Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00818/09.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PAGAMENTO, FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL, CHEQUES, DESVIO, MEIOS COMPROVATIVOS DO PAGAMENTO
Sumário:I - O pagamento que se prevê no artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal, é o que tiver ocorrido antes da instauração do processo de execução fiscal.

II – Inexistindo documento comprovativo junto aos autos de pagamento da dívida exequenda, impõe-se julgar improcedente a oposição com esse fundamento, como efectuado pelo tribunal recorrido. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

T., Lda., NIPC (...), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 24/01/2014, que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 0450200901010867, por dívidas de IVA, respeitantes aos períodos de 0408, 0501, 0504, 0506, 0508, 0510, 0602, 0604, 0605, 0607, 0609, 0702, 0703, 0709, 0710 e 0711, no montante total de €100.785,56.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I. O Tribunal «a quo» deu como não provados factos essenciais, quando na verdade os mesmos se encontram provados quer pelos documentos juntos aos autos, quer pela prova testemunhal, quer por força das normas legais.
II. A douta sentença incorreu em erro de julgamento ao não considerar provados os seguintes factos, constantes da Petição Inicial da oposição:
- à data da emissão da citação, a quase totalidade da dívida exequenda já havia sido integralmente paga pela Recorrente ao Estado nos referidos prazos legais de pagamento.
- os cheques foram emitidos unicamente para pagamento do iva do período.
- e totalizam 127.453,35€
- podendo ser verificada na tabela anexa a correspondência de cada cheque com o respetivo período de pagamento


PeríodoData legal de pagamentoCHEQUEn.º do doc. anexo
08/200410-10-2004247147251234
01/200510-03-2005247143332436
04/200510-06-2005247141654337
06/200510-08-2005247142352738
08/200510-10-2005247135873139
10/200510-12-2005247136765540
02/200610-04-2006247150054541
04/200610-06-2006247147765342
05/200610-07-2006247148114543
07/200610-09-2006247148764444
09/200610-11-2006247152576545
02/200710-04-2007543016898746
03/200710-05-2007247158774847
09/200710-11-2007603307332848
10/200710-12-2007247159657549
11/200710-01-2008247159793350

- os cheques foram efetivamente descontados da conta da empresa e creditados a favor da DGT e do IGTCP.
- os cheques emitidos pela Recorrente ao Estado foram por este imputados a outros sujeitos passivos, à revelia da Recorrente
- inexistindo qualquer autorização e / ou relação comercial com as entidades em questão.
- a A. que prestava serviços de contabilidade à Oponente, não estava autorizada a efetuar pagamentos dos seus impostos a terceiros com cheques da Oponente.
- os cheques terão sido entregues no Serviço de Finanças de (...) pelo TOC M..
- sem que a empresa o tenha mandatado ou autorizado a entregar cheques da Recorrente não sendo para pagamento exclusivo dos impostos daquela nos termos da lei.
- os referidos cheques foram aceites pela Tesouraria do Serviço de Finanças de (...) sem que fosse feita qualquer notificação à Oponente ou qualquer outro pedido de esclarecimentos. - a Tesouraria, em violação da lei, não imputou os cheques à Oponente quando o deveria ter feito.
- do valor de ditos cheques a Administração Tributária imputou à Oponente a quantia de 26.667,79 € e imputou a terceiros, à revelia da Oponente, a quantia de 100.785,56 €.
- devendo essa quantia considerar-se já integralmente paga pela Oponente.
- os cheques foram entregues ao Estado dentro dos prazos legais em que o IVA da sociedade se encontrava a pagamento.
- o valor efetivamente pago à AT pela Oponente é o que consta dos cheques.
- a Oponente requereu, em resposta ao projeto de inspeção tributária ao abrigo do direito de audição (doc. 53) que a AT procedesse à correção dessa informação no sistema.
- e que a diferença lhe fosse creditada.
- sem que isso até ao momento tenha sido feito e sem que lhe tivesse feito qualquer tipo de devolução das quantias por si entregues à Administração nas datas de vencimento das dívidas.
- continuando as referidas quantias na posse da Administração.
- a sociedade é uma Sociedade por quotas que se vincula com a intervenção dos dois gerentes, J. e I. (cfr. doc. 54 junto à PI).
- inexistindo procuração a favor de qualquer entidade para a prática de atos de gestão, onde se incluem os pagamentos.
- tanto é que os cheques são preenchidos e assinados pelos gerentes da empresa.
- no estrito convencimento de que é esse o valor a entregar ao Estado por conta do IVA recebidos dos clientes.
- a empresa, além, de não ter emitido procuração, não ratificou quaisquer atos praticados por gestores de negócios.
- e não autorizou a imputação de ditos cheques a quaisquer outros contribuintes.
- a AT aceitou cheques de valor superior ao constante das declarações lançadas no sistema.
III. Dito erro resulta do facto de o tribunal «a quo» não ter valorado os depoimentos prestados pelas testemunhas da Recorrente, nem considerado os documentos juntos aos autos, nem o art.º 75.º LGT.
IV. A douta sentença recorrida refere que a Recorrente "não logrou juntar aos autos qualquer documento que comprove o efetivo pagamento, na medida em que não detém documento de pagamento emitido pela Administração Tributária". No entanto, a Recorrente juntou aos autos prova do pagamento do IVA, uma vez que juntou à PI cópia dos cheques emitidos por ela à Direção Geral do Tesouro e certidão do Serviço de Finanças de (...) 2 onde se identificam as empresas e os impostos pagos com os cheques da T. que deram entrada nos cofres do Estado.
V. O que consubstancia uma omissão nos factos provados
VI. O que consubstancia também, de per si, um erro de julgamento.
VII. O princípio do inquisitório impõe ao tribunal um dever de descoberta da verdade material - pelo que o Tribunal deveria ter ordenado todas as diligências adequadas e úteis para a descoberta da verdade,
VIII. Ao não o fazer, incorreu na violação dos referidos princípios.
IX. A douta sentença recorrida enferma de erro de direito relativamente a dois pontos fundamentais: a prova do pagamento das dívidas e a relação entre o TOC e a empresa.
X. Decorre dos artigos 72.º LGT, 50.º CPPT e 115.º, 1 CPPT que o Contribuinte pode utilizar todos os meios de prova para prova dos factos por si alegados.
XI. Entre eles o pagamento ao Estado dos impostos nas datas em que eles se encontravam a pagamento.
XII. A conclusão que a prova de pagamento só possa fazer-se através de DUC viola o princípio da descoberta da verdade material e o princípio do inquisitório.
XIII. As sociedades comerciais são representadas pelos seus órgãos ou por mandatários com poderes para o ato.
XIV. O ato praticado sem intervenção dos órgãos sociais de uma sociedade não a vincula.
XV. Atua como gestor de negócios, quem atua em nome de uma sociedade sem ter poderes para o ato.
XVI. A gestão de negócios impõe a posterior ratificação do negócio para o negócio ser ineficaz em relação ao representado, ratificação que não aconteceu neste caso.
XVII. Não decorre do conteúdo típico do contrato de prestação de serviços de contabilidade que um contabilista possa afetar cheques de um sujeito passivo emitidos a favor do estado aos impostos de terceiros com quem não tem relações contratuais, sem ordens expressas dos administradores da empresa.
XVIII. Tendo ficado provada a forma de vinculação da sociedade e os limites dos poderes contratuais do contrato de prestação de serviços com o TOC, há que concluir-se que o mesmo atuou como gestor de negócios.
XIX. A presunção que decorre do art.º 17 da LGT é ilidível, podendo a Recorrente fazer prova através de qualquer meio de prova da não ratificação dos atos praticados pelo gestor de negócios.
XX. Juridicamente, a aceitação dos cheques para pagamento de impostos de terceiros sempre implicaria a intervenção formal dos legais representantes da Recorrente para poder ser aceite pelos Serviços da Tesouraria de Famalicão.
XXI. Os referidos cheques foram aceites pela Tesouraria do Serviço de Finanças de (...) sem que fosse feita qualquer notificação à Recorrente ou qualquer outro pedido de esclarecimentos (exigível, como veremos, nos termos da lei).
XXII. Verificou-se assim que a Tesouraria, em violação da lei, não imputou os cheques à Recorrente quando o deveria ter feito.
XXIII. O Regime da Cobrança e Reembolsos de IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 229/05 de 11 de Setembro, dispõe no artigo 4.º, n.º 2 que "cada meio de pagamento deve respeitar a uma única declaração periódica".
XXIV. E dispõe o art.º 6.º que "1 - Quando o valor do meio de pagamento for superior ao do imposto apurado pela DSCIVA com base nos valores indicados na declaração periódica correspondente, será a diferença daí resultante comunicada ao sujeito passivo para efeitos da sua compensação nos períodos de imposto seguintes (...) ".
XXV. Tendo-se verificado que a Recorrente não foi notificada para efeitos do art.º 6.º do DL 229/95 deverão as importâncias pagas ser consideradas no pagamento do imposto que vier a mostrar-se devido.
