Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00245/09.8BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 01/25/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRS JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO AJUDAS DE CUSTO |
Sumário: | I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. III) O D.L. nº 358/89 de 17 de Outubro (alterado pelo D.L. nº 39/96 de 31 de Agosto e Lei nº 146/99 de 1 de Setembro) regula o exercício da actividade das empresas de trabalho temporário (que nesta data se encontra revogado pela lei n.º 19/2007 de 22.05). IV) O regime jurídico que regula o trabalho temporário prevê uma relação triangular, entre a: 1) empresa de trabalho temporário e trabalhador temporário (titulada pelo contrato de trabalho de temporário); 2) empresa de trabalho temporário e o utilizador (titulada pelo contrato de utilização de trabalho temporário ou prestação de serviços); e 3) o trabalhador temporário e o utilizador (derivada do contrato de utilização de trabalho temporário ou de contrato de prestação de serviços). V) Decorre da alínea b), do art.º 2 do D.L. nº 358/89 de 31.08, que o trabalhador temporário obriga-se a prestar a sua actividade profissional a utilizadores, a cuja autoridade e direcção fica sujeito, no entanto, mantém o vínculo jurídico-laboral à empresa de trabalho temporário. VI) Provado que esteja que os recorrentes foram contratados para trabalhar num país estrangeiro, sendo aí o seu local de trabalho, e que não houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual ou por força da transferência das instalações da sua entidade patronal, não pode deixar de se concluir que as prestações auferidas pelo contribuinte a título de ajudas de custo integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta. VII) Não é pelo facto de o trabalho ser prestado no estrangeiro, sem mais, que a entidade patronal pode suportar, a título de ajudas de custo, as despesas de alojamento e alimentação do trabalhador. VIII) Relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho fixado no contrato e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | M... |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO M..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 17-05-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IRS de 2004. Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 152-166), as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A) - Por força dos testemunhos citado no corpo das alegações, que aqui se dão por reproduzidos, deverão ser considerados provados os seguintes factos: - que no contrato de trabalho temporário, celebrado com o recorrente, constava um montante mensal de ajudas de custo, que o impugnante receberia se e quando estivesse em França a trabalhar, sendo certo que, no mês de férias tais ajudas de custo não lhe eram liquidadas; - que não consta da contabilidade da E…, Ldª. qualquer documento relativo a despesas tidas pelo impugnante em França; - que as ajudas de custo estipuladas se destinava a custear a estadia do impugnante em França, sendo certo que o seu quantitativo não lhe permitia mais do que ter um vida remediada naquele País. B) – Por força do depoimento da testemunha R…, citado no corpo das alegações, que se dá por reproduzido, deverá ser eliminado o ponto 6 dos factos dados como provados na sentença; C) – A Administração Tributária não fundamentou as razões pelas quais entendeu que as quantias abonadas não revestiam a natureza de ajudas de custo e que constituíam, pelo contrário, rendimentos de trabalho dependente com incidência em sede de I.R.S., pelo que o presente recurso e, consequentemente, a impugnação deverá proceder anulando-se o acto tributário impugnado; D) – Se se considerar como o faz a sentença, que o recorrente vivia em França e uma vez que era naquele país que obtinha os rendimentos, a impugnação devia proceder, por força do disposto no nº. 1 do artigo 13º do C.I.R.S.; E) - As ajudas de custo dos funcionários públicos, devidas por actividade em território nacional, são reguladas pelo D. L. 106/98, de 24 de Abril; F) - As ajudas de custo dos funcionários públicos, devidas por actividade no estrangeiro são, por sua vez, reguladas pelo D. L. 192/95, de 28 de Julho; G) - Os servidores de Estado que estejam deslocados no estrangeiro tem direito de optar pelo recebimento de ajudas de custo diárias, pelo que as atribuídas ao recorrente respeitam os pressupostos de atribuição aos mesmos; E) - Tal como decidiu Acórdão de 8 de Novembro de 2006, tirado na pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, relatado pelo Conselheiro Lúcio Barbosa, as ajudas de custo só na parte excedente aos correspondentes valores atribuídos aos funcionários públicos é que têm natureza remuneratória. F) - A Administração Tributária não levantou o problema das ajudas de custo atribuídas ao recorrente excederem aquele limite; G) – A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto no artigo 2º do C.I.R.S., no D. L. 106/98, de 24 de Abril e no D. L. 192/95, de 28 de Julho. Nestes termos e nos mais de direito e pelo muito que, como sempre, V. Exas. não deixarão de, proficientemente suprir, deverá ser provido o presente recurso e, por via, disso ser a impugnação jugada procedente, anulando-se o acto tributário impugnado.” A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento de facto e a descrita falta de fundamentação da liquidação impugnada e ainda indagar da natureza dos montantes auferidos pelo Recorrente, no ano de 2004, no montante de € 16.702,29 e eventual existência ou não dos pressupostos para a atribuição ao mesmo de quaisquer quantias a título de ajudas de custo3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… Factos Provados: 1. A sociedade E…, Lda foi alvo de acção de inspecção, tendo a AT concluído que, no ano de 2004, foram pagas ao impugnante quantias, a título de ajudas de custo, que considerou sujeitas a tributação (cfr. relatório de inspecção do PA). 