Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00259/14.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA
PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL INIDÓENA
Sumário:1. Nos termos do artigo 87/1-f) LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando se verifique acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
2. Verificada tal situação, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (artigo 89º- A, nº 3 da LGT).
3. Para cumprir o seu ónus probatório, o sujeito passivo tem de provar não só que possuía meios financeiros necessários à realização da “manifestação” tipificada, como também que esses meios foram efetivamente afetos na realização dessa “manifestação” conforme tem entendido a nossa jurisprudência, nomeadamente o STA.
4. Para além da falibilidade própria da prova testemunhal, os depoimentos de familiares próximos devem ser encarados e analisados com redobrada cautela (a decorrente da falibilidade da prova testemunhal e a da natural tendência para a “proteção da família”).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Direção de Finanças do Porto
Recorrido 1:L...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Sr. Diretor de Finanças do Porto inconformado com a sentença proferida pelo MMª juiz do TAF de Penafiel proferida em 24/3/2017 que julgou procedente o recurso interposto por L… contra o despacho do Exmo. Diretor de Finanças do Porto que fixou a matéria tributável por recurso a métodos indiretos, nos termos dos artigos 87º e 89º-A da LGT, dela interpôs recurso o terminando as alegações com as seguintes conclusões:

A. Em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença de 24/03/2017, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente o recurso interposto pelo ora Recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B do CPPT, “ex vi” n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, da decisão do Director de Finanças do Porto, proferida em 04/04/2014, que determinou, através de despacho devidamente fundamentado, a fixação do rendimento tributável de IRS, do ano de 2009.
B. A sentença recorrida decidiu que: «O sujeito passivo, ora recorrente, como a lei impõe demonstrou quer a origem da manifestação de fortuna, quer como é que ela se materializou (sobre esta questão, o acórdão do TCAN de 13.09.2013, proc. n.º 2395/10.9BEPRT)
Pelo que, terá de anular-se o despacho recorrido de 04.04.2014 do Sr. Diretor de Finanças do Porto, por subdelegação, que fixou por avaliação indirecta o rendimento tributável de € 299.115,52 do ano de 2009.»
C. É contra tal entendimento que se insurge o ora Recorrente, tendo em conta que o mesmo viola frontalmente no n.º 3 Art.º 89.º-A da LGT, desvirtuando por completo a ratio legis em termos de ónus de prova ínsita no aludido preceito, sendo manifestamente contrário à doutrina e à jurisprudência.
D. Ora, salvo o devido respeito, sentença recorrida errou na apreciação dos factos, ao não ter retirado dos elementos documentais as necessárias ilações, nem validou de forma adequada as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas inquiridas, sendo igualmente patente que não integrou esses elementos probatórios com as regras da normalidade social e com a experiência comum, razão pela qual se pugna para que se retirem do probatório os factos constantes da matéria de facto provada nos pontos 22º e 23º.
E. Em primeiro lugar, saliente-se que a Entidade Recorrente aceita a matéria de facto provada dos pontos 1 a 21.
F. Quanto à apreciação da prova constante dos autos sempre se dirá que, no que respeita os documentos bancários juntos aos autos foram tidos em consideração no Relatório de Inspecção, mas os mesmos não comprovam a origem dos fundos que terão sido aplicados nos suprimentos em causa nos autos;
G. Quanto à valoração dos documentos 2 e 3, a fls 28 a 32 dos autos, mencionados no ponto 18.º da matéria de facto provada, cumpre salientar que se tratam de documentos particulares, pelo que, ainda que se possa comprovar a autoria do documento, não resultam provados os factos nele compreendidos, nem prova o trato sucessivo das quantias aplicadas nos suprimentos.
H. Além do que, não basta que as testemunhas Lígia… e M…, afirmem que sabiam que o aqui Recorrido havia pedido dinheiro emprestado ao seu avô/pai A…, para ficar automaticamente comprovada a origem da manifestação de fortuna e a afectação daqueles meios financeiros em cada um dos suprimentos realizados.
I. Nem isso resulta dos testemunhos referidos, porque nenhuma das testemunhas inquiridas viu em 2009 o Sr A… dar dinheiro ao filho ora Recorrido;
J. As Testemunhas desconheciam os termos do empréstimo e só posteriormente, em 2014 souberam do referido empréstimo e do montante em causa.
K. A própria testemunha M…, referiu que o irmão L… (Recorrido) lhe dava dinheiro para colocar no cofre, mas não sabia a origem daqueles valores.
L. Daqui resulta, que não havendo documentos que sustentem tais entregas, também da prova testemunhal produzida não resultou minimamente demonstrada quaisquer entregas de valores.
M. Donde, não é possível da prova produzida, estabelecer o trato sucessivo das quantias dispendidas nos suprimentos, nem sequer se pode comprovar, como é referido na sentença “a quo” que os suprimentos em causa foram feitos com recurso a valores provenientes de vários empréstimos efetuados pelo seu próprio pai ao longo de 2009 em várias tranches.
N. Os testemunhos prestados pelas testemunhas Lígia… e M…, também estão em contradição em certa medida, com a Declaração de Reconhecimento de Dívida junta como doc. 3, o que fragiliza, tanto a credibilidade do documento, como dos testemunhos.
O. A referida Declaração de Reconhecimento de dívida junta como doc 3 diz no n.º 1: «O primeiro outorgante, durante o ano de 2009, colocou à disposição do segundo outorgante seu filho, por diversas vezes, parcelas em numerário que no seu conjunto totalizam € 190.000,00, que o mesmo destinou ao desenvolvimento da unidade fabril de mobiliário.» (sublinhado nosso)