XXVI. A douta sentença recorrida omite o disposto nos artigos 4.º, 6.º e 9.º do DL 229/95.
XXVII. E fundamenta, como o art.º 4.º da Portaria 1423-I/2003, de 31/12, a necessidade de exibição de DUC para prova do pagamento.
XXVIII. Ora, a exigência de DUC como prova exclusiva do pagamento de um imposto é inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica, do princípio da prevalência da lei e do princípio do acesso ao direito e à descoberta da verdade material.
XXIX. Tendo um contribuinte emitido cheques superiores às declarações periódicas por si entregues verifica-se por parte da AT um enriquecimento sem causa.
XXX. O art.º 4.º da Portaria 1423-I/2003, de 31/12, não impõe a exigência de DUC como prova exclusiva do pagamento de um imposto.
XXXI. Uma interpretação nesse sentido será inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica, do princípio da prevalência da lei e do princípio do acesso ao direito e à descoberta da verdade material.
XXXII. Viola o princípio da segurança jurídica ao exigir uma formalidade desproporcionada e contrária à boa fé, caso não se permita a prova por meios alternativos.
XXXIII. Viola o princípio da prevalência da lei porque uma portaria não pode contrariar a lei: art.º 72.º LGT, 50.º CPPT e 115.º CPPT, artigos que falam na plenitude dos meios de prova, bem como o art.98.º da LGT, que determina que a cobrança dos impostos tem que estar regulada na lei, e não em regulamento.
XXXIV. Viola o princípio do acesso ao direito e à descoberta da verdade material, ao restringir os meios de prova previstos na lei.
Pelo exposto deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida. Decidindo nesta conformidade será feita:
JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se se verifica erro de julgamento da matéria de facto e ponderar da existência de fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT e bem assim o alcance dessa matéria na situação descrita nos autos.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Serviço de Finanças de Vila Nova de (...) instaurou o processo de execução fiscal n.º 0450200901010867, em nome da aqui Oponente e por dívidas de IVA respeitante aos períodos de 0408, 0501, 0504, 0506, 0508, 0510, 0602, 0604, 0605, 0607, 0609, 0702, 0703, 0709, 0710 e 0711, no montante total de €100.785,56 – cfr. fls. 12 e 84 a 115 dos autos.
2. Em 31.03.2009 foi citada a aqui Oponente da execução descrita em 1., na pessoa de ….. , portador do BI n.º…. – cfr. fls. 116 dos autos.
3. Conforme consta de fls. 54 a 70 dos autos, a Oponente emitiu os seguintes cheques:
N.º CHEQUEDataValorÀ ordem de
24714725127.10.2004€7.007,43Direcção Geral Tesouro
2471472318----------------€2.512,78-----------------------------------------
24714724156.10.2004€2.647,58---------------------------------------
24714333248.03.2005€3.126,23Direcção Geral Tesouro
24714165438.06.2005€4.519,19Direcção Geral Tesouro
24714235275.08.2005€4.958,04Direcção Geral Tesouro
247135873110.10.2005€6.324,80Direcção Geral Tesouro
24713676559.12.2005€8.807.49Direcção Geral Tesouro
247150054510.04.2006€8.417,90Direcção Geral Tesouro
24714776539.06.2006€8.806,71Direcção Geral Tesouro
247148114517.07.2006€10.226,46Direcção Geral Tesouro
24714876446.09.2006€11.051,84Direcção Geral Tesouro
24715257658.11.2006€7.182,07Direcção Geral Tesouro
54301689875.04.2007€8.130,32Direcção Geral Tesouro
24715877484.05.2007€13.243,58Direcção Geral Tesouro
60330733286.11.2007€15.476,47IGCP
24715965754.12.2007€7.576,71IGCP
24715979337.01.2009€2.598,15IGCP
***
4. Conforme consta de certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de (...), os cheques descritos em 3. serviram para pagamento de IRS, IRC e IVA das entidades aí descritas - cfr. fls. 72 dos autos.
5. O processo descrito em 1) foi extinto por pagamento em 16.12.2013 – cfr. fls. 265 dos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), foram corroborados pelos documentos juntos, conforme preestabelece o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC), o posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados, bem como o pela prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal, designadamente a prova testemunhal produzida.
M., exerce as funções de administrativa em sede da Oponente desde o início da constituição da empresa e foi questionada à matéria de facto constante nos artigos 2º a 12º, 14º a 25º, 28º a 35º da petição inicial.
Demonstrou deter conhecimentos directos dos factos em questão, tendo deposto de forma séria e credível.
Declarou que a empresa emitia sempre os cheques a favor da Fazenda Pública com valor indicado pelo contabilista, cheque levantado por funcionário da A. (empresa que tratava da contabilidade da Oponente), sistema praticado há muitos anos pela empresa.
