Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00191/09.5BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:IFADAP; FINANCIAMENTO; PROPORCIONALIDADE; FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
1 – A Fundamentação terá de ser suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram que o órgão ou agente tenha atuado como atuou, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
2 – Tendo sido pagas em sede de Financiamento, ajudas que o não deveriam ter sido, por não se reportarem a investimentos já pagos à data da apresentação do pedido de pagamento das ajudas, a Administração fica vinculada a determinar a restituição dos montantes entretantos disponibilizados.
Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato que ordenou esse a restituição dos montantes atribuídos, o mesmo não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Conselho Diretivo dos BF
Recorrido 1:IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Conselho Diretivo dos BF, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP, tendente, em síntese, à anulação das decisões de modificação unilateral dos contratos de atribuição de ajudas concedidas, devidamente identificadas, inconformado com a Sentença proferida em 15 de julho de 2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a presente Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão.
Formulou o aqui Recorrente/CDBF nas suas alegações de recurso, apresentadas em 29 de setembro de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 290 a 294 Procº físico):
I - O despacho de decisão final de ambos os projetos aqui em causa limitam-se a aludir, inexatamente, a "recibos de favor" e a "violação da regra da elegibilidade n° 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000, sem a mínima concretização em que consistiram tais violações.
II - O tribunal a quo considera que se encontra suficientemente fundamentada a decisão com a mera remissão para despachos anteriores. Porém, também os despachos anteriores são vagos e vazios de conteúdo, não figurando sequer nos factos provados o teor de tais despachos anteriores.
III - As decisões finais não referem igualmente qual a concreta norma jurídica violada, inexistindo, assim, falta de fundamentação.
IV - O Autor beneficiou de apoios ao abrigo do Decreto-Lei n.º 163-A/2000, de 27 de Julho, na modalidade de incentivos não reembolsáveis.
V - O art.° 9.° do DL 163-A/2000 estabelece as condições de pagamento, as quais apenas incluem uma limitação: a de o beneficiário ter a sua situação regularizada perante o IFADAP. Por sua vez, O art.° 22.° n.º 1 deste diploma remete para regulamentação específica, entre outros aspetos, as despesas elegíveis (al. d).
VI - Na Portaria n.º 533-F/2000, de 01 de Agosto (a que se refere o n.º 2 do art.° 22.° do DL 163-A/2000) determina-se apenas que, para beneficiar dos apoios, os projetos devem ter início após a celebração do contrato de atribuição de ajudas.
VII - Já o art.° 17.° da Portaria n." 533-F/2000 diz claramente que "O pagamento das ajudas faz-se nos termos das cláusulas contratuais, podendo haver lugar à concessão de adiantamentos", remetendo expressamente para o contrato celebrado e admitindo adiantamentos (antes de executado o projeto), pelo que por maioria de razão ("ad maiori ad minus"), é possível pagar com investimento mas sem pagamento prévio.
VIII - Na cláusula 3.ª (clausula específica) diz-se expressamente que é um incentivo ao investimento, pelo que sendo incentivo, o que estará em causa não é o momento do pagamento, mas sim a realização desse investimento.
IX - Na cláusula 6.ª (cláusula específica) é referido em que moldes são realizadas as ajudas, não se fazendo qualquer menção ou exigência ao prévio pagamento das despesas.
X - Também nas CONDIÇÕES GERAIS (Ponto 3) - A.2.1, referente ao incentivo não reembolsável, estabelece-se que "No caso de parcela única devem ser apresentados, de uma só vez, os documentos comprovativos da realização e todo o investimento" como se vê, não fala em pagamento.
XI - E ainda o ponto 8.1 respeitante às obrigações do beneficiário, se refere expressamente que este deve "aplicar integralmente a ajuda nos fins para que foi concedida", o que só é compreensível se interpretada no sentido de que a ajuda pode ser disponibilizada antes do pagamento.
XII - Nos cabeçalhos de ambos os contratos (Documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial) refere-se o Reg. (CE) n.º 1257/99 e não o Regulamento CE n.º 1685/2000 sustentado pela Recorrida.
XIII - Esta mesma referência é efetuada no preâmbulo da Portaria n.º 533-F/2000: "é esse o objetivo da ação Apoio à Produção de Plantas e Sementes, integrada da medida nº 3 do Programa Agro - Apoio à Silvicultura, e que se enquadra no 1.° travessão do n.º 1 do artigo 30.° do Regulamento (CE) n.º 1257/99, do Conselho, de 17 de Maio.".
XIV - Assim, em matéria europeia, os apoios em causa estariam, quando muito, sob a égide do Regulamento (CE) n.º 1257/99 e não do Regulamento (CE) n.º 1685/2000, pelo que o Recorrente não poderia sequer cogitar a aplicabilidade deste último Regulamento. E no Regulamento (CE) n.º 1257/99 não se encontra qualquer norma a condicionar a concessão dos apoios ao prévio pagamento.
XV - Atento o baixo grau cultural e de escolaridade dos membros do Conselho Diretivo, que o tribunal a quo decidiu ignorar, não seria espectável que os mesmos tivessem pleno conhecimento de que o Reg. (CE) n.º 1685/2000 pudesse ter aplicação ou sequer existir (já a legislação nacional sabe Deus ... ).
XVI - Dada a remissão das condições de elegibilidade e pagamento para os contratos e a inexistência de qualquer cláusula nestes que estabeleça como requisito para o pagamento dos apoios o prévio pagamento das despesas, nenhuma violação houve por parte do Recorrido que sustente as decisões de alteração unilateral aqui em causa.
XVII - O Recorrente cumpriu escrupulosamente com as suas obrigações, pelo que não existem motivos para alteração unilateral dos contratos celebrados.
XVIII - Mesmo que assim não fosse, os apoios concedidos encontram-se subdivididos em duas comparticipações diferentes: uma nacional e outra comunitária, como resulta expressamente da cláusula 3.3 de cada um dos contratos de atribuição de ajudas "sendo a comparticipação comunitária de 50% (...) e a comparticipação nacional de 50%".
XIX - A legislação comunitária, quer seja o Regulamento (CE) n.º 1257/99 quer seja o Regulamento (CE) n.º 1685/2000, apenas se reporta aos apoios comunitários e já não aos apoios nacionais, motivo pelo qual, a ter ocorrido qualquer violação das normas comunitárias, apenas poderia estar em causa a comparticipação comunitária e não a nacional, pelo que o valor a restituir apenas seria de metade do mencionado nas decisões finais.
XX - Atento o factualismo, e uma vez que o Recorrente cumpriu escrupulosamente com as suas obrigações, executando o projeto nas condições previstas (vistoriadas pelos técnicos do IFAP) e efetuando todos os pagamentos devidos, a decisão é manifestamente desproporcionada.
XXI - Ao decidir como fez, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 7.º, 9.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 163-A/2000, de 27 de Julho; o disposto no art.° 6.º n.º 2 al a) e art.° 17° da portaria n.º 533-F/2000, de 01 de Agosto; o Regulamento (CE) n.º 1257/99 e Regulamento (CE) 1685/2000; os artigos 405.º n.º 1, 406.º n.º 1 e 432.° n.º 1 do Código Civil; os artigos 3.º n.º 1, 4.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º do Código de Processo Administrativo; e bem assim o art.° 266.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que julgando-se procedente o Recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue nulas as decisões finais ou, assim não se entendendo, cumpridas as obrigações do Recorrente, farão V. Ex.as como sempre JUSTIÇA.”
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O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 15 de outubro de 2017 (Cfr. fls. 301 Procº físico).
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O aqui Recorrido/IFAP não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.
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Não obstante o CDBF ter vindo sucessivamente a informar que estariam as partes em “vias de transação” (17/01/2018) e que já teriam chegado a acordo (06/04/2018) nunca foi apresentado documento assinado por ambas as partes, corporizando o acordo a que teriam chegado, não obstante terem sido expressamente instadas nesse sentido (07/05/2018 e 13/06/2018).
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O Ministério Público junto deste Tribunal devidamente notificado, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, os suscitados erros resultantes da invocada ausência de referência às normas violadas, e a desproporcionalidade da decisão proferida.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“1 – Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos:
1) Em 14.03.2005, o autor e a entidade demandada celebraram dois contratos relativos, um relativo ao projeto n° 2004230010730 denominado “Carvalhal Escuro” e outro ao projeto n° 2004230010771 denominado “Toco", visando, ambos, a implementação de tais projetos no âmbito da Medida 3, Ação 3.1 do Programa AGRO, projetos esses de Apoio à Silvicultura; Docs. 3 e 4 juntos com a p.i.
2) O contrato referente ao projeto n° 2004230010730 foi objeto, em 31.03.2006, de um aditamento ao inicial acima referido, no qual o valor total das ajudas, no montante de € 101 948,15, é dividido de modo diverso, mantendo-se tudo o mais, sem alteração; Doc. 5 junto com a p.i.
3) Com base no projeto n° 2004230010730 (“Carvalhal Escuro") propôs-se, para numa área de 75,27 ha proceder, além do mais, a uma plantação de árvores com o objetivo da produção de madeira de qualidade; Doc. 6 junto com a p.i.
4) Este projeto mereceu a aprovação técnica da entidade demandada, assim como a aprovação financeira, tendo sido fixada em € 101 948,13 a quantia total das ajudas; Doc. 7 junto com a p.i.
5) E com base no projeto n° 2004230010771 (“Toco”) propôs-se, para numa área de 66,00 ha., proceder, além do mais, a uma plantação de árvores com o objetivo do melhoramento, beneficiação e limpeza das matas; Doc. 8 junto com a p.i.
6) Este projeto mereceu a aprovação técnica e financeira da entidade demandada, tendo sido foi fixada em € 79 815,25 a quantia total das ajudas; Doc. 9 junto com a p.i.
7) No âmbito do projeto n.º 20044230010730, o autor apresentou para pagamento de ajudas as seguintes faturas:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 10 junto com a p.i.
8) As referidas faturas foram pagas aos fornecedores pelos seguintes cheques, nas seguintes datas e com os seguintes valores:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 10 junto com a p.i.
9) E, no âmbito do projeto 20044230010771, o autor apresentou para pagamento as seguintes faturas:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 11 junto com a p.i.
10) As referidas faturas foram pagas aos fornecedores pelos seguintes cheques, nas seguintes datas e com os seguintes valores:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 11 junto com a p.i.
11) Foi elaborado relatório pelo técnico que acompanhou a execução dos projetos, no qual se dá conta de toda a execução financeira projeto n.º 2004230010730; Doc. 10 junto com a p.i.
12) Bem como relatório de idêntico propósito relativamente ao projeto n.º 2004230010771; Doc. 11 junto com a p.i.
13) O autor foi notificado de dois ofícios, para efeitos do direito de audiência prévia quanto ao projeto de decisão de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas e consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas acrescidas de juros;
Docs. 12 e 13 juntos com a p.i.
14) O primeiro ofício refere, entre o mais o seguinte:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 12 junto com a p.i.
15) E o seguinte ofício refere, entre o mais, o seguinte:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC) Doc. 13 junto com a p.i.
16) O autor exerceu o direito de audiência prévia; Docs. 14 e 15 juntos com a p.i.
17) O autor recebeu da entidade demandada ofício respeitante ao Projeto n° 2004230010730, em que lhe era comunicada a seguinte decisão do Conselho Diretivo:
Doc. 1 junto com a p.i.
Através do ofício de audiência prévia 2279/DAI/UPRF/2008, de 30/12/2008, para o conteúdo do qual remetemos na íntegra, (…)
(…)
No despacho que exarou o Gestor considera que para recebimento das ajudas V. Exas. apresentaram "recibos de favor, já que parte das despesas apresentadas para reembolso foram pagas aos fornecedores através de cheques emitidos após apresentação dos correspondentes pedidos de pagamento das ajudas, conforme descrito no ofício de audiência prévia de ref.ª 2279/DAI/UPRF/2009, de 09/01/2009, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Assim, as despesas em causa não estavam efetivamente pagas aquando da apresentação do respetivo pedido de pagamento de ajudas, situação que contraria o disposto na Regra de Elegibilidade n° 1 anexa ao Regulamento (CE) n° 1685/2000, segundo a qual são elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários (n° 1.1), comprovados pelas respectivas faturas pagas (n° 2), bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos da aplicação dos fundos pelos Beneficiários (ou seja, do pagamento das despesas) e sendo que a apresentação do pedido de pagamento representa a declaração pelo beneficiário de que efetivamente suportou as despesas ".
(…)
Assim, ao abrigo do n° 2 do art. 11° do Decreto-Lei n° 163-A/2000, de 27 de Julho, que assegura a aplicação efetiva do Programa AGRO, determina-se, em conformidade com a decisão tomada pelo Gestor do PO AGRO, a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com a consequente exigência de devolução das ajudas indevidamente recebidas, acrescidas de juros de acordo com o disposto no n° 5 do art. 12° do mesmo diploma.
Montante a devolver:
• Valor indevidamente pago: € 94.343,57.
• Juros regulamentares ã taxa de 4%: € 12.676,02.
(Contabilizados de 22/04/2005 a 30/12/2008 e de 29/12/2005 a 30/12/2008, para as parcelas de 48.501,18, 21 e 45.842,39, respetivamente).
Total: € 107.019,59.
18) O autor recebeu também ofício relativo ao Projeto n° 2004230010771, em que lhe é comunicada a seguinte decisão do Conselho Diretivo da entidade demandada:
Doc. 2 junto com a p.i.
Através do ofício de audiência prévia 2278/DAI/UPRF/2008, de 30/12/2008, para o conteúdo do qual remetemos na íntegra, (…)
(…)
No despacho que exarou o Gestor considera que para recebimento das ajudas V. Exas. apresentaram "recibos de favor, já que parte das despesas apresentadas para reembolso foram pagas aos fornecedores através de cheques emitidos após apresentação dos correspondentes pedidos de pagamento das ajudas, conforme descrito no ofício de audiência prévia de ref.ª 2278/DAI/UPRF/2009, de 09/01/2009, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Assim, as despesas em causa não estavam efetivamente pagas aquando da apresentação do respetivo pedido de pagamento de ajudas, situação que contraria o disposto na Regra de Elegibilidade n° 1 anexa ao Regulamento (CE) n° 1685/2000, segundo a qual são elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários (n° 1.1), comprovados pelas respectivas faturas pagas (n° 2), bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos da aplicação dos fundos pelos Beneficiários (ou seja, do pagamento das despesas) e sendo que a apresentação do pedido de pagamento representa a declaração pelo beneficiário de que efetivamente suportou as despesas ".
(…)
Assim, ao abrigo do n° 2 do art. 11° do Decreto-Lei n° 163-A/2000, de 27 de Julho, que assegura a aplicação efetiva do Programa AGRO, determina-se, em conformidade com a decisão tomada pelo Gestor do POAGRO, a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com a consequente exigência de devolução das ajudas no n° 5 do art. 12° do mesmo diploma.
Montante a devolver:
• Valor indevidamente pago: € 69.517,98.
• Juros regulamentares à taxa de 4%: € 9.864,83.
(Contabilizados de 07/04/2005 a 30/12/2008, de 05/08/2005 a 30/12/2008 e de 29/12/2005 a 30/12/2008, para as parcelas de 40.085,74, 21182,00 e 8.250,24, respetivamente).
Total: € 79.382.81.
2 – Factos não provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.”
*
IV – Do Direito
O Conselho Diretivo dos BF - CDBF veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida no TAF de Mirandela, de 15/07/2017, que julgou improcedente a presente ação administrativa especial.
No que ao “direito” concerne, e no que aqui releva, expendeu-se na decisão recorrida:
“O autor vem impugnar as decisões da entidade demandada respeitantes aos projetos n.ºs 2004230010730 e 2004230010771, pelas quais foram modificados unilateralmente dois contratos de atribuição de ajudas celebrados com o autor, bem como a respetiva exigência de montantes considerados indevidamente recebidos, acrescidos de juros de mora.
Resulta da matéria de facto que o autor apresentou a pagamento várias faturas no âmbito dos dois projetos em causa.
Da análise das faturas e dos respetivos meios de pagamento, resulta que as faturas terão sido pagas por meio de cheques com datas de emissão e de efetivos débito/cobrança posteriores às datas do pedido de pagamento de ajudas.
Assim, ao contrário do que é referido pelo autor, na data em que foram emitidas as faturas, não havia sido efetuado qualquer pagamento. Os documentos comprovativos de pagamentos (cheques) são posteriores à data das faturas e à data em que foram efetuados os pedidos de pagamento junto da entidade demandada.
O que resulta dos autos é que o autor efetuou pedidos de pagamentos junto da entidade demandada sem ter efetuado qualquer pagamento no âmbito da execução dos projetos em causa.
A entidade demandada não coloca em causa a efetividade das transferências: resulta dos autos que os cheques foram emitidos e descontados.
Portanto, ao contrário do sustentado pelo autor, na data em que os fornecedores referiram ter recebido do autor determinado montante referente a várias faturas relativas aos projetos em causa não haviam recebido qualquer montante, já que os meios de pagamento (cheques) são posteriores.
Dúvidas não, portanto, que estamos perante verdadeiros recibos de favor, como sustentado pela entidade demandada: na data em que os recibos foram emitidos os valores cujo recebimento procuram confirmar não haviam sido ainda transferidos já que seja a data dos cheques seja a data do próprio depósito é posterior, o que permite sustentar a conclusão a que chega a entidade demandada: os recebidos foram passados com o propósito único de permitir ao autor solicitar à entidade demandada as ajudas sem que demonstrem uma realidade fáctica (recebimento de determinados valores).
Conforme resulta dos autos, o que a entidade demandada coloca em causa é o facto de o autor apresentar recibos de favor. Não está em causa a boa ou má execução do projeto, nem a honestidade ou qualificações culturais dos membros do conselho diretivo. O que é colocado em causa é a obtenção de recibos sem que o pagamento tenha sido previamente efetuado.
(...)
Analisadas as decisões impugnadas afigura-se evidente que as mesmas estão devidamente fundamentadas quer de facto quer de direito.
Nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da CRP os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegido.”
(...)
Deve considerar-se como fundamentado um ato quando complementado com um parecer, informação ou documento para que remeta ou sobre o qual foi exarado, seja possível a um destinatário normal perceber as razões pelas quais o autor do ato decidiu num determinado sentido, de modo a reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo, e poder assim, de forma voluntária e esclarecida, acatar ou reagir contra o ato – cfr. Acórdão do STA de 10.02.2010, Proc. 01122/09.
(...)
Impõe-se ao autor do ato administrativo a exteriorização das razões ou motivos determinantes do sentido da decisão, de modo a habilitar o destinatário a conscientemente se conformar com a mesma ou reagir, expondo a sua discordância, de modo eficaz – cfr. Acórdão do STA de 23.10.2008, Proc. 0827/07.
(...)
As decisões finais remetem expressamente para o ofício de notificação do autor para efeitos de audiência prévia.
Assim, a fundamentação da decisão resulta da conjugação da fundamentação constante nos dois ofícios.
Ora, tomando em consideração tal fundamentação, afigura-se ser de concluir que é percetível em concreto o que a entidade demandada pretende invocar ao referir a existência de “recibos de favor”, os quais são concretizados.
Na verdade, qualquer normal destinatário dos atos impugnados percebe, com facilidade, que no entender da entidade demandada, o autor violou a Regra de Elegibilidade n.º 1 porque apresentou para pagamento de ajudas faturas que ainda não se encontravam pagas efetivamente.
Assim, não se verifica violação do dever de fundamentação.
O Regulamento (CE) n.º 1685/2000 da Comissão, de 28.07.2000, relativo às regras de execução do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações cofinanciadas pelos Fundos estruturais, prevê no seu anexo as regras de elegibilidade, determinando-se na regra n.º 1, com a epígrafe «Despesas efetivamente pagas» entre o mais o seguinte:
1. PAGAMENTOS EXECUTADOS PELOS BENEFICIÁRIOS FINAIS
1.1. Os pagamentos executados pelos beneficiários finais, nos termos do n.º 1, terceiro parágrafo, do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 (seguidamente designado "regulamento geral"), serão pagamentos em dinheiro, salvo as exceções indicadas no ponto 1.4.
(…)
2. DOCUMENTOS COMPROVATIVOS DAS DESPESAS
Em regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais devem ser comprovados pelas respectivas faturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.
Resulta destes normativos que o pedido de pagamento de ajudas se reporta a montantes pagos pelo beneficiário, não podendo este utilizar as ajudas para se financiar, mas antes obter, por meio destas, o reembolso de despesas efetivamente realizadas.
Conforme refere o TCA Norte no acórdão de 03.06.2016, Proc. 00302/10.8BEVIS, «o cumprimento de um projeto aprovado exige, entre outras formalidades de elegibilidade das despesas, que o beneficiário da ajuda só apresente a pagamento despesas efetivamente realizadas e comprovadas, em sintonia com a finalidade da respetiva ajuda, de reembolsar tais despesas e não de financiar ab initio a execução dos projetos» - no mesmo sentido cfr. também acórdão do mesmo Tribunal de 13.01.2011, Proc. 01450/06.4BEVIS.
Ora, no caso em apreço, resulta dos autos que o autor efetuou pedido de pagamento de ajudas sem que as faturas de suporte tivessem sido pagas. Estas só foram pagas posteriormente. Assim, o autor não solicitou qualquer pedido de reembolso, já que não havia efetuado qualquer despesa.
Deste modo, assiste razão à entidade demandada, já que se verifica fundamento para a rescisão do contrato.
Como refere o TCA Norte no acórdão de 13.01.2011, Proc. 01450/06.4BEVIS «a apresentação de faturas sem demonstração de que as despesas nelas indicadas foram efetivamente pagas, conduz à rescisão do contrato.»
É o que ocorre no caso em apreço, já que no momento em que o autor solicitou o pagamento das ajudas contratualizadas, não havia efetuado o pagamento das mesmas.
Assim, não assiste razão ao autor quanto a este aspeto.
E também não se vislumbra a existência de violação do princípio da proporcionalidade. Na verdade, o autor apresentou-se junto da entidade demandada para desenvolver dois projetos, no âmbito dos quais solicitou ajudas, que lhe foram concedidas.
Tais ajudas concretizam no reembolso de despesas efetivamente efetuadas. Como resulta do exposto, o Regulamento da UE referido exige que o pedido de pagamento seja suportado por faturas pagas.
Ora, no caso em apreço o autor utilizou o mecanismo em causa não como forma de reembolsar despesas mas antes como meio de obter o financiamento das mesmas.
Com tal comportamento, os pedidos de pagamento apresentados sustentam valores considerados não elegíveis, o que significa que os valores em causa não deveriam ter sido transferidos pela entidade demandada. Como foram, devem ser restituídos.
Não está em causa uma decisão arbitrária da entidade demandada, já que se encontra fundamentada seja em normas legais seja em pressupostos de factos objetivos que suportam, como se referiu, a rescisão do contrato nos termos decididos.
Não se vislumbra, portanto, que as decisões sejam desproporcionais face ao incumprimento verificado, já que por falta de pagamento prévio das faturas, os valores contratados deixaram de ser elegíveis, sendo, pois, o pagamento das ajudas ilegal, devendo exigir-se o reembolso.
Deste modo, improcede a presente ação.”
Analisemos então o suscitado.
Refira-se desde logo que se acompanha entendimento adotado em 1ª instância que corresponde aliás, àquele que reiteradamente tem sido adotado neste Tribunal
Da Fundamentação
Desde logo e no que concerne à Fundamentação, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação (neste sentido aponta claramente o elenco enunciado no artigo 124º/1 do CPA).
Diz-se “em princípio” com o intuito de salvaguardar uma margem de exceção para casos marginais e atípicos.
Em qualquer caso, é do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. (Cfr. Acórdão do TCA nº 2303/99 de 09/01/2003).
Nas palavras de Marcello Caetano (Manual, I, nº 197): “Não interessa ao jurista conhecer quaisquer motivos da vontade administrativa, mas tão-somente os motivos determinantes, aquelas razões de direito ou considerações de facto objetivamente consideradas, sem cuja influência a vontade do órgão administrativo não se teria manifestado no sentido em que se manifestou”.
Como resulta, de entre muitos outros, do Acórdão do STA nº 032352 de 28/04/94 “A fundamentação do ato administrativo deve ser expressa, o que implica que só é válida a fundamentação contextual, ou seja, a que se integra no próprio ato e dele é contemporânea”.
A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido, e não em qualquer outro.
Como ficou dito no Acórdão do STA nº 762/02, de 19 de Fevereiro de 2003, “…a fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.”
É, por isso, um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão.
Dir-se-á que a fundamentação é um dever genérico da Administração, na sua atuação com os administrados.
Com efeito, na esteira do n.º 3 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa, o então art. 124.º do CPA, aqui aplicável, consagrava um dever geral de fundamentação dos atos administrativos, dever concretizado no artigo 125.º deste último diploma.
Assim, a fundamentação de um concreto ato, para que possa desempenhar em pleno a principal função subjacente à previsão da respetiva exigência, tem que ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam, com precisão, os factos e o direito com base nos quais se decide.
A Fundamentação terá ainda de ser suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram que o órgão ou agente tenha atuado como atuou, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer o particular e permitir-lhe o controlo do ato, de modo a que possa ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o que se traduz na exigência de que a administração lhe deverá dar, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada de decisão.
Em concreto, e ainda no que concerne à invocada Falta de Fundamentação, é manifesto que o conjunto de notificações feitas à Recorrente a habilitam a percecionar das razões subjacentes à decisão proferida, quer de facto quer de direito.
Na realidade, e no que concerne ao projeto 20004230010730, logo no ofício nº 754/2009, de 09-01-2009, relativo à audiência prévia, se afirmou que "No âmbito de uma ação de controlo efetuada (Auto-de-Fecho) realizada em 04/01/2006 para efeitos de conclusão do investimento relativo ao projeto mencionado em epígrafe verificou-se a existência de recibos de favor de acordo com o quadro anexo (Anexo I).
A análise do anexo 1 permite concluir que, com exceção da despesa apresentada pela fatura n.º 682, a totalidade das ajudas pagas, correspondentes às faturas 181, 182, 663, 183, 187 e 188, foram quitadas através de cheques com data de emissão posterior à data de entrega dos respetivos pedidos de pagamento, pelo que não poderão ser considerados elegíveis por incumprimento da Regra de Elegibilidade n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 1685/2000."
Por outro lado, mas no mesmo sentido, pelo ofício nº 9977/2009, de 17-03-2009 (decisão final) foi comunicado que “(...) Através do oficio de audiência prévia 2278/DAI/UPRF/2008, de 30/12/2008, para o conteúdo do qual remetemos na integra, foi V. Exa. notificada da intenção deste Instituto de determinar a modificação unilateral do contrato e a consequente recuperação de verbas.
(...)
No despacho que exarou o Gestor considera que para recebimento das ajudas V. Exas. apresentaram "recibos de favor, já que parte das despesas apresentadas para reembolso foram pagas aos fornecedores através de cheques emitidos após apresentação dos correspondentes pedidos de pagamento das ajudas, conforme descrito no ofício de audiência prévia de rera 2279/DA I/UPRF/2008, de 09/01/2009, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Assim, as despesas em causa não estavam efetivamente pagas aquando da apresentação do respetivo pedido de pagamento de ajudas, situação que contraria o disposto na Regra de Elegibilidade n.º 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000, segundo a qual são elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários (n. 1.1.), comprovados pelas respectivas faturas pagas (n.º 2), bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos da aplicação dos fundos pelos Beneficiários (ou seja, do pagamento das despesas) e sendo que a apresentação do pedido de pagamento representa a declaração pelo beneficiário de que efetivamente suportou as despesas.
(...)
Assim, ao abrigo do n.º 2 do artº 11° do Decreto-Lei n° 163-A/2000, de 27 de Julho, que assegura a aplicação efetiva do Programa AGRO, determina-se, em conformidade com a decisão tomada pelo Gestor do POAGRO, a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com a consequente exigência de devolução das ajudas indevidamente recebidas, acrescidas de juros de acordo com o disposto no n.º 5 do artº 12.º do mesmo diploma.
Já quanto ao processo nº 20004230010771, foi o Recorrente notificado por via do ofício nº 753/2009, de 09-01-2009 (audiência prévia), que "No âmbito de uma ação de controlo efetuada (Auto-de-Fecho) realizada em 04/01/2006 para efeitos de conclusão do investimento relativo ao projeto mencionado em epígrafe verificou-se a existência de recibos de favor de acordo com o quadro anexo (Anexo I).
A análise do anexo 1 permite concluir que, com exceção da despesa apresentada pela fatura n.º 681, a totalidade das ajudas pagas, correspondentes às faturas 666, 47, 48, 49, 50/70, 51/70 e 52/70, foram quitadas através de cheques com data de emissão posterior à data de entrega dos respetivos pedidos de pagamento, pelo que não poderão ser considerados elegíveis por incumprimento da Regra de Elegibilidade n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 1685/2000."
Consequentemente, foi ainda remetido o ofício nº 9978/2009, de 17-03-2009 (decisão final), através do qual foi proferida decisão final, nos seguintes termos:
“(...)
Através do ofício de audiência prévia 2278/DAI/UPRF/2008, de 30/12/2008, para o conteúdo do qual remetemos na íntegra, foi V. Exa. notificada da intenção deste Instituto de determinar a modificação unilateral do contrato e a consequente recuperação de verbas.
(...)
No despacho que exarou o Gestor considera que para recebimento das ajudas V.Exas. apresentaram "recibos de favor, já que parte das despesas apresentadas para reembolso foram pagas aos fornecedores através de cheques emitidos após apresentação dos correspondentes pedidos de pagamento das ajudas, conforme descrito no ofício de audiência prévia de rera 22781DA I/UPRF/2008, de 09/01/2009, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Assim, as despesas em causa não estavam efetivamente pagas aquando da apresentação do respetivo pedido de pagamento de ajudas, situação que contraria o disposto na Regra de Elegibilidade n.º 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000, segundo a qual são elegíveis os pagamentos efetuados pelos beneficiários (n. 1.1.), comprovados pelas respectivas faturas pagas (n.º 2), bem como a condição geral do contrato de atribuição de ajudas, de acordo com a qual o pagamento das ajudas depende da apresentação de comprovativos da aplicação dos fundos pelos Beneficiários (ou seja, do pagamento das despesas) e sendo que a apresentação do pedido de pagamento representa a declaração pelo beneficiário de que efetivamente suportou as despesas.
(...)
Assim, ao abrigo do n.º 2 do art.º 11º do Decreto-Lei n° 163-A/2000, de 27 de Julho, que assegura a aplicação efetiva do Programa AGRO, determina-se, em conformidade com a decisão tomada pelo Gestor do POAGRO, a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas com a consequente exigência de devolução das ajudas indevidamente recebidas, acrescidas de juros de acordo com o disposto no n.º 5 do art° 12.° do mesmo diploma."
Em função de tudo quanto precedentemente ficou expendido é manifesto que a decisão administrativa proferida e objeto de impugnação se mostrava suficiente e adequadamente fundamentada, pelo que nenhuma censura poderá ser imputada à decisão de 1ª instância.
Aliás a letra do Regulamento comunitário invocado é esclarecedora e incontornável:
“Regulamento (CE) n.º 1685/2000 (...)
ANEXO
REGRAS DE ELEGIBILIDADE
Regra n.º 1. Despesas efetivamente pagas
1. PAGAMENTOS EXECUTADOS PELOS BENEFICIÁRIOS FINAIS
1.1. Os pagamentos executados pelos beneficiários finais, nos termos do n.º 1, terceiro parágrafo, do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 (seguidamente designado "regulamento geral"), serão pagamentos em dinheiro, salvo as exceções indicadas no ponto 1.4.
(...)
2. DOCUMENTOS COMPROVATIVOS DAS DESPESAS
Em regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais devem ser comprovados pelas respectivas faturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.
(...)”
Se é certo que o Recorrente poderá não concordar com a decisão proferida, o que não poderá afirmar é que a decisão se mostrará insuficientemente fundamentada, sendo que, por outro lado, o financiamento é uno, pelo que a decisão não poderia ser segmentada em função da comparticipação comunitária e aquele a cargo das autoridades nacionais.
Efetivamente, detetada que seja uma qualquer irregularidade processual ou procedimental, a mesma contagia necessariamente todo o financiamento, comunitário e nacional, independentemente dos normativos violados.
Refira-se ainda que o facto de estar em causa reconhecidamente uma “ajuda ao investimento”, e ao contrário do que é afirmado pelo Recorrente, esse facto não obriga a que o apoio financeiro seja feito em momento anterior ao do investimento, mormente atenta a circunstância de haver norma que impõe que o financiamento pressuponha que a “despesa esteja já efetivamente paga” (Regulamento (CE) nº 1685/2000 de 28/07/2000).
Por outro lado, a circunstância de nos cabeçalhos do contrato estar referenciado o Regulamento (CE) nº 1256/99, o que se reconhece, não legitima a interpretação de acordo com a qual este seria o único conjunto normativo aplicável, como decorre de tudo quanto precedentemente ficou expresso.

Da Proporcionalidade
A invocação de violação do princípio da proporcionalidade mostra-se feita de modo meramente conclusivo e insuficientemente densificado.
A questão essencial reside na circunstância de terem sido pagas ajudas que o não deveriam ter sido, por não se reportarem a investimentos já pagos à data da apresentação do pedido de pagamento das ajudas, tendo a Entidade Recorrida ficado vinculada a decidir como decidiu.
Como se afirmou no Acórdão do TCAS nº 05369/09 de 20-09-2012, “Aplicar o critério da proporcionalidade significa interpretar e analisar o propósito perseguido pelo Estado e o meio de intervenção em si, no que tange às suas admissibilidades e à relação entre os dois. Esta deve poder ser caracterizada como uma relação de adequação e necessidade, nos seus sentidos técnico-jurídicos”.
Efetivamente, e no que concerne à proporcionalidade, refira-se que a decisão objeto de impugnação a mesma foi adotada no exercício de poderes vinculados.
A este respeito refere, designadamente, o Acórdão do Colendo STA de 30/1/2002, no Recurso nº 048163, que: "Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários”.
Aliás, mal se compreenderia que se entendesse a restituição de quantias consideradas como indevidamente pagas, como uma decisão desproporcional.
Em função de tudo quanto ficou expendido, não se reconhece a verificação de qualquer dos vícios invocados ou de quaisquer outros.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12 de outubro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira