Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02322/14.4BEPRT-A |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 01/22/2016 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Esperança Mealha |
Descritores: | CONTRATAÇÃO PÚBLICA – CADUCIDADE DIREITO AÇÃO – IMPUGNAÇÃO NORMAS CONCURSO |
Sumário: | I – A falta de impugnação das normas do concurso no prazo referido no artigo 101.º/1 do CPTA/2004 não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam, nos termos dos artigos 101.º/1 e 51.º/3 do CPTA (Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11). II – A circunstância de o pedido principal se dirigir à “anulação do concurso e de todos os atos nele praticados” e não apenas à anulação do ato de adjudicação, em nada altera esta conclusão, pois tal pedido é consequência, precisamente, da causa de pedir invocada que, além do mais, radica na ilegalidade da norma do caderno de encargos e que, a verificar-se, pode determinar a anulação de todos os atos praticados.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | G... – COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO, SA |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE GONDOMAR e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. G... – COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO, SA, interpõe recurso jurisdicional do despacho saneador do TAF do Porto, proferido no processo de contencioso pré-contratual intentado pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE GONDOMAR e, como contrainteressadas, E..., LDA, U..., SA, K..., SA, e I…, SA, na parte em que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação quanto à apreciação da legalidade da cláusula 4ª do Caderno de Encargos. A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: I.O douto despacho saneador julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação contra a cláusula 4ª do caderno de encargos, absolvendo, dessa parte, o Réu da instância nos termos do artigo 89º, n.º 1, alínea h) do CPTA. II. Entende o douto despacho saneador que, como a Autora não impugnou as peças concursais no prazo de um mês contado do respetivo conhecimento, está precludido o direito de, nestes autos, vir invocar a ilegalidade da cláusula 4ª do Caderno de Encargos. III. Para assim o entender, estriba-se o douto despacho saneador no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-01-2011, proferido no processo n.º 0850/10. IV. Porém, o Supremo Tribunal Administrativo há muito que reviu a sua posição em acórdãos posteriores, nomeadamente, nos seus Acórdãos de 20/12/2011, proc.º 0800/11, de 20/11/2012, proc.º 0750/12, de 05/02/2013, processo 0925/12 e de 23/05/2013, proc.º 0301/13 (www.dgsi.pt); V. Entendendo agora, e de forma uniforme, que a falta de impugnação de normas do concurso não preclude a faculdade dos interessados impugnarem o ato final de adjudicação, ou qualquer ato posterior, com fundamento na ilegalidade dessas normas (cf. acórdãos de 20/12/2011, proc.º 0800/11, de 20/11/2012, proc.º 0750/12, de 05/02/2013, processo 0925/12 e de 23/05/2013, proc.º 0301/13, www.dgsi.pt). VI. Também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, entendem que “Pela nossa parte, não temos dúvidas de que a possibilidade da impugnação direta dos documentos conformadores do procedimento representa um acréscimo de tutela, introduzido por imposição das diretivas comunitárias, que constitui uma faculdade, e não um ónus de impugnação. Significa isto que, v.g., na ausência da impugnação tempestiva de uma disposição contida no programa do concurso, o interessado não perde a possibilidade de proceder à impugnação do ato administrativo que, durante o concurso, venha dar aplicação concreta a essa disposição”(“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista, 2010, pág. 682). VII. No mesmo sentido, o Tribunal Central Administrativo Norte entende que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo firmada no acórdão de 17-01-2011 (Proc. n.º 0850/10) – acórdão no qual se estriba o douto despacho saneador – não constitui “a leitura e interpretação mais acertadas do quadro normativo em referência, aderindo-se aquilo que foi o entendimento do STA no seu acórdão de 04.11.2010 (Proc. n.º 0795/10) e que veio a ser reiterado, nomeadamente, nos acórdãos de 20.12.2011 (Proc. n.º 0800/11) e de 20.11.2012 (Proc. n.º 0750/12)” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30-11-2012, processo 00028/12.8BEMDL, www.dgsi.pt) VIII. O entendimento de que a falta de impugnação de normas do concurso não preclude a faculdade dos interessados impugnarem o acto final de adjudicação, ou qualquer acto posterior, com fundamento na ilegalidade dessas normas, é a que melhor se coaduna com o quadro normativo aplicável e a que assegura os objectivos estabelecidos na Directiva Comunitária Recursos; IX. Entendimento que é, de longe, o mais acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo. * A Recorrida E... contra-alegou, concluindo o seguinte:
A. O presente recurso está absolutamente condenado ao fracasso, já que o que está em causa no caso dos autos é a ilegalidade, tout court, da cláusula 4.ª do Caderno de Encargos, o que levou a que a Autora pedisse a anulação do procedimento no seu todo e não o ato de adjudicação que a aplica; B. Assim, tendo a Recorrente intentado a competente ação de contencioso pré-contratual mais de um mês após o conhecimento das peças concursais, caducou o seu direito de ação nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 51.º, n.º 3 e 101.º do CPTA; C. Este entendimento é absolutamente consentâneo com a jurisprudência do Acórdão do STA proferido em 23.05.201 no âmbito do proc. n.º 0301/13 (citado pela Autora), nos termos do qual citando o Acórdão de 20.12.2011, proferido no proc. 0800/11, em que se conclui pela necessidade de impugnação do ato de adjudicação ou qualquer outro com fundamento nas ilegalidades procedimentais; D. No caso dos autos, a Recorrente não reputa qualquer ato ilegal com esse fundamento, antes pede a anulação de todos os atos do procedimento, o que revela que impugna as peças concursais por si, em vez de invocar a respectiva ilegalidade para fundamentar a ilegalidade do ato que as aplique; * O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar que a melhor interpretação dos artigos 101.º/1 e 51.º/3 do CPTA/2004, e a mais consentânea com o princípio pro actione, é a adotada, nomeadamente, no Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, no qual, além do mais, se conclui que “a falta da sua impugnação [das normas do concurso] nesse prazo [de 1 mês] não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam”.*** 2. O despacho recorrido tem o seguinte teor na parte relevante:“Da alegada caducidade do direito de ação contra uma peça do procedimento. O n.º 2, do artigo 100.º do CPTA, permite a impugnação direta do programa do procedimento, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento procedimental, embora, quanto a nós, a respetiva ação de impugnação deva ser intentada dentro do prazo previsto no artigo 101.º do mesmo Código (um mês, a contar da data do conhecimento do documento procedimental). A peça do procedimento em causa (a cláusula 4.ª do caderno de encargos) foi conhecida pela ora A. desde, pelo menos, o dia 11 de Julho de 2014, conforme a alegação da Contrainteressada que suscitou a presente exceção, não impugnada especificamente pela Impetrante. Ora, intentada a presente ação somente em 29 de Setembro de 2014 (cf. fl. 2 do processo físico), é evidente que há muito se havia esgotado o prazo de um mês para ser intentada a impugnação contra uma cláusula inclusa no caderno de encargos. Apesar de se conhecer a jurisprudência do Venerando STA com sentido oposto, em conformidade com a posição que uniformemente tenho seguido, adere-se ao entendimento vertido no douto Acórdão do mesmo Tribunal Superior, de 27.01.2011, proferido no processo n.º 0850/10, “in” www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto: «...Tal impugnação direta das peças do concurso, por força do que estabelece, expressamente, o citado art. 101, do CPTA, tem de ser feita no prazo de um mês a contar da data do respectivo conhecimento pelos interessados. Pois que, como bem se ponderou, já, no acórdão desta 1ª Secção, de 26.8.09 (R° 471/09), Considerando que era inevitável estabelecer-se um prazo para a impugnação de atos normativos e que o art. 101° do CPTA está vocacionado para se aplicar a todos os «processos do contencioso pré-contratual», justifica-se concluir que aquele «ato» se refere a todas modalidades contempladas no art. 100°, sem excepção. Até por uma razão coadjuvante: a recusar-se a aplicação do art. 101° às impugnações previstas no art. 100°, n° 2, cair-se-ia na perplexidade de se necessitar de um prazo que o legislador esquecera; ao que se seguiria um qualquer exercício de imaginação donde brotasse um prazo «ad hoc», porventura o mais apetecível – recaindo-se sempre numa penosa explicação do «obscurus per obscurius». Assim, o legislador disse mesmo tudo o que quereria dizer quando, no art. 101° do CPTA, aludiu ao «conhecimento do ato». Esse «ato» tem o sentido semântico – menos vulgar, mas ainda verdadeiro e irrecusável – de abranger os elementos normativos susceptíveis de serem objecto da «impugnação direta» prevista no art. 100°, n° 2, do CPTA. Pelo que nem sequer é preciso recorrer a uma interpretação extensiva a fim de dar ao termo a amplitude genérica que ele, por si mesmo, já mínima e suficientemente detém. Aliás, a doutrina propende para esta solução – implicitamente acolhida por Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha no n° 6 da sua anotação ao art. 101° (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2005 O mesmo sucede, quanto a este ponto, na edição de 2010 (vd. pp. 666 e 682)., pág. 513) e explicitamente afirmada por Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira acerca do art. 74° do CPTA (op. cit Trata-se do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Liv. Almedina, ed. 2004.., pág. 448). Assim, e como bem decidiram as instâncias, a falta de impugnação, naquele prazo de um mês, da norma do Programa do Concurso reputada de ilegal pela ora recorrente, implicou a caducidade do respectivo direito a tal impugnação. E não colhe a alegação da recorrente de que esse entendimento contraria a disposição do referenciado art. 51, n° 3, do CPTA. Pois que – como também entendeu o acórdão recorrido –, estando a impugnação de normas constantes de peças do concurso expressamente prevista no art. 100, n° 2, do mesmo CPTA, e sujeita, como se viu, ao prazo estabelecido no art. 101 desse diploma, não se lhe aplica a regra da impugnabilidade, estabelecida naquele art. 51, n° 3, por estar incluída essa impugnação na ressalva («sem prejuízo do disposto em lei especial») aí consagrada. De resto, o entendimento defendido pela recorrente, no sentido de que a falta de tempestiva impugnação da referida norma do Programa do Concurso não a inibe de impugnar essa mesma norma, por via da impugnação do ato final de adjudicação, que lhe deu aplicação concreta, também não seria aceitável, por ser contrário ao próprio interesse da segurança e celeridade da resolução dos litígios, que a consagração da referenciada possibilidade de impugnação de peças concursais, por meio de processo urgente, visou acautelar. Neste sentido, vejam-se as referidas Diretivas recursos, ao imporem aos Estados-membros a adopção das «medidas necessárias para garantir que ... as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível ...» (art. 1, n° 1, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12.89) e para «... assegurar que as decisões das entidades adjudicantes possam ser eficazmente objecto de recurso e, em especial, tão rapidamente quanto possível, ...» – sublinhado nosso. (...)». Ante o exposto, julgo procedente a exceção de caducidade do direito de ação contra a cláusula 4.ª do caderno de encargos, pelo que, nesta parte, absolvo o R. da presente instância, nos termos do artigo 89.°, n.° 1, alínea h), do CPTA.” * A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a falta de impugnação das normas do concurso no prazo de 1 mês (previsto no artigo 101.º do CPTA), preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade de tais normas. Trata-se de questão já debatida na jurisprudência e na doutrina.
Adoptando posição idêntica à seguida no despacho recorrido veja-se, por todos, o Acórdão do STA, de 27.01.2011, P. 0850/10, (e, no mesmo sentido, o Acórdão do STA, de 26.08.2009, P. 0471/09), onde se conclui que “[N]os termos desse artigo 101.º, ocorre a exceção de caducidade do direito de acionar ato contido em documento conformador do concurso, se a interessada não exercer esse direito no referido prazo de um mês, contado da data em que teve conhecimento de tal documento”; e que “[A] falta de tempestiva impugnação direta de peça do concurso, designadamente do Programa do Concurso, obsta a que o concorrente interessado venha a impugnar, com fundamento em ilegalidade de disposição contida nessa mesma peça concursal, o ato final de adjudicação, que deu aplicação concreta a tal disposição.” Contudo, a posição contrária é hoje a maioritária na jurisprudência, pelo menos, desde o Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, seguido pelos Acórdãos do STA, de 20.11.2012, P. 0750/12; de 05.02.2013, P. 0925/12; e de 23.05.2013, P. 0301/13; e também deste TCAN, Acórdão de 30.11.2012, P. 00028/12.8BEMDL. Assim, naquele primeiro Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11: II - A falta da sua impugnação nesse prazo não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam (artigo 101.º, n.º 1, e 51.º, n.º 3, do CPTA). Também na doutrina se defendeu este entendimento, sublinhando-se, entre outros argumentos, que “a possibilidade de utilização por antecipação de meios de tutela preventiva, dirigidos a prevenir a ocorrência de lesões [no caso, a possibilidade de impugnação direta de norma do concurso, sem necessidade de aguardar por ato concreto que a aplique] não pode (...) ter alcance preclusivo da possibilidade de utilização do meio impugnatório normal de tutela reativa contra as lesões concretas que venham a ser efetivamente infligidas por ato administrativo” (Mário Aroso de Almeida, “Art. 100.º, n.º 2, do CPTA: mera faculdade ou ónus de impugnação – anotação ao Ac. do STA de 27.1.2011, P. 850/10”, CJA, 90, 45-55, 52). Do citado Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, retira-se com maior detalhe a seguinte fundamentação: “(...) o artigo 100.º do CPTA não resolve inequivocamente, só por si, a situação, pois que do seu literal não resulta, como única solução, que seja de adoptar uma das enunciadas posições. Os contornos da questão são estes, nada de novo trazendo o caso em apreço. Assim, pelos fundamentos constantes, nomeadamente, do Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, importa conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e, em substituição, julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação. *** 3. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e, em substituição, julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação. Custas pela Recorrida.
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