2. Na sequência da inspecção referida em 1., foi levada a cabo inspecção tributária ao impugnante e efectuada uma correcção à matéria tributável de IRS, no ano de 2004, com os seguintes fundamentos: “(…) 1. O sujeito passivo auferiu, a título de ajudas de custo, pagas pela empresa, a(s) seguintes(s) importâncias: ano 2004 Importância € 16.702,29. 2. No entanto, verificou-se que as prestações em causa, integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta, o que é corroborado pelo facto de terem sido logo estipuladas contratualmente, com natureza fixa, regular e permanente por cada dia de trabalho efectivo, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal, não sendo, assim, susceptíveis de serem consideradas ajudas de custo, mas sim rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 2º do CIRS, por não se encontrarem observados os pressupostos previstos nos Decretos–lei n.ºs 106/98, de 24 de Abril 192/95, de 28 de Julho, 358/89, de 17 de Outubro e leis n.ºs 99/2003, de 27 de Agosto, 36/96, de 31 de Agosto e 146/99, de 01 de Setembro, pelos seguintes motivos: Nos termos da alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS, consideram-se rendimentos do trabalho dependente “as ajudas de custo… quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do estado”. O abono de quantias a título de ajudas de custo, rege-se pelo mesmo regime aplicado ao pessoal da Administração Pública (Decreto-lei n.º 106/98, de 24 de Abril, e Decreto-lei n.º 192/95, de 28 de Julho), o qual define que aquele abono tem como pressuposto e finalidade exclusiva, a atribuição de uma compensação ao trabalhador, pelas despesas por este suportadas em consequência de deslocações do seu local de trabalho habitual, ao serviço da entidade patronal, portanto só são atribuíveis ajudas de custo quando os trabalhadores se deslocam desse domicílio necessário, considerando-se domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo, a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço. Nos contratos celebrados para cedência de trabalhadores temporário, quer para o território nacional quer para o estrangeiro encontra-se fixado o local de trabalho, o salário base mensal, bem como o pagamento fixo diário a título de “ajudas de custo”. Nas comunicações semestrais efectuadas ao IEFP, menciona o nome dos trabalhadores cedidos em cada um dos períodos semestrais, identificando o local de trabalho, o qual corresponde ao local de trabalho definido e constante nos contratos de trabalho celebrados entre a empresa de trabalho temporário e os trabalhadores temporários. No caso concreto das ajudas de custo por deslocações em território nacional, e designadamente no caso dos trabalhadores pertencentes ao seu quadro de pessoal, estas devem ser documentadas através de boletins itinerários preenchidos e assinados pelo trabalhador. Estes documentos devem identificar os trabalhadores e demonstrar com clareza os dias, tipo de serviço, o local e compensação diária que originaram a sua atribuição. No entanto constatou-se que a E… não possuía tais documentos” (relatório de inspecção de fls. 28 e ss do PA). 3. Entre a sociedade E…, Lda, na qualidade de “empresa de trabalho temporário” e a sociedade S…, na qualidade de “empresa utilizadora”, foram celebrados quatro contratos, designados de “contrato de prestação de trabalho temporário”, referentes ao período compreendido entre 1 de Maio de 2004 e 22 de Dezembro de 2004, relativos à cedência do trabalhador M…, para realização de trabalho de instalação de tubos, a prestar no estaleiro A…, ali constando a remuneração de referência (salário base, bónus e acessórios) de € 2.493,99 e a compensação para grandes deslocações de € 42,68/dia (cfr. docs. juntos com a contestação, cuja tradução se encontra a fls. 77 e ss, do proc. físico). 4. O impugnante tem residência na Rua…, Rio Tinto, Gondomar (facto aceite pelas partes e confirmado pelos depoimentos das testemunhas) 5. O montante pago a título de ajudas de custo é definido em função do local onde o trabalhador é colocado (depoimento das testemunhas). 6. O impugnante não recebe salário, pago pela E…, se não estiver ao serviço da empresa utilizadora, mas apenas os proporcionais dos subsídios de férias e Natal (depoimento da testemunha R…). Factos não Provados: Inexistem factos não provados. Motivação: A convicção do tribunal, quanto aos factos considerados provados, baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, conforme se indicou ao longo do rol de factos provados. Considerou-se os depoimentos das testemunhas arroladas, R…, gerente da E… e P…, gestor comercial da E…, que demonstraram conhecer os factos em apreciação, por causa das funções profissionais que exercem. As testemunhas esclareceram que o valor que qualificam como ajudas de custo, era calculado em função do custo de vida e condições existentes no local onde era prestado o trabalho, sendo que, por vezes eram usados, como referência, os valores pagos pela empresa utilizadora aos seus próprios funcionários, quando se deslocam em serviço.” «» 3.2. DE DIREITO Nas suas conclusões de recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia. Vejamos. A Recorrente entende que por força dos testemunhos citado no corpo das alegações, que aqui se dão por reproduzidos, deverão ser considerados provados os seguintes factos: - que no contrato de trabalho temporário, celebrado com o recorrente, constava um montante mensal de ajudas de custo, que o impugnante receberia se e quando estivesse em França a trabalhar, sendo certo que, no mês de férias tais ajudas de custo não lhe eram liquidadas; - que não consta da contabilidade da E…, Ldª. qualquer documento relativo a despesas tidas pelo impugnante em França; - que as ajudas de custo estipuladas se destinava a custear a estadia do impugnante em França, sendo certo que o seu quantitativo não lhe permitia mais do que ter um vida remediada naquele País. Por outro lado, por força do depoimento da testemunha R…, citado no corpo das alegações, que se dá por reproduzido, deverá ser eliminado o ponto 6 dos factos dados como provados na sentença. Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do C. Proc. Civil (actual art. 640º), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no aludido 685º-B do C. Proc. Civil (actual art. 640º) e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.). Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do C. Proc. Civil. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655º do C. Proc. Civil, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios. Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador. É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão. Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça. À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Num primeiro momento, a matéria a que alude o Recorrente está relacionada com a leitura do contrato de trabalho temporário celebrado com a E…, que não foi junto aos autos, de modo que, se, prejuízo de se saber que o contrato em apreço contemplava o pagamento de ajudas de custo, nada mais se pode avançar neste domínio, o mesmo sucedendo em relação à contabilidade da E…, dado que, não basta neste ponto o exposto na prova testemunhal, impondo-se conjugar tal realidade com a realidade efectivamente vertida na contabilidade da E… ou então apresentar a pessoa responsável pela elaboração dessa contabilidade. Quanto ao outro elemento, e face à motivação de facto vertida na decisão recorrida, não existe motivo para acrescentar algo ao probatório, quando já se afirmou que “As testemunhas esclareceram que o valor que qualificam como ajudas de custo, era calculado em função do custo de vida e condições existentes no local onde era prestado o trabalho, sendo que, por vezes eram usados, como referência, os valores pagos pela empresa utilizadora aos seus próprios funcionários, quando se deslocam em serviço”. Finalmente, no que concerne ao ponto 6. do probatório, embora o depoimento em apreço pudesse ter sido mais esmiuçado, entende-se que o Tribunal a quo adquiriu a sua convicção no sentido do exposto, não se vislumbrando no exposto pelo Recorrente matéria capaz de afastar a matéria vertida no probatório, na medida em que se limita a apontar para uma afirmação da qual o Tribunal a quo retirou o elemento descrito, procurando questionar o procedimento do aludido, mas sem a capacidade de efectivamente impor uma outra leitura da realidade. O Recorrente refere depois que a Administração Tributária não fundamentou as razões pelas quais entendeu que as quantias abonadas não revestiam a natureza de ajudas de custo e que constituíam, pelo contrário, rendimentos de trabalho dependente com incidência em sede de I.R.S., pelo que o presente recurso e, consequentemente, a impugnação deverá proceder anulando-se o acto tributário impugnado. No que concerne à matéria agora em análise, é sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade ( Acs. do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137). --- Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão. A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu ( Prof. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244 ). Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro. Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo. Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual. Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea. A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões. Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado ( neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218 ). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. ( Pleno ) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197. Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta. Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa. Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições: - A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto; - A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra. A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto. O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo. Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la. Diga-se ainda que no que concerne à fundamentação por remissão resulta expresso na lei que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (cf. artº 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária), sendo entendido que nestes casos de remissão o acto administrativo integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 11-12-2002, Proc. nº 1434/02, www.dgsi.pt). Que dizer? 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pelo Recorrente. Notifique-se. D.N..Porto, 25 de Janeiro de 2018 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Ana Patrocínio Ass. Ana Paula Santos |