Confrontada com os cheques juntos aos autos, de fls. 54 a 70 dos autos, logrou identificar a que períodos do IVA diziam respeito, afirmando que os mesmos nunca eram endossados pela Oponente.
Somente tiveram conhecimento que os cheques da empresa serviam para pagamento de impostos de outras empresas no início do ano de 2008, passando após esse momento a fazer o pagamento directamente na Internet.
A., escriturário de profissão, trabalhou na empresa A. no período compreendido entre Setembro de 2001 a Novembro de 2008, empresa responsável pela contabilidade do Oponente nesse período. Actualmente é sócio e funcionário da empresa N. desde Março de 2009, actual empresa responsável pela contabilidade da Oponente.
Respondeu aos factos vertidos nos artigos 4º, 6º a 12º, 14º a 18º, 22º a 25º, 30º a 35º da petição inicial de forma séria e credível.
Descreveu ao Tribunal pormenorizadamente a forma como se processava o pagamento do IVA da empresa.
Afirmou não ter qualquer dúvida de que o montante aposto nos cheques correspondia ao valor de IVA a pagar e que a Oponente foi surpreendida com os montantes em dívidas.
Ademais, afirmou que os cheques foram creditados à Oponente e que esses cheques não serviram o propósito de pagar na íntegra o IVA da Oponente.
L., comerciante, proprietário da sociedade L., cliente da empresa A. no período a que respeitam os autos, foi questionado a toda a matéria de facto constante no articulado inicial.
Descreveu como se processava os pagamentos da empresa e respectiva relação com a A..”

2. O Direito

A Recorrente começa por sustentar a verificação de erro de julgamento da matéria de facto, nas suas conclusões I e II das alegações de recurso, solicitando que se adite aos factos provados a matéria que transcreveu (integralmente) da sua petição inicial.
Importa não perder de vista e extrair da petição de oposição as questões que a Recorrente apresentou ao tribunal para decisão e a factualidade alegada para o efeito; sendo que, nesta sede recursiva, somente é fulcral a questão do pagamento das dívidas em apreço.
Portanto, para o que ora releva, a Recorrente pede a extinção da instância executiva, utilizando um dos fundamentos de oposição ao processo de execução fiscal.
Decorre do teor da petição inicial que a oponente alicerça o seu caso no facto de ter efectuado, mediante cheques, o pagamento das dívidas exequendas. Sendo pacífico que o pagamento da dívida exequenda tem previsão legal no disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.
Ora, em consonância com o alegado na petição inicial, o tribunal a quo fixou a factualidade no ponto 3 da decisão da matéria de facto, elencando todos os cheques emitidos pela Recorrente, as suas datas, os seus valores e indicando-se à ordem de quem foram emitidos - da Direcção Geral do Tesouro e do IGCP.
Por outro lado, a decisão da matéria de facto reflectiu no ponto 1 do probatório o valor das dívidas de IVA e os respectivos períodos que subjazem ao processo de execução fiscal instaurado contra a oponente - dívidas de IVA respeitante aos períodos de 0408, 0501, 0504, 0506, 0508, 0510, 0602, 0604, 0605, 0607, 0609, 0702, 0703, 0709, 0710 e 0711, no montante total de €100.785,56.
Na linha do solicitado neste recurso e em sintonia com o vertido na petição de oposição, verificamos que já consta da decisão da matéria de facto, no seu ponto 4, que os cheques emitidos pela Recorrente serviram para pagar outras dívidas de outras entidades, que não da oponente, conforme consta da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de (...), e que consubstancia o documento n.º 52 junto com a oposição.
Efectivamente, considerando as soluções plausíveis de direito, verificamos que, dos factos invocados, mais nenhum é pertinente para a decisão da causa; já que esta passará por apreciar se a emissão dos cheques basta para se considerar as dívidas de IVA dos períodos de 0408, 0501, 0504, 0506, 0508, 0510, 0602, 0604, 0605, 0607, 0609, 0702, 0703, 0709, 0710 e 0711 integralmente pagas, ou seja, se estamos perante documentos comprovativos do pagamento.
Na verdade, somente esta factualidade releva em face do fundamento de oposição invocado: o pagamento da dívida exequenda.
Assim, é forçoso concluir inexistirem factos não provados com relevância e pertinência para a decisão da causa, conforme julgou o tribunal recorrido. A decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito, inexistindo factos não provados.
Pelo exposto, não poderá falar-se, como o faz a Recorrente, em violação do princípio do inquisitório, não se vislumbrando qualquer défice instrutório.
Aqui chegados, mostra-se estabilizada a decisão da matéria de facto.