P. Ora, a Real…, Lda, não é uma unidade fabril de mobiliário, mas dedica-se, isso sim, à actividade imobiliária,
Q. Assim, se a finalidade do aludido empréstimo seria para aplicar na unidade fabril de mobiliário que é uma empresa familiar, e agora veio sendo afirmado que os empréstimos eram para financiar a sociedade unipessoal de imobiliário do filho, não se encontra aqui, qualquer nexo de causalidade entre a Declaração de Confissão de Dívida (vide ponto 1º) e as entradas de capital na conta da sociedade Real…, Lda.
R. Razão pela qual, forçoso será concluir que, também por esta via, não ficou comprovado o nexo de causalidade entre os eventuais empréstimos obtidos junto do seu pai com o objectivo de serem utilizados para a unidade fabril de imobiliário, e as entradas de capital na Real….
S. Isto mesmo já consta da fundamentação do Relatório de Inspecção, subjacente ao acto de fixação dos Rendimentos nos termos dos artigos 87º a 90º da LGT, no valor de € 299.115,52 para o ano de 2009,e que o Recorrido não logrou contrariar e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos;
T. Deste modo, comprova-se que o Recorrido não demonstrou a relação directa do aludido empréstimo com as entradas de capital na Real… Lda, pelo que andou mal a douta sentença em considerar provados os factos constantes 22 a 23 da matéria de facto provada.
U. Como é sabido, é apenas a prova da efectiva mobilização de específicos rendimentos, que ilide a presunção constante do artigo 89°-A da LGT, sendo necessário comprovar qual a proveniência concreta dos montantes efectivamente aplicados naqueles suprimentos e fazer a prova da relação directa entre a afectação de certo rendimento a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
V. Assim, é imperativo demonstrar qual o percurso dos montantes que vieram a ser usados nos suprimentos. Para além daquela primeira prova, da origem e detenção do capital à data dos suprimentos, devia o então Recorrente apresentar documentos bancários comprovativos de que o capital que definha havia sido canalizado para a sociedade a título de suprimentos, demonstrando o nexo causal entre a alegada fonte e a referida manifestação de fortuna;
W. É que, como se diz no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no Processo: 02541/15.6BEPRT em 24-01-2017, numa situação semelhante á presente e na qual os Requerentes pretendiam justificar a origem da manifestação de fortuna em valores guardados em cofre particular: «a não utilização do sistema bancário foi, uma opção dos Recorrentes, terão eles também de arcar com as dificuldades de prova quanto aos contornos da realização das transacções em numerário
X. Da jurisprudência citada retira-se que a justificação de que os montantes utilizados provinham de determinada origem, tem de ser feita por outra via que não a testemunhal, pois que, não é possível determinar a concreta movimentação de determinado valor sem ser por um documento que corrobore qual a concreta origem do movimento.
Y. Em face de tudo o supra exposto, além da douta sentença recorrida ter errado na apreciação da matéria de facto constante dos autos, também a douta sentença recorrida errou na aplicação do direito, pois considerou que o então recorrente “satisfez plenamente o ónus da prova que sobre si recaía” violando assim o na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea c) do n.º 2 do artigo 89.º-A.
Z. De toda a jurisprudência consultada no sentido em que se vem defendendo, a título de exemplo citamos o Ac. TCA Norte Proc 09248/15 de 18/02/2016 e Ac do Proc 01771/12.7BEPRT DE 1010/2013; e nos quais em suma se sustenta que, não basta demonstrar, ao Sujeito Passivo, que detinha recursos financeiros para a realização de suprimentos, importando também que se demonstre que esses recursos foram, efectivamente, canalizados para a realização dos suprimentos.
AA. Por outro lado, também o Supremo Tribunal Administrativo vem defendendo que “Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A e a sua teleologia, logo resulta claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo”. Como é referido no Ac do STA de 29/01/2014 no Rec 035/14.
BB. E onde se conclui: “Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração.
A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade, totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração; e poderia até usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Dito de outro modo, aqueles que mantivessem meios financeiros não sujeitos a declaração que excedessem o rendimento padrão estariam sempre a salvo da tributação por manifestações de fortuna que fossem evidenciando. Ora, manifestamente, não pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei.
A nosso ver, a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação nesse ano) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.»
CC. A considerar como na douta sentença: que o Recorrido justificou o “trato sucessivo” dos empréstimos das quantias dispendidas, estar-se-ia a permitir que, em última instância, aquele valor podesse ser usado para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes, e não foi isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei.
DD. Salvo o devido respeito, a fundamentação e motivação da douta sentença parece sustentar-se neste facto n.º 22º e 23º, no entanto, tal facto não se encontra provado por documento, nem se pode retirar aquela conclusão dos depoimentos das testemunhas mencionadas, razão pela qual se pugna para que se retire do probatório os factos constantes dos pontos 22.º e 23.º da douta sentença.
EE. Ora, não tendo ficado provada a totalidade da proveniência nem a origem das verbas afectas aos suprimentos em causa nos autos, não podia a sentença recorrida concluir pela anulação do despacho proferido em 04/04/2014 que fixou o rendimento colectável em IRS para o exercício de 2009, incorrendo em erro na apreciação da prova e vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida com as legais consequências.

CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu:
1 – O Recurso deverá ser rejeitado com fundamento em falta de objeto, uma vez que sendo o motivo de recurso a nulidade da sentença a qual não foi arguida perante o Tribunal a quo, o recurso não podendo ser apreciado no Tribunal Ad quem ficou sem objeto.
2 – Não deve ser anulada a decisão do Tribunal que considerou como justificado as verbas de € 75.000,00 e de € 190.000,00, pois a decisão recorrida não incorreu em qualquer vício ou erro de apreciação de prova gravada.
3 - A alegação de “erro de julgamento” e “erro na apreciação de prova”, constituem vícios da sentença e são causas da nulidade destas que, como tais deveriam ter sido arguidos junto do Tribunal a quo e, porque o não foram, não podem ser atendidas.
4 - A Recorrente pretende a reapreciação da prova gravada, porém não deu cumprimento ao disposto nas al. a) a c) do nº.1 e a) do nº. 2 do art.º 640º do CPC, pelo que a invocação de erro na apreciação da prova gravada e de erro de julgamento terão de ser rejeitadas.
5 - O Tribunal goza do direito da livre apreciação da prova segundo a prudente convicção do Juiz, cabendo à parte contra quem a mesma é produzida socorrer-se das regras estabelecidas no artigo 640º do CPC.
6 - Aquando do interrogatório das testemunhas, a Recorrente, se assim o pretendesse, poderia, nos termos dos artigos 514º e 515º do CPC impugnar as testemunhas, o que não fez, não podendo agora pôr em causa o seu depoimento se não invocar concretamente os pontos que considera incorretamente julgados.
7 – O Recorrido ao demonstrar e provar que as manifestações de fortuna proveem do levantamento de um cheque no valor de € 75.000,00 da sua conta bancária no Banco… e de que € 190.000,00 correspondem a vários empréstimos que o seu pai lhe fez durante o ano de 2009 cumpre a obrigação que para si resulta do nº.3 do artigo 89ºA da LGT.
8 - Se a Administração Tributária e Aduaneira desconsidera a revelação daquela fonte de manifestações de fortuna, inverte-se o ónus da prova, cabendo-lhe a ela dizer e provar qual é a origem e proveniência do dinheiro.
9- A sentença recorrida não enferma assim das nulidades previstas no artigo 615º, pois não julgou, com erro de apreciação de prova nem em objeto diferente do pedido pelo Recorrido.
10 - Deve assim confirmar-se, in tottum, a sentença recorrida.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir pela procedência do recurso contra o despacho do Exmo. Diretor de Finanças de 4/4/2014.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1.º - O recorrente foi objeto de uma ação inspetiva que teve origem na Ordem de Serviço n.º 201202097 de 13.04.2012, de âmbito parcial para efeitos de imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) para o ano de 2009.
2.º - “O ora recorrente entregou declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2009 em 26.05.2010, de que resultou um rendimento coletável de € 36.155,52.
Rendimento coletável referente aos seguintes rendimentos declarados:
- Rendimento bruto da categoria A no montante de € 40.043,52, auferidos na sociedade M…, SA.
- Alienação pelo valor de € 56.060,00 do artigo urbano 4… fração “FO” DA FREGUESIA DE Valongo, do mesmo concelho, de que resultou uma menos valia.” - cf. doc. de fls.74 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), ínsito no Processo Administrativo (PA), apenso a este processo.
3.º - Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT), na referida declaração de rendimentos e por consulta da Modelo 37, verificaram que o ora recorrente, efetuou o pagamento de juros e amortizações relativos a imóvel destinado à habitação própria e permanente no montante de € 39.899,67, junto da instituição bancária – Banco…, SA, com o NIPC: 5…- cf. doc. de fls.74 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
4.º - Na referida declaração de rendimentos, os SIT por consulta da Modelo 37, consideraram que o ora recorrente constituiu, junto da seguradora … Seguros, SA, com o NIPC: 5…dois PPR, a que correspondem as apólices números 5420355 e 5423308, no montante anual de € 6000,00 cada - cf. doc. de fls.74 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
5.º - No âmbito do procedimento inspetivo efetuado a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201202099 de 13.04.2012 à sociedade M…, SA, NIPC: 5…, sociedade de que é administrador o ora recorrente, os SIT verificaram que os referidos PPR constituem parte do vencimento do recorrente - cf. doc. de fls.74 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
6.º - No âmbito do procedimento inspetivo OI201202099, os SIT apuraram que o ora recorrente, através do cheque n.º 1626701610 do Banco Português de Negócios no valor de € 11.316,00 e do cheque n.º 95267001612 da mesma instituição no valor de € 10.038,00, procedeu ao pagamento de bens adquiridos durante o ano de 2009 à sociedade M…, SA, referente às faturas “Factura C n.º18/2009 de 28/04/209 no valor de e 11.316,00 e “Factura C n.º23/2009 de 29/06/2009 no valor de € 10.038,00 respetivamente - cf. doc. de fls.74 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
7.º - Os SIT no âmbito do procedimento inspetivo efetuado a coberto da OI201202098 de 2012/04/13 à sociedade Real…, Lda., NIPC: 5…de que é sócio gerente o ora recorrente, constataram que o ora recorrente efetuou prestações suplementares no montante global de € 239.610,00, através de depósitos efetuados em numerário, devidamente relevados contabilisticamente na conta 531 – Prestações Suplementares da sociedade Real…, Lda. - cf. doc. de fls.74 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
8.º - Os SIT consideraram que se encontravam reunidos os pressupostos exigidos para a avaliação indireta da matéria coletável, nos termos do disposto no art.87.º, alínea f) da LGT - cf. doc. de fls.74 verso do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
9.º - Em 07.11.2013 o ora recorrente foi notificado pessoalmente, para “fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte de rendimentos que permitiu o acréscimo de património evidenciado, nomeadamente herança ou doação, utilização do seu capital, mediante apresentação, nomeadamente, de cópia dos extratos bancários que evidenciem a origem dos recursos financeiros utilizados para as manifestações referidas - cf. doc. de fls.75 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
10.º - Os SIT solicitaram ao ora recorrente, que “em declaração escrita, manifeste, expressamente, se autoriza ou não a Administração Tributária, nos termos da alínea c) do n.º1 do art.63.º - B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários - cf. doc. de fls.75 verso do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
11.º - O ora recorrente no dia 18.12.2013 autorizou a Autoridade Tributária e Aduaneira – Direção de Finanças do Porto, por intermédio do Banco de Portugal à identificação de todas as contas abertas em instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito, bem como o acesso aos extratos, fichas de assinaturas e documentos justificativos dos movimentos a crédito e a débito das contas identificadas pelo ora recorrente junto do Banco…, à data, atual Banco…, Banco Comercial… e Caixa… - cf. doc. de fls.75 verso do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
12.º - Posteriormente em 03.01.2014, o ora recorrente identificou mais três contas bancárias em que foi ou era titular, nomeadamente Caixa…, Banco… e Caixa de Crédito…, relativamente às quais deu autorização voluntária para levantamento do sigilo bancário - cf. doc. de fls.75 verso do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
13.º - Resulta do teor do RIT ínsito PA apenso a este processo que falta justificar por parte do ora recorrente a importância de € 262.960,00 - cf. doc. de fls.77 do RIT, ínsito no PA, apenso a este processo.
14.º - O recorrente exerceu o seu direito de audição em 31.03.2014.
15.º - O RIT concluiu que, não tendo sido demonstrada a afetação concreta dos recursos brotados das referidas fontes financeiras ao concreto acréscimo patrimonial, mantêm-se as correções.
16.º - O ora recorrente foi notificado pessoalmente em 04.04.2014 do RIT e da fixação do rendimento coletável em IRS para o exercício de 2009.
17.º - Na sequência do que apresentou o presente Recurso.
18.º - No ano de 2014 o ora recorrente e o seu pai (A…), reuniram com outros irmãos (do recorrente), de modo a dar-lhes a conhecer, que, o pai fez no ano de 2009 um empréstimo ao ora recorrente, em várias tranches, no valor global de € 190.000,00, situação que ficou registada em documento escrito e assinado - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M… e doc.de fls. 28 a 32 do processo físico.
19.º - A sociedade Real… funcionava como uma bolsa de compra de imóveis e seu eventual arrendamento, não gerando lucros - cf. depoimento de A… e Luc….
20.º - Foi efetuado um levantamento em numerário no valor de € 75.000,00 da conta do ora recorrente n.º 224904040101 sobre o Banco…, ocorrido em 02.03.2009, com vista a precaver a instabilidade que se fazia sentir no Banco… - cf. doc.1, junto com a douta petição pelo recorrente e depoimento da testemunha M….
21.º - O referido levantamento bancário foi efetuado por M… - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M….
22.º - O referido montante foi guardado no cofre da empresa e sempre que necessário era utilizado para proceder a depósitos nas contas da Real… - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M….
23.º - Igual procedimento foi adotado relativamente aos valores resultantes dos empréstimos efetuados ao ora recorrente pelo seu pai (A…) - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M….
24.º - Os valores depositados nas contas da Real… foram-no a título de empréstimo/suprimentos - cf. doc. de fls.117 do processo físico.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação da questão em apreço.
*
Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) que não foram objeto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74.º e 76.º n.º1 da LGT e artigos 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos, conjugados com os depoimentos das testemunhas inquiridas perante este Tribunal.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, cf. art.74.º, n.º1, da LGT.
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, cf. art.516.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável a este processo, por força do disposto no art.2.º, alínea e), do CPPT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº. 371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág. 566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 660 e seg.).
A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cf. Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indiretos na determinação da matéria tributável (cf. A Reforma Fiscal Inadiável, J. Pina Moura e R. Sá Fernandes, Revista Fisco, ano XII, nºs.95/96, Abril de 2001, pág.23 a 25).
O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte, além do mais, os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna.
Ora, in casu, resulta dos documentos juntos pelo recorrente e do depoimento das testemunhas, que efetivamente, o mesmo, fez prova das fontes dos seus rendimentos pessoais, porquanto comprovou a proveniência daqueles valores, apresentando à inspeção tributária documentos e demonstrando, perante este Tribunal, com os documentos juntos com a sua douta petição e o depoimento das testemunhas, essencialmente da testemunha Lígia…, filha do recorrente e, que com ele trabalha à cerca de 15 (quinze) anos, nomeadamente exercendo funções de administração na empresa “M…” e da testemunha M…, irmã do recorrente, que, com ele trabalha desde a constituição das suas empresas e aí desempenha funções de carater administrativo, nomeadamente os contactos diários com as instituições bancárias.
As testemunhas, apesar de próximas do recorrente, (estiveram pela primeira vez em tribunal, na qualidade de testemunha), revelaram um conhecimento direto do que transmitiram a este Tribunal e demonstraram ao longo do seu depoimento coerência, solidez e seriedade, nas afirmações por si proferidas.
Depoimentos esses, que, permitiram a este Tribunal ficar convencido do levantamento por parte da irmã do recorrente, M… do cheque em causa da conta pessoal do recorrente sobre o Banco… em 02.03.2009, atendendo ao receio da situação de instabilidade da instituição bancária, onde o dinheiro se encontrava. Dinheiro, que, foi depositado no cofre da empresa e utilizado quando necessário.
De igual forma, ficou o Tribunal convencido e, deu como provado, o facto de o recorrente ter recebido de seu pai (A…) a título de empréstimo o quantitativo global de € 190.000,00, ao longo do ano de 2009, em várias tranches.
As testemunhas demonstraram ter o pai do recorrente capacidade financeira para proceder aos empréstimos em causa.
Empréstimos que se destinaram essencialmente à empresa “Real…” a título de empréstimos/suprimentos, tendo em conta que, esta sociedade funcionava como uma “bolsa de investimento”, ou seja, adquiria imóveis e eventualmente procedia ao seu arrendamento, não gerando lucros.
As referidas testemunhas, estiveram presentes na reunião que, o pai do ora recorrente fez no ano de 2014, na presença de alguns dos filhos e da neta mais velha, a testemunha Lígia…, onde tomaram conhecimento dos empréstimos efetuados ao recorrente.
A reunião teve como objetivo, dar a conhecer aos restantes herdeiros que o valor em causa, foi emprestado e não dado ao recorrente.
Para que, em caso de morte do pai, os outros filhos, caso o valor em causa ainda não se encontrasse liquidado, não ficassem prejudicados.
Deste modo, a prova dos recursos financeiros obtidos resulta do levantamento do cheque de € 75.000,00 da conta pessoal do recorrente no dia 02.03.2009 e do empréstimo contraído junto de A… (seu pai), em oito tranches, todas em 2009.
O recorrente estabeleceu uma perfeita relação entre a sua capacidade financeira que lhe adveio dos capitais próprios - € 75.000,00 depositados no Banco… e dos capitais alheios provenientes do empréstimo contraído junto de A… e os suprimentos que efetuou à sociedade comercial Real…, Lda.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O Sujeito passivo L… foi sujeito a fiscalização externa iniciada em 8/10/2013 e concluída em 14/3/2014 relativa a IRS do ano de 2009.
Neste ano o sujeito passivo entregou declaração modelo 3 de IRS de que resultou um rendimento coletável de € 36.155,52.
No mesmo ano, efectuou prestações suplementares à sociedade Real… Lda. de que é sócio gerente, no montante global de € 239.610,00 através de depósitos efetuados em numerário.
Efetuada a análise das contas bancárias do sujeito passivo, mediante sua autorização, verificou-se que foram transferidos e depositados na sua conta a quantia de € 210.859,00. E constituiu PPRs no valor de € 12.000,00.
Ou seja, o montante de acréscimo de património ou despesa no ano de 2009 foi de € 462.469,00.
A AT considerou justificada a quantia de € 199.509,00 e por justificar o remanescente: € 262.960,00 = (462.469,00 -199.509,00).
O sujeito passivo “justifica” esta diferença com o levantamento em numerário no valor de € 75.000,00 no dia 2/3/2009, da sua conta sobre o Banco… e empréstimos do seu pai, Sr. A…, também no ano de 2009, no montante total de € 190.000,00 - também em numerário.
Contudo, esta “justificação” não foi aceite pela AT porque o sujeito passivo não estabeleceu uma relação entre aquela capacidade financeira e o montante dos depósitos em numerário efetuados a título de prestações suplementares na sociedade “Real…”, ou seja, não provou que aquelas verbas foram efetivamente alocadas aos depósitos.
Para além disso, verifica-se que o sujeito passivo obteve empréstimos quando a capacidade financeira ainda se não tinha esgotado. Por exemplo, em 4/3/2009 obteve empréstimo (15.000,00) do Sr. A… mas ainda tinha saldo positivo (35.000,00) do levantamento do cheque do Banco… e assim aconteceu em 7/5/2009 (tinha capacidade financeira de € 29.500,00 e recebeu por empréstimo € 20.000,00) e 10/11/2009 (tinha capacidade financeira de € 6.750,00 e recebeu por empréstimo € 30.000,00).
O sujeito passivo não se conformou com a decisão do Exmo. Diretor de Finanças do Porto e recorreu para o TAF de Penafiel.
Reiterou que levantou do Banco… a quantia de € 75.000,00, face à instabilidade que se fazia sentir neste Banco preferindo guardá-lo em cofre e utilizá-lo quando necessitou de proceder aos depósitos em bancos nas contas da “Real…”, o que acrescido aos empréstimos do seu pai no montante total de € 190.000,00 completa a “justificação” não aceite pela AT.
Diz ainda que os valores que depositou na “Real…” foram-no a título de suprimentos e não de prestações suplementares.
Efetuada a produção de prova, a MMª juiz julgou procedente o recurso. Considerou, entre o mais, que “...resulta da matéria de facto considerada provada por este Tribunal, é que os suprimentos em causa foram feitos com recurso a valores provenientes do levantamento em numerário do cheque da conta pessoal - conta n.º 224904040101 sobre o Banco…, do recorrente no valor de € 75.000,00, ocorrido em 02.03.2009 e de € 190.000,00, provenientes de vários empréstimos efetuados pelo seu próprio pai ao longo do ano de 2009 em várias tranches.
Por outro lado, entendemos igualmente que o recorrente demonstrou, através de uma alegação circunstanciada e documentada o percurso concreto dos montantes em causa, demonstrando fazer o trato sucessivo das quantias dispendidas.
Matéria que veio a merecer do Tribunal um juízo probatório afirmativo, como decorre dos factos provados.
Assim, em conclusão, atendendo à factualidade provada, o ora recorrente satisfez plenamente o ónus da prova que sobre si recaía.
Com efeito, não só este provou que correspondia à realidade os rendimentos declarados no ano de 2009 – prova da origem legítima dos rendimentos que lhe permitiram efetuar os suprimentos.
O sujeito passivo, ora recorrente, como a lei impõe demonstrou quer a origem da manifestação de fortuna, quer como é que ela se materializou (sobre esta questão, o acórdão do TCAN de 13.09.2013, proc. n.º 2395/10.9BEPRT.
Pelo que, terá de anular-se o despacho recorrido de 04.04.2014 do Sr. Diretor de Finanças do Porto, por subdelegação, que fixou por avaliação indireta o rendimento tributável de € 299.115,52 do ano de 2009.”

Contra este entendimento se insurge o Exmo. Diretor de Finanças. Defende haver erro na apreciação da prova, em especial no que concerne aos factos provados sob os n.º 22 e 23. Isto porque, diz, a sentença não “retirou dos elementos documentais as necessárias ilações, nem validou de forma adequada as declarações prestadas em audiência de julgamento”, nem “integrou esses elementos probatórios com as regras da normalidade social e com a experiência comum”.

Por outro lado, os documentos 2 e 3 (documento particular em que consta um conjunto de 8 parcelas em dinheiro “emprestados” ao sujeito passivo em 2009 pelo seu pai e “declaração e reconhecimento de dívida e acordo de regularização” assinado pelos dois outorgantes, com data de 25 de março de 2014, relativo às oito parcelas que constituem o “empréstimo”) não provam os factos neles compreendidos nem o trato sucessivo das quantias aplicadas nos suprimentos, nem isso resulta dos depoimentos prestados porque nenhuma das testemunhas inquiridas viu em 2009 o Sr. A… dar dinheiro ao filho, ora recorrido.

Por isso, o Recorrente pugna para que se retirem do probatório os factos provados n.ºs 22 e 23. Fê-lo resumindo os depoimentos das testemunhas, com identificação precisa (minuto e segundo) dos tempos de gravação em que se encontra a parte relevante do depoimento, de que resulta, no seu entendimento, não poderem corroborar tais factos.

Ao contrário do que sustenta o recorrido, a impugnação da matéria de facto foi feita com obediência às regras do art. 640 do CPC, em especial a alínea b) do n.º 1 e alínea a) do n.º 2.
Segundo esta norma legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Ora a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso foi feita, pelo que consideramos ter sido dado cumprimento satisfatório ao ónus de impugnação da matéria de facto como exige o art.º 640º do CPC Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 6213/08.0TBLRA.C1 de 17-12-2014 FALCÃO DE MAGALHÃES
Sumário: I – Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a) do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685º-B do CPC).
II - A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.
III - Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.
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Assim, e entrando já na análise do recurso, cremos que o Recorrente tem razão quanto ao erro probatório subjacente aos factos provados n.ºs 22 e 23 e bem assim quanto à conclusão extraída pela MMª juiz na defesa de que “...resulta da matéria de facto considerada provada por este Tribunal, é que os suprimentos em causa foram feitos com recurso a valores provenientes do levantamento em numerário do cheque da conta pessoal - conta n.º224904040101 sobre o Banco…, do recorrente no valor de € 75.000,00, ocorrido em 02.03.2009 e de € 190.000,00, provenientes de vários empréstimos efetuados pelo seu próprio pai ao longo do ano de 2009 em várias tranches”.
A reanálise da prova - testemunhal e documental -, não nos permite acompanhar a MMª juiz no seu juízo probatório, por várias razões.

Em primeiro lugar, vamos deixar de lado os depoimentos dos Srs. Drs. António…, TOC das sociedades que integram o “grupo” e Luc…, diretor comercial da M…, e amigo do sujeito passivo há cerca de 20 anos, que não sabiam de onde provinha o dinheiro necessário para satisfazer os compromissos da Real…, para nos centrarmos nos depoimentos da Sra. Lígia… e M… que, além de trabalhares na M…, são filha e irmã, respetivamente do sujeito passivo.

O facto de terem para com o sujeito passivo tais relações de parentesco não constitui nenhuma inabilidade para depor (cfr. Art. 495º/1 do CPC e para a descendente a faculdade que o art. 497º CPC lhe confere), nem é isso que se pretende afirmar.

Contudo, também ninguém esperaria que numa causa em que se discute o interesse direto do pai e irmão (a que podemos acrescentar o de “patrão”, sem qualquer rigor jurídico porque as testemunhas não são empregadas do depoente mas sim da sociedade que administra) as testemunhas depusessem de forma contrária aos seus interesses, não obstante prestarem juramento (art. 459º do CPC) e serem advertidas das sanções aplicáveis às falsas declarações.

Isso significa que acrescido à falibilidade própria da prova testemunhal, os depoimentos de familiares próximos devem ser encarados e analisados com redobrada cautela (a decorrente da falibilidade da prova testemunhal e a da natural tendência para a “proteção da família”).

Assim, a credibilidade destes depoimentos depende de muitos fatores (que o juiz aprecia livremente – art. 607º/5 CPC) sendo a sua consonância com a documentação, a par de outros, um critério que pode atestar a sua credibilidade.

O problema é quando a documentação também surge com “falhas” que ditam o seu fracasso no intuito probatório e como fator credibilizador dos depoimentos “parentais” (de parentalidade), chamemos-lhes assim.

Ora bem, a tese central do depoimento da testemunha Sra. D.ª … é de que o Sr. L… (seu pai) pediu dinheiro emprestado, facto que desconhecia até 2014, altura em que o avô convocou uma reunião com os filhos (não foi esclarecido se todos – são cinco – estiveram presentes) e a neta (depoente) para que todos soubessem que havia uma dívida do sujeito passivo e para o caso de acontecer qualquer coisa ao pai (da depoente) ela deveria responder.
Nessa reunião foi assinado o documento que constitui a confissão de dívida.

A Sra. Dª M… depôs no mesmo sentido. Acrescentou ter sido ela que levantou do Banco… (por causa dos problemas associados a este banco) em 2009 a quantia de 75.000,00 euros que ficou no cofre da sociedade que depois ia depositando na conta da sociedade, conforme as necessidades. Também não sabia do empréstimo do pai até à reunião de 2014 em que foi assinado o tal documento de reconhecimento da dívida.

Estes documentos, em especial o documento de “Reconhecimento de Dívida e acordo de Regularização” foi assinado com data de 25 de março de 2014. Mas nada nos garante que esta data corresponda à verdade; é um mero documento particular que não tem qualquer confirmação “oficial”.

Para além disso, o teor do documento aparenta ter sido escrito com o objectivo de servir de prova, como podemos ver das seguintes passagens:

“O primeiro outorgante foi industrial do ramo de mobiliário e que no prosseguimento da atividade lhe sucederam os seus filhos E… e L…u”

Num acordo de regularização de dívida entre pai e filho, que sentido faz a referência ao passado empresarial e depois sucessório, do outorgante?

O documento continua:
“O seu filho L… empossado na gerência empreendeu um plano de reformas das instalações industriais, para o qual necessitou de recorrer a empréstimos bancários e particulares.

Qual o objetivo deste preâmbulo num acordo de regularização de dívida entre pai e filho?
O primeiro outorgante possuindo algumas economias, colocou durante ao ano de 2009 ao serviço do seu filho L… e a seu pedido, um montante de € 190.000,00, sem que até ao presente momento tenha procedido à sua devolução;

Esta introdução merece-nos a mesma observação feita para os anteriores parágrafos.

Importando agora de forma a acautelar o interesse dos restantes herdeiros que o segundo outorgante declare que assume a dívida pelo montante dos créditos que lhe foram disponibilizados pelo primeiro outorgante, é estabelecido:

O primeiro outorgante, durante o ano de 2009, colocou à disposição do segundo outorgante seu filho, por diversas vezes, parcelas em numerário que no seu conjunto totalizam € 190.000,00, que o mesmo destinou ao desenvolvimento da unidade fabril de mobiliário. Por esse facto,
O segundo outorgante confessa-se devedor para com o primeiro outorgante, seu pai, dos montantes por ele recebidos em dinheiro durante o ano de 2009, que perfizeram o valor global de € 190.000,00...”

Ora para além do “erro” quanto ao destino dado às verbas emprestadas que o documento assume terem sido para o desenvolvimento da unidade fabril de mobiliário, quando afinal foram justificadas como suprimentos à Real… (“suprimentos” diz o sujeito passivo, mas na data da fiscalização estavam contabilizados como prestações suplementares) que desenvolve atividade imobiliária, o facto de se tratar de um documento cuja data de celebração é duvidosa e cujo conteúdo visa nitidamente uma leitura probatória, não nos merece qualquer credibilidade.

A mesma falta de credibilidade estendemos ao documento particular (junto à douta petição inicial como documento n.º 2 e que corresponde às entregas fracionadas de dinheiro ao sujeito passivo, uma vez que ambos se inserem na mesma estratégia probatória.

Assim como, tudo conjugado, também não merecem a mínima credibilidade os depoimentos “parentais” que confirmam a celebração do documento, descredibilizando-se uns e outros reciprocamente.

Mas poderia não estar provada a “justificação” relativa ao dinheiro “emprestado” pelo pai do sujeito passivo e estar justificada a relativa ao levantamento da quantia de € 75.000,00.

Contudo, também aqui falhou a prova credível de que tenham sido esses valores utilizados nos suprimentos/prestações suplementares. Desde logo, os “empréstimos” do pai do sujeito passivo e o levantamento do Banco… devem ser vistos em conjunto, porque também foram “mobilizados” em conjunto. Mas como bem se nota no RIT, a alegada obtenção de empréstimos foi efetuada quando a capacidade financeira anterior ainda se não tinha esgotado, pelo que não prova que aquele concreto montante tenha sido afeto à realização da manifestação de fortuna Cfr. acórdão do STA n.º 0567/13 de 08-05-2013 Relator: FERNANDA MAÇÃS
Sumário: I - Para afastar a presunção do nº 3 do art. 89º-A, da LGT, não basta que o contribuinte demonstre que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos rendimentos declarados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização da manifestação de fortuna, exigindo-se que o contribuinte faça prova da relação causal de afectação de certo rendimento à mesma..

Ou seja, devemos concluir, portanto que o Exmo. Diretor de Finanças tem razão quanto ao erro de julgamento devendo, por isso, ser retirados do probatório os factos provados n.º 22 e 23, os quais – relembremos- , dizem o seguinte:

22.º - O referido montante foi guardado no cofre da empresa e sempre que necessário era utilizado para proceder a depósitos nas contas da Real… - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M….
23.º - Igual procedimento foi adotado relativamente aos valores resultantes dos empréstimos efetuados ao ora recorrente pelo seu pai (A…) - cf. depoimento das testemunhas Lígia… e M….

Posto isto, nos termos do artigo 87/1-f) LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando se verifique acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

Verificada tal situação, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (artigo 89º- A, nº 3 da LGT).

Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art.º 90º, que permitam à administração tributária fixar um rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou da despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (art. 89º-A/5-a) LGT.

Para cumprir o ónus probatório que recai sobre o sujeito passivo este tem de provar não só que possuía meios financeiros necessários à realização da “manifestação” tipificada, como também que esses meios foram efetivamente afetos na realização dessa “manifestação” conforme tem entendido a nossa jurisprudência, nomeadamente o STA, e com a qual concordamos inteiramente - cf., entre muitos outros, acórdãos do STA, de 29/1/2014, Processo 35/14; de 8/5/2013 2013, Processo 567/13; de 12/4/2013, Processo 298/12 e de 15/2/2012 Cfr. ac do TCAN n.º 00046/14.1BEPNF de 12-06-2014 Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro

Sumário: I) Estando em causa a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante do art. 89º-A da LGT, de que cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes, pois que ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é manifesto que os Recorrentes não têm razão neste domínio, na medida em que o enquadramento da matéria em apreço tem expressa previsão no art. 97º-A nº 1 al. b) do CPPT, sendo que o valor contestado está relacionado com o alcance da decisão posta em crise no âmbito do presente processo, ou seja, com o valor da matéria colectável fixada e não com o eventual imposto que virá a ser liquidado.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) Na medida em que o recurso ao método indirecto foi fundamentado na alínea f) do artigo 87.º da LGT, norma que estabelece que “a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: … f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”, face à factualidade que vem provada, tem de considerar-se justificado, pois que de acordo com o probatório, os ora Recorrentes não conseguiram provar a origem dos depósitos nas contas bancárias, não tendo fornecido qualquer elemento justificativo para tanto e existe uma divergência apurada, nos anos em apreço, entre as entradas em dinheiro/depósitos e o rendimento declarado em sede de IRS, superior a € 100.000,00, sendo que não pode aceitar-se a tese dos Recorrentes no sentido de que “da leitura do nº.3 do art. 89º A da LGT apenas se infere que o que se exige é a prova da fonte dos fundos e não da origem desses mesmos fundos. E não exigindo a Lei a prova da origem daqueles fundos, não se lhes poderá exigir que provem como é que os adquiriram, uma vez que tais rendimentos poderiam ter sido já sujeitos à tributação nos anos em que foram produzidos”, ou seja, para os Recorrentes basta a alusão à causa dos valores creditados na conta para cumprir com a obrigação estabelecida na lei, quando o que está em causa, em termos essenciais, é afastar a ideia de que tais rendimentos estão sujeitos a tributação, nomeadamente, como referem os Recorrentes, evidenciando que se trata de rendimentos já sujeitos a tributação em devido tempo.
IV) Nesta sequência, e a partir do momento em que a AT fez a prova da verificação dos pressupostos legais do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável que suporta o acto posto em crise, passou então a recair sobre os Recorrentes o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efectuada, sendo que para afastar a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável o contribuinte tem de demonstrar que detinha proventos que não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento, suficientes para assegurar a manifestação de fortuna que estiver na base de tal utilização, só sendo esta afastada se esses proventos chegarem para assegurar a totalidade da manifestação de fortuna em causa, sendo ainda necessário que se demonstre que ela foi efectivamente assegurada com esses bens.

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Como se deixou referido no acórdão do STA, de 29/1/2014, Processo 35/14, a cujo entendimento aderimos e que, por isso, nos limitamos a transcrever, com a devida vénia: “Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A e a sua teleologia, logo resulta claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo.
Como tem vindo a afirmar a jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…) a exigência legal que decorre do art. 89.º-A, n.º 3,
da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para manifestar fortuna.

Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade, totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração; e poderia até usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Dito de outro modo, aqueles que mantivessem meios financeiros não sujeitos a declaração que excedessem o rendimento padrão estariam sempre a salvo da tributação por manifestações de fortuna que fossem evidenciando. Ora, manifestamente, não pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei.

A nosso ver, a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação nesse ano) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.”

Na douta petição inicial o sujeito passivo alega nos artigos 43 e segs.. que procedeu a regularizações voluntárias da ação de inspeção e que o Recorrente em nome próprio e na qualidade de administrador da M… e sócio gerente da Real… acertou no procedimento inspetivo as correções que no ano de 2009 levaram a correções em sede de IRS – capitais – retenções na fonte no valor de € 14.166,67. Esta liquidação ocorreu pelo facto de o Requerente ter assumido que a sociedade M… lhe transferiu o valor de € 85.000,00 considerado pela AT a título de adiantamento por conta de lucros. Tal valor, diz, deve ser levado à conta de correções efetuadas pelo sujeito passivo durante o período de inspeção e levado à conta de crédito fiscal a favor do Recorrente.

Mas estes factos não foram submetidos à AT.
Ora, do ponto de vista do controlo jurisdicional, o tribunal só pode sindicar o acto como resulta do seu teor expresso, não podendo o juiz apreciar o acerto ou desacerto da decisão administrativa com base em fundamentos que a AT não analisou nem lhe foram submetidos, uma vez que o tribunal não se pode substituir à administração na tomada de decisões que (constitucionalmente - art.º 268º/4) só a ela cabem.

Em face do exposto, concluímos que a sentença recorrida não pode manter-se, devendo julgada improcedente o recurso do despacho do Exmo. Diretor de Finanças.



V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso interposto para este TCA, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar improcedente o recurso da decisão do Exmo. Diretor de Finanças.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 13 de julho de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira