por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora.
Por seu lado, o art. 2º nº 2 do CIRS aponta que “as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em coimas ou multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.”.
A questão que está aqui em causa é, pois, a de se saber se as importâncias pagas ao impugnante, a título de ajudas de custo, devem ou não ser consideradas como rendimento de trabalho dependente, quer nos termos já descritos, quer ainda nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS e, como tal, tributadas em sede de IRS.
Sobre este último elemento, dispõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, que se consideram ainda rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Como se disse já no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. de 08-11-2006, Rec. 01082/04, “Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.
É certo, porém, que sob a capa da atribuição de "compensações" deste tipo podem, por vezes, estar a esconder-se atribuições de verdadeiras remunerações, o que justifica que se estabeleçam limites a essas atribuições patrimoniais nas alíneas c), d), e e) do n.º 3 do artigo 2.° do CIRS na redacção anterior à Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro.
Mas só na parte excedente a esses limites.
Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não excedam.”.
Desde logo, cumpre notar que a norma em apreço é uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, pois que ficam excluídas da incidência em IRS as ajudas de custo que não excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado.
Ora, o ónus da prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recaía sobre a AT.
Neste ponto, e compulsados os autos, em nenhum momento é colocada qualquer questão sobre o facto de a quantia em causa exceder os limites legais, o que significa que a discussão tem de centrar-se nos pressupostos da atribuição das apontadas ajudas de custo, situação que, como se verá, redunda no mesmo tipo de conclusão em função da abordagem da AT, que incide sobre os procedimentos da entidade patronal do ora Recorrente, não fazendo qualquer análise particular da situação de cada um dos seus trabalhadores, sobre quem, afinal, a situação em causa se reflectiu.
Ora, de acordo com o disposto nos arts. 82.º e 87.º do DL. 49.408, de 24-11-1969, - normativos com total correspondência nos actuais arts. 249.º e 260.º Cód. do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27-8., alterada pela Lei nº 9/2006 de 20-3 - retira-se que “não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo (…) devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador”.
Como assim, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS.
Nas suas alegações, o Recorrente salienta que no âmbito da acção de inspecção à entidade empregadora, a sociedade “J…, S.A.” constatou a AF que a mesma procedia ao pagamento, a diversos trabalhadores, de determinadas importâncias a título de “Ajudas de Custo”, nos quais se incluía o aqui impugnante, facto não contraditado na presente impugnação, imputando a decisão da AT a uma série de irregularidades cometidas pela entidade patronal no processamento e pagamento das ajudas de custas, matéria que não se pode repercutir sobre a sua situação, impondo-se, isso sim, averiguar concretamente a situação do Recorrente, verificando se efectuou deslocações ao serviço da entidade patronal e se foi ou não reembolsado pelas despesas que tais deslocações lhe acarretavam.
Que dizer?
Nesta matéria, reputa-se pertinente o exposto no douto Acórdão do T.C.A. Norte de 08-05-2008, Proc. nº 00272/06.7BEPNF, quando aí se refere que “… é totalmente anódina para o efeito a circunstância de a verba auferida a título de ajudas de custo ser superior ao vencimento mensal. Como resulta do estatuído pelo art. 2.º n.º 3 al. d) CIRS, nenhum tecto se coloca ao valor que pode ser auferido a título de ajudas de custo, para além da ultrapassagem dos montantes legais do mesmo tipo de prestação prevista para os servidores do Estado, sendo que, mesmo nesta última hipótese, o efeito não é desqualificar as ajudas de custo, mas sim, mantendo esta mesma condição, tributar a importância correspondente ao excesso. …
Relativamente ao aspecto da necessidade do preenchimento de “boletim itinerário”, anote-se, sem delongas, que “a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações”. «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134.º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)» …”.
Por outro lado, e como é referido na própria decisão recorrida, “respigando a referida argumentação verifica-se que a AF não questiona que os valores em causa não foram pagos ao Impugnante; que este terá trabalhado em obras fora do local da sua residência, em várias localidades de Portugal continental e da Região Autónoma dos Açores”.
Nesta sequência, cabe notar que a AT limitou o seu campo de análise à falta de boletins itinerários no sentido de justificar o procedimento da empresa em apreço.
Ora, como já se viu, a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, de modo que, não estando em causa os valores em apreço e bem assim que o ora Recorrente desenvolveu o seu trabalho fora do local da sua residência, tem de entender-se que a AT, não só não invocou, como fundamento do seu procedimento, o excesso a que acima se aludiu, como nada trouxe à lide que pudesse apontar e assegurar haver sido cometido outro relevante, concretamente, que o valor pago fosse superior ao das despesas efectivamente suportadas pelo impugnante, por motivo de deslocação ao serviço e em benefício da sua entidade patronal.
Aliás, a simples leitura do RIT aponta logo para o naufrágio total da posição da AT, dado que, nem sequer é perceptível o alcance do exposto no relatório acima apontado no que diz respeito à situação do ora Recorrente, dado que, é feito uma análise genérica da conduta da empresa, que depois se reflecte sobre todos os trabalhadores a quem foram abonadas ajudas de custo, sem qualquer esforço no sentido de apreciar a situação de cada um deles no sentido de permitir uma outra leitura da realidade em apreço, ficando sem se saber em que situação é que se integra o ora Recorrente, sendo que se impunha em relação a ele a consideração de todas as situações que integram a correcção descrita.
Deste modo, sendo indiscutível que o ónus da prova do excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a AT, é manifesto que esta não logrou desembaraçar-se de tal ónus, pois que nem sequer logrou evidenciar a realidade em apreço de forma a ser compreendida em termos de se poder indagar da reclamada falta dos pressupostos da sua atribuição ( cfr. Ac. T.C.A. Sul de 02-12-2008, Proc. nº 02606/08, www.dgsi.pt ), o que impõe a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a natural anulação das liquidações impugnadas.
Ora, com a anulação das liquidações impugnadas em referência, o Recorrente reclama o pagamento de juros indemnizatórios.
Segundo o disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT, «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», o que significa que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais).
Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração.
Assim sendo, e na medida em houve erro imputável aos serviços para efeitos no disposto no art. 43º nº 1 da Lei Geral Tributária, que levam ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto pagos, calculados desde a data em que ao Impugnante efectuou o respectivo pagamento do imposto até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito, em conformidade com o disposto no artigo 61º nº 3 do CPPT.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente impugnação judicial, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, condenando-se a Administração Tributária a pagar à Impugnante juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto pago por ela, desde a data em que foi efectuado esse pagamento até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves