Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01890/20.6BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INFARMED, ILEGITIMIDADE, CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

AA--- - SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., com sede no Largo (…), propôs ação administrativa contra o INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P., com sede no Parque da Saúde de Lisboa, Av. do Brasil, n.º 53, 1749-004 Lisboa, pedindo que seja declarada nula ou anulada, e sempre sem qualquer efeito, a deliberação tomada pelo Conselho Diretivo do Réu em 04/06/2020, que deferiu o pedido de transferência da Farmácia (...), “que desde já se requer seja suspensa e relativamente à qual não se devem produzir quaisquer efeitos, designadamente deve ser suspensa a emissão de qualquer Alvará a favor da contrainteressada”, tudo com as legais consequências.
Indica, como contrainteressada, BB---, UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua (…).
Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgado assim:
-Quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 13/01/2021, julga-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolve-se o R. da instância;
-Quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, julga-se procedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolve-se o R. da instância.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

A. Em causa nos presentes autos estão dois atos administrativos, praticados em
momentos temporais distintos:
i. No primeiro momento, de 4 de junho de 2020 há a autorização da entidade recorrida para a transferência do estabelecimento de farmácia da Contrainteressada, tendo a recorrente intentado a ação a reagir contra esta autorização de transferência, invocando, além do mais, nula e sem qualquer efeito, a deliberação que autoriza esta transferência. ii. Num segundo momento, é suscitada a nulidade do da deliberação do Conselho diretivo da recorrida, de 13 de janeiro de 2021, da qual resulta a deliberação de “não cassação do Alvará daquela farmácia”

B. É entendimento da recorrente que o INFARMED estava impedido de legalmente autorizar a transferência de uma farmácia de uma entidade cujo Alvará já não deveria estar em vigor e cuja caducidade estava sob a sua análise desde um momento anterior.

C. E estando, como estava, a decorrer a averiguação das circunstâncias do
encerramento da farmácia, que previamente aquela autorização de transferência haveria de ser apreciada a regularidade do estabelecimento (designadamente se o Alvará deveria ou não ter sido caducado), daí merecer censura e reparo a sentença, quando conhece como conhece das exceções relativas à ilegitimidade e caducidade
do direito de ação.

D. Consta da sentença que a autora foi notificada para, querendo, apresentar réplica em resposta às exceções invocadas na contestação da contrainteressada, a A. nada disse, o que não é correto e leva a que invoque a violação do princípio do contraditório, com a consequente anulabilidade que daí advém.

E. No mais, a deliberação do Conselho Diretivo de 13 de janeiro de 2021, surge, de forma clara, na sequência das reclamações da recorrente e do que esta suscita em sede de Petição Inicial, especificamente nos artigos 13.º e seguintes, que a recorrente concebe no contexto de se “salvar a anterior deliberação que autorizou a transferência sem se ter apreciado aquele circunstancialismo (Vide, a documentação do processo Administrativo designadamente e especificamente Fls 703 / 770 a fls 733/770 (Tomo II/IV)

F. No tocante à legitimidade, entende a recorrente que tem um interesse tutelado por lei, assistindo-lhe legitimidade em sindicar a legalidade quer de ambos os atos em apreço nos autos, seja o que autoriza a transferência da farmácia da Contra Interessada para a freguesia onde sempre teve o seu estabelecimento aberto ao público, seja aquele outro que é praticado subsequentemente para “branquear” o anterior ato, que é um ato ferido de nulidade.

G. Releva para esta análise o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, relativa à titularidade da relação material controvertida, permite que se conclua que no âmbito da impugnação de atos administrativos, é conferida legitimidade ativa a quem é titular de um interesse direto e pessoal, nos termos previstos no artigo 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA e é claro dos autos que a procedência da pretensão da recorrente comportará um claro benefício, vantagem ou utilidade, incluindo de natureza de natureza
patrimonial.

H. A 4 de Junho de 2020, data que a deliberação relativa à autorização de transferência da farmácia é tomada pelo Conselho Diretivo do Infarmed, não só já estava em curso o processo para cassação do Alvará (Vide parecer do Conselho Diretivo N.º 000976/450.10.216, datado de 8 de Abril de 2019, a Fls. 720 a 729/770 Vol II/IV do Processo Administrativo), como a referida entidade tinha conhecimento, (pelo menos desde 05 de Julho 2019, conforme Folhas 23 e 24/143 – Tomo III/IV) que a Farmácia, se encontrava encerrada desde 31/12/2017 e, por isso, não podia ignorar que a deliberação que estava a tomar acerca da transferência da farmácia, não poderia ser tomada sem previamente verificar aquela validade do Alvará.

I. Por isso invoca-se que essa deliberação é tomada com preterição total do procedimento legalmente exigido; porque se impunha que estando a decorrer um processo para cassação do Alvará na mesma entidade, que esta não tivesse autorizado aquela transferência antes de deliberar acerca da cassação do Alvará.

J. No que se refere à exceção conhecida na sentença relativa à caducidade do direito da ação, importa que se atenda que e em causa estão atos cujo desvalor jurídico não se reconduz à anulabilidade, mas antes ao domínio da nulidade, conforme pugna a recorrente.

K. Conforme se expôs, é entendimento da recorrente que a Recorrida estava impedida de deferir o pedido de transferência da farmácia antes de apreciar a validade e caducidade do Alvará da contra interessada, até em face da análise desta caducidade já se mostrar em curso naquele momento e, por isso, a recorrente não concebe que possa ser deferido uma transferência que, atendendo-se à informação que sustenta o parecer do Conselho Diretivo n.º 00976/450.10.216 /(fls. 720 a 729 do Tomo II/IV), há muito que deveria ter sido declarado caducado.

L. E esta falta de apreciação da validade (e caducidade) do Alvará da Farmácia, leva a que naquele momento (4 de junho de 2020) se verificasse o que a Recorrente considerou, desde o primeiro momento, como uma preterição de do procedimento legalmente exigido, o que à luz do disposto no artigo 161.º, n.º 2 do CPA, fere aquela deliberação com a cominação da nulidade.

M. Por isso se invoca que a recorrida, por ser a entidade com competência especifica e exclusiva para aqueles dois atos, não podia ignorar que a deliberação que estava a tomar acerca da transferência da farmácia, não poderia ser tomada sem previamente verificar aquela validade do Alvará.

N. Como é consabido e vem referido na informação que consta de fls. 720 a 729/770 Vol II/IV do Processo Administrativo, o Alvará é o bem mais relevante e essencial de qualquer estabelecimento de farmácia, sem o qual não este não existe.

O. E na situação em apreço, logo em sede de Petição Inicial, é isso que se questiona, o facto da recorrida ter autorizado a transferência de um estabelecimento que naquele momento poderia não ter alvará válido

P. E estando a deliberação de 4 de junho de 2020 ferida de nulidade, é certo que a impugnação deste é tempestiva, com as consequências que daí advém, designadamente em termos de revogação da sentença naquela parte em que conhece da caducidade do direito da ação.

Q. Relativamente a esta matéria relativa à caducidade do Alvará, entende a recorrente que o tribunal deve declarar verificada esta caducidade e, consequentemente, a invalidade dos dois atos sindicados nos autos.

R. Para este feito, dá-se por integralmente reproduzida a Fls. 720 - análise efectuada pela Dra. CC... da qual resulta inequivocamente, quer a verificação dos pressupostos e fundamentos para a cassação do Alvará;

S. Conforme aí vem referido, não resultando qualquer evidência dos autos que o encerramento da Farmácia se tenha devido a uma qualquer causa de força maior, que “em nenhuma circunstância, a farmácia poderá estar encerrada por vontade do proprietário, por um período superior a um ano, sob pena de cassação do alvará” “…a cassação do alvará opera ope legis, já que o decurso do prazo de um ano é facto objetivo.” (Sic)

T. Conforme se extrai desta análise, claramente se conclui que, em nenhuma
circunstância, a farmácia poderá estar encerrada por vontade do proprietário, por um período superior a um ano, sob pena de cassação do alvará.

U. Presidem a este entendimento imperativos de tutela do interesse público - "as farmácias prosseguem uma atividade de saúde e de interesse público e asseguram a continuidade dos serviços que prestam aos utentes"-, in casu, nunca o interesse do proprietário da farmácia, sustentado na sua viabilidade económica, poderia prevalecer.

V. E conforme se expôs, há nos autos evidências claras de que a farmácia está encerrada ao publico desde 31 de dezembro de 2017 e é inequívoco que pelo menos desde 13 de Maio de 2018; resulta, ainda, que este encerramento é inequívoco e manteve-se por mais de um ano.

W. No mais, não se concebe juridicamente a inversão de posição da entidade recorrida, atenta a informação ora referenciada, que consta de fls. 720 a 729 do Tomo II/IV, com aquela outra que fundamenta a deliberação do Conselho Diretivo de 13 de Janeiro de 2021, porquanto esse encerramento não pode ser considerado voluntário, fundamentando-se esta involuntariedade na análise da viabilidade económica da Farmácia.

X. Em face desta análise anterior, a análise e informação que consta da deliberação de 13 de Janeiro de 2021 – que deu origem à peça processual denominada articulado superveniente – de uma forma incompreensivelmente condescendente coloca em crise não só o anterior entendimento da mesma entidade, como faz uma interpretação do conceito indeterminado “livre vontade” com um sentido que, com o necessário e devido respeito, colide com princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, como
são os princípios da legalidade e do interesse publico,

Y. Esta informação, a partir de uma análise não literal da lei - e sem qualquer fundamento, designadamente na letra ou espírito da lei ou, sequer, sem qualquer referência ao que é a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, coloca os interesses do particular acima do que é claramente o interesse publico - contrariando, assim, o que é a jurisprudência dominante acerca deste tema, de que se destaca o citado Ac. TCAN nº 2627, de 17 de Junho de 2016, disponível em www.dgsi.pt, quando sintetiza em sumário que “nunca o interesse do proprietário da farmácia, sustentado na sua viabilidade económica, poderia prevalecer…” as farmácias prosseguem uma atividade de saúde e de interesse público e asseguram a continuidade dos serviços que prestam aos utentes"

Z. Para além do exposto, resulta de fls 23 /143 e 24/143 (Tomo III/IV) que a recorrida Infarmed, desde pelo menos 5 de Julho de 2019 tem conhecimento que Farmácia (...), propriedade da Contra Interessada, se encontrava encerrada voluntariamente desde 31 de Dezembro de 2017 e que por essa razão se encontra numa situação de violação do artigo 39.º e 41.º/3 do DL 307/2007

AA. Estas circunstâncias têm como consequência que atendendo ao princípio da
legalidade e do interesse publico, desde pelo menos esta data que o Infarmed haveria de ter diligenciado no sentido de determinar a cassação do Alvará respetivo

BB. E é claro dos autos que é a ausência de deliberação acerca da caducidade do Alvará que está na origem dos presentes autos; e que enquanto esta deliberação não estivesse tomada, não poderia ser tomada aquela outra que deferiu a transferência da farmácia para a mesma freguesia da recorrente, verificando-se, assim, a nulidade prevista na alínea k) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA

Nestes termos,
E nos mais de direito, sempre com o suprimento que desde já se invoca, deve o presente recurso ser recebido e após a sua legal tramitação considerado procedente, por provado e, consequentemente, proferido acórdão que revogue a sentença proferida e a substitua por outra que declare, além do mais, a legitimidade da recorrente para a impugnação dos dois atos objecto dos autos, tudo com as legais consequências.
A Contrainteressada juntou contra-alegações, concluindo:
A. A douta sentença proferida pelo douto Tribunal a quo decidiu julgar procedentes a excepção dilatória de ilegitimidade activa (quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 13.01.2021) e a excepção dilatória de caducidade do direito de ação (quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do conselho Directivo do Réu de 04.06.2020) absolvendo o
Réu da instância, não merecendo qualquer censura nem reparo.

B. A Recorrente, ao longo das suas alegações, faz uma remissão contínua para matéria de facto que não foi objeto de apreciação, face à correcta procedência das excepções, extravasando, consequentemente, o objeto do presente recurso, não podendo, por conseguinte, ser essa matéria considerada para efeitos de julgamento do recurso.
C. Contrariamente ao invocado pela Recorrente, não existe qualquer violação do princípio do contraditório, porquanto a mesma foi notificada do prazo para apresentação da réplica, pelo douto Tribunal, no dia 06.01.2021, momento a partir do qual se iniciou a contagem do prazo para apresentação da peça processual em causa, sem que a mesma tivesse sido junta aos autos pela Recorrente.
D. Não resulta provado, nem foi demonstrado nos presentes autos pela Recorrente, que a sua reclamação e a invocação da ilegalidade da deliberação que autorizou a transferência da Farmácia (...) (datada de 04.06.2020) originou a deliberação do Recorrido, de 13.01.2021 (não cassação do alvará da Farmácia (...)), constituindo, por conseguinte, uma mera especulação da Recorrente.
E. Não constitui um interesse directo e pessoal - nos termos em que o mesmo se encontra delineado no nosso ordenamento jurídico - a alegação de que a Recorrente beneficia da procedência da impugnação da deliberação datada de 13.01.2021 (não cassação do alvará da Farmácia (...)), na medida em que a sua consequência seria o encerramento do estabelecimento da Contrainteressada. A ser assim, seriam parte legítima na impugnação da deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 13.01.2021 todas as farmácias sediadas em território nacional, o que não se pode conceder.
F. Em momento algum, a Recorrente demonstra ser titular de um interesse directo e pessoal, nomeadamente, no que respeita à deliberação do Recorrido de 13.01.2021, desde logo porque não alega, nem demonstra, que a manutenção da actividade da Farmácia (...), no local onde inicialmente se encontrava sediada, afectaria a sua posição jurídica, não resultando dos presentes autos a invocação de qualquer direito ou interesse na esfera jurídica da Recorrente que seria diretamente lesado com a prolação da deliberação do Recorrido, datada de 13.01.2021 (decisão de não do alvará de Farmácia (...)).
G. A Recorrente, ao longo das suas alegações, confunde ambas as deliberações do Recorrido, fazendo uma leitura conjunta das mesmas, o que não se concebe, uma vez que as mesmas têm de ser apreciadas de forma singular.
H. O vício de preterição do procedimento legalmente exigido apenas foi invocado pela Recorrente em sede de alegações, após ser confrontada com a procedência da excepção da caducidade do direito de acção, não podendo, por conseguinte, ser o mesmo apreciado em sede de recurso jurisdicional, por se tratar de uma questão nova.
I. O art.º 161.º, n.º 2, alínea l) do CPTA fixa a nulidade para os casos em que existe uma preterição total do procedimento legalmente exigido (salvo em estado de necessidade), o que não se verifica no caso sub judice, considerando que o procedimento foi observado, conforme consta do processo administrativo junto aos autos pelo Recorrido, tendo o mesmo decidido pela manutenção do alvará da Farmácia (...) por não se encontrarem reunidos os requisitos com vista à sua cassação. Sendo que não é pelo facto de a conclusão do procedimento administrativo não agradar à Recorrente que o mesmo é considera preterido.
Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a douta sentença na sua totalidade, com todas as legais consequências.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS

Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Da ilegitimidade ativa:
Alega a contrainteressada que, quer relativamente à deliberação de 04/06/2020, quer relativamente à deliberação de 13/01/2021, não está em causa qualquer lesão dos direitos ou interesses da A. merecedores de tutela, pelo que a mesma não tem legitimidade ativa para impugnar as referidas deliberações, nos termos do art.º 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA. No seu entender, a lei não prevê a intervenção da A. no procedimento administrativo em causa, nem tão pouco pondera os seus interesses, uma vez que a farmácia de que é proprietária dista mais de 350 metros da localização para onde a Farmácia (...) pretende ser transferida. Refere que os prejuízos invocados pela A. são eventuais consequências do funcionamento de uma farmácia naquele local, quer o ato que o autoriza seja legal ou ilegal, não sendo possível estabelecer uma ligação direta entre as ilegalidades imputadas aos atos impugnados e a lesão da posição jurídica subjetiva da A., pelo que esta é parte ilegítima na ação.
Vejamos.

Dispõe o art.º 9.º, n.º 1, do CPTA que, “sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. Ora, este preceito, que estabelece o regime geral em matéria de legitimidade ativa, ressalva o regime aplicável às ações de impugnação de atos administrativos (art.º 55.º do CPTA), de condenação à prática de ato devido (art.º 68.º, n.º 1, do CPTA) e ao contencioso dos regulamentos (art.os 72.º e 77.º do CPTA) e da validade e execução dos contratos (art.º 77.º-A do CPTA).
Como vimos, a A. pede, na presente ação, que sejam declarados nulos (ou anulados) dois atos administrativos, a saber: (i) a deliberação do Conselho Diretivo do R. Infarmed de 04/06/2020, que deferiu o pedido de transferência de localização da Farmácia (...), propriedade da contrainteressada, e, bem assim, (ii) a deliberação do mesmo Conselho Diretivo do R. Infarmed de 13/01/2021, que decidiu no sentido da não cassação do alvará daquela Farmácia (...) (o pedido de suspensão dos respetivos efeitos deve ser deduzido, como foi, no âmbito de um processo cautelar e não no âmbito da presente ação principal).
Tem, por isso, aplicação, no caso concreto, o disposto no art.º 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, segundo o qual “tem legitimidade para impugnar um ato administrativo: a) quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ou seja, terá legitimidade para a impugnação de atos administrativos quem demonstre, independentemente de ser parte, ou não, na relação material controvertida, que tem interesse pessoal e direto na anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado.
O regime acima exposto permite-nos, desde já, retirar duas importantes conclusões:
em primeiro lugar, que se pode recorrer a juízo sem se ser titular da relação jurídica administrativa de onde emerge a lesão e, em segundo lugar, que não basta a mera invocação de um qualquer direito ou interesse para, automaticamente, se ter legitimidade ativa, visto ser necessário que esse interesse seja direto e pessoal e, além disso, que seja legítimo, isto é, que tenha a cobertura do direito (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/10/2009, proc. n.º 01054/08, publicado em www.dgsi.pt).

Nesta matéria, refere a doutrina que, por um lado, o interesse pessoal se traduz “na utilidade, benefício ou vantagem, de natureza patrimonial ou meramente moral, que poderá advir da anulação do ato impugnado e que não tem de corresponder à titularidade de um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido, mas também pode resultar da simples invocação de um mero interesse de facto” (cfr. M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Almedina, 2017, p. 373).
Por outro lado, o interesse direto pressupõe que “o demandante tem um interesse atual e efetivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo, permitindo excluir as situações em que o interesse invocado é reflexo, indireto, eventual ou meramente hipotético” (cfr. M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, op. cit., p. 374).
Podemos, pois, afirmar que a indispensável e efetiva ligação entre o autor e o interesse cuja proteção reclama só garante a sua legitimidade quando, por um lado, ocorre uma situação de efetiva lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe direta e imediatamente prejuízos, e, por outro lado, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório. Parte legítima é, assim, todo aquele que retira da anulação do ato impugnado um benefício concreto – patrimonial ou moral – não contrário à lei, que direta e imediatamente se reflete na sua esfera jurídica pessoal. E, a contrario, não gozam de legitimidade aqueles cujo interesse não é direto nem imediato, traduzindo-se, por isso, a tutela requerida num benefício atual mas meramente hipotético e longínquo (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/10/2009, acima citado).
Encontrando-nos, como vimos, no âmbito de uma ação impugnatória em que o interesse alegadamente atingido é de natureza individual, vejamos se os factos invocados pela A. como justificativos da sua legitimidade podem ser reveladores da titularidade de um interesse direto e pessoal na declaração de nulidade ou anulação dos atos impugnados.
No que respeita à deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, que deferiu o pedido de transferência de localização da Farmácia (...), alega a A. que, distando as freguesias de Febres (onde se localiza a Farmácia (A), sua propriedade) e Barracão (para onde a Farmácia (...) pretende ser transferida, tal como autorizado pelo ato impugnado) apenas 2,5km uma da outra, a sua farmácia será claramente prejudicada, com perda de clientela, ficando, consequentemente, lesada em muitos dos seus interesses, caso a transferência da Farmácia (...) se venha a concretizar. Conclui, por isso, que tal ato colide com o direito de todos os interessados na instalação de farmácias, designadamente com os seus próprios direitos, atenta a localização da Farmácia (A).
Ou seja, a A. alicerça a sua legitimidade para impugnar a deliberação que autorizou a transferência da farmácia da contrainteressada na circunstância de vir a ser diretamente prejudicada com essa alteração de localização, na medida em que a sua farmácia distará daquela apenas 2,5km, o que lesará, segundo alega, os seus direitos e legítimas expectativas, já que, sendo uma farmácia próxima, perderá clientela com a concretização da transferência assim autorizada pelo ato aqui sindicado.
E julgamos que, de facto, esta alegação permite concluir no sentido da legitimidade da A. para impugnar a deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020.
Considerando o modo como a A. configura a presente ação e compulsada a causa de pedir invocada na petição inicial, afigura-se-nos evidente e atual o benefício que lhe poderá advir da declaração de nulidade ou anulação do referido ato, na medida em que é proprietária e explora um estabelecimento de farmácia que se situa nas proximidades do local em que irá ocorrer a instalação da farmácia objeto do ato de deferimento do pedido de transferência, com a inerente sujeição a um decréscimo dos proveitos (a invocada perda de clientela), por via da concorrência que se irá necessariamente estabelecer entre ambas.
Não colhe, neste ponto, a nosso ver, o argumento da contrainteressada no sentido de que a A. não poderá fundamentar a sua legitimidade na lesão dos seus direitos e interesses, provocada pelo ato sindicado, por ambas as farmácias passarem a distar 2,5km, quando o próprio diploma que regula a transferência de farmácias e o respetivo averbamento no alvará (Portaria n.º 352/2012, de 30/10) estipula que a transferência de farmácia no município deve assegurar uma distância mínima de 350 metros entre farmácias, pelo que a lei apenas tutela as farmácias que distem da nova farmácia em 350 metros ou menos (caso em que a farmácia pré-existente teria de dar o seu consentimento escrito).

Com efeito, a referida Portaria apenas fixa um requisito de distância mínima de 350 metros entre farmácias, de modo a assegurar, como a própria contrainteressada reconhece, os interesses económicos das farmácias concorrentes e de modo a proteger a racionalidade do interesse público inerente à atividade farmacêutica de dispensa de medicamentos, mas nada nos diz quanto à possível afetação, ou não, do negócio dos estabelecimentos situados nas imediações, embora para lá da referida distância mínima de 350 metros (cfr., neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/02/2020, proc. n.º 223/19.9BEALM, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/09/2013, proc. n.º 00224/13.0BECBR, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Note-se, aliás, que o legislador utilizou um distinto critério legal no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, de 01/08, norma transitória segundo a qual, “em casos devidamente fundamentados em razões de proteção da saúde pública, de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população de determinado local ou de respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode, no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do presente diploma, mediante proposta do INFARMED, autorizar a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia, desde que em local situado a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município”.
Temos, assim, que a A. revela deter um interesse direto e pessoal na impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, que deferiu o pedido de transferência de localização da Farmácia (...), e, como tal, tem legitimidade para pedir a declaração da sua nulidade/anulação, à luz do art.º 55.º, n.º 1, alínea a), do CPTA.
Diferente solução merece, todavia, a questão da legitimidade ativa para impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 13/01/2021, que decidiu no sentido da não cassação do alvará da Farmácia (...).
Isto porque, compulsado o requerimento em que a A. aduz os fundamentos em que alicerça a sua pretensão impugnatória dirigida contra este segundo ato (requerimento de ampliação da instância), não se vislumbra a alegação de qualquer direito ou interesse, na sua esfera jurídica, que seria direta e imediatamente lesado com a prolação desta deliberação.
Com efeito, a A. não foi diretamente parte no procedimento que levou à prolação da deliberação sub judice, isto é, a A. é alheia ao procedimento encetado entre a contrainteressada e o R. e que culminou na deliberação de não cassação do alvará daquela, tramitado à luz do que dispõe o art.º 41.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08. De facto, não resulta alegado que a A. tenha, por exemplo, por qualquer meio, requerido a cassação do alvará da Farmácia (...), pelo que o ato final de 13/01/2021 nem sequer lhe era destinado. De salientar que, nos termos da informação/proposta n.º 03252/450.10.216, elaborada em 12/11/2020, com o assunto “Proposta de cassação do Alvará n.º 5198 da Farmácia (...), por violação do prazo notificação e reabertura após encerramento voluntário durante 1 ano e manutenção da reabertura pelo prazo mínimo de um ano”, já havia sido ordenada uma inspeção à Farmácia (...) por despacho superior de 24/05/2019, tendo em vista, precisamente, avaliar da possibilidade/necessidade de cassação do alvará, inspeção que foi realizada em 04/07/2019 (cfr. doc. de fls. 51, no verso, a 54 do suporte físico do processo). Acresce que a A. apenas teve uma intervenção ou participação direta no âmbito do procedimento (distinto) iniciado com o pedido de transferência da Farmácia (...), mediante a apresentação de uma “reclamação”, em 09/09/2020, contra a deliberação de 04/06/2020, procedimento esse regulado pelo art.º 26.º do Decreto-lei n.º 307/2007, de 31/08, e pela Portaria n.º 352/2012, de 30/10 (cfr. doc. de fls. 13 do suporte físico do processo).
Por outro lado, a propósito da impugnação da deliberação de 13/01/2021, a A., na verdade, limita-se a reiterar que a sua pretensão é legítima, “desde logo porque é a proprietária da única Farmácia da freguesia de Febres, para a qual aquela outra pretende mudar-se”, num concelho “em que o índice deste estabelecimento especializado é muito elevado”; bem como que a transferência da localização da Farmácia (...) foi conseguida “no contexto que resulta dos autos, que no entendimento da Autora é em clara violação do quadro legal aplicável e que tem como consequência (…) colocar em causa muito da vida da autora, que está dimensionada – por exemplo, em termos de número de postos de trabalho – a uma realidade que será condicionada com a viabilização da transferência da Farmácia (...) para a freguesia onde está instalada”.

Por outras palavras, a A. renova, no âmbito da impugnação da deliberação de não cassação do alvará da farmácia da contrainteressada, os argumentos em que antes estribara a sua legitimidade para impugnar a deliberação que autorizou a transferência desta farmácia (perda de clientela e decréscimo de proveitos), sem invocar, portanto, uma situação de efetiva lesão, que se repercute na sua esfera jurídica e que lhe causa direta e imediatamente prejuízos, adveniente da decisão, propriamente dita, de não cassação do alvará da Farmácia (...). Ou seja, a A. não alega qualquer benefício concreto, refletido direta e imediatamente na sua esfera jurídica pessoal, da eliminação da ordem jurídica da deliberação que decidiu a não cassação do alvará daquela farmácia. Os prejuízos/danos que a A. alega advêm, todos eles, da manutenção na ordem jurídica da deliberação que autorizou a transferência da mesma farmácia para uma localização próxima daquela onde a sua farmácia já se encontra instalada – e em relação à qual vimos já que a A. detém legitimidade para a sua impugnação –, o que significa que o verdadeiro ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da A. é, apenas, a deliberação que deferiu o pedido de transferência da localização da Farmácia (...). É somente a respeito deste ato que a A. alega, como se disse, ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada (ou vir a ser lesada) nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Em rigor, considerando os vícios (de violação de lei) apontados à deliberação de 13/01/2021, temos que a A. invoca um proveito abstrato e genérico que decorre da mera reposição da legalidade, que terá sido alegadamente violada pelo ato em apreço.
Os danos e prejuízos invocados pela A., os quais, para si, revelam o seu interesse direto e pessoal na demanda, não resultam, como vimos, das ilegalidades que imputa à deliberação de 13/01/2021, na medida em que, mesmo que esta deliberação fosse legal (isto é, mesmo admitindo que o alvará da Farmácia (...) foi sempre válido e não devia ter sido cassado), a A. iria sofrer tais prejuízos da mesma forma, ao concretizar-se a transferência dessa farmácia ao abrigo da deliberação de 04/06/2020 (essa sim, potencialmente lesiva dos seus direitos e interesses). Os prejuízos invocados pela A. são consequência da transferência da Farmácia (...) para uma localização próxima do seu estabelecimento e, portanto, do funcionamento de mais uma farmácia concorrente nas imediações, tal como autorizada pela deliberação de 04/06/2020, também reputada de ilegal; não são consequência direta e imediata (mas, no limite, meramente reflexa e eventual) da não cassação do alvará da Farmácia (...), tal como determinado na deliberação de 13/01/2021, a qual, por si só, não é suscetível de dar origem a uma efetiva lesão na esfera jurídica da A. (pois que apenas determina a possibilidade de a Farmácia (...) continuar em funcionamento, seja em que localização for) e, por isso, também não dá origem a uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório aqui em apreço.
É certo que ambas as deliberações têm efeitos no funcionamento e exploração da Farmácia (...). Mas não é por isso que a A., como terceira, detém automaticamente legitimidade para impugnar toda e qualquer deliberação que tenha por objeto aquela outra farmácia, propriedade da contrainteressada, sendo necessário, como vimos, que o ato em causa tenha lesado, de algum modo, os direitos ou interesses legalmente protegidos da A., pois que só assim se demonstra a indispensável titularidade de um interesse direto e pessoal na eliminação jurídica desse ato e, em consequência, a legitimidade processual para o impugnar em juízo. E não menos certo é que, das duas deliberações ora sindicadas, apenas a deliberação que autorizou a transferência da Farmácia (...) para uma nova localização, situada nas proximidades da Farmácia (A), é, atento o seu teor e os seus efeitos, potencialmente lesiva dos invocados direitos ou interesses legalmente protegidos da A.
Veja-se, numa situação paralela, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/09/2020 (proc. n.º 576/20.6BELSB-A, publicado em www.dgsi.pt), segundo o qual, “não sendo o contencioso administrativo de impugnação de atos um contencioso de mera legalidade – exceção feita à ação pública, como já referido – o interesse direto e pessoal na demanda, que se manifesta na lesão que se repercutirá na esfera jurídica do particular interessado, tem de se revelar como uma consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s) e não como consequência meramente eventual. Não basta alegar que as normas ou os atos jurídicos são ilegais, sendo ainda necessário estabelecer, mesmo que sumariamente, um nexo causal entre essa ilegalidade, a lesão invocada pelo autor e a tutela reclamada para essa mesma lesão. Não sendo possível estabelecer uma ligação direta entre as ilegalidades imputadas ao(s) ato(s) impugnado(s) e uma lesão da posição jurídica subjetiva da Recorrente, que, aliás, não foi invocada (…), não sendo possível estabelecer uma relação de causalidade entre a ilegalidade de tal(ais) ato(s) e os prejuízos invocados, imperioso se torna concluir que a alegação da Recorrente é de pendor marcadamente objetivo e não subjetivo -, razões pelas quais esta carece de legitimidade ativa na demanda em apreço”.
Assim sendo, não é possível afirmar que a A. tem legitimidade para intentar a presente ação administrativa, no que respeita (unicamente) ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 13/01/2021, uma vez que a mesma não alega (nem demonstra) ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como exige e impõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 55.º do CPTA.
Impõe-se, pois, concluir pela procedência da exceção de ilegitimidade ativa, circunscrita ao pedido de declaração de nulidade/anulação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 13/01/2021, a qual configura uma exceção dilatória, insuprível, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição, nessa parte, do R. da instância [cfr. art.º 89.º, n.os 2 e 4, alínea e), do CPTA].

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No que concerne ao pedido de impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, as partes são legítimas e encontram-se devidamente patrocinadas.
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Da caducidade do direito de ação:
Alega a contrainteressada que, sendo os vícios invocados contra a deliberação de 04/06/2020 geradores de mera anulabilidade, o respetivo prazo de impugnação seria sempre de três meses, nos termos do art.º 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, contados da data da sua publicação pelo R. Infarmed. O que significa que, tendo essa publicação ocorrido no dia 09/06/2020, o prazo de impugnação do ato em causa terminou no dia 09/09/2020, pelo que a presente ação, instaurada em 19/10/2020, é intempestiva.
Para apreciação desta questão importa ter presente a seguinte factualidade, que se encontra provada face ao teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso (junto ao processo cautelar n.º 1890/20.6BELSB-A), nos termos expressamente referidos no final de cada facto:
1) Através de requerimento submetido no dia 15/01/2020, a Farmácia (...), sita no Largo (…), propriedade da contrainteressada e titular do alvará n.º 5198, solicitou, junto do R., a transferência definitiva das suas instalações para a Rua (…), concelho de Cantanhede, ao abrigo do art.º 20.º da Portaria n.º 352/2012, de 30/10 (cfr. docs. de fls. 1 a 3 e 12 a 15 do tomo I do processo administrativo).
2) Em 27/05/2020 foi elaborada a informação/proposta n.º 01523/450.10.216, da qual consta o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 44 a 46 do tomo I do processo administrativo).
3) Em reunião de 04/06/2020, o Conselho Diretivo do R. deliberou aprovar a proposta de decisão constante da informação/proposta que antecede, no sentido do deferimento do pedido de transferência das instalações da Farmácia (...) para a Rua de (…), concelho de Cantanhede (cfr. doc. de fls. 44 a 46 do tomo I do processo administrativo).
4) Em 09/06/2020 foi publicada, no sítio da internet do R., a deliberação de deferimento do pedido de transferência da Farmácia (...), referida no ponto anterior, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(cfr. doc. de fls. 12 do suporte físico do processo).
5) Através de e-mail enviado ao R. em 09/09/2020, a A. expôs e solicitou o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 2 do tomo II do processo administrativo).
6) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 16/10/2020 (cfr.
doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
*
Vejamos.
Como decorre do pedido e da causa de pedir formulados na petição inicial, está em causa, nos presentes autos, ação administrativa cujo objeto é a impugnação, além do mais, da deliberação do Conselho Diretivo do R. Infarmed de 04/06/2020, que deferiu o pedido de transferência de localização da Farmácia (...), propriedade da contrainteressada.
Como fundamento da sua pretensão impugnatória, a A. assaca ao ato impugnado, no essencial, diversos vícios de violação de lei, a saber: erro nos pressupostos de facto (porque a Farmácia (...) não encerrou no dia 13/05/2018, nem reabriu no dia 13/05/2019, encontrando-se encerrada desde, pelo menos, janeiro de 2018 e até aos dias de hoje); erro nos pressupostos de direito (estando a Farmácia (...) encerrada voluntariamente há mais de um ano, cessou qualquer direito de reabertura e transferência dessa farmácia, nos termos do disposto no art.º 41.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31/08); preterição de formalidades essenciais (solicitação de informações concretas à Freguesia e Município e notificação dos proprietários das farmácias mais próximas para se pronunciarem sobre o pedido de transferência); violação de princípios fundamentais do ordenamento jurídico, como sejam os princípios da legalidade, proporcionalidade, confiança e boa-fé; falta de fundamentação; e violação de normas legais imperativas, previstas no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31/08, e na Portaria n.º 352/2012, de 30/10. Pede, a final, a declaração de nulidade ou anulação do ato assim impugnado.
Por conseguinte, o regime e o prazo de caducidade da presente ação decorrem do disposto nos art.s 58.º e 59.º do CPTA.
A este respeito, dispõe o n.º 1 do art.º 58.º do CPTA que, “salvo disposição legal em
contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) um ano, se promovida pelo Ministério Público; b) três meses, nos restantes casos”. Este prazo “só corre a partir da data da notificação [do ato] ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória”. Por outro lado, “o prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr a partir de um dos seguintes factos: a) quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado deva produzir efeitos; b) quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar” (art.º 59.º, n.os 2 e 3, do CPTA) (sublinhado nosso). Importa, ainda, ter presente que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar” (art.º 59.º, n.º 4, do CPTA).

No caso dos autos, as concretas ilegalidades que a A. imputa à deliberação impugnada de 04/06/2020 são cominadas, ao contrário do que a mesma alega, apenas com o desvalor da anulabilidade, na medida em que só são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, como decorre do art.º 161.º, n.º 1, do CPA. E o certo é que os invocados vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e direito, por preterição de formalidades essenciais, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, confiança e boa-fé, por falta de fundamentação e por violação de normas imperativas, previstas no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31/08, e na Portaria n.º 352/2012, de 30/10, não se integram em nenhuma das situações a que o legislador faz corresponder a sanção de nulidade, previstas no art.º 161.º, n.º 2, do CPA. Aliás, quanto a este último vício, não resulta sequer dos diplomas legais em causa a sanção expressa de nulidade para os atos que contrariem ou violem as respetivas disposições. Assim, à luz das ilegalidades que lhe são assacadas pela A., estamos perante um ato administrativo meramente anulável, nos termos do art.º 163.º, n.º 1, do CPA.
Temos, pois, que à situação dos autos é aplicável o prazo de três meses para a propositura da presente ação, no que concerne ao pedido de impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, nos termos do art.º 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (cfr., entre outros, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 08/02/2013, proc. n.º 00235/11.0BEPNF, e de 05/04/2013, proc. n.º 00503/04.8BEVIS, publicados em www.dgsi.pt).
No que se refere ao modo de contagem do referido prazo de três meses, estabelece atualmente o n.º 2 do art.º 58.º do CPTA que “os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte”, o que significa, portanto, que os mesmos passam, ao contrário do que sucedia anteriormente, a não se suspender em férias judiciais.
A questão que ora se coloca prende-se com saber qual o momento a partir do qual se começa a contar o aludido prazo de impugnação contenciosa, considerando que a A. defende que apenas em 09/09/2020 teve conhecimento daquela deliberação, por via do que um cliente lhe transmitira.
Não é controvertido que, tratando-se de um ato que deferiu o pedido de transferência de uma farmácia que foi formulado pela respetiva proprietária, a A. não era, de nenhuma forma, a direta destinatária do ato, pelo que não tinha de ser do mesmo pessoalmente notificada. A A. era somente terceira interessada no procedimento e na decisão final, como proprietária de uma farmácia situada nas imediações do local pretendido para a transferência daquela outra farmácia (o que decorre, igualmente, da solução contida no art.º 21.º, n.º 1, parte final, da Portaria n.º 352/2012, de 30/10, como veremos infra). Nessa medida, tem aqui aplicação o disposto no n.º 3 do art.º 59.º do CPTA, segundo o qual “o prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr a partir de um dos seguintes factos: a) quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado deva produzir efeitos; b) quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.
Neste contexto, cumpre ter em atenção o que vem previsto no art.º 21.º da Portaria n.º 352/2012, de 30/10. De acordo com este normativo, “o INFARMED, I.P., analisa os documentos referidos no artigo anterior, decide, no prazo de 30 dias a contar da respetiva apresentação e descontado o período necessário para a obtenção dos pareceres obrigatórios, sobre a aptidão ou inaptidão da proposta de nova localização da farmácia, de acordo com os requisitos e condições previstos na lei, e notifica, em 10 dias, o proprietário da farmácia” (n.º 1). Acresce que, na mesma data da notificação, o Infarmed “divulga no seu sítio da Internet a decisão sobre o pedido de transferência da farmácia e de aptidão ou inaptidão da proposta referida no número anterior” (n.º 2). Ou seja, dúvidas não há de que a decisão final sobre o pedido de transferência de instalações de uma farmácia se encontra sujeita a publicação obrigatória no sítio da internet do R. Infarmed.
E foi isso que sucedeu no caso dos autos, pois que da factualidade provada resulta que, em 09/06/2020, foi publicada, no sítio da internet do R., a deliberação de deferimento do pedido de transferência da Farmácia (...) (cfr. ponto 4 dos factos provados).

Por conseguinte, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art.º 59.º do CPTA, o prazo de três meses para impugnação da deliberação de 04/06/2020 começou a contar-se da data em que essa deliberação (o ato publicado) devia produzir efeitos.
Ora, determina o art.º 155.º do CPA que “o ato administrativo produz os seus efeitos desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada” (n.º 1), sendo que “o ato considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo” (n.º 2). Ademais, “a falta de publicação do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia” (art.º 158.º, n.º 2, do CPA).
Por conseguinte, não resultando do teor da deliberação de 04/06/2020 que lhe tenha sido atribuída eficácia retroativa, diferida ou condicionada e na medida em que a sua publicação, obrigatória, era condição da respetiva eficácia, o prazo para a sua impugnação contenciosa começou a contar-se a partir da data da referida publicação, a qual ocorreu, como vimos, no dia 09/06/2020 (cfr. pontos 2 a 4 dos factos provados), não sendo, pois, relevante, in casu, à luz dos critérios legais aplicáveis à contagem daquele prazo, a data em que a A. alegadamente teve conhecimento da deliberação (o que terá ocorrido em 09/09/2020).
Assim, o prazo de três meses para a propositura da presente ação, no que à deliberação de 04/06/2020 especificamente concerne, iniciou-se no dia 10/06/2020 [art.º 279.º, alínea b), do Código Civil, aplicável ex vi art.º 58.º, n.º 2, do CPTA] e terminou no dia 10/09/2020, quinta-feira.
Acresce que não ocorreu qualquer suspensão do prazo, nos termos do art.º 59.º, n.º 4, do CPTA, pelo que a presente ação deveria ter sido proposta até ao dia 10/09/2020.
Com efeito, não se ignora que, através de e-mail enviado ao R. em 09/09/2020 (na iminência do termo do prazo de impugnação contenciosa), a A. veio “contestar a decisão” que autorizou a transferência da Farmácia (...), alegando que esta “se encontrava encerrada no ano de 2018 por um período de um ano com términus em janeiro de 2019”, pelo que, “não tendo a referida Farmácia voltado a reabrir até à presente data”, “a decisão tomada por Vossas Excelências constitui uma violação do estipulado na lei, pedindo por isso que revoguem a transferência da Farmácia (...) publicada em 09/06/2020” (cfr. ponto 5 dos factos provados).
Tal requerimento deve ser entendido como uma reclamação contra a deliberação de 04/06/2020, dirigida ao próprio autor do ato (o R. Infarmed), nos termos do art.º 191.º, n.º 1, do CPA. Ora, “quando a lei não estabeleça prazo diferente, a reclamação deve ser apresentada no prazo de 15 dias”, prazo esse que se conta a partir da data da publicação obrigatória da deliberação em causa, ou seja, a partir de 09/06/2020 (cfr. art.os 188.º, n.os 1 e 2, e 191.º, n.º 3, do CPA).
Sucede que, no caso dos autos, quando a A. apresentou a aludida reclamação, em 09/09/2020, já há muito que havia decorrido o prazo de 15 dias (úteis) para dela reclamar administrativamente – contado, como se disse, a partir de 09/06/2020.
Assim, e como tem sido entendido pela jurisprudência, a reclamação apresentada pela A. contra a deliberação de 04/06/2020, porque intempestiva, deduzida já fora do prazo de que aquela dispunha para o efeito, não tem a virtualidade de fazer suspender o prazo de impugnação contenciosa do referido ato administrativo, à luz do art.º 59.º, n.º 4, do CPTA (cfr., neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04/11/2008, proc. n.º 0691/08, e de 12/11/2008, proc. n.º 0746/08, publicados em www.dgsi.pt).
Aqui chegados, resulta do probatório que a petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 16/10/2020 (cfr. ponto 6 dos factos provados), pelo que é forçoso concluir que, no que concerne ao pedido de impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do R. de 04/06/2020, a ação é intempestiva, porque interposta fora de prazo.
Uma última nota para referir que, à data em que o ato foi praticado e publicado e se iniciou e terminou a contagem do respetivo prazo de impugnação contenciosa, já não estava em vigor nenhuma medida de suspensão de prazos derivada da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. De facto, o art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, determinou, como se sabe, com efeitos a 09/03/2020, a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. No entanto, tal regime excecional de suspensão de prazos cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29/05, o que ocorreu em 03/06/2020, mediante a revogação daquele art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03.
Ante todo o exposto, considerando a extemporaneidade da propositura da presente ação, impõe-se concluir pela procedência da exceção de caducidade do direito de ação, circunscrita ao pedido de declaração de nulidade/anulação da deliberação de 04/06/2020.
A caducidade do direito de ação configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância [cfr. art.º 89.º, n.os 2 e 4, alínea k), do CPTA].
*
Com a procedência das exceções dilatórias acima analisadas, as quais abrangem a totalidade dos pedidos formulados nesta ação, fica, naturalmente, e como se disse supra, prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
X

Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim,
Liminarmente importa referir que a Recorrente, nas suas alegações, não se debruça sobre o teor da sentença recorrida, persistindo, ao invés, em invocar e alegar factos, que não chegaram a ser apreciados, face à procedência liminar das excepções, conforme se irá expor infra.
A sentença proferida decidiu:
a) Julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa, quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 13.01.2021, absolvendo o Réu da instância; e
b) Julgar procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, quanto ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do conselho Directivo do Réu de 04.06.2020, absolvendo, igualmente, o Réu da instância.
Naturalmente que com a procedência das excepções supramencionadas, ficou prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
Como tal o presente recurso deveria debruçar-se, meramente, sobre a matéria referente às excepções e não sobre matéria de facto que não chegou a ser apreciada pelo Tribunal a quo, em face da procedência da matéria de excepção.
Cumprindo, desde já, salientar que, ao longo de todas as suas alegações, a Recorrente faz alusão e remete para matéria de facto não apreciada, extravasando, consequentemente, o objeto do presente recurso. Sendo certo que, toda a invocação que remete para a matéria de facto não apreciada, não poderá ser considerada para efeitos de decisão do presente recurso.
Da invocação da falta de notificação para apresentação de réplica e violação do princípio do contraditório -
Refere a Recorrente que não foi notificada para apresentar réplica em resposta às exceções invocadas pela Contrainteressada, em sede de contestação. Invocando, por esse motivo, a violação do princípio do contraditório.
Ora, decorre do art.º 85.º-A, n.º 1 do CPTA, que “é admissível réplica para
o autor responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na
contestação (...)”. Estipulando, por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo que “A
réplica em resposta a exceções é apresentada no prazo de 20 dias (...) a
contar da data em que seja ou se considere notificada a apresentação da
contestação”.
A Recorrente foi notificada, pela própria Contrainteressada, da dedução da contestação, através da plataforma SITAF, em 14-12-2020 (ref.ª Sitaf 005074684), data em que a mesma deu entrada nos autos e em que se procedeu à junção da peça processual em causa e dos respectivos documentos. Salientando-se que as excepções, aí invocadas, encontravam-se devidamente individualizadas no corpo da contestação.
Por outro lado, e contrariamente ao que alega, a Recorrente foi notificada,

num segundo momento, pelo Tribunal a quo, em 06.01.2021 (refª Sitaf

005074690), da junção da contestação por parte da Contrainteressada.

Tendo, inclusivamente, sido notificada de que dispunha do prazo de 20 dias

para apresentação de réplica.

Assim, é manifesto que o prazo para apresentação da réplica, com vista à
resposta às excepções é de 20 dias, a contar da data em que seja ou se
considere notificada a apresentação da contestação, tendo a Recorrente sido
devidamente notificada dessa apresentação.
Ao ser notificada da apresentação da contestação, cabia à Autora proceder à análise da mesma e, caso assim o entendesse, deduzir a competente réplica em resposta às excepções, o que, no caso concreto, não sucedeu.
Mais se diga, no que a este ponto respeita, que o art.º 85.º-A foi aditado na
revisão de 2015, marcando uma especificidade face ao processo civil considerando que, enquanto no Código de Processo Civil a réplica assume um carácter meramente residual, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos a réplica surge como articulado próprio para responder à matéria de excepção. Veja-se a este propósito o Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Anotações PráticasCódigo de Processo nos Tribunais Administrativos – Anotações Práticas, com coordenação de Carlos José Batalhão, da editora Edições Almedina, S.A. , o qual, na sua página 200, no ponto I dos Comentários, refere: “Ou seja, no processo administrativo, a réplica assume-se como um articulado que concentra todas as finalidades que no processo civil estão dividas entre a audiência prévia e a (excecional) réplica”, continuando, no ponto II, do seguinte modo:
“Neste preceito é, assim, configurada a defesa por via da réplica, de forma ao Autor responder - ao abrigo do contraditório - às exceções deduzidas na contestação e à matéria reconvencional.”
Por sua vez, o ponto IV da obra supramencionada esclarece que o n.º 3 do art.º 85.º -A do CPTA prevê dois prazos distintos, ambos a contar da notificação da contestação efectuada pela secretaria, que no caso teve lugar em 06-01-2021. Vide Código de Processo os Tribunais Administrativos – Anotações Práticas, com coordenação de Carlos José Batalhão, da editora Edições Almedina, S.A., página 201.
Desatende-se, pois, esta argumentação da Recorrente.
Por outro lado, refere a Recorrente que, atendendo ao conteúdo da Resposta
(que não se localiza nos autos) e do Articulado Superveniente (apresentado
a 14-06-2021), a mesma se pronunciou acerca das excepções.
Diga-se, antes de mais, que a Recorrente apresentou o articulado superveniente em 14-06-2021 e que, da análise efectuada ao mesmo, não se vislumbra a sua pronúncia quanto às excepções invocadas.
E mesmo que assim não fosse, certo é que existe uma notificação processual, concretamente determinada para o efeito, um articulado próprio - réplica - que não coincide com o articulado superveniente, assim como um prazo processual legalmente definido para a sua submissão.
Ora, no caso posto, a Recorrente não observou os mesmos, nem respeitou o preceito legal supramencionado (85.º-A do CPTA).
De facto, existindo uma peça processual cuja finalidade é a pronúncia da
Recorrente quanto às excepções invocadas em sede de contestação e
inexistindo qualquer peça processual da autoria da Autora no prazo
concedido para a apresentação de réplica (ainda que fosse com outra
denominação), não é, de todo, exigível ao Tribunal que indague, se a parte
se pronunciou, noutras peças processuais, quanto às mesmas ou se a mesma
optou por não deduzir a competente réplica.
Sendo certo que a observância dos prazos legais e processuais, assim como a dedução das peças processuais competentes, são ónus que recaem, exclusivamente, sobre as partes.

Termos em que não assiste qualquer razão à Recorrente quanto a esta matéria, uma vez que foi notificada da contestação e não apresentou réplica. Inexistindo, por conseguinte, a alegada violação do princípio do contraditório.
E o que dizer das excepções que o Tribunal a quo julgou procedentes?
Da excepção dilatória de ilegitimidade activa -
Refira-se, antes de mais, que tudo quanto foi alegado pela Recorrente, em sede de alegações, cujo teor versa sobre matéria de facto não apreciada pelo Tribunal recorrido - e, como tal, controvertida - tem de ser totalmente desconsiderada por este tribunal ad quem.
Assim, andou bem o Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 13.01.2021, que consubstancia a decisão de não cassação do alvará da Farmácia (...), da qual a contrainteressada é proprietária.
A Recorrente sustenta, nas suas alegações, que em causa estão imperativos de tutela do interesse público e que nunca o interesse do proprietário da farmácia, sustentado na sua viabilidade económica, pode prevalecer.
Ora, o que a Recorrente faz ao longo de todo este processo é, precisamente,
colocar o seu interesse, enquanto proprietária de uma farmácia, sustentado
na sua viabilidade económica, à frente de qualquer outro interesse. O que
se reflecte, claramente, a ponto de inclusivamente pretender a cassação do
alvará da Contrainteressada.
De todo o modo, quanto à legitimidade da Recorrente para a impugnação da deliberação do Recorrido de 13.01.2021 (decisão de não cassação do alvará da Farmácia (...)) ela já não pode ser equacionada.
Senão vejamos,
A Recorrente entende que tem legitimidade activa, no que à impugnação
desta deliberação respeita, por entender que esta surge no seguimento da
sua reclamação e da invocação da ilegalidade da deliberação que autorizou
a transferência da Farmácia (...) (datada de 04.06.2020).
Ora, cumpre, desde logo, mencionar que tal facto não resulta provado, nem

tão pouco foi pacificamente demonstrado, nos presentes autos pela

Recorrente, constituindo, por conseguinte, uma mera especulação.

Como é sabido, o nosso ordenamento jurídico determina critérios objectivos que permitem concluir pela legitimidade ou ilegitimidade, das partes, designadamente, as normas consagradas nos artigos 9.º, n.º 1 e 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA.
De facto, nos termos do art.º 9.º, n.º 1 do CPTA, é possível aferir a
legitimidade processual ativa em função da titularidade da relação material
controvertida.
Sendo que, no caso em apreço, dúvidas não restam quanto ao facto de a esfera jurídica da Recorrente não se encontrar definida no contexto de uma posição jurídica substantiva.
Por sua vez, o art.º 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA confere legitimidade para impugnar um acto administrativo a quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal. Tendo, no entanto, o interesse em causa de ser, igualmente, legítimo - como tal, atendível para efeitos de determinação de uma possível tutela jurisdicional. Sendo que o interesse legítimo é um interesse específico atendível, dentro de razoáveis critérios, a apreciar casuisticamente.
Remeta-se, a este propósito, para o CPTA - Anotações Práticas Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Anotações Práticas, com coordenação de Carlos José Batalhão, da editora Edições Almedina, S.A. , o qual, na página 127, ponto III, refere o seguinte:
“Aparentemente o legislador teria reduzido os tradicionais três requisitos da legitimidade para impugnação dos atos (pessoal, direto e legítimo), a apenas dois desses requisitos, deixando para trás o da legitimidade do interesse de que o particular é titular.
Não é, porém, assim que a norma deverá ser lida.
A referência ao interesse pessoal e direto nada retira à exigência de que esse interesse não encontre oposição na lei. Ele também tem de ser legítimo.
Assim, são relevantes para a aferição da legitimidade os direitos e os interesses legalmente protegidos - entendendo-se estes como aqueles que ainda cabem em alguma das esferas da proteção da norma -, mas também aqueles que não encontrem no ordenamento jurídico qualquer oposição a que sejam juridicamente tutelados.”
Estamos, assim, perante três requisitos cumulativos para a aferição da
legitimidade, ao abrigo do art.º 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA. Sendo, por
conseguinte, necessário a verificação dos três para se concluir pela
legitimidade da parte.
Logo, andou bem o Tribunal a quo ao secundar o entendimento da Contrainteressada na análise que efetuou destas normas. Pelo que se acompanha essa leitura, no sentido em que não resulta dos presentes autos a invocação de qualquer direito ou interesse na esfera jurídica da Recorrente que seria directamente lesado com a prolação da deliberação do Recorrido, datada de 13.01.2021 (decisão de não cassação do alvará da Farmácia (...)).
De facto, a Recorrente alega que a configuração do seu interesse directo e pessoal permite concluir que a Recorrente beneficia da procedência da impugnação da deliberação datada de 13.01.2021, uma vez que a sua consequência seria o encerramento do estabelecimento da Contrainteressada.
Ora, tal não constitui um interesse directo e pessoal, nos termos em que o mesmo se encontra delineado no nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, a ser assim, seriam parte legítima na impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do Réu, de 13.01.2021 todas as farmácias sediadas em território nacional, por lhes ser proveitoso o encerramento de qualquer farmácia nacional, por implicar a diminuição da oferta, o que não se aceita.
Diga-se que a Recorrente, ao longo das suas alegações, confunde ambas as
deliberações, fazendo uma leitura conjunta das mesmas, o que não se
concebe.
De facto, as duas deliberações têm de ser apreciadas de forma individualizada e
singular. Sendo certo que, em momento algum, a Recorrente demonstra ser titular de um interesse directo e pessoal, nomeadamente no que respeita à deliberação do Recorrido de 13.01.2021. Desde logo porque não alega, nem demonstra, que a manutenção da actividade da Farmácia (...), no local onde inicialmente se encontrava sediada, afetaria a sua posição jurídica.
Nesta medida, fica prejudicada a sua legitimidade, também quanto ao
carácter direto do interesse que alega.
Dito de outro jeito, fica necessariamente prejudicado o interesse directo e pessoal da Recorrente quanto a esta deliberação, de 13.01.2021.
Como sentenciado: “Por outras palavras, a A. renova, no âmbito da impugnação da deliberação de não cassação do alvará da farmácia da contrainteressada, os argumentos em que antes estribara a sua legitimidade para impugnar a deliberação que autorizou a transferência desta farmácia (perda de clientela e decréscimo de proveitos), sem invocar, portanto, uma situação de efetiva lesão, que se repercute na sua esfera jurídica e que lhe causa direta e imediatamente prejuízos, adveniente da decisão, propriamente dita, de não cassação do alvará da Farmácia (...). Ou seja, a A. não alega qualquer benefício concreto, refletido direta e imediatamente na sua esfera jurídica pessoal, da eliminação da ordem jurídica da deliberação que decidiu a não cassação do alvará daquela farmácia. Os prejuízos/danos que a A. alega advêm, todos eles, da manutenção na ordem jurídica da deliberação que autorizou a transferência da mesma farmácia para uma localização próxima daquela onde a sua farmácia já se encontra instalada - e em relação à qual vimos já que a A. detém legitimidade para a sua impugnação -, o que significa que o verdadeiro ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da
A. é, apenas, a deliberação que deferiu o pedido de transferência da localização da
Farmácia (...).”.
E continua: “Os danos e prejuízos invocados pela A., os quais, para si, revelam o seu interesse direto e pessoal na demanda, não resultam, como vimos, das ilegalidades que imputa à deliberação de 13/01/2021, na medida em que, mesmo que esta deliberação fosse legal (isto é, mesmo admitindo que o alvará da Farmácia (...) foi sempre válido e não devia ter sido cassado), a A. iria sofrer tais prejuízos da mesma forma, ao concretizar-se a transferência dessa farmácia ao abrigo da deliberação de 04/06/2020 (essa sim, potencialmente lesiva dos seus direitos e interesses). Os prejuízos invocados pela A. são consequência da transferência da Farmácia (...) para uma localização próxima do seu estabelecimento e, portanto, do funcionamento de mais uma farmácia concorrente nas imediações, tal como autorizada pela deliberação de 04/06/2020, também reputada de ilegal; não são consequência direta e imediata (mas, no limite, meramente reflexa e eventual) da não cassação do alvará da Farmácia (...), tal como determinado na deliberação de 13/01/2021, a qual, por si só, não é suscetível de dar origem a uma efetiva lesão na esfera jurídica da A. (pois que apenas determina a possibilidade de a Farmácia (...) continuar em funcionamento, seja em que localização for) e, por isso, também não dá origem a uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório aqui em apreço.”
Com efeito, reitera-se, caso assim não fosse, seriam parte legítima na impugnação da deliberação do Conselho Diretivo do Réu, de 13.01.2021 todas as farmácias sediadas em território nacional.
Verifica-se, assim, a excepção da ilegitimidade activa da Recorrente no que à deliberação do Recorrido, datada de 13.01.2021, concerne.
Tal equivale a dizer que a decisão recorrida no que a esta ponto respeita será mantida.
Da exceção dilatória de caducidade do direito da ação -
Antes de mais cumpre, uma vez mais, realçar que tudo quanto foi invocado pela Recorrente, em sede de alegações, cujo teor versa sobre matéria de facto que não foi apreciada pelo Tribunal a quo não pode ser considerada por esta Instância.
Ora, assim, andou bem a Senhora Juíza ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção relativamente ao pedido de declaração de nulidade ou anulação da deliberação do conselho Directivo do Réu de 04.06.2020, que consubstancia o deferimento do pedido de transferência da Farmácia (...), da qual a contrainteressada é proprietária.
Em primeiro lugar, diga-se que não é ao acaso que, da decisão recorrida consta a expressão “pedido de declaração de nulidade ou anulação” quanto à pretensão deduzida pela Recorrente.

De facto, a Recorrente, na petição inicial, o pedido que formula é o seguinte:
Deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência, declarada nula ou anulada e, sempre sem qualquer efeito a deliberação supra identificada (…)»
Só agora, em sede de recurso, e após ser confrontada com a procedência da excepção em apreço é que a Recorrente decide delimitar o seu pedido, exclusivamente, à nulidade, invocando a preterição do procedimento legalmente exigido como fundamento da mesma quanto ao acto consubstanciado na deliberação referente à transferência da Farmácia de S.
Cosme - datada de 04.06.2020.
Veja-se, a este propósito, que na página 3 das suas alegações, a Recorrente refere que “intenta a ação a reagir contra esta autorização de transferência, pedindo que seja declarada nula ou anulada (...).”
Ora, não é processualmente admissível à Recorrente invocar factos novos, em sede de recurso, nomeadamente apresentar novos vícios - a preterição do procedimento legalmente exigido.
Como é por demais sabido, os recursos jurisdicionais visam decisões judiciais, e devem, assim, consubstanciar pedidos de revisão da sua legalidade, com base em erros ou vícios das mesmas, erros ou vícios estes que devem afrontar, dizendo do que discordam e porque discordam;
Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua; daí que se torne imprescindível que o recorrente, na sua alegação de recurso, desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.
Vejamos então,
O Código do Procedimento Administrativo (CPA), no seu art.º 161.º, n.º 1 determina que “são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”
Tendo o Tribunal a quo considerado: “E o certo é que os invocados vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e direito, por preterição de formalidades essenciais, por violação dos princípios de legalidade, proporcionalidade, confiança e boa-fé, por falta de fundamentação e por violação de normas imperativas, previstas no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31/08, e na Portaria n.º 352/2012, de 30/10, não se integram em nenhuma das situações a que o legislador faz corresponder a sanção de nulidade, previstas no art.º 161.º, n.º 2, do CPA. Aliás, quanto a este último vício, não resulta sequer dos diplomas legais em causa a sanção expressa da nulidade para os atos que contrariem ou violem as respetivas disposições. Assim, à luz das ilegalidades que lhe são assacadas pela A., estamos perante um ato administrativo meramente anulável, nos ternos do art.º 163.º, n.º do CPA”.
Veja-se que foram estes os fundamentos invocados pela Recorrente, em sede de petição inicial, com vista à declaração de “nulidade ou anulabilidade” dos atos administrativos em causa.
Agora, em sede de alegações, invoca a Recorrente a preterição do procedimento legalmente previsto, com vista a enquadrar o acto administrativo em causa no âmbito do art.º 161.º, n.º 2 do CPA - alínea l).
Ora, como decidido por este TCAN no processo n.º 01798/16.0BEBRG,
datado de 12.07.2018 Sumário
1.Depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova e, mesmo as de conhecimento oficioso, não podem aqui ser conhecidas se obstarem ao conhecimento de mérito, face ao disposto no artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, salvo as relativas ao próprio recurso.
2.Não sendo invocado qualquer vício susceptível de afectar de nulidade um acto administrativo, mas antes de simples anulabilidade, é intempestiva a acção interposta depois de decorridos 3 meses sobre a notificação do acto para a respectiva impugnação.
: “Depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova e, mesmo as de conhecimento oficioso, não podem aqui ser conhecidas se obstarem ao conhecimento de mérito, face ao disposto no artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, salvo as relativas ao próprio recurso.”
Mais referindo que:
“Nenhum dos vícios imputados se reconduz a uma hipótese de nulidade do acto, previstas no artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, mostrando-se como algo artificiosos os argumentos apresentados no sentido de reconduzir casos de mera anulabilidade a situações de nulidade que não surgem na lei tipificadas como tal.
Não imputando ao acto vícios susceptíveis, em abstracto, de gerar a nulidade do acto impugnado, a falta de apreciação desses vícios fica a dever-se, apenas, à inércia da Autora que não intentou a acção de impugnação no prazo legal de 3 meses.
Não há, portanto, denegação de justiça ou impedimento ilegal de acesso à Justiça mas apenas a atribuição do efeito legal previsto para o decurso do prazo para interpor uma acção, a sua rejeição.”
Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.

Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se - Acórdão do TCA Sul, proc.° 5786/09, de 3 de fevereiro.)
O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são os vícios da decisão recorrida.
A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III- No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
Logo, o vício de preterição do procedimento legalmente exigido tem de ser desconsiderado por apenas ter sido apresentado em sede de recurso.
Refira-se ainda que, para além de não ser processualmente admissível à Recorrente apresentar novos vícios, em sede de alegações, no caso vertente é manifesto que não estamos perante o vício previsto no art.º 161.º, n.º 2, al. l) do CPA.
Veja-se, antes de mais, que o que está em causa no art.º 161.º, n.º 2, alínea l) do CPA é a prática de atos com a preterição total do procedimento legalmente exigido, salvo em estado de necessidade. Entendendo-se, desde logo, que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, a deliberação do Conselho Diretivo do Recorrido, de 04.06.2020, não foi praticada com a preterição total do procedimento legalmente exigido. O mesmo se verificando relativamente à deliberação de 13.01.2021.
De facto, e conforme consta do processo administrativo junto aos autos pelo Recorrido, houve, efetivamente, um procedimento que precedeu a tomada de deliberação por parte deste. Sendo, por conseguinte, evidente que não se verifica uma preterição total do procedimento que lhe era legalmente exigido. O procedimento legalmente exigido foi observado pelo Recorrido, o qual decidiu pela manutenção do alvará da Farmácia (…) por não se encontrarem reunidos os requisitos com vista à sua cassação.
Naturalmente que uma coisa é a discordância com o desfecho desse procedimento legalmente exigido e outra é a sua preterição.
No Acórdão deste TCAN referente ao processo n.º 00434/18.4BEMDL, datado de 05.03.2021, decidiu-se: “Os Tribunais não estão sujeitos à interpretação que as partes fazem/façam da lei e do direito que entendam convocar para efeitos de sustentação do seu pedido de tutela jurisdicional (...).”
Mais referindo: “Ora, sendo certo que os Tribunais não estão sujeitos à interpretação que as partes fazem/façam da lei e do direito que entendam convocar para efeitos de sustentação do seu pedido de tutela jurisdicional, julgamos assim que quando a Recorrente se reporta à ocorrência de “nulidade” por via da prolação pelo Réu dos actos contidos nos ofícios n.ºs 346/18/OBP e 378/18/OBP, que o faz em sentido impróprio, ou seja, que lhes quer imputar a ocorrência de invalidade determinante da violação dos seus direitos enquanto parte no procedimento, e que a leitura que faz da alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA no sentido de que esses actos são nulos por terem sido praticados com preterição total do procedimento legalmente devido, quando, manifestamente, existe um procedimento administrativo, estando apenas em causa a apreciação da validade formal de um momento desse procedimento.”
Concluindo-se, deste modo, que, no caso em apreço, nunca estaríamos perante um vício que importasse a nulidade do ato, mas sim a sua anulabilidade, conforme consta, e bem, da decisão recorrida.
Por fim, não merecendo qualquer reparo a sentença, nomeadamente no que respeita à determinação e à contagem do prazo para a propositura da ação, bem andou ao concluir, necessariamente, pela procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.
A caducidade do direito de ação é uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (atual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do fundo da causa.
Na verdade, a caducidade do direito de ação é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo - (v. Manuel Andrade em “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464).
Tem, assim, de ser confirmado, também quanto a este segmento, o aresto proferido.
Improcedem, desta feita, as Conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique e DN.

Porto, 09/6/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro