Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/09.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO - OMISSÃO DE PRONÚNCIA – RECLAMAÇÃO
Sumário:I- Por ser de admissão incerta o recurso de revista excecional previsto no art. 150º CPTA, as nulidades de acórdão de Tribunal Central Administrativo devem ser arguidas diretamente no tribunal que o proferiu.

II- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Recorrido 1:E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Indeferir a arguição de nulidade do Acórdão.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

E., com os sinais dos autos, notificada do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 16.10.2020, e exarado a fls. 391 e seguintes dos autos [suporte digital], que (i) concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P., revogou o acórdão recorrido, e julgou a presente ação improcedente, mais (ii) negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, vem atravessar requerimento destinado a interpor Recurso de Revista, dirigido ao colendo S.T.A., com fundamento no artigo 150º do C.P.T.A., nele suscitando o incidente de arguição de nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia.

É o seguinte o teor das conclusões do recurso de revista: “(…)
1- A intervenção do STA afigura-se de manifesta necessidade, porquanto não só estão em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, como, por outro lado, a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, à luz do disposto no n°1 e 2° do art. 150° do CPTA.
2- Desde logo, porque nos presentes autos se discute a reposição de dinheiros comunitários e porque se suscitam ilegalidades e inconstitucionalidades de algumas normas do contrato de concessão de incentivos celebrado com a recorrente, e bem assim da Portaria n° 196-A/01, de 10 de março.
3- O acórdão recorrido, não se pronunciou quanto à questão fundamental invocada pela recorrente em recurso, - a de saber se existe ou não correspondência entre os custos aprovados e os custos realizados, partindo do princípio, s.d.r., errado de que ao intentar a ação já a A. tinha que prever que o Tribunal ia deixar de se pronunciar sobre aquela questão ou pronunciar-se naqueles termos.
4- Assim, o próprio raciocínio do Tribunal recorrido, s.d.r., é contra todas as regras da lógica e as regras de processo.
5- Da discussão e julgamento da causa resultou provada a recondução dos investimentos efetuados pela recorrente àquelas concretas rubricas, do mesmo modo que ficou provada a razão de não instalação do ar condicionado, da não verificação da UPS, dos danos no teto falso e da razão da sua retirada.
6- Portanto, estes concretos investimentos, de facto, estão adquiridos como provados e o investimento foi efetivamente feito.
7- O IEFP veio resolver o contrato por alegadamente não se ter cumprido a estrutura de custos, - isto é, a recondução àquelas rubricas -, porém, a A. e recorrente logrou provar a sua realização.
8- De facto, a decisão de 1ª instância deu como provado, sob a alínea F) que na sequência do quadro anterior, foram considerados sem qualquer justificação aparente, tanto em rubricas de investimento como em constantes itens que não estavam inicialmente aprovados.
9- A recorrente não futurava ser possível que demonstrado o investimento, como demonstrou e se deu por provado, fosse possível que a errada compreensão do preenchimento daquelas rubricas, contrariamente determinasse a improcedência da ação nem tal resultava do contrato de concessão de incentivos por esse não definir o que se reconduz a adaptação de instalações, equipamento básico, equipamento administrativo e social e equipamento informático.
10- Por isso mesmo, procurou demonstrar que as concretas rubricas desconsideradas nem sequer por referência à normalização contabilística se inseriam naquelas que o IEFP apontou e o Tribunal deu como provado, mas antes, nas rubricas que veio a invocar em sede de recurso.
11- E que, demonstrando que o investimento foi feito, pouco importaria se dizia respeito a uma ou outra da nomenclatura e reconduzindo-o o Tribunal àquelas nomenclaturas, incumbia averiguar se eram ou não as corretas, e sendo-o, não poderiam ser desconsideradas.
12- Ora, o Tribunal omitiu pronuncia sobre esta matéria que parece essencial à boa decisão da causa.
13- Pois que, a questão seria a do investimento estar realizado ou não e não a da sua recondução, ainda por cima errada -, a nomenclaturas sem correspondência oficial, cujo conteúdo da recondução nem sequer conhecia.
14- Assim, atento o disposto no art° 615°, n° 1, al. d) do C.P.C, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre factos e questões juridicamente relevantes.
15- O que deve ser declarado, com as legais consequências.
De todo o modo e por outro lado,
16- Aquela decisão viola de modo flagrante a lei aplicável, nomeadamente, o art. 8° do CPA, bem como o desiderato da Portaria n° 1 96-A/2001 de 10 de março, e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça, da legalidade e da imparcialidade.
17- Aquele acórdão recorrido traduz violação patente de princípios fundamentais do Estado de Direito, pois que a resolução do contrato configura a última das sanções que o legislador comunitário e nacional quis impor aos promotores.
18- Ao assim decidir, e ao determinar a devolução da totalidade das quantias recebidas pela recorrente sem levar em linha de conta o facto de esta ter cumprido os fins do contrato, ter efetuado o investimento e ter criado e mantido os postos a que se vinculou, atento o fixado no art. 22° n° 4 do DL n° 132/99 de 21 de abril por violar o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 266° n° 1 e n° 2 da CRP, o Tribunal a quo fez incorreta aplicação e interpretação da lei e do direito.
19- Ademais, impunha-se, por força do contratualizado que os contratantes, concretamente o contratante público, procedesse à renegociação do contratado, naquela situação concreta.
20- Decorre das cláusulas 11ª e 12ª daquele, a possibilidade de renegociação e a suspensão do contrato, o que sempre tinha que ser levado em consideração.
21- Concretamente aquela clausula 11ª é aplicável a situações como a que em concreto se coloca, i.e. quando haja necessidade de introduzir mudanças no contrato, que não sejam significativas, - o que foi reconhecido -, o projeto deve ser renegociado e a sua iniciativa, pelas razões invocadas nas alegações supra devia partir do IEFP.
22- E sempre que, - no que não se concede -, haja incumprimento, também se encontra prevista na clausula 12º a suspensão do contrato e do financiamento.
23- Daqui decorre, inequivocamente que, a resolução do contrato, é a última das consequências, a última das sanções, que o legislador comunitário e nacional quis impor aos promotores.
24- Ao determinar a conversão do subsídio atribuído em subsídio reembolsável, sem dar cumprimento prévio ao disposto naquelas clausulas, o acórdão desconsidera o regime previsto no próprio contrato, além de que viola o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 7° do CPA, bem como o disposto no art. 266° n.°2 da CRP.
25- Ademais, aquela cláusula 13ª do contrato celebrado, por desrespeitar os princípios gerais de enquadramento da política de emprego estabelecidos pelo Decreto-Lei n.° 132/99, concretamente pelo artigo n° 22 n° 4, deve ser considerada ilegal e consequentemente nula, nulidade que desde já se requer seja declarada.
26- Assim, V. Exas., aplicando cabalmente, não só das disposições legais em vigor, como os termos do próprio contrato de concessão de incentivos, revogando o acórdão recorrido com as legais consequências, farão a costuma JUSTIÇA! (…)”.
*

Notificado da interposição do recurso de revista, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou nos seguintes termos: “(…)

1ª O nº 1 do artigo 150º do CPTA consagra um duplo grau de recurso jurisdicional, em casos excecionais, de modo a permitir a pronúncia do STA sobre questões que assim o exijam, quer devido à sua relevância jurídica ou social, quer devido à necessidade de uma melhor aplicação do direito;
2ª Ou seja, devido à sua natureza verdadeiramente excecional, este tipo de recurso apenas é admitido em casos muito restritos e só é justificado em matérias que se revelem de importância fundamental;
3ª Também é claro e, aliás reconhecido por este Tribunal que, compete ao Recorrente que utiliza este mecanismo, enunciar e expor os fundamentos que justificam e permitem a admissão de tal recurso;
4ª Assim, verificando-se que a Recorrente não evidencia a existência destes pressupostos, limitando-se apenas a impugnar assacar ao ato administrativo praticado pelo IEFP, IP, não pode o presente recurso ser admitido. Neste sentido decidiram já vários Acórdãos do STA, de que se destacam: Ac. De 2/3/2006, P.183/2006, de 16/3/2006, P. P.215/2006, de 23/3/2006, P.245/2006, de 27/4/2006, P.333/2006, de 27/4/2006, P.349/2006 e de 27/4/2006, P.372/2006;
5ª De qualquer forma, mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio e sem conceder, se equaciona, não estão reunidos, no caso sub judice, tais requisitos de excecionalidade;
6ª Com efeito, não só a resolução da questão é alcançável sem necessidade de recorrer a operações lógicas e jurídicas complexas, como também, nem sequer requer uma análise mais profunda da que já foi feita pelo Douto Acórdão recorrido e pela diversa jurisprudência existente;
7ª Não existe, pois, qualquer especial dificuldade ou complexidade jurídica, nem sequer sérias dúvidas de interpretação dificultadoras da adequada aplicação do direito, que justifiquem a intervenção excecional do STA;
8ª Sequentemente, só se pode concluir que, não estando reunidos os pressupostos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, não deve o presente recurso ser admitido;
10ª Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela, e sem conceder, se admite, não merece qualquer censura o Acórdão recorrido;
9ª Assim sendo, não estando nem alegados nem reunidos os pressupostos do recurso de revista, não deve este ser admitido;
11ª Os factos são claros e a lei não pode deixar de confirmar a interpretação e aplicação da lei efetuada pelo douto Acórdão e, consequentemente, dar razão ao Recorrente IEFP, I.P.;
12ª Por outro lado, importa referir que, o Recorrente IEFP, I.P. atuou sempre segundo o princípio da legalidade decorrente do artigo 3.º do C.P.A., nomeadamente fazendo cumprir o regime decorrente da Portaria n.º 196 - A/2001, de 10 de março de 2001, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 255 /2002, de 12 de março de 2002, do próprio “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros” (CCIF), assim como do regime decorrente do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro de 1978;
13ª Com efeito, o IEFP, I.P. age no uso de poderes vinculados quando no âmbito da concessão deste tipo de subsídios determina, com base no incumprimento injustificado, a revogação da decisão de aprovação dos mesmos; a conversão de subsídios não reembolsáveis em reembolsáveis e o respetivo reembolso dos apoios concedidos, de acordo com o instituído pela Portaria nº 196-A2001, de 10 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 255/2002, de 12 de março, e nos termos do DL nº 437/78, de 28 de dezembro;
14ª Resulta da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 255/2002, de 12 de março, no nº 3 do artº 25º que:
“(…) Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de dezembro.”;
15ª Tal como referenciado pelo Acórdão do STA de 30.01.2002, rec. Nº 048163: “A previsão de que, “no caso de incumprimento injustificado”, o beneficiário do apoio deveria devolver “a importância concedida” tinha a natureza sancionatória e conduzia a que a Administração, verificado aquele pressuposto, exigisse, em termos estritamente vinculados, o reembolso da totalidade do que prestara.”. Razão pela qual decidiu bem o Tribunal a quo;
16ª Por conseguinte, não tendo a Recorrente cumprido com as obrigações que resultavam quer da legislação aplicável quer do contrato, ou seja, “(…) a não execução do projeto nos termos constantes do contrato de concessão de incentivos, tal facto configura um INCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO das obrigações que de forma livre se comprometeu a cumprir, não existindo a figura do incumprimento justificado;
17ª E, do n.º 2 do n.º 25.º da Portaria n.º 196 – A/2001, de 10 de março de 2001, que passamos a transcrever, também neste caso para elucidação definitiva do Tribunal, resulta que:
“3. Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto – Lei n.º 437/78, de 28 de dezembro de 1978.”;
18ª Assim, sempre que detetada qualquer irregularidade, ou incumprimento dessas normas, através da outorga do CCIF, assume o IEFP, I.P., não só o direito, mas acima de tudo o dever de repor a legalidade, ou seja, cabe-lhe verificar a adequação da execução do projeto às normas em vigor e, caso assim não aconteça, agir de acordo com o CCIF, neste caso, acionar a sua cláusula 13.ª, tendo para isso toda a legitimidade que a própria lei lhe confere, nomeadamente os artigos 25.º e 30.º da Portaria 196-A/2001 de 10 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 255/2002 de 12 de março;
19ª Pelo que andou bem o Tribunal a quo quando considerou que: “ resulta da Cláusula 9º do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros celebrado pelas partes que a Recorrente E. assumiu as expressas obrigações de “(…) a) Executar integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos e prazos fixados em sede de candidatura e cumprir ao demais objetivos constantes desta; b) (...) c) Satisfazer as condições pós-projecto legalmente previstas;
d) (...) [e] (…) Comunicar ao PRIMEIRO OUTORGANTE qualquer alteração ou ocorrência que ponha em causa os pressupostos relativos à condição de acesso que permitam a aprovação da candidatura, bem como a sua realização. (...)”.
Como é sabido, numa obrigação contratual, o devedor [in casu, a promotora] está, antes do mais, adstrito a realizar a prestação a que se obrigou.
Quando não cumpra a prestação a que se obrigou, entende-se que foi violado o contrato e a norma que manda respeitar o contratado.
Assim, ao abrigo da cláusula 13º, epigrafada “Resolução do Contrato”, e com base no incumprimento das obrigações contratuais do promotor [nº.1,alinea a)], podia o Réu determinar a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros firmado com a Recorrente.
Refira-se que o preceito do contrato de incentivos financeiros aplicável [artigo 13º] não prevê um incumprimento parcial, porque simplesmente se cumpriu ou não se cumpriu o contrato”;
20ª Concluindo, o Recorrente IEFP, I.P. atuou sempre no rigoroso cumprimento da Lei, e dos mais basilares princípios da boa-fé, da colaboração e respeito, nomeadamente, acatando os normativos legais e regulamentares que regem o Programa;
21ª Tem, pois, razão o Acórdão recorrido, que apenas fez a correta e justa aplicação da lei.
NESTES TERMOS, como nos demais e melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., não deverá o presente recurso de revista ser admitido, mas, sem jamais conceder, caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se in totum o douto Acórdão ora recorrido (…)”
* *

II – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO SOB REVISTA
* *
Vem a Recorrente arguir a nulidade do Acórdão proferido nos autos, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº.1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Invoca, no mais essencial, que “(…) O acórdão recorrido, não se pronunciou quanto à questão fundamental invocada pela recorrente em recurso, - a de saber se existe ou não correspondência entre os custos aprovados e os custos realizados, partindo do princípio, s.d.r., errado de que ao intentar a ação já a A. tinha que prever que o Tribunal ia deixar de se pronunciar sobre aquela questão ou pronunciar-se naqueles termos (…)”.

Cumpre, por isso, emitir pronúncia nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, e entrando na questão que cabe apreciar, dir-se-á que de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.

Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Proc.º. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.

Tendo presente estes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e volvendo agora ao caso concreto, verifica-se que, quanto ao seu recurso jurisdicional da decisão judicial emanado pelo T.A.F. de Braga, concluiu a Recorrente E, nos seguintes termos: “(…)
I. Resulta da sentença recorrido que, em termos de montantes e globalmente, o investimento projetado foi cumprido pela recorrente.
II. Em face do decidido e visto o efetivo investimento documentado pelas faturas juntas aos autos, o cerne da questão reside, tão só, no que diz respeito à interpretação dos conceitos de “adaptação de instalações”, “equipamento básico”, “equipamento administrativo e social” e “equipamento informático”, pois que, foi a recondução de cada parcela de investimento a uma rubrica com os aludidos nomes, e não a outra, que levou à desconsideração.
III. S.m.o., a qualificação nominal adotada pelo IEFP e sufragada parcialmente pelo Tribunal recorrido não tem acolhimento legal.
IV. De facto, nos diplomas que regem a medida “Iniciativa Local de Emprego” no âmbito do Programa Estímulo à Oferta de Emprega, não se encontra definição alguma daqueles conceitos/rubricas, devendo, por isso, na sua interpretação e integração, acolher-se os princípios plasmados no art. 9º e 10° do C.C.
V. De acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, a rubrica “adaptação de instalações” (adotada pelo IEFP) enquadra-se na classe “equipamento básico”, ou seja, são uma verba só.
VI. Não faz sentido desconsiderar o investimento por aplicação de nomenclatura diversa, quando, materialmente, o investimento ocorreu e o IEFP nem sequer teve trabalho algum a explicar, fundamentando, porque determinado investimento se deveria enquadrar em determinada rubrica nominal e não noutra.
VII. Estamos perante um injustificado primado da forma sobre a substância, coisa que, o CPA, ao tempo já afastava: art. 3º n° 1, 4º, 5º, 6º A, 7º, 10°.
VIII. Nessa medida, errou o IEFP na qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas e errou o Tribunal também na qualificação atribuída e na interpretação que levou a cabo, impondo-se a aglomeração da rubrica “adaptação de instalações” na rubrica “equipamento básico” e, assim, teremos que o valor do investimento aprovado pelo IEFP, nesta sede, foi (18.061,25€+3.996,10€) 22.057,35€ e que a promotora cumpriu e justificou 19.510,85€.
IX. Por outro lado, temos que (porque resulta do p.a.) o IEFP considerou como “equipamento administrativo e social”, o sistema de segurança, o ar condicionado e os reclames luminosos e decoração de montra (ou seja, 421,10€ + 1.574,79€ + 480€ = 2.475,89€).
X. No entanto, também a interpretação adotada pelo Tribunal recorrido nesta parte é errada, pois que deve considerar-se equipamento básico.
XI. Tudo isto radica, no limite, na falta de fundamentação do decidido, nos termos do art. 615°, b) do CPC, porquanto o Tribunal não demonstra qual o critério que adotou para consagrar determinada interpretação dos aludidos conceitos.
XII. Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada em conformidade em conformidade com o supra alegada e ser julgada totalmente procedente a ação intentada pela recorrente, anulando-se totalmente o ato de resolução do contrato. (…)”.

Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Assim, o “objeto confesso” do recurso interposto por E. era composto pelas questões decidendas de saber se (i) a decisão judicial recorrida enfermava de nulidade de sentença, por falta de fundamentação [cfr. ponto XI) das conclusões de recurso], bem como se (ii) padecia de erro de julgamento de direito, por errada interpretação da qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas [cfr. pontos I), II), III), IV), V), VI), VII), VIII), IX) e X) das conclusões de recurso].

Ora, sob a primeira questão decidenda configurada nos termos e com o alcance supra expostos, pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão datado de 16 de outubro de 2020, nos seguintes termos:”(…)
*
I- Da nulidade imputada à decisão judicial recorrida, por falta de fundamentação
*
Ambos os Recorrentes começam por arguir a nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação.
Estribam tal pretensão:
(i) no que concerne à Recorrente E., e se bem se interpreta a substanciação mínima aduzida nas suas conclusões de recurso, no entendimento de que “(…) o Tribunal não demonstra qual o critério que adotou para consagrar determinada interpretação dos (…) conceitos (…) [de “adaptação de instalações”, “equipamento básico” e equipamento administrativo e social”].
(ii) no que tange ao Recorrente Instituto de Emprego e Formação Profissional, com base na crença de que “(…) não foi fundamentada a matéria de direito (…)”.
Quid iuris?
As causas de nulidades de sentença encontram-se previstas no nº.1 do artigo 615º do CPC, cuja enumeração é taxativa, existindo duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de fundamentação.
A primeira, prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A segunda, prevista na alínea c) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, consiste na oposição entre os factos fixados e a decisão, seja por inconcludência seja por radical antagonismo, mas sempre no sentido de que a decisão tomada seria incompatível com a fundamentação de facto relevada.
Ora, constitui convicção deste Tribunal que a sentença, objeto do presente recurso jurisdicional, não padece de nenhuma destas causas típicas de nulidade.
Com efeito, no que tange à nulidade prevista na alínea b) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, verifica-se que, na verdade, a decisão não vem censurada por falta de especificação dos factos e/ou por oposição entre os factos fixados e a decisão, mas antes, tal como conformado pelo Recorrente, por falta de fundamentação.
Ora, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”.
Pois bem, no caso concreto, discorreu-se na sentença recorrida no domínio versado o seguinte: “(…)
A Entidade Demandada invocou como fundamento de resolução do contrato o facto de existir discrepâncias - nas rubricas (i) adaptação de instalações, (ii) equipamento básico, (iii) equipamento administrativo e social (iv) equipamento informático -, entre os investimentos aprovados e os investimentos justificados.
Com efeito, nada há a apontar à atuação da Administração quando considerou que a Promotora não executou integralmente o projeto de iniciativa local de emprego nos termos em que a candidatura foi aprovada, vejamos:
- para a adaptação de instalações foi aprovado um investimento de € 18.061,25, quando ulteriormente apenas foi justificado um investimento no valor de € 9.595,85;
- para equipamento básico foi aprovado um investimento de € 3.996,10, todavia, a Promotora tentou justificar o valor correspondente a € 9.915,00;
- não foi aprovado qualquer montante no que respeita a equipamento administrativo e social, contudo, a promotora tentou nesta rubrica de investimento justificar € 2.475,89;
- para o equipamento informático foi aprovado um investimento de € 1.951,30, porém, a Promotora tentou justificar um valor superior, no montante de € 2.022,30.
Ou seja, a Promotora no que respeita ao investimento e em termos globais gastou (€ 24.009,04), sensivelmente o montante aprovado, porém, desrespeitou os valores aprovados para cada uma das três rubricas de investimento. Nessa medida, forçoso será concluir que o projeto não foi executado tal qual foi aprovado, porquanto, da factualidade assente resulta que os valores justificados e com aprovação prévia totalizavam o valor de €: 15.543,25. E, relembrando o que já foi acima referido, este montante resulta do somatório dos seguintes valores: € 9.595,85 + € 3.996,10 + € 1.951,30, correspondentes a investimentos que tanto foram aprovados pelo Centro de Emprego, como foram justificados pela Promotora. Assim, tendo em consideração o valor do investimento globalmente aprovado, confirma-se que efetivamente falta justificar o montante correspondente a € 8.465,40.
Importa ainda destacar que não basta à Autora alegar, em termos genéricos, que cumpriu “todos os investimentos a que se propôs”. Recaía sobre a Autora alegar e provar que não só respeitou o valor global aprovado para o investimento como também que não se desviou dos valores aprovados para cada uma das rubricas. Ora, no caso em apreço, a Autora não logrou êxito nesta alegação/prova.
Não logrou êxito na alegação/prova, na medida em que não indicou - com referência aos documentos constantes do processo administrativo — as facturas/recibos que não foram considerados - e deveriam ter sido com referência a cada uma das rubricas de investimento.
Pelo contrário, a Administração logrou provar que os valores constantes da Tabela resultavam da soma das facturas/recibos que instruíram a tomada de decisão.
Aliás, basta atentar no total do investimento aprovado pelo Centro de Emprego, no valor de € 24.008,65, e do investimento justificado pelo Promotor, no valor de € 24.009,04, para se concluir que a Administração analisou todos os documentos que foram apresentados pela Promotora tendo em vista sustentar o investimento.
Ponto é que a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado.
Assim, e no que respeita a este ponto, forçoso será concluir que a Promotora violou a Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
Sucede que esta conduta da Promotora não atinge uma gravidade equiparável ao incumprimento/cumprimento manifestamente defeituoso e/ou atraso indesculpável no cumprimento da obrigação, que legitime a reação mais grave por parte do contraente público — a resolução do contrato.
Porquanto, não resulta da fundamentação que essa conduta da Promotora tenha colocado em risco o fim do contrato em causa.
Importa não esquecer que a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um ato posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 238).
Não se extrai da fundamentação razões justificativas para a resolução do contrato, mas unicamente para solicitar o reembolso do montante de € 8.465,40, entregue pelo IEFP, correspondente ao somatório dos valores que nunca foram aprovados
A Autora também alegou erro sobre os pressupostos de facto no que concerne à “inexistência de teto falso”, “de ar condicionado” e “falta de UPS”.
Se compulsarmos o ato administrativo concluímos que apenas foram deduzidas as verbas relativas ao teto falso e à UPS. Quer isto dizer que não foi deduzido o valor do “ar condicionado” ao valor do equipamento aprovado e justificado. Por essa razão, o Tribunal debruçar-se-á exclusivamente sobre o erro nos pressupostos de facto quanto à “não verificação” do teto falso e da UPS.
Ambos os valores relativos a esse investimento foram aprovados e ulteriormente justificados, em termos formais/documentais.
A questão central coloca-se na execução do contrato, ou seja, se o contrato foi pontualmente cumprido, de harmonia com o projeto de iniciativa local de emprego. Por outras palavras, se para além de aprovado e justificado o projeto foi efetivamente concretizado.
Ora, resultou da factualidade assente que a Autora adquiriu a UPS e que só não foi verificada no estabelecimento comercial (aquando da visita de acompanhamento) por se encontrar a reparar.
Mais, os Técnicos que acompanharam a visita, pese embora terem sido informados do sucedido, não procederam às diligências complementares para confirmar a versão da Promotora.
O mesmo sucede quanto ao teto falso.
Na audiência final ficou provado que o estabelecimento tinha teto falso e que, na sequência de uma inundação imputável a terceiros, ficou danificado, tendo sido retirado. Meses após a inundação, o teto foi substituído.
Uma vez mais, a equipa de acompanhamento foi informada do sucedido e não procedeu a qualquer diligência complementar ou solicitou qualquer declaração, por exemplo, do Condomínio e/ou cópia da participação ao seguro, tendo em vista a confirmação da informação transmitida pela Promotora.
A primeira conclusão a retirar - da factualidade considerada assente - é que o investimento relativo ao teto falso e à UPS foi aprovado, justificado e executado.
Acresce que as regras da experiência comum, enquanto critério de julgamento, dizem que nenhum estabelecimento comercial abre ao público sem ter um teto aceitável. O estado do teto num estabelecimento não é algo secundário, prescindível, abdicável.
Também resulta da normalidade da vida que, enquanto se discute a culpa de terceiros no sucedido e se envia as comunicações ao Condomínio do prédio ou se aciona os respetivos seguros - cuja contratação é legalmente obrigatória —, passam-se meses até que um teto novo volte a ser colocado.
Não se provou que a falta de teto falso tenha impedido a concretização dos objetivos do financiamento, antes resulta da factualidade assente que a sapataria laborou e manteve a sua atividade. Temos, assim, que não poderia a Administração dar - sem mais - como “não verificado” (ou seja, não executado) o investimento de € 8.140,00 e de € 74,30, aprovado e justificado nas rubricas “adaptação de instalações” e “equipamento informático”, respetivamente.
Tão pouco a danificação do teto e a necessidade de reparação da UPS atingem uma importância tal que colocasse em causa os pressupostos que estiveram na base da aprovação da candidatura. Seria, aliás, desproporcionado/desrazoável extrair da cláusula 9.°, alíneas a) e c), a obrigação de comunicar o envio de uma UPS para reparação ou, até, a ocorrência de uma inundação - imputável a terceiros, se tal circunstância for temporária e não obstativa da atividade.
Do exposto resulta que a Administração não deveria ter deduzido estes valores, aprovados e justificados, nem esta situação constitui fundamento para resolver o contrato de concessão de incentivos financeiros. (…)”.
Em face do quadro jurídico delineado na sentença recorrida, e que se vem ora de transcrever, não podemos de modo algum concluir que a sentença seja totalmente omissa quanto aos pressupostos em que assenta as conclusões de (i) (…) a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado (…)”, bem como de que (ii) a “(…) conduta da Promotora não atinge uma gravidade equiparável ao incumprimento/cumprimento manifestamente defeituoso e/ou atraso indesculpável no cumprimento da obrigação que legitime a reação mais grave por parte do contraente público - a resolução do contrato. (…)”.
Poderemos questionar-nos se a fundamentação é suficiente, correta e adequada em face das questões de facto e de direito envolvidas.
Mas saber se a fundamentação da sentença reúne estes requisitos não é matéria que se insira no vício de nulidade de sentença, por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
É certo que, com reporte para a alegação da Recorrente E., o Tribunal a quo não cuidou de interpretar se a rubrica (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra” são [ou não] relativos antes à rubrica de (vi) “equipamento básico” em respeito às notas explicativas da Comissão de Normalização Contabilística ao POC.
Porém, essa questão, tal como especificamente conformada nas conclusões de recurso no sentido supra sintetizado, não vem sequer suscitada no libelo inicial, surgindo apenas a sua formulação em sede de recurso jurisdicional, pelo que não impedia sobre o Tribunal a quo qualquer dever de pronúncia sobre a mesma.
Assim, ainda que se entendesse que a arguição da nulidade em análise insere-se, não no domínio da falta de fundamentação, mas antes no capítulo da omissão de pronúncia, sempre se atingiria a conclusão que a mesma não seria de vingar.
Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por falta de fundamentação [ou omissão de pronúncia], desde modo, improcedendo, portanto, a conclusão de recurso vertida no ponto XI) (…)”.

Já quanto à segunda questão decidenda pronunciou-se este T.C.A.N. do seguinte modo:“(…)
*

Do imputado erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação da qualificação atribuída a cada uma das despesas comprovadas [recurso de E.];
*

Esta questão está veiculada nas conclusões da Recorrente E. supra transcritas, substanciando-se na alegação de que o Tribunal a quo errou ao não interpretar a rubrica (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra” como sendo relativos antes à rubrica de (vi) “equipamento básico” em respeito às notas explicativas da Comissão de Normalização Contabilística ao POC.
Adiante-se, desde já, que esta alegação não é aceitável no âmbito do presente recurso.
Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção.
A Autora, por intermédio da presente ação, visa, em substância, a anulação do despacho, de 3/10/2008, que determinou a resolução unilateral do contrato de concessão de incentivos financeiros, convertendo o subsídio não reembolsável - no valor de € 16.184,26 - em reembolsável.
Fundamenta tal pretensão jurisdicional no entendimento de que o ato impugnado enferma de (i) vício de forma, por falta de fundamentação, e, bem assim, de (ii) vício de violação de lei, por (ii.2) incompetência do Delegado Regional do Norte do IEFP para a prática do ato em crise e por (ii.2) erro nos pressupostos de facto.
Escrutinada a contestação argumentativa espraiada no libelo inicial, é para nós absolutamente cristalino, para o que ora nos interessa, que a arguição do erro nos pressupostos de facto do ato impugnado escorou-se no entendimento de que a Autora i) labora nas instalações identificadas; (ii) tem atividade permanente; que mantém o nível de emprego atualizado; (iii) não tinha o aparelho de ar condicionado instalado aquando da visita da recorrida porque aguardava autorização do condomínio; (iv) o teto falso existe e sempre existiu; (v) comunicou à recorrida a alteração das instalações e dos montantes de investimento, porque os anteriores eram desadequados, o que a recorrida aceitou; (vi) tem faturação contínua até ao presente; (vii) sempre procedeu aos descontos juntos da segurança social; (viii) sempre entregou a documentação solicitada; (ix) tem seguro multirriscos desde o início de atividade; (x) e que paga IVA e IRS.
Tudo em função do que se concluiu que a Autora (…) sempre cumpriu com as obrigações decorrentes do contrato de concessão de incentivos financeiros que assinou o recorrido (…)” ou “(…) que o contrato vem sendo integralmente cumprido (…)”.
Ocorre, porém, que o Tribunal a quo assim não o entendeu.
O que fez, sobretudo, por considerar que “(…) o projeto não foi executado tal qual foi aprovado, porquanto, da factualidade assente resulta que os valores justificados e com aprovação prévia totalizavam o valor de €: 15.543,25. E, relembrando o que já foi acima referido, este montante resulta do somatório dos seguintes valores: € 9.595,85 + € 3.996,10 + € 1.951,30, correspondentes a investimentos que tanto foram aprovados pelo Centro de Emprego, como foram justificados pela Promotora. Assim, tendo em consideração o valor do investimento globalmente aprovado, confirma-se que efetivamente falta justificar o montante correspondente a € 8.465,40.
Importa ainda destacar que não basta à Autora alegar, em termos genéricos, que cumpriu “todos os investimentos a que se propôs”. Recaía sobre a Autora alegar e provar que não só respeitou o valor global aprovado para o investimento como também que não se desviou dos valores aprovados para cada uma das rubricas. Ora, no caso em apreço, a Autora não logrou êxito nesta alegação/prova.
Não logrou êxito na alegação/prova, na medida em que não indicou - com referência aos documentos constantes do processo administrativo — as facturas/recibos que não foram considerados - e deveriam ter sido com referência a cada uma das rubricas de investimento.
Pelo contrário, a Administração logrou provar que os valores constantes da Tabela resultavam da soma das facturas/recibos que instruíram a tomada de decisão.
Aliás, basta atentar no total do investimento aprovado pelo Centro de Emprego, no valor de € 24.008,65, e do investimento justificado pelo Promotor, no valor de € 24.009,04, para se concluir que a Administração analisou todos os documentos que foram apresentados pela Promotora tendo em vista sustentar o investimento.
Ponto é que a Promotora não efetuou as despesas de harmonia com a estrutura de custos oportunamente aprovada. E essa estrutura de custos tinha que ser observada porquanto integrava o projeto apresentado e aprovado.
Assim, e no que respeita a este ponto, forçoso será concluir que a Promotora violou a Cláusula 9.°, n.° 1, alínea a), do Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros.
(…)”
Procurando evidenciar o erro de julgamento em matéria de direito do segmento decisório que se vem de transcrever, vem agora a Recorrente E. cuidar de alegar que o Réu [e, por maioria de razão, o Tribunal a quo ao validar tal qualificação] englobou erroneamente as rubricas (i) “adaptação de instalações” e os equipamentos de (ii) “sistema de segurança”, de (iii) “ar condicionado”, (iv) “reclamos luminosos” e (v) “decoração de montra”, pois que estas devem ser consideradas em sede da rubrica de “equipamento básico”, e não em sede das parcelas, como o Réu entendeu, com os respetivos nomes.
Ora, perante a substanciação do erro nos pressupostos de facto aduzida no libelo inicial, e que se vem de supra de sintetizar, não pode deixar de se entender que a alegação recursiva em análise integra uma inovação a bel prazer dos fundamentos que esteiam a invocação da dita causa de invalidade.
De facto, a alegação recursiva vem “confortar em termos de acréscimo” a substanciação já alegada no domínio do erro nos pressupostos de facto associado ao ato impugnado em sede de petição inicial.
Ocorre, porém, que esta “substanciação melhorada” não resulta processualmente admissível em sede de recurso.
Na verdade, a estabilização da instância determina que ela se mantenha quanto às partes, ao pedido e causa de pedir, sendo apenas admissíveis modificações objetivas e subjetivas quanto à mesma nos termos preconizados na lei processual civil vigente, não sendo admissível a modificação do objeto do processo em sede de recurso.
De facto, à mingua de expressa previsão legal, proceder a uma nova análise da causa de invalidade invocada nos autos, desta feita, com base em motivação aduzida apenas em sede de recurso, configuraria uma violação expressa da lei processual aplicável em matéria de estabilização da instância.
Que o Tribunal Superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho de um Tribunal de 1ª instância é perfeitamente compreensível; já decidir em 1º instância sem expressa previsão legal é que é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
Assim, incumbe apenas a este Tribunal Recursivo indagar a existência de eventuais nulidades e erro de julgamento na decisão judicial recorrida, e sempre nos termos balizados nas conclusões do recurso, e não [re]sindicar a atuação da Administração quanto a eventuais causas de invalidade, quer originárias, quer melhoradas, que lhe possam ser imputadas.
Ora, escrutinados os autos, logo se constata que o Tribunal a quo não foi confrontado com esta inovação da causa de pedir, assim não emitindo pronúncia quanto à mesma.
Desta feita, entende este Tribunal Superior que não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente, por se tratarem de matéria não dirimida na sentença recorrida, e, qua tale, excluída da “objeto confesso” do presente recurso jurisdicional.
Efetivamente, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, uma inovação da causa de pedir não abordada pela decisão judicial recorrida, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Assim se decidirá (…)”.

Em face do quadro jurídico delineado no acórdão reclamado, e que se vem ora de transcrever, não podemos de modo algum concluir que o acórdão censurado deixou de resolver todas as questões decidendas submetidas a juízo.

Poderemos questionar-nos se o assim decidido é o mais correto e adequado em face das questões de facto e de direito envolvidas.

Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade sentença, por omissão de pronúncia, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
De facto, saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei, são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].

Concludentemente, o acórdão sob censura não padece da assacada nulidade de sentença fundada na violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a qual improcede.
* *
III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) JULGAR INVERIFICADA a nulidade invocada no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 16.10.2020; e
(ii) ORDENAR A REMESSA dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação preliminar e sumária prevista no art.º 150.º n.ºs 1 e 6, do C.P.T.A., quanto ao recurso de revista interposto nos autos.
*
Notifique-se.
* *
Porto, 05 de fevereiro de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro