Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02813/18.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO; PAGAMENTO POR CONTA; ALÍNEA F) DO N.º 5 DO ART. 114.º DO RGIT; TIPICIDADE; ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO COMPLEXOS; NON BIS IN IDEM;
Sumário:Em face da instrumentalidade do pagamento por contra previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 104.º do CIRC relativamente ao imposto correspondente, que resulta expresso no tipo contraordenacional previsto na alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT através da referência ao “imposto devido a final”, não podia a ATA condenar a Recorrente pela prática de uma contraordenação por falta de entrega do mesmo antes de decorrido o período de tributação correspondente e de apurado o imposto referente ao exercício em causa, por faltar no caso o atributo da tipicidade do facto punível.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Maioria
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
S., S.A., com os demais sinais nos autos, não se conformando com o teor da sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou parcialmente procedente o recurso que interpôs da decisão de fixação de coima pela falta de entrega ao Estado da prestação tributária referente ao pagamento por conta relativo ao período de julho de 2018, no montante total de EUR 45.000,00, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 83.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Conclusões:
A Recorrente conclui pelos factos descritos e pelo Direito invocado que:
A falta dos pressupostos para que se verifique a infração prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias
i. O Tribunal a quo entendeu que omissão de entrega, por parte da Recorrente, da totalidade do pagamento por conta, referente ao período de julho de 2018, consubstancia a prática da contraordenação prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT;
ii. O pagamento por conta é apenas uma antecipação da prestação tributária devida a final, da prestação tributária que se formará no último dia do período de tributação a que disser respeito e, por isso, tem necessariamente de ser aferido com referência à situação fiscal do sujeito fiscal no final do período de tributação a que diz respeito, pois é nesta altura que se verifica o facto gerador da prestação tributária;
iii. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação entre a questão de os pagamentos por conta terem por referência o imposto do período anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos e a imputação, ou não, da prática dos factos típicos previstos na norma punitiva aqui em apreço e da ilicitude da conduta da Recorrente aqui subjacente;
iv. Quando a decisão de aplicação da coima aqui em apreço foi proferida, ainda não era possível determinar a existência, ou não, de lucro tributável, porque nem sequer tinha terminado o período de tributação correspondente, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter decidido no sentido da inexistência da prática da infração prevista e punida nos termos do n.º 2 e da alínea f) do n.º 5, ambos do artigo 114.º do RGIT;
v. No período de tributação de 2018, a Recorrente não apurou lucro tributável e não relevou os pagamentos por conta na autoliquidação de IRC em apreço, não tendo ocorrido, por isso, qualquer lesão efetiva para o Estado;
vi. A Recorrente não pode ser punida pela prática da contraordenação aqui em causa, porque a inexistência de lucro tributável no período de tributação a que se reporta o pagamento por conta em falta, determina a exclusão da ilicitude da conduta da S.,;
vii. Nestes termos, podemos concluir que, quanto à inexistência de infração, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, por erro nos pressupostos de facto e de Direito (artigo 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT) e, consequentemente, deve ser anulada a decisão de aplicação da coima aqui em apreço, porquanto não se verificaram os pressupostos da infração prevista e punida nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT;
viii. Se assim não se entender e sem prescindir,
A violação do princípio da proporcionalidade da coima
ix. O Tribunal a quo entendeu que para se concluir pela desproporcionalidade sobre o valor de um pagamento por conta por referência ao período anterior, ter-se-ia que concluir que no ano em que o pagamento por conta é efetuado o valor do lucro tributável apurado é manifestamente inferior ao do período anterior;
x. A conclusão do Tribunal a quo só se justifica porque, por um lado, quando a decisão de aplicação da coima aqui em causa foi proferida, o período de tributação ainda não tinha terminado e, por outro lado, o Tribunal a quo não procurou perceber se existiu lucro tributável no período em causa, no decorrer do processo, por exemplo, através de um pedido de junção aos autos da declaração de rendimentos Modelo 22;
xi. E, neste sentido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
xii. A previsão legal da aplicação de uma coima no montante entre 30% e a totalidade do imposto, consagrada no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º da CRP, segundo a interpretação de que o agente pode ser condenado pela não entrega de um montante que, no momento do facto gerador da prestação tributária devida a final, pode não ser de todo devido ou pode não devido nos termos em que foi sancionado, implicando inclusive a possibilidade de pagar uma coima superior ao montante da prestação tributária devida a final;
xiii. No caso concreto, a previsão do n.º 2 do artigo 114.º do RGIT conjugada com a alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, pode conduzir a que um agente seja condenado a pagar o montante mínimo de 30% do pagamento por conta do imposto devido a final, cujo montante pode inclusive ser inferior à coima aplicada (como é o caso presente).
xiv. Face às circunstâncias do caso presente, em que não foi apurado lucro tributável, não se pode deixar de censurar a desmedida entre a pena e o delito;
xv. No caso presente, a Recorrente poderia ser condenada a pagar uma coima no montante a € 45.000,00 (artigo 26.º, n.º 1, alínea b) do RGIT), pela não entrega de um pagamento por conta que não seria sequer devido a final;
xvi. Deste modo, podemos concluir que quanto à violação do princípio da proporcionalidade, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto a previsão legal da aplicação de uma coima no montante entre 30% e a totalidade do imposto, consagrada no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º da CRP, segundo a interpretação de que o agente pode ser condenado pela não entrega de um montante que, no momento do facto gerador da prestação tributária devida a final, pode não ser de todo devido ou pode não devido nos termos em que foi sancionado, implicando inclusive a possibilidade de pagar uma coima superior ao montante da prestação tributária devida a final, como acontece no caso presente;
xvii. Se assim não se entender e sem prescindir,
O montante mínimo da coima, calculado nos termos do n.º 3 do artigo 26.º do RGIT
xviii. O Tribunal a quo entendeu que o montante mínimo da coima abstratamente aplicável decorre do artigo 114.º do RGIT, não sendo aplicável o limite mínimo previsto no n.º 3 do artigo 26.º do RGIT no valor de € 50,00, elevado para o dobro em caso de aplicação a uma pessoa coletiva nos termos do n.º 4 do artigo 26.º do RGIT;
xix. Este entendimento não corrobora a intenção do legislador revelada pela eliminação da expressão “se o contrário não resultar da lei” prevista na versão originária do n.º 3 do artigo 26.º do RGIT.
xx. A eliminação da expressão “se o contrário não resultar da lei” revela uma clara opção do legislador em estabelecer um regime vinculativo relativamente ao limite mínimo da coima que é fixado em € 50,00, elevado para o dobro no caso das pessoas coletivas;
xxi. O limite mínimo das coimas previsto no n.º 3 do artigo 26.º do RGIT será aplicável aos casos previstos no artigo 114.º do RGIT, como o aqui em apreço, em que o mínimo das coimas é igual ao valor da prestação tributária em falta, no caso de contraordenação dolosa, ou de 15%, elevado ao dobro no caso de pessoas coletivas, se a contraordenação for negligente;
xxii. O pensamento legislativo subjacente à nova redação do n.º 3 do artigo 26.º do RGIT, ao retirar a expressão “se o contrário não resultar da lei”, foi de estender o seu regime a todas as coimas;
xxiii. Nestes termos, podemos concluir que, quanto à determinação do montante mínimo abstratamente aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, de acordo com os argumentos invocados e nos termos dos ns.º 3 e 4 do artigo 26.º e do artigo 114.º, ambos do RGIT;
xxiv. Por conseguinte, quanto à atenuação especial da coima, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º do RGCO ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT, o montante da coima deverá ser fixado pela metade do mínimo legal aplicável, no montante de € 50,00 (€ 100,00 (artigo 26.º, ns.º 3 e 4, do RGIT) / 50%), porquanto estão preenchidos integralmente os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT.”
Termina pedindo:
“Pedido:
Nestes termos e nos demais que V. Exa. não deixará de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto, porquanto não se verificaram os pressupostos da infração prevista e punida nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT; sem prescindir,
b) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto a previsão legal da aplicação de um coima no montante entre 30% e a totalidade do imposto é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º da CRP, segundo a interpretação de que o agente pode ser condenado pela não entrega de um montante que, no momento do facto gerador da prestação tributária devida a final, pode não ser de todo devido ou não ser devido nos termos em que foi sancionado, implicando inclusive a possibilidade de pagar uma coima superior ao montante da prestação tributária devida a final; sem prescindir,
c) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto o montante mínimo da coima abstratamente aplicável ao presente caso deve ser fixado em € 100,00, com os fundamentos acima invocados e nos termos conjugados dos ns.º 3 e 4 do artigo 26.º e do artigo 114.º, ambos do RGIT; sem prescindir,
d) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto o montante da coima especialmente atenuada deve ser fixado em € 50,00, com os fundamentos acima invocados e nos termos conjugados dos ns.º 3 e 4 do artigo 26.º e do artigo 114.º, ambos do RGIT. Pois só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos juízes-adjuntos.
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Questões a decidir no Recurso
No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, tal como resulta do disposto no art. 72.º-A do mesmo diploma, sendo estas disposições aqui aplicáveis ex vi art. 3.º, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, tal como resulta do disposto no art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi art. 74.º, n.º 4 do RGIMOS, ex vi art. 3.º, alínea b) do RGIT, exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
Por outro lado, o objeto do recurso pode abranger a matéria de facto e de direito – cf. art. 83.º, n.º 2, primeira parte, do RGIT, a contrario sensu.
Assim sendo, cabe a este Tribunal, decidir sobre as questões colocadas pela Arguida, aqui Recorrente, e que, se reportam ao erro de julgamento por não se verificaram os pressupostos da infração prevista e punida nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT; se assim não se entender, erro de julgamento porquanto não foi reconhecido que a previsão legal da aplicação de uma coima no montante entre 30% e a totalidade do imposto, consagrada no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º da CRP; se assim não se entender, erro de julgamento por errada interpretação do disposto ns.º 3 e 4 do artigo 26.º e do artigo 114.º, ambos do RGIT, quanto à determinação do montante mínimo abstratamente da coima em causa; e erro de julgamento quanto à atenuação especial da coima, devendo o montante da coima ser fixado pela metade do mínimo legal aplicável, no montante de € 50,00, por estarem preenchidos integralmente os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi a seguinte a fundamentação de facto:
III - FACTOS PROVADOS:
1. Contra a recorrente foi instaurado, pelo serviço de finanças de Esposende, um processo de contra ordenação (PCO) com nº 03962018060000050905, por alegada falta de entrega de Pagamento por conta respeitante a 2018/07 p.p. artigo 114º nº 2, 5 al. f) e 26º nº 4 do RGIT, por violação do art. 104º a) do CIRC – Cf. fls. 03/11 do processo físico.
2. O PCO referido em 01) foi instaurado com base no auto de notícia de 29.09.2018 – Cf. fls.04/05 do processo físico
3. Em 22.10.2018 foi proferida decisão de fixação de coima no PCO referido em 01), aplicando a coima de € 45.000,00 acrescida de custas no montante de € 76,50 – Cfr. fls. 08/09 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4. Consta da decisão referida em 03), entre o mais, que


Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC); 2. Valor da prestação entregue: 184.828,64 3. Período a que respeita a infracção: 2018/07 4. Termo do prazo para pagamento da obrigação: 2018.07.31, os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do R.G.I.T. referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas Normas Punitivas Período Data Código Artigo Código Artigo Tributação Infracção
CIVA
Artº 104º, nº 1 a) CIRC Falta de entrega de Pagamento por conta
R.G.I.T. Artº 114º nº 2, 5 f) e 26º nº 4 RGIT – Falta entrega prestação Tributária
201807 2018-07-31
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do R.G.I.T., concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do R.G.I.T.):
(...)
Actos de Ocultação Não
Beneficio económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não
Cometer infracção Não Situação Económica e
Financeira Baixa
Tempo decorrido desde
A pratica da infracção <3 meses

DESPACHO
Assim, tendo em conta estes e elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do R.G.I.T. aplico ao arguido a coima de Eur. 45.000,00 cominada no(s) Art(s)º 114º nº 2, nº 5 a), 26º nº 4 do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas ( Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com beneficio de redução no prazo de 15 dias (78º/2RGIT) ou sem beneficio de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79/2RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de “ Reformatio in Pejus”...

- cf. cit. Decisão de fls. 08/09 do processo físico.
5. A recorrente deduziu a presente impugnação em 21.11.2018 – Cf. fls. 11 do processo físico.

*

FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, inexiste.
*


MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico do acervo documental constante dos autos, conforme referido, a propósito, em cada um dos pontos do probatório, bem como na posição assumida pelas partes.”
*

II.2. Fundamentação de Direito
Vem a Arguida imputar vários erros à sentença sub judice, desde logo erro de julgamento por não ter reconhecido a falta de verificação no caso dos pressupostos da infração prevista e punida nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.
Alega para o efeito que o pagamento por conta é apenas uma antecipação da prestação tributária, devida a final, que se formará no último dia do período de tributação a que disser respeito e, por isso, tem necessariamente de ser aferido com referência à situação fiscal do contribuinte no final do período de tributação a que diz respeito, pois é nesta altura que se verifica o facto gerador da prestação tributária.
Mais refere que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do regime aplicável, tendo confundido a questão dos pagamentos por conta terem por referência o imposto do período anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos e a imputação, ou não, da prática dos factos típicos previstos na norma punitiva aqui em apreço e da ilicitude da conduta da Recorrente aqui subjacente.
Acrescenta que quando a decisão de aplicação da coima aqui em apreço foi proferida, ainda não era possível determinar a existência, ou não, de lucro tributável, porque nem sequer tinha terminado o período de tributação correspondente, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter decidido no sentido da inexistência da prática da infração prevista e punida nos termos do n.º 2 e da alínea f) do n.º 5, ambos do artigo 114.º do RGIT.
Vejamos então.
Tal como resulta do disposto no art. 33.º da Lei Geral Tributária (LGT), as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por conta do imposto devido a final.
Por sua vez, e no que diz respeito ao IRC, no caso, referente ao exercício de 2018, dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do art. 104.º do CIRC que as entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, devem proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em julho, setembro e 15 de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.
No n.º 2 do mesmo preceito regulam-se as situações em que haverá lugar ao reembolso do pagamento por conta, e que serão aquelas em que o valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os nºs 2 e 4 do artigo 90.º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta, ou em que esse valor não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, nesse caso, pela respetiva diferença.
Tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 105.º do CIRC, os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado tendo por base a matéria coletável declarada pelo sujeito passivo (cf. n.º 1 do artigo 90.º do CIRC) relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso [cf. alínea e) do n.º 2 do art. 90.º do CIRC].
Os pagamentos por conta têm “impacto financeiro positivo (…) em termos de tesouraria pública”, e que será justo “na medida em que os valores que serviram de base ao seu cálculo e os relativos ao exercício em curso (aquele em cuja correspondente dívida de imposto serão imputados os pagamentos por conta) não apresentem divergências significativas. Nesta condição, os pagamentos por conta que o contribuinte efetuar corresponderão ao pagamento parcial de uma dívida que se virá a confirmar(cf. MORAIS, Rui Duarte – Apontamentos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. MORAIS, Reimpressão da edição de 2007. Coimbra: Almedina, 2009, pág. 123; destacado nosso).
Com efeito, e sem prejuízo do reconhecimento de uma “certa autonomia” ao pagamento antecipado da dívida tributária, ele caracteriza-se, necessariamente, pela sua instrumentalidade relativamente ao facto tributário gerador da obrigação fiscal, tal como é explicitado no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 494/2009 (proc. n.º 595/06), prolatado em 2009-09-29, e que a propósito de uma outra categoria de pagamento antecipado - no caso em apreço nos presentes autos está em causa um pagamento por conta, e não um pagamento especial por conta, embora seja pertinente recordar o que no citado acórdão é referido a propósito da característica da instrumentalidade, partilhada por ambos - o pagamento especial por conta, viria a declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, da norma contida no n.º 9 do artigo 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação conferida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2006), na parte em que impunha o referido pagamento especial por conta a entidades que, no exercício a que o pagamento respeitava, apenas auferissem rendimentos isentos de IRC.
A propósito, e citando a doutrina pertinente, é ainda ali referido que “Essa relação de instrumentalidade é sustentada, entre outros, por Avillez Ogando (“A constitucionalidade do regime do pagamento especial por conta”, in Revista da Ordem dos Advogados, vol. 62, Tomo III, 2002, p. 811), o qual refere que, «dada a função instrumental do pagamento especial por conta de pagamento por conta da colecta que se vier a apurar relativa ao mesmo exercício, não faria qualquer sentido que para efeitos de determinação do quantitativo do pagamento especial por conta fossem relevados proveitos expressamente desconsiderados pelo Legislador para esse efeito». Do mesmo modo, a doutrina estrangeira chama a atenção para este requisito da instrumentalidade, para esta relação necessária entre a obrigação tributária principal e o pagamento por conta e para a exigência de que a antecipação do pagamento não seja arbitrária, devendo estar justificada por uma relação de probabilidade com o pressuposto indicador da capacidade contributiva em que se baseia o tributo (cf. García Caracuel, Las prestaciones tributarias a cuenta. Perspectivas de reforma, Granada, 2004, p. 169 e ss esp. 223 e 257 e ss, e Francesco Tesauro, Istituzioni di Diritto Tributario, I, Torino, 2003, p. 244)” (cf. supracitado Acórdão do TC n.º 494/2009, págs. 9/10, disponível para consulta em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090494.html).
No caso em apreço, e de acordo com o circunstancialismo provado pelo Tribunal a quo, o que sucedeu foi que em 2018-09-29 foi levantado pelo Serviço de Finanças de Esposende um auto de notícia contra a ora Recorrente, que viria a estar na origem da instauração do processo de contra ordenação n.º 03962018060000050905, por alegada falta de entrega do pagamento por conta respeitante à prestação de julho de 2018, na sequência do que em 2018-10-22 foi proferida decisão que lhe aplicou a coima no montante de EUR 45.000,00 acrescida de custas no montante de EUR 76,50, com fundamento no disposto no já aqui citado art. 104º, n.º 1, alínea a) do CIRC e nos arts. 114.º, n.ºs 2 e alínea f) do n.º 5, e 26.º n.º 4, ambos do RGIT.
Nas suas alegações de Recurso, a Recorrente começa por assacar à sentença sub judice o erro de julgamento por não ter reconhecido que neste caso não se encontravam reunidos os pressupostos da infração prevista e punida nos termos do n.º 1 e da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, tendo feito uma errada interpretação do regime aplicável, confundindo a circunstância de os pagamentos por conta terem por referência o imposto do período anterior àquele em que se devam efetuar, com a prática dos factos típicos previstos na norma punitiva e com a ilicitude da conduta da Recorrente aqui subjacentes.
Vejamos.
Tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 2.º do RGIT, constitui contraordenação constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. Com efeito, terá de se verificar a tipicidade, que consiste “… [n]a adequação da conduta ao tipo, ou seja, o enquadramento de um comportamento real à hipótese legal, preenchendo-se tal requisito quando a conduta de alguém encaixa exactamente na abstracção plasmada na lei” (cf. SOUSA, Jorge Lopes de; SANTOS, Manuel Simas - Regime geral das infrações tributárias - anotado. 4.ª edição. Lisboa: Áreas Editora, 2010, pág. 40).
Ora, da alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, norma que delimita o tipo contraordenacional em questão, resulta que para efeitos contraordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária (a que alude o n.º 1 do artigo) “a falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta” (destacado nosso).
Donde resulta do teor da norma, com linear clareza, e em linha com a rácio da prestação em causa, tal como é definida no art. 33.º da LGT, e considerando a sua característica de instrumentalidade relativamente ao pagamento “por conta da colecta que se vier a apurar relativa ao mesmo exercício”, que em causa está a falta de pagamento por conta do imposto que for “devido a final”.
Assim sendo, facilmente se conclui que em outubro de 2018, data em que foi proferida a decisão que condenou a Recorrente ao pagamento da coima aqui em causa, o Serviço de Finanças de Esposende não estava ainda em condições de saber se seria devido algum imposto a final, pois como refere a Recorrente, nessa data não tinha terminado ainda o período de tributação correspondente, não tendo ainda sequer declarado a matéria coletável referente ao exercício de 2018.
Pelo que, e independentemente de o cálculo do pagamento por conta ter por referência, como foi já aqui referido, a matéria coletável do exercício anterior, de 2017, os termos do tipo contraordenacional só são preenchidos quando for conhecido se é, efetivamente, devido imposto a final, como claramente se infere do disposto na alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT.
Ou seja, antes desse momento, não se encontrará preenchido o tipo previsto na lei.
Com efeito, e em face do exposto, importará considerar que estamos perante um tipo contraordenacional cujos elementos objetivos revelam complexidade, e cujo preenchimento sequente se sucede no tempo, apenas se concretizando o tipo no momento em que, findo o exercício fiscal, é possível concluir perante o apuramento da matéria coletável– por força da sua autoliquidação, através da declaração modelo 22, - e subsequente liquidação do tributo se o mesmo se materializou – porque havia imposto a pagar e os pagamentos por conta não foram (indevidamente) efetuados – ou se não – porque não havia imposto a pagar, não sendo, em face da sua instrumentalidade em relação ao imposto devido a final, devidos os pagamentos por conta.
O tipo contraordenacional em causa é assim composto de uma estrutura objetiva complexa, cujo preenchimento se prolonga no tempo; tem início com a previsão feita pela ATA perante os rendimentos do ano anterior, sucede-se na pendência de cada uma das obrigações legais de pagamento por conta, mas apenas se concretiza em definitivo no final do exercício, perante o apuramento do imposto.
Ou seja, apenas mediante a liquidação do imposto se concretiza completamente o tipo, através da verificação do seu último elemento, que permite a constatação de que, efetivamente, havia imposto devido a final.
Isto significa que a atuação do serviço de finanças de Esposende no caso em apreço foi intempestiva.
Mas significa também que a absolvição da Recorrente neste caso não constitui caso julgado relativamente à circunstância – aqui meramente hipotética – em que se viesse a verificar o preenchimento do tipo no final do exercício.
Ou seja, estando em causa, como referimos, um tipo contraordenacional complexo, cujos respetivos elementos objetivos são de formação sucessiva no tempo, a absolvição da Arguida no momento em que o mesmo (tipo) não se encontrava ainda completamente preenchido não faz caso julgado relativamente à situação em que o mesmo se venha a preencher totalmente, por força da verificação de todos os seu elementos.
Que é o mesmo que dizer que se a uma absolvição num momento em que não se encontrem preenchidos todos os elementos do tipo se vier a suceder uma segunda decisão administrativa condenatória, desta vez perante a consumação do tipo, não há lugar a uma qualquer violação do princípio non bis in idem, uma vez que a primeira absolvição apenas faz caso julgado relativamente às circunstâncias factuais nela consideradas, num momento em que o tipo não estava preenchido.
Ora, e como é referido pela Recorrente, o que aqui acaba de se dizer é consentâneo com o sentido da jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta dos acórdãos proferidos em 2007-03-07, no proc. 0877/06, em 2019-10-09, no proc. 0329/18.1BELLE, em 2020-01-16, no proc. 0461/18.1BELLE, e em 2020-10-14 no proc. 0269/19.7BELLE (todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Refere aquele Venerando Tribunal a este respeito que Da definição legal de “pagamento por conta” retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta” e “imposto devido a final”. Por modo tal que o “título” (palavra da lei) do “pagamento por conta” é o “imposto devido a final”. O que significa que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário. O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contabilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta. O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido afinal, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta”) – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo –, aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo. (cf. acórdão do STA proferido em 2007-03-07, no proc. 0877/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Ou como mais recentemente vem reiterar Os pagamentos por conta revestem natureza provisória, apenas se podendo tornar definitivos quando o montante de imposto apagar estiver efectivamente determinado, pelo que se verifica apenas um adiantamento do pagamento do imposto devido a final. Deste modo, o pagamento antecipado produzirá os seus efeitos se couber dentro da dívida de imposto, a qual apenas ficará determinada no momento da liquidação, sendo que a estruturação desta, em regra, implica a existência de uma obrigação acessória declarativa do sujeito passivo. (…) Tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, julgamos, com o Tribunal “a quo”, que a conduta da sociedade recorrida não preenche os pressupostos do ilícito contra-ordenacional tipificado no citado artº.114, nºs.1, 2 e 5, al. f), do R.G.I.T. (existência de lucro tributável/imposto que seja devido no final do período fiscal em causa). É que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, realizada por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário (cfr. artº 33, da L.G.T.). O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. (cf. acórdão do STA proferido em 2019-10-09, no proc. 0329/18.1BELLE, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Sublinhe-se, no entanto, que não se conhece na jurisprudência a apreciação de um caso concreto totalmente similar ao que aqui nos ocupa, em que a inoportunidade da condenação e os tempos da defluência processual não permitiram sequer à ora Recorrente fazer prova, perante o Serviço de Finanças ou perante o Tribunal a quo, de que da sua declaração não decorreria imposto a pagar a final no exercício a que se refere o pagamento por conta, no caso, o exercício de 2018.
Não podia pois, no caso em apreço, o Serviço de Finanças de Esposende condenar a Recorrente no pagamento da coima pela alegada falta de entrega do pagamento por conta do IRC referente ao exercício de 2018, antes de decorrido o período de tributação correspondente e de liquidado o imposto referente ao exercício de 2018, não se encontrando, por esse motivo, preenchido o tipo contraordenacional previsto na alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, conjugada com o disposto no art. 104º, n.º 1, alínea a) do CIRC.
Assim sendo, e por faltar no caso um dos atributos do facto punível, no caso, o da tipicidade, deveria ter sido a ora Recorrente absolvida da prática da contraordenação em questão (cf. Dias, Augusto Silva – Direito das Contra-Ordenações. Coimbra: Almedina, 2018, págs. 90-91).
É quanto basta para que se conclua que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento, por errada interpretação das normas aplicáveis, maxime do disposto na alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT.
Em face do exposto, afigura-se desnecessário apreciar da admissibilidade do documento junto pela Recorrente aos presentes autos de recurso, ficando tal questão prejudicada, assim como fica prejudicado o conhecimento da restante argumentação que expende nas suas alegações de recurso.
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Sem custas.
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Síntese conclusiva:
Preparando a decisão, formula-se a seguinte síntese conclusiva:
Em face da instrumentalidade do pagamento por contra previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 104.º do CIRC relativamente ao imposto correspondente, que resulta expresso no tipo contraordenacional previsto na alínea f) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT através da referência ao “imposto devido a final”, não podia a ATA condenar a Recorrente pela prática de uma contraordenação por falta de entrega do mesmo antes de decorrido o período de tributação correspondente e de apurado o imposto referente ao exercício em causa, por faltar no caso o atributo da tipicidade do facto punível.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, absolver a Recorrida da prática da contraordenação pela qual vinha condenada.
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Sem custas.
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Porto, 3 de dezembro de 2020

Margarida Reis (relatora) – Claudia Almeida – Paulo Moura (vencido, nos termos da declaração de voto que junto).
Voto de Vencido
Voto vencido a decisão, na medida em que entendo não estar em causa nenhuma questão de tipificação da infração na referência efetuada ao «imposto devido a final».
Quando a alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT estabelece que é punível como contraordenação a falta de pagamento da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, está apenas a reproduzir a designação legal do pagamento por conta, ou seja, a identificar a norma que está a ser infringida, não a estabelecer um tipo de infração. Por isso, a redação desta alínea f) é a mesma que consta do artigo 33.º da LGT, bem como no n.º 1 do artigo 102.º do Código do IRS, sendo que o Código do IRC nada refere quanto ao imposto devido a final.
Considerar que a infração apenas ocorre no momento que que se sabe se é devido imposto a final, é o mesmo que dizer que a infração somente ocorre no momento em que se sabe se há imposto apagar, o que significa admitir uma infração retroativa, situação que não é admissível.
Aliás, o n.º 2 do artigo 5.º do RGIT refere que as infrações tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para cumprimento dos respetivos deveres tributários.
Ora, entender que não ocorre infração tributária na data da omissão do pagamento, só porque ainda não se sabe se vai ser ou não devido imposto no fim do exercício, é o mesmo que estar a dizer que então a omissão não ocorre no momento em que se devia pagar a prestação daquele pagamento por conta, mas que poderá ocorrer numa data futura e incerta, mas sempre tendo por reporte a data anterior em que não se pagou a prestação. Daí a retroatividade.
Isso seria criar uma incerteza sob o tipo de infração, que cremos não ter estado no esprito do legislador, pois uma infração deve ser algo objetivado no momento em que ocorre a ação ou a omissão.
De tal forma está objetivado, que o contribuinte, na data em que deveria entregar o pagamento por conta, tem conhecimento de todos os elementos para o efeito, pois trata-se de uma obrigação que tem como forma de cálculo o período anterior de tributação, não o exercício corrente.
Para além disso, o bem jurídico protegido é a entrega antecipada do imposto devido a final, por isso não faz sentido que o legislador entendesse postergar essa proteção jurídica para o final do exercício fiscal. Aliás, é isso a que corresponde a ilicitude típica, o tipo de ilícito ou o tipo legal em sentido estrito, o qual existe em função de um bem jurídico que se quer proteger. Estando em causa a proteção do recebimento antecipado do imposto devido a final, não pode ser considerado como tipo legal da infração, o imposto que venha a ser devido a final, pois isso descaraterizaria o bem jurídico que a lei pretende proteger.
A existir fundamento para não punir o contribuinte, que no final do período não tenha imposto a pagar, seria necessária que a norma disse isso clara e expressamente; que não diz.
Essa não punibilidade estaria, então, dependente das condições objetivas de punibilidade que deveriam constar da norma. Ou seja, a aplicação da coima poderia estar condicionada por facto diverso que determina a contraordenação, facto esse que uma vez verificado, impediria a condenação. Veja-se Cavaleiro Ferreira, "Lições de Direito Penal - Parte Geral", II, pág. 6 e 7, Ed. Verbo, ainda que se refira aos crimes, o princípio jurídico é o mesmo.
Assim, admitir que o contribuinte apenas possa ser punido após o conhecimento de factos posteriores à omissão, seria antes uma condição objetiva de punibilidade, não o preenchimento de uma condição do tipo legal da infração. Mas como o legislador não optou por essa possibilidade (como por exemplo, quando fez em relação a alguns crimes tributários, como o da fraude fiscal e à segurança social – vide artigos 105.º, nos. 4 e 7 e 107.º, n.º 2 do RGIT), deve ter-se por verificado no momento da omissão o preenchimento do tipo legal de crime. Como tal, deve ser aplicada a contraordenação que ao caso couber.
Em face do exposto, julgaria o recurso improcedente.

Porto, 3 de dezembro de 2020.
Paulo Moura.