Defrontamo-nos, agora, com a alegação de recurso de que a prova produzida evidencia que a oponente entregou à AT a quantia que esta diz ser-lhe devida.
Vejamos a decisão recorrida:
«(…) Vem a Oponente invocar que não é responsável pelo pagamento das quantias em dívida e aqui controvertidas, na medida em que procedeu ao pagamento dos montantes em questão, tendo sido o Técnico oficial de Contas o responsável pela falta de entrega do pagamento.
A Fazenda Pública por sua vez sustenta que a Oponente não logrou comprovar o efectivo pagamento da dívida exequenda e ainda que esta deverá lançar mão dos meios legais que tornem operativa e possível a responsabilidade civil do TOC da empresa.
Cumpre apreciar e decidir.
A relação tributária caracteriza-se por uma certa complexidade, decorrente de direitos e deveres para ambas as partes desta relação – a Administração Tributária e os Sujeitos Passivos de impostos.
Nesta senda, a Lei Geral Tributária (LGT) dispõe no seu artigo 31º n.º 1 a obrigação dos sujeitos passivos de efectuarem o pagamento da dívida tributária, constituindo esta a obrigação principal do sujeito passivo.
Como obrigações acessórias dos Sujeitos Passivos de imposto temos aquelas que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, por meio da apresentação de declarações, a prestação de informações e/ou a exibição de documentos fiscalmente relevantes (cfr. n.º 2 do artigo 31º da LGT).
In casu, respeitando as dívidas exequendas a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e tal qual decorre do artigo 2º n.º 1, alínea a) do Código do IVA (normativo em vigor à data dos factos), são sujeitos passivos de IVA “as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços (…)”.
Neste seguimento, sobre os sujeitos passivos de IVA recai o dever de entrega ao Estado do IVA apurado – cfr. artigos 26º n.º1 do CIVA.
Ora, a comprovação desse pagamento há-de fazer-se mediante a apresentação de documentos idóneos para o efeito.
Assim e nos termos do que dispõe o artigo 4º da Portaria n.º 1423-I/2003, de 31.12, que veio regular o documento único de cobrança (vulgo DUC) “com a cobrança do montante titulado pelo DUC, a entidade cobradora emite comprovativo do pagamento efectuado, que certifica a exacta informação recolhida no acto da cobrança constante dos registos electrónicos a enviar à Direcção-Geral do Tesouro, o qual funciona como recibo.”, estabelecendo o n.º 2 que “nos casos em que o DUC consta de documento de liquidação, a validação da cobrança pode ser efectuada por carimbo comprovativo do pagamento aposto directamente neste documento, o qual funciona como recibo.” e ainda o n.º 3 que “quando o pagamento for efectuado por transferência electrónica de fundos, o respectivo suporte informático deve disponibilizar todos os elementos essenciais ao controlo da cobrança, servindo de recibo o comprovante emitido pelos referidos sistemas de pagamento.”
Como tal, para comprovar o pagamento de imposto, têm os sujeitos passivos de imposto de deter documento de pagamento emitido pela Administração Tributária ou documento carimbado ou ainda um documento resultante do suporte informático.
Ora, retornando ao caso dos autos, invoca a Oponente o pagamento das quantias exequendas, juntando para o efeito cópia dos cheques vertidos no probatório, ponto 3), no entanto, não logrou juntar aos autos qualquer documento que comprove o efectivo pagamento, na medida em que não detém documento de pagamento emitido pela Administração Tributária ou documento carimbado ou ainda um documento resultante do suporte informático.
Como tal, impera concluir que a quantia exequenda não estava paga à data da instauração do processo executivo em questão nos presentes autos.
Quanto à alegada ausência de responsabilidade da Oponente pelas dividias tributárias em dissídio, porquanto esta procedeu à entrega ao seu Técnico Oficial de Contas dos respectivos montantes a entregar ao Estado, não tendo este entregue à Administração Tributária tais quantias, apraz referenciar o que dispõe para esse efeito a Lei.
Assim e conforme plasmado no n.º 3 do artigo 24º da LGT, os técnicos oficiais de contas podem ser responsáveis subsidiários pelas dívidas tributárias dos seus clientes, na medida em que se constate “a violação dos deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”
No entanto, esta responsabilidade respeita tão só à assunção de regularização técnica ou de assinatura de declarações fiscais e não à falta de pagamento das dívidas tributárias.
A par, o estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC), aprovado pelo Decreto-lei n.º 452/99, de 5 de Novembro e republicado pelo Decreto-lei n.º 310/2009, de 26 de Outubro, estabelece os deveres destes para com as entidades a quem prestem serviços, estatuindo nomeadamente no seu artigo 54º com a epígrafe “Deveres para com as entidades a que prestem serviços”, que “1 — Nas suas relações com as entidades a que prestem serviços, constituem deveres dos técnicos oficiais de contas: a) Desempenhar, conscienciosa e diligentemente as suas funções; b) Abster-se de qualquer procedimento que ponha em causa tais entidades; c) Guardar segredo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, dele só podendo ser dispensados por tais entidades ou por decisão judicial, sem prejuízo dos deveres legais de informação perante a Direcção-Geral dos Impostos, a Inspecção-Geral de Finanças e outros organismos legalmente competentes na matéria; d) Não se servir, em proveito próprio ou de terceiros, de factos de que tomem conhecimento enquanto prestem serviços a uma entidade; e) Não abandonar, sem justificação ponderosa, os trabalhos que lhes estejam confiados.
Acresce que no artigo 55.º são determinados os deveres destes para com a Administração Fiscal, decorrendo assim que “Nas suas relações com a administração fiscal, constituem deveres dos técnicos oficiais de contas: a) Assegurar que as declarações fiscais que assinam estão de acordo com a lei e as normas técnicas em vigor; b)Acompanhar, quando para tal forem solicitados, o exame aos registos e documentação das entidades a que prestem serviços, bem como os documentos e declarações fiscais com elas relacionados; c) Abster-se da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam a ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação dos documentos e das declarações fiscais a seu cargo; d) Assegurar, nos casos em que a lei o preveja, o envio por via electrónica das declarações fiscais dos seus clientes ou entidades patronais.
Por último o n.º 2 do citado normativo legal alude a que “a violação dos deveres referidos no número anterior é, além da responsabilidade disciplinar a que haja lugar, punível de acordo com as normas do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, ou de um regime que o venha a substituir.”
Ora, tal como se depreende dos normativos legais supra enunciados, a responsabilidade da entrega do imposto apurado pela Oponente (IVA), é da responsabilidade desta e não do Técnico Oficial de Contas.
Acresce que, as responsabilidades que da lei decorrem para os TOC não respeitam à falta de pagamento das dívidas tributárias, na medida em que tal não resulta, quer do estatuto que os regula nem das leis tributárias.
A relação entre a Oponente e o TOC é regulada pelas leis civis, tendo a aqui Oponente ao seu dispor mecanismos legais para o responsabilizar.
Neste mesmo sentido já decidiu o TCA Norte no Aresto de 23.06.2005, rec. 01765/04, ao dispor que “Na verdade, a responsabilidade perante a Administração Tributária cabe apenas às empresas ou, eventualmente, aos gerentes ou administradores destas, em regime de responsabilidade subsidiária, Os técnicos de contas são profissionais liberais sujeitos a responsabilidade civil e que respondem perante os seus clientes por eventuais erros ou comportamentos ocorridos no exercício da sua profissão. Não existe, por isso, nenhuma responsabilidade legal dos técnicos de contas por dívidas das empresas de que aqueles realizem a escrita, apesar de essas dívidas poderem resultar de actos ou omissões por si praticadas.
Deste modo, é inoponível à Administração Tributária, não afastando a responsabilidade da empresa ou dos seus gerentes ou administradores, o comportamento de um técnico de contas que, no exercício legal da sua profissão, e que por acção ou omissão, possa determinar a liquidação de imposto. A responsabilidade perante a Administração Tributária cabe, por isso, à empresa e não ao técnico de contas. Situação diversa, mas que não cabe aqui apreciar, é a da relevância deste comportamento em matéria de direito sancionatório.”
Atendendo ao que dispõem os normativos legais enunciados, o TOC teria quando muito responsabilidade contra-ordenacional e/ou penal.
Por conseguinte, a falta de pagamento das dívidas tributárias em dissídio são da inteira responsabilidade da Oponente, não sendo oponível à Administração Tributária a violação dos deveres do Técnico Oficial de Contas na sua relação com a Oponente.
Por último e quanto à eventual responsabilidade dos funcionários da Administração Tributária pelo recebimento de um só cheque para pagamento de impostos de vários sujeitos passivos, e à luz do aqui exposto para os TOC, esta não serve o propósito pretendido, ou seja, de se considerarem pagas as quantias em dívida. Quando muito serão fundamento de acção de responsabilidade cível e /ou penal.
Pelo exposto improcedem os fundamentos apresentados. (…)»

O pagamento que se prevê no artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal, é o que tiver ocorrido antes da instauração do processo de execução fiscal. Pois, ocorrendo o pagamento posteriormente à instauração da execução, o meio adequado para o executado obter a sua extinção, se ela não for declarada oficiosamente, é requerer tal extinção no processo de execução fiscal.
Na situação em apreço, a Recorrente, na oposição, diz que procedeu ao pagamento do valor do IVA referente aos vários períodos, mediante emissão de diversos cheques.
Na verdade, o ponto 3 da factualidade apurada espelha que a oponente emitiu nessas datas, à ordem da Direcção Geral do Tesouro e o IGCP, os cheques aí indicados e que só posteriormente terá sido instaurado o processo de execução fiscal relativo a dívidas de IVA, já que a oponente foi citada para o mesmo em 31/03/2009 – cfr. pontos 1 e 2 dos factos provados.
Contudo, a emissão do cheque, por si só e em tese, não prova o pagamento, dado que o mesmo pode não ter provisão ou ser utilizado para outro fim, por exemplo, como demonstra a factualidade constante da decisão da matéria de facto – cfr. ponto 4. Já que logrou provar-se que os cheques foram utilizados para pagar outras dívidas de outros sujeitos passivos.
Na medida em que o cheque não consubstancia documento comprovativo de pagamento, é impossível entender que, no caso, o IVA dos períodos em causa está pago, para os efeitos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.
Nesta conformidade, com o fundamento invocado na oposição, atenta a prova produzida e a matéria de facto assente, jamais a mesma poderia ser julgada procedente.
Julgamentos, em situações em tudo idênticas à presente, têm vindo a ser confirmados por este Tribunal, nomeadamente, pelo Acórdão deste TCAN, de 24/11/2016, proferido no âmbito do processo n.º 222/09.9BEBRG.
Assim, reitera-se o teor da sentença recorrida, pois, para comprovar o pagamento de imposto, têm os sujeitos passivos de imposto de deter documento de pagamento emitido pela Administração Tributária ou documento carimbado ou ainda um documento resultante de suporte informático.
A partir daqui, é sabido que o pagamento é fundamento de oposição à execução nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT, sendo que, tal como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. III, pág. 492-493 “Equiparáveis ao «pagamento» e enquadráveis na alínea f) por interpretação extensiva daquela expressão, são as outras formas de extinção da obrigação tributária que se reconduzem a uma transferência patrimonial para o credor, designadamente a dação em pagamento e a compensação, reguladas nos arts. 87.º, 89.º e 90.º do CPPT. Se se entender que não é viável uma interpretação extensiva abrangendo a compensação neste conceito de pagamento, ela será fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do nº 1 deste art. 204º.
Como pagamento deverá considerar-se também a retenção na fonte, tanto no caso em que ela tem natureza de pagamento definitivo como naqueles em que é feita por conta do imposto devido a final.
O pagamento é o fundamento a invocar quando o executado pagou a dívida titulada pelo título de cobrança (DUC no caso de dívidas ao Estado) cuja certidão serve de base à execução. No caso de, indevidamente, em relação a uma mesma dívida tributária, serem elaborados mais do que um título de cobrança, o fundamento a invocar deverá ser a duplicação de colecta. (…)”.
Com este pano de fundo, é manifesto que, perante o probatório apurado nos autos, a ora Recorrente não logrou juntar aos autos qualquer documento que comprove o efectivo pagamento da quantia exequenda em dissídio, na medida em que não detém documento de pagamento emitido pela Administração Tributária ou documento carimbado ou ainda um documento resultante do suporte informático, não podendo acolher-se a tese da Recorrente no sentido de que constituiria prova bastante do pagamento do tributo a declaração bancária confirmativa, na medida em que é conhecida toda a situação relacionada com os cheques a que alude a Recorrente, o que significa que está demonstrado que os cheques em causa não serviram para a liquidação dos tributos subjacentes à dívida exequenda.
E, no fundo, a Recorrente admite a situação em apreço, reclamando, no entanto, um outro enquadramento para a matéria descrita, insistindo que emitiu os cheques necessários para o pagamento dos valores em causa, sendo que tais valores foram entregues ao respectivo destinatário embora utilizados para pagamento de obrigações de terceiros sem qualquer relação consigo.
Nesta sequência, é ponto assente que a Recorrente procedeu nos termos descritos no probatório, habilitando o seu TOC em tempo oportuno com os meios de pagamento necessário para a liquidação dos valores que integram a quantia exequenda, sendo este o “pivot” de todo este processo.
Ora, a situação descrita contende apenas com a relação entre a ora Recorrente e o seu TOC (a quem poderá exigir a efectivação da respectiva responsabilidade civil), não sendo oponível à Administração Tributária a violação dos deveres do Técnico Oficial de Contas na sua relação com esta, conforme se decidiu no Acórdão deste TCAN, de 23/06/2005, Processo n.º 01765/04, mencionado na sentença recorrida.
Além disso, e quanto ao comportamento do Serviço de Finanças, tendo como pano de fundo o disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei nº 191/99, de 5 de Junho e artigo 359.º do CPP, o ora exposto nada acrescenta à sorte da situação da Recorrente, na medida em que, independentemente de eventual responsabilidade disciplinar ou penal relacionada com a matéria descrita em função de alguma conivência, por acção ou omissão neste âmbito, a Recorrente poderá apenas exigir a efectivação da respectiva responsabilidade pelos danos decorrentes da eventual participação da máquina estadual no processo em apreço.
Isto quer dizer que não é viável acolher a pretensão da Recorrente no sentido de os valores em dívida serem considerados pagos em função da entrega dos valores dos cheques emitidos pela Recorrente, pois que, embora se admita que a mesma possa não ter contribuído para a situação descrita nos autos, é inequívoco que os valores em dívida não foram liquidados, essencialmente em função do comportamento do seu TOC que utilizou os cheques para outro fim que não o pretendido pela Recorrente – cfr. ponto 4 do probatório.
Tal significa que a Recorrente terá de, em sede própria, alegar todo o processo descrito e evidenciar a participação do Serviço de Finanças em termos que possam integrar responsabilidade civil e exigir os danos decorrentes de tal actuação, não podendo a situação ser tratada, como a Recorrente pretende, até porque a tal eventual responsabilidade está longe de estar demonstrada nestes autos.
Em suma, como já ficou exposto no Acórdão deste Tribunal, de 10/12/2015, no âmbito do processo n.º 434-10.2BEBRG, apesar de se compreender o estado de espírito da Recorrente e o seu desconforto perante a realidade em causa, é ponto assente que este Tribunal também não se pode afastar das suas competências e do cabal cumprimento da lei tendo presente a natureza deste processo - oposição à execução fiscal, o que impõe a conclusão de que a falta de pagamento das dívidas tributárias em dissídio são da inteira responsabilidade da Recorrente, não sendo oponível à Administração Tributária a violação dos deveres do Técnico Oficial de Contas na sua relação com esta, não tendo a Recorrente evidenciado nos autos o respectivo pagamento.
A Recorrente insiste que a exigência de DUC como prova exclusiva do pagamento de um imposto é inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica, do princípio da prevalência da lei e do princípio do acesso ao direito e à descoberta da verdade material. Tendo um contribuinte emitido cheques superiores às declarações periódicas por si entregues verifica-se por parte da AT um enriquecimento sem causa. Acrescenta que o artigo 4.º da Portaria n.º 1423-I/2003, de 31/12, não impõe a exigência de DUC como prova exclusiva do pagamento de um imposto.
Como vimos, a questão não pode ser vista deste prisma. O problema não é de restrição dos meios de prova, mas sim que a Recorrente não logrou provar (com todos os meios probatórios que tinha ao seu dispor) que pagou as dívidas de IVA em causa: não só porque o cheque, por si só, não consubstancia documento comprovativo de pagamento, mas também por ter ficado comprovado que os cheques emitidos pela Recorrente não serviram para pagar o IVA que está a ser exigido no processo de execução fiscal em causa na presente oposição.
Pretende-se esclarecer que não se está a exigir uma qualquer prova específica, mas antes que a prova carreada para os autos não foi idónea a comprovar o pagamento, que é o fundamento da oposição em apreço. Tal constatação prejudica os restantes argumentos aduzidos no presente recurso. Contudo, não podemos deixar de reiterar que a existência de um documento emitido pela Administração Tributária que atestasse ou certificasse o pagamento de determinada dívida teria permitido uma prova mais cabal desse pagamento.
Por tudo o exposto, também a questão do enriquecimento sem causa não poderá ser colocada em sede de oposição à execução fiscal, atento o pedido formulado de extinção do processo executivo e as causas de pedir/fundamentos elencados no artigo 204.º do CPPT. O mesmo raciocínio é válido para a construção jurídica apresentada a propósito do TOC enquanto gestor de negócios.
Do que vimos dizendo se conclui que a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados, improcedendo, pois, o presente recurso.

Conclusões/Sumário

I - O pagamento que se prevê no artigo 204.º, n.º 1, alínea f) do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal, é o que tiver ocorrido antes da instauração do processo de execução fiscal.
II – Inexistindo documento comprovativo junto aos autos de pagamento da dívida exequenda, impõe-se julgar improcedente a oposição com esse fundamento, como efectuado pelo tribunal recorrido.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 23 de Abril de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães