Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00433/21.9BEVIS-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:REPRESENTAÇÃO ESTADO PROCESSOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
MINISTÉRIO PÚBLICO; NULIDADE CITAÇÃO; CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO;
INCONSTITUCIONALIDADE ARTS. 11.º, N.º1 E 25.º, N.º 4 CPTA;
Sumário:É inconstitucional o disposto nos arts 11.°, n.° 1, in fine e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, por violação do disposto no art.º 219.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa – Cfr. Acórdão, n.º 876/2022, de 21/12/2022, do Tribunal Constitucional – in Proc. 415/2022.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . O MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do TAF de Viseu, agindo em seu nome próprio, como defensor da legalidade democrática - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, als. a) e j) do EMP – e na sua qualidade de representante judiciário do Estado - art.º 219.º, n.º1 da CRP e arts. 2.º e 4.º, n.º1, al. b) do EMP –, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 24 de Janeiro de 2022, que, no âmbito da acção administrativa instaurada pelo A./Recorrido AA contra o Estado Português, indeferiu o requerimento, de 21/10/2021, do Ministério Público no âmbito do qual foi arguida a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redacção da Lei n.º 118/2019, de 17/09 e arguida a nulidade por falta de citação do réu Estado Português e foi requerida:
1) que seja efectuada a pugnada interpretação restritiva do art.º 25.º, n.º 4 do CPTA, conforme a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art.º 219.º, n.º 1 da CRP, não se aplicando assim à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;
2) Caso assim se não entenda, a recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição e bem assim do disposto no art.º 165.º, n.º1, al. p) da Constituição; e,
3) E, em qualquer dos casos, a declaração de nulidade da falta de citação do Ministério Público - que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português (arts. 187.º, als. a) e b) e 188.º, n.º1, al. a) do CPC, subsidiariamente aplicáveis e arts 219.º, n.º 1 da Constituição e 9.º, n.º 1, al. a) do actual EMP, anulando-se o processado posterior à Petição Inicial e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da lei.
*
Nas suas alegações, o M.º P.º/recorrente formulou as seguintes conclusões:
"1. Por douto despacho proferido em 24/01/2022, de que agora se interpõe o presente recurso de apelação autónoma, a Mma. Juiz a quo proferiu decisão a indeferir o requerimento apresentado quanto à requerida interpretação restritiva do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, bem como, quanto à inconstitucionalidade nº 1 do artigo 11º e nº 4 do artigo 25º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e, consequentemente, quanto à requerida declaração de nulidade de citação do Réu;
2. Dele se discordando, interpõe-se o presente recurso por se considerar que a decisão proferida padece de erro de julgamento, ao adotar um entendimento que, a nosso ver, se mostra desconforme com a Constituição da República Portuguesa e com a lei;
3. Na verdade, verifica-se que a Mma. Juiz a quo proferiu a sua decisão a indeferir convocando, essencialmente, para o efeito, a fundamentação, reproduzida em excerto, da decisão proferida sobre idêntica questão no processo n.º 510/19.6BEPRT. do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;
4. Assim, e por adesão a essa fundamentação, Mma. Juiz a quo, após a análise das alterações introduzidas às normas em causa (art. 25º, º 4, e 11º, nº 1, do CPTA) pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, e das conclusões que delas extraiu, nos termos que dela constam e que acima se realçaram, pronunciou-se quanto à suscitada questão da inconstitucionalidade dessas normas, convocando, a propósito do art. 25º, nº 4, do CPTA, a interpretação proposta pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado a favor da qual milita ainda a diversa legislação ordinária para além do CPTA, que continua a estabelecer que é ao Ministério Público que compete a representação do Estado, referindo-se, nomeadamente: a) Ao artigo 51.º do ETAF, que não sofreu qualquer alteração, com ou após a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, mantendo a redacção clara e inequívoca no sentido de ao Ministério Público competir a representação do Estado em juízo; b) Ao novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, cuja vigência se iniciou em 01 de Janeiro de 2020, que mantém no seu artigo 4.º, n.º 1, al. b), como atribuição do Ministério Público representar o Estado; c) Ao Decreto-Lei n.º 149/2017, de 06 de Dezembro, que aprova a orgânica do Centro de Competências Jurídicas do Estado, e do qual (nomeadamente do seu artigo 2.º, não resulta para este Centro qualquer atribuição no sentido de representação do Estado em juízo, mas apenas de membros do Governo ou do próprio Conselho de Ministros);
5. Entendendo que todos estes diplomas e respetivas normas permitem assim dizer que, não obstante o sentido literal menos conseguido da redação do atual do artigo 11º, n.º 1, do CPTA, continua a ser o Ministério Público a entidade à qual incumbe representar o Estado nos processos que correm termos nos tribunais administrativos;
6. Por fim, e concluindo, procedeu a “uma interpretação conforme à CRP, à luz dos considerandos atrás expostos”, considerando que “o sentido que melhor resulta da conjugação da interpretação dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do CPTA é o seguinte: 1) Apesar de a parte final do n.º 1 do artigo 11.º do CPTA se referir agora à possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, a verdade é que apenas a este incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao Ministério Público em sentido positivo; 2) Da primeira parte do n.º 4 do artigo 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do Ministério Público; 3) A coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao Centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o Ministério Público, cabendo-lhe apenas cooperar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado;
7. Em face do que concluiu que “não ocorre qualquer inconstitucionalidade, dado que o sentido das normas em causa não afecta a representação do Estado pelo Ministério Público, conforme exposto”;
8. Concorda-se e aceita-se a referida interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa segundo a qual todos os diplomas referidos na fundamentação, e respetivas normas, permitem dizer que, não obstante o sentido literal menos conseguido da redação do atual do artigo 11º, n.º 1, do CPTA, continua a ser o Ministério Público a entidade à qual incumbe representar o Estado nos processos que correm termos nos tribunais administrativo e que, apesar de a parte final do nº 1 do artigo 11º, do CPTA se referir agora à possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, a verdade é que apenas a este incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao Ministério Público em sentido positivo:
9. Porém, e desde logo, não se concorda com o despacho proferido pela Mma. Juiz a quo – e, por isso, se interpõe o presente recurso – quando, apesar disso, e aderindo inteiramente à fundamentação constante da decisão parcialmente transcrita, concluiu, no âmbito da preconizada interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, que da primeira parte do n.º 4 do artigo 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do Ministério Público;
10. Pois que, a nosso ver, a referenciada interpretação do nº 4 do art 25º, do CPTA, em conformidade com a Constituição da República Portuguesa e demais legislação aplicável, que foi efetuada no despacho ora recorrido (por inteira adesão à fundamentação transcrita), peca por defeito, ficando aquém do que uma efetiva interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa e a unidade do sistema jurídica exigiria no presente caso;
11. Ao considerar que a citação do Requerido Estado Português possa, afinal, ser efetuada numa entidade – Centro de Competências Jurídicas do Estado – que, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da lei, é destituída de capacidade judiciária e de possibilidade de representação da entidade demandada Estado;
12. Quando se nos afigura incontornável que o próprio ato da citação, enquanto ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (v. art. 219º, nº 1, do CPC), tem que ser efetuado em quem legalmente o represente;
13. Efetivamente, dispõe o art. 223º, nº 1, do CPC, as pessoas coletivas – como é o caso do Estado Português – são citadas na pessoa dos seu legais representantes, e, como referido no despacho recorrido, o Ministério Público continua a ser a entidade à qual incumbe representar o Estado nos processos que correm termos nos tribunais administrativos e apenas a este incumbe tal representação, já que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao Ministério Público em sentido positivo:
14. Pelo que, a nosso ver, o despacho recorrido, ao interpretar o estatuído no art. 25º, nº 4, do CPTA, como permitindo que a citação do Estado (quando é a própria pessoa coletiva Estado a ser demandada) possa ser efetuada numa entidade diversa do seu legítimo representante judiciário (o Ministério Público), acaba ainda por adotar uma interpretação desse preceito legal que não se mostra conforme com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
15. Efetivamente, e segundo consideramos, uma interpretação do nº 4 art. 25º, do CPTA, verdadeiramente conforme com a unidade do sistema jurídico (mormente com as normas dos arts. 8º-A, nº 3, e 10º, nº 2, do CPTA, dos arts. 51º, do ETAF, dos arts. 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea b), do atual EMP, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27/08 e dos arts. 187º, alínea b), 219º, nº 1, 223º, nº 1, do CPC) e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, tem que ser ainda mais restritiva do que aquela que foi propugnada do despacho recorrido;
16. Nos termos da qual se considere que o Centro de Competências Jurídicas do Estado só funciona como um serviço centralizador das citações a realizar apenas e tão-só, nas situações em ocorra a extensão da personalidade judiciária ao ministério ou ministérios respetivos, de acordo com o art. 8º-A, do CPTA;
17. De forma a ser conseguido o objetivo que esteve subjacente a essa alteração legislativa da Lei nº 118/2019, de 16/11, e que, segundo os respetivos trabalhos preparatórios, visou agilizar o procedimento das citações e ainda a evitar erro no envio dos articulados a certos Ministérios, particularmente nos casos em que se limita o demandante a indicar o órgão administrativo, como entidade demandada;
18. E já que, só nesses casos, poderá ter aplicação, na sua plenitude, o segmento final da norma do art. 25º, nº 4, do CPTA, quando estabelece que, após a sua citação, o Centro de Competências Jurídicas do Estado “assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”;
9. Mas já não nos casos em que seja demandada a própria pessoa coletiva Estado, em que o mesmo terá que ser citado, nos termos gerais (como antes sucedia), através do seu legítimo representante judiciário;
20. E tanto mais que, neste caso, sendo demandado o Estado Português e, consequentemente, citado o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal, nem sequer se verificam as indicadas razões que presidiram a tal alteração legislativa (agilização da citação, evitar o erro de envio dos articulados a certos ministérios, especialmente quando seja indicado como demandado o próprio órgão autor do ato impugnado);
21. Assim, e à semelhança da interpretação restritiva que vem sendo há muito efetuada do próprio art. 10º, nº 2, do CPTA, deverá fazer-se uma interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, conforme à unidade do sistema jurídico e ao disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de forma a ser aplicável unicamente aos casos em que, devendo ser demandada a pessoa coletiva Estado, o CPTA prevê a possibilidade de ser demandado o próprio ministério (ou ministérios) respetivo, por extensão da personalidade judiciária passiva deste, nos termos do disposto nos arts. 8º-A, nº 3, e 10º, nº 2, do CPTA;
22. E não também às demais situações em que é a própria pessoa coletiva Estado a ser demandada;
23. Pois que, neste caso (de ser demandada a própria pessoa coletiva Estado), como sucedeu no presente processo cautelar, o Estado terá necessariamente que ser citado através do Ministério Público, enquanto o seu (único) representante judiciário (nos termos da Constituição e da lei), em conformidade com o disposto no art 223º, nº 1, do CPC;
24. Assim, no presente caso, a falta de citação do Ministério Público enquanto representante do Réu Estado Português, implica, nos termos do disposto no referido art. 187º, alínea b), do CPC, a nulidade de todo o processado depois da petição inicial;
25. Mas, sem conceder, se porventura se entender que o art. 25º, nº 4, do CPTA, não admite a pugnada interpretação restritiva, então ter-se-á que considerar, em divergência com o decidido no despacho recorrido, que o mesmo é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no art. 219º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e no art. 165º, nº 1, alínea p), da mesma Lei Fundamental;
26. Ao permitir que, em violação daquele preceito constitucional, o Estado Português seja citado através de entidade que não é, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da lei, o seu legítimo representante nem tem poderes para esse efeito;
27. Na verdade, como resulta claramente do respetivo preâmbulo e do disposto no Decreto-Lei nº 149/2017, de 06/12, na sua atual redação (que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 91/2019, de 05/07), o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, apenas tem como missão “prestar consultadoria, assessoria e aconselhamento jurídicos, bem como informação jurídica em matéria de contratação pública, procedimentos contraordenacionais e procedimentos disciplinares, aos membros do Governo, ficando, igualmente, responsável por assegurar a representação em juízo do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados, incluindo nos processos que correm perante o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas” – v. o preâmbulo e o art. 2º, nº 1, tendo como atribuições, “assegurar a representação, através de consultores jurídicos para o efeito designados pelo/a diretor/a, do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados, no âmbito de processos que corram perante tribunais arbitrais” – v. o respetivo preâmbulo e do disposto no art. 2º, nº 2, alínea e), incumbindo-lhe ainda assegurar o patrocínio judiciário dos membros do Governo, quando demandados em virtude o exercício das suas funções, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 148/2000, de 19/07 – v. art. 2º, nº 2, do mesmo diploma legal;
28. Porém, não existe qualquer norma legal que atribua ao Centro de Competências Jurídicas do Estado poderes de representação em juízo da pessoa coletiva Estado Português;
29. E, como tal, permitir que a citação do Estado lhe seja efetuada, é permitir que, afinal, a pessoa coletiva Estado Português seja representado em juízo, nesse ato processual da citação, por quem não é, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da lei, o seu legítimo e único representante judiciário (o Ministério Público);
30. Dando ainda azo a que, em clara violação da Constituição da República Portuguesa e da lei, seja o Centro de Competências Jurídicas do Estado quem tem o poder de definir o modo de representação ou patrocínio judiciário do Estado;
31. Com a inerente possibilidade de decidir não transmitir a citação ao Ministério Público, enquanto único representante judiciário da pessoa coletiva Estado em sede de contencioso administrativo (tal como, de resto, já veio a suceder efetivamente no âmbito da Ação Administrativa nº 476/19.2BEVIS, pendente neste Tribunal Administrativo e Fiscal, nos termos acima referidos);
32. Além disso, e ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido, permite ainda, nos termos do segmento final, e sem a definição de quaisquer restrições ou limites, que seja esse Centro a coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo;
33. O que contende claramente com a autonomia do Ministério Público, consagrada constitucionalmente no nº 2 do art. 219º, da Constituição da República Portuguesa, e no art. 3º, nºs 1 e 2, do atual Estatuto do Ministério Público (Lei nº 68/2019, de 27/08);
34. Pois que, efetivamente, e em divergência com o que é referido (por adesão) na fundamentação do despacho recorrido (de que igualmente se discorda), não resulta dessa norma, nem de qualquer outra, que caiba apenas àquele Centro cooperar com o Ministério Público “nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado”;
35. Pelo contrário, emerge desta norma do nº 4 do art. 25º, do CPTA, o poder de ser o Centro de Competências Jurídicas do Estado a decidir, de forma casuística, se, quando e como assim o entender, se confia – ou não – a representação judiciária do Estado ao Ministério Público e os termos da respetiva intervenção em juízo:
36. Acabando, assim, por permitir que seja o Centro de Competências Jurídicas do Estado a definir, de facto, e em concreto, se e em que termos o Ministério Público intervém em representação do Estado, sem que haja qualquer definição legal dos critérios que conformam tal decisão, em clara afronta ao disposto no próprio art. 165º, nº 1, alínea p), da Constituição da República Portuguesa;
37. Assim, ao atribuir ao JurisApp, um serviço central da administração direta do Estado, a competência para proferir decisões que delimitam a intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado, a norma jurídica resultante das disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1 e 25º, nº 4 do CPTA configura, dessa forma, uma inconstitucionalidade material, também por violação ao artigo 165º, nº 1, al. p) da Constituição da República Portuguesa;
38. Ou seja, a norma do art. 25º, nº 4, do CPTA, na sua atual redação, não só determina que o Estado seja citado numa entidade administrativa (que constitui um mero serviço central da administração direta do Estado, e não um órgão deste), que não detém legalmente poderes para a sua representação em juízo (v. o citado Decreto-Lei nº 149/2017, de 06/12); como também afasta a regra de que o Estado seja citado através do Ministério Público, enquanto aquele que, nos termos do art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e da lei (arts. 51º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea b), do atual EMP, e ainda, por subsidiariamente aplicáveis, ex vi o art. 1º, do CPTA, os arts. 187º, alínea b), e 223º, nº 1, do CPC), é o único que detém esses poderes de representação em juízo; como ainda permite que seja o Centro de Competências Jurídicas do Estado quem tem o poder de definir o modo de representação ou patrocínio judiciário do Estado, incluindo se transmite, ou não, a citação ao Ministério Público, enquanto o único representante judiciário da pessoa coletiva Estado; assim como também permite, nos termos do segmento final, e sem a definição de quaisquer restrições ou limites, que seja esse Centro a coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo:
39. Em manifesta violação do disposto no art. 219º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e mesmo do próprio art. 165º, nº 1, alínea p) desse texto constitucional, e da lei.;
40. Devendo, portanto, e nesse caso, ser declarada a sua inconstitucionalidade, com efeitos restritos a este processo, e a sua desaplicação incidental, por nulidade, conforme exposto no presente recurso e nos termos e pelas razões expostas no requerimento de 21/10/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
41. Em consequência, visto que o Ministério Público não foi citado para a presente ação, quando nela devia intervir como parte principal em representação do Réu Estado Português, ocorre a arguida a nulidade emergente da falta da sua citação, por omissão completa do ato, sendo, assim, nulo todo o processado posterior à petição inicial, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 187º, alíneas a) e b), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC (ex vi o art. 1º do CPTA);
42. Em suma, o despacho recorrido, apesar do preconizado entendimento do art. 11º, nº 1, do CPTA – conforme à Constituição da República Portuguesa – de que o Ministério Público continua a ser a entidade à qual incumbe a representação do Estado nos processos que Público incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao Ministério Público em sentido positivo;
43. Adotou, ainda assim, uma interpretação do art. 25º, nº 4, do CPTA, desconforme com a Constituição da República Portuguesa e com a lei, ao considerar que: 2) da primeira parte do nº 4 do artigo 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do Ministério Público; 3) A coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao Centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o Ministério Público, cabendo-lhe apenas cooperar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado;
44. E ao concluir assim que não ocorre qualquer inconstitucionalidade, julgando não verificada a arguida nulidade por falta de citação do Ministério Público em representação do Estado Português e indeferindo o requerimento que o Ministério Público apresentara nos autos em 21/10/2021;
45. Quando, ao invés, deveria antes ter sido efetuada a pugnada interpretação restritiva do art. 25º, nº 4, do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, em conformidade com a qual esse preceito não é aplicável, à citação do Requerido Estado Português, que, assim, e nos termos gerais (v.g. art. 223º, do CPC, e demais normativos suprarreferidos), e tal como sucedia anteriormente. deve continuar a ser citado através do Ministério Público, enquanto seu (único) representante judiciário, nos termos da Constituição e da Lei;
46. Ou, caso assim se não entendesse, e atenta a interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa que foi efetuada no despacho recorrido quanto à norma do nº 1 do art. 11º, do CPTA, deveria ter sido efetuada a recusa de aplicação, neste processo, da indicada norma do nº 4 do art. 25º, do CPTA, por inconstitucionalidade material emergente da violação do disposto no art. 219º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e bem assim no art. 165º, nº 1, alínea p), da Lei Fundamental;
47. E, em qualquer dos casos, deveria ter sido declarada a arguida nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português (arts. 187º, alínea b), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e arts. 219º, nº 1, e 165º, nº 1, alínea p), da Constituição, 51º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea a), do atual EMP), anulando-se todo o processado posterior à petição inicial, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 187º, alíneas a) e b), e 188º, nº 1, alínea a), do CPC (ex vi o art. 1º do CPTA):
48. Desta feita, o despacho recorrido, ao considerar, não obstante a interpretação conforme à Constituição que efetuou do disposto no art. 11º, nº 1, do CPTA, que a citação do Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências jurídicas do Estado, cabendo a este assegurar a sua transmissão aos serviços competentes do Ministério Público, violou ainda assim o disposto no art. 219, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e no art. 165º, nº 1, alínea p), da mesma Lei Fundamental, e bem assim o estatuído nas demais disposições legais acima referidas, v.g. os arts. 51º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 4º, nº 1, alínea b), e 9º, nº 1, alínea a), do atual EMP, 187º, alínea b), e 188º, nº 1, alínea a), 219º, nº 1, e 223º, nº 1, do CPC, ex vi o art. 1º, do CPTA"
E termina:
"TERMOS EM QUE,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que, efetuando a pugnada interpretação restritiva do disposto no art. 25º, nº 4, do CPTA, ou, se assim não for entendido, recusando a sua aplicação ao presente caso por inconstitucionalidade material, julgue verificada a arguida nulidade, por falta de citação do Ministério Público enquanto o único representante judiciário do Réu Estado Português, com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial e com a determinação da citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, na qualidade de seu único representante judiciário, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei.
ASSIM,
farão V. Exas., como sempre,
JUSTIÇA".
*
Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, não foram apresentadas contra alegações.
***
Pelo Acórdão deste TCA-N, de 13/5/2022, foi negado provimento ao recurso.
Interposto recurso de revista, pelo douto Acórdão de 13/5/2022, o STA não admitiu a revista.
***
Apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, veio a ser, em 9/1/2023, proferida decisão sumária, julgando inconstitucionais as normas insertas nos arts. 11.º, n.º1, in fine e 25.º, n.º4, ambos do CPTA --- na redacção da Lei n.º 118/2019, de 17/09 ---, por violação do art.º 219.º, n.º1 da CRP.

II
FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em consideração a douta decisão sumária n.º 15/2023 do Tribunal Constitucional referida – Proc. 984/2022, de 9/1/2023 – importa apenas, sem mais, dando cumprimento ao citado aresto do TC, reformular a decisão no sentido da inconstitucionalidade daquelas normas do CPTA.
Desconhecendo, em concreto, este TCA a total tramitação dos autos, apenas se evidenciando dos autos que - como, aliás, também, refere o TC - o M.º P.º contestou a acção O processado em separado, constante do SITAF, não permite aferir da tramitação da acção., deverá a 1.ª instância, aferir da necessidade da repetição (ou não) da citação e subsequente tramitação.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal, na sequência do juízo de inconstitucionalidade decidido pelo Tribunal Constitucional, dar provimento ao recurso, revogar a decisão do TAF de Coimbra e ainda ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí se aferir da utilidade (ou não) da repetição da citação e subsequente tramitação.

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Sem custas.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 10 de Fevereiro de 2023

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho