Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02322/14.4BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Esperança Mealha
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA – CADUCIDADE DIREITO AÇÃO – IMPUGNAÇÃO NORMAS CONCURSO
Sumário:I – A falta de impugnação das normas do concurso no prazo referido no artigo 101.º/1 do CPTA/2004 não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam, nos termos dos artigos 101.º/1 e 51.º/3 do CPTA (Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11).
II – A circunstância de o pedido principal se dirigir à “anulação do concurso e de todos os atos nele praticados” e não apenas à anulação do ato de adjudicação, em nada altera esta conclusão, pois tal pedido é consequência, precisamente, da causa de pedir invocada que, além do mais, radica na ilegalidade da norma do caderno de encargos e que, a verificar-se, pode determinar a anulação de todos os atos praticados.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:G... – COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE GONDOMAR e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. G... – COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO, SA, interpõe recurso jurisdicional do despacho saneador do TAF do Porto, proferido no processo de contencioso pré-contratual intentado pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE GONDOMAR e, como contrainteressadas, E..., LDA, U..., SA, K..., SA, e I…, SA, na parte em que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação quanto à apreciação da legalidade da cláusula 4ª do Caderno de Encargos.

A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:

I.O douto despacho saneador julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação contra a cláusula 4ª do caderno de encargos, absolvendo, dessa parte, o Réu da instância nos termos do artigo 89º, n.º 1, alínea h) do CPTA.

II. Entende o douto despacho saneador que, como a Autora não impugnou as peças concursais no prazo de um mês contado do respetivo conhecimento, está precludido o direito de, nestes autos, vir invocar a ilegalidade da cláusula 4ª do Caderno de Encargos.

III. Para assim o entender, estriba-se o douto despacho saneador no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-01-2011, proferido no processo n.º 0850/10.

IV. Porém, o Supremo Tribunal Administrativo há muito que reviu a sua posição em acórdãos posteriores, nomeadamente, nos seus Acórdãos de 20/12/2011, proc.º 0800/11, de 20/11/2012, proc.º 0750/12, de 05/02/2013, processo 0925/12 e de 23/05/2013, proc.º 0301/13 (www.dgsi.pt);

V. Entendendo agora, e de forma uniforme, que a falta de impugnação de normas do concurso não preclude a faculdade dos interessados impugnarem o ato final de adjudicação, ou qualquer ato posterior, com fundamento na ilegalidade dessas normas (cf. acórdãos de 20/12/2011, proc.º 0800/11, de 20/11/2012, proc.º 0750/12, de 05/02/2013, processo 0925/12 e de 23/05/2013, proc.º 0301/13, www.dgsi.pt).

VI. Também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, entendem que “Pela nossa parte, não temos dúvidas de que a possibilidade da impugnação direta dos documentos conformadores do procedimento representa um acréscimo de tutela, introduzido por imposição das diretivas comunitárias, que constitui uma faculdade, e não um ónus de impugnação. Significa isto que, v.g., na ausência da impugnação tempestiva de uma disposição contida no programa do concurso, o interessado não perde a possibilidade de proceder à impugnação do ato administrativo que, durante o concurso, venha dar aplicação concreta a essa disposição”(“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista, 2010, pág. 682).

VII. No mesmo sentido, o Tribunal Central Administrativo Norte entende que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo firmada no acórdão de 17-01-2011 (Proc. n.º 0850/10) – acórdão no qual se estriba o douto despacho saneador – não constitui “a leitura e interpretação mais acertadas do quadro normativo em referência, aderindo-se aquilo que foi o entendimento do STA no seu acórdão de 04.11.2010 (Proc. n.º 0795/10) e que veio a ser reiterado, nomeadamente, nos acórdãos de 20.12.2011 (Proc. n.º 0800/11) e de 20.11.2012 (Proc. n.º 0750/12)” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30-11-2012, processo 00028/12.8BEMDL, www.dgsi.pt)

VIII. O entendimento de que a falta de impugnação de normas do concurso não preclude a faculdade dos interessados impugnarem o acto final de adjudicação, ou qualquer acto posterior, com fundamento na ilegalidade dessas normas, é a que melhor se coaduna com o quadro normativo aplicável e a que assegura os objectivos estabelecidos na Directiva Comunitária Recursos;

IX. Entendimento que é, de longe, o mais acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo.
X. Ao decidir em sentido contrário, violou o despacho saneador as disposições dos Art.os 7º, 51º n.º 3, 100º n.os 1 e 2 e 101º do CPTA.

*
A Recorrida E... contra-alegou, concluindo o seguinte:

A. O presente recurso está absolutamente condenado ao fracasso, já que o que está em causa no caso dos autos é a ilegalidade, tout court, da cláusula 4.ª do Caderno de Encargos, o que levou a que a Autora pedisse a anulação do procedimento no seu todo e não o ato de adjudicação que a aplica;

B. Assim, tendo a Recorrente intentado a competente ação de contencioso pré-contratual mais de um mês após o conhecimento das peças concursais, caducou o seu direito de ação nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 51.º, n.º 3 e 101.º do CPTA;

C. Este entendimento é absolutamente consentâneo com a jurisprudência do Acórdão do STA proferido em 23.05.201 no âmbito do proc. n.º 0301/13 (citado pela Autora), nos termos do qual citando o Acórdão de 20.12.2011, proferido no proc. 0800/11, em que se conclui pela necessidade de impugnação do ato de adjudicação ou qualquer outro com fundamento nas ilegalidades procedimentais;

D. No caso dos autos, a Recorrente não reputa qualquer ato ilegal com esse fundamento, antes pede a anulação de todos os atos do procedimento, o que revela que impugna as peças concursais por si, em vez de invocar a respectiva ilegalidade para fundamentar a ilegalidade do ato que as aplique;
E. Razão por que está totalmente condenado ao fracasso o recurso interposto, como é da mais elementar justiça!

*
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar que a melhor interpretação dos artigos 101.º/1 e 51.º/3 do CPTA/2004, e a mais consentânea com o princípio pro actione, é a adotada, nomeadamente, no Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, no qual, além do mais, se conclui que “a falta da sua impugnação [das normas do concurso] nesse prazo [de 1 mês] não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam”.
***
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor na parte relevante:
Da alegada caducidade do direito de ação contra uma peça do procedimento.
O n.º 2, do artigo 100.º do CPTA, permite a impugnação direta do programa do procedimento, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento procedimental, embora, quanto a nós, a respetiva ação de impugnação deva ser intentada dentro do prazo previsto no artigo 101.º do mesmo Código (um mês, a contar da data do conhecimento do documento procedimental).
A peça do procedimento em causa (a cláusula 4.ª do caderno de encargos) foi conhecida pela ora A. desde, pelo menos, o dia 11 de Julho de 2014, conforme a alegação da Contrainteressada que suscitou a presente exceção, não impugnada especificamente pela Impetrante.
Ora, intentada a presente ação somente em 29 de Setembro de 2014 (cf. fl. 2 do processo físico), é evidente que há muito se havia esgotado o prazo de um mês para ser intentada a impugnação contra uma cláusula inclusa no caderno de encargos.
Apesar de se conhecer a jurisprudência do Venerando STA com sentido oposto, em conformidade com a posição que uniformemente tenho seguido, adere-se ao entendimento vertido no douto Acórdão do mesmo Tribunal Superior, de 27.01.2011, proferido no processo n.º 0850/10, “in” www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto: «...Tal impugnação direta das peças do concurso, por força do que estabelece, expressamente, o citado art. 101, do CPTA, tem de ser feita no prazo de um mês a contar da data do respectivo conhecimento pelos interessados.
Pois que, como bem se ponderou, já, no acórdão desta 1ª Secção, de 26.8.09 (R° 471/09),
Considerando que era inevitável estabelecer-se um prazo para a impugnação de atos normativos e que o art. 101° do CPTA está vocacionado para se aplicar a todos os «processos do contencioso pré-contratual», justifica-se concluir que aquele «ato» se refere a todas modalidades contempladas no art. 100°, sem excepção. Até por uma razão coadjuvante: a recusar-se a aplicação do art. 101° às impugnações previstas no art. 100°, n° 2, cair-se-ia na perplexidade de se necessitar de um prazo que o legislador esquecera; ao que se seguiria um qualquer exercício de imaginação donde brotasse um prazo «ad hoc», porventura o mais apetecível – recaindo-se sempre numa penosa explicação do «obscurus per obscurius». Assim, o legislador disse mesmo tudo o que quereria dizer quando, no art. 101° do CPTA, aludiu ao «conhecimento do ato». Esse «ato» tem o sentido semântico – menos vulgar, mas ainda verdadeiro e irrecusável – de abranger os elementos normativos susceptíveis de serem objecto da «impugnação direta» prevista no art. 100°, n° 2, do CPTA. Pelo que nem sequer é preciso recorrer a uma interpretação extensiva a fim de dar ao termo a amplitude genérica que ele, por si mesmo, já mínima e suficientemente detém.
Aliás, a doutrina propende para esta solução – implicitamente acolhida por Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha no n° 6 da sua anotação ao art. 101° (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2005 O mesmo sucede, quanto a este ponto, na edição de 2010 (vd. pp. 666 e 682)., pág. 513) e explicitamente afirmada por Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira acerca do art. 74° do CPTA (op. cit Trata-se do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Liv. Almedina, ed. 2004.., pág. 448).
Assim, e como bem decidiram as instâncias, a falta de impugnação, naquele prazo de um mês, da norma do Programa do Concurso reputada de ilegal pela ora recorrente, implicou a caducidade do respectivo direito a tal impugnação.
E não colhe a alegação da recorrente de que esse entendimento contraria a disposição do referenciado art. 51, n° 3, do CPTA. Pois que – como também entendeu o acórdão recorrido –, estando a impugnação de normas constantes de peças do concurso expressamente prevista no art. 100, n° 2, do mesmo CPTA, e sujeita, como se viu, ao prazo estabelecido no art. 101 desse diploma, não se lhe aplica a regra da impugnabilidade, estabelecida naquele art. 51, n° 3, por estar incluída essa impugnação na ressalva («sem prejuízo do disposto em lei especial») aí consagrada.
De resto, o entendimento defendido pela recorrente, no sentido de que a falta de tempestiva impugnação da referida norma do Programa do Concurso não a inibe de impugnar essa mesma norma, por via da impugnação do ato final de adjudicação, que lhe deu aplicação concreta, também não seria aceitável, por ser contrário ao próprio interesse da segurança e celeridade da resolução dos litígios, que a consagração da referenciada possibilidade de impugnação de peças concursais, por meio de processo urgente, visou acautelar. Neste sentido, vejam-se as referidas Diretivas recursos, ao imporem aos Estados-membros a adopção das «medidas necessárias para garantir que ... as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível ...» (art. 1, n° 1, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12.89) e para «... assegurar que as decisões das entidades adjudicantes possam ser eficazmente objecto de recurso e, em especial, tão rapidamente quanto possível, ...» – sublinhado nosso. (...)».
Ante o exposto, julgo procedente a exceção de caducidade do direito de ação contra a cláusula 4.ª do caderno de encargos, pelo que, nesta parte, absolvo o R. da presente instância, nos termos do artigo 89.°, n.° 1, alínea h), do CPTA.
*
A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a falta de impugnação das normas do concurso no prazo de 1 mês (previsto no artigo 101.º do CPTA), preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade de tais normas. Trata-se de questão já debatida na jurisprudência e na doutrina.

Adoptando posição idêntica à seguida no despacho recorrido veja-se, por todos, o Acórdão do STA, de 27.01.2011, P. 0850/10, (e, no mesmo sentido, o Acórdão do STA, de 26.08.2009, P. 0471/09), onde se conclui que “[N]os termos desse artigo 101.º, ocorre a exceção de caducidade do direito de acionar ato contido em documento conformador do concurso, se a interessada não exercer esse direito no referido prazo de um mês, contado da data em que teve conhecimento de tal documento”; e que “[A] falta de tempestiva impugnação direta de peça do concurso, designadamente do Programa do Concurso, obsta a que o concorrente interessado venha a impugnar, com fundamento em ilegalidade de disposição contida nessa mesma peça concursal, o ato final de adjudicação, que deu aplicação concreta a tal disposição.

Contudo, a posição contrária é hoje a maioritária na jurisprudência, pelo menos, desde o Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, seguido pelos Acórdãos do STA, de 20.11.2012, P. 0750/12; de 05.02.2013, P. 0925/12; e de 23.05.2013, P. 0301/13; e também deste TCAN, Acórdão de 30.11.2012, P. 00028/12.8BEMDL.

Assim, naquele primeiro Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11:
I - As normas de um concurso para prestação de serviços podem ser impugnadas no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do seu conhecimento pelos interessados (artigo 100.º, n.º 2 e 101.º do CPTA).

II - A falta da sua impugnação nesse prazo não preclude o direito dos interessados de impugnarem o ato final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessas normas, desde que nele se repercutam (artigo 101.º, n.º 1, e 51.º, n.º 3, do CPTA).

Também na doutrina se defendeu este entendimento, sublinhando-se, entre outros argumentos, que “a possibilidade de utilização por antecipação de meios de tutela preventiva, dirigidos a prevenir a ocorrência de lesões [no caso, a possibilidade de impugnação direta de norma do concurso, sem necessidade de aguardar por ato concreto que a aplique] não pode (...) ter alcance preclusivo da possibilidade de utilização do meio impugnatório normal de tutela reativa contra as lesões concretas que venham a ser efetivamente infligidas por ato administrativo” (Mário Aroso de Almeida, “Art. 100.º, n.º 2, do CPTA: mera faculdade ou ónus de impugnação – anotação ao Ac. do STA de 27.1.2011, P. 850/10”, CJA, 90, 45-55, 52).

Do citado Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, retira-se com maior detalhe a seguinte fundamentação: “(...) o artigo 100.º do CPTA não resolve inequivocamente, só por si, a situação, pois que do seu literal não resulta, como única solução, que seja de adoptar uma das enunciadas posições.
O que significa que, não sendo o seu teor literal – ponto de partida para a sua interpretação – suficiente para uma clara interpretação do sentido da norma, há que convocar, para o efeito, o elemento racional, para, com base em outros factores hermenêuticos, designadamente o histórico, o sistemático e o teleológico, apurar se visou, na realidade, consagrar uma impugnação das peças concursais necessária ou meramente facultativa.
Essa tarefa leva-nos a convocar, antes do mais, como, aliás, fez o acórdão recorrido, a disciplina do artigo 51.º do CPTA, que o n.º 1 do artigo 100.º manda aplicar subsidiariamente. (...)
Consagra [o artigo 51.º do CPTA] um novo paradigma de impugnabilidade dos atos, acabando com o critério da definitividade/lesividade como condição da impugnação contenciosa e substituindo-o pelo critério da mera eficácia externa.
Em face dele, a regra passou a ser a da impugnabilidade de todos os atos com potencialidade para provocar efeitos externos, independentemente da fase procedimental em que forem praticados (é a possibilidade de impugnação de atos preparatórios), constituindo a possibilidade da impugnação dos atos procedimentais intermédios uma mera faculdade, na medida em que a não impugnação desses atos não preclude o direito de impugnar o ato final com base em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento, salvo as exceções contempladas no n.º 3 do artigo 51.º do CPTA – atos destacáveis ou situações consagradas em leis especiais (é o chamado princípio da impugnação unitária).
Neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, Almedina, pág. 266, para quem só haverá preclusão da impugnação do ato final: “ (a) quando se trate de um ato de exclusão, visto que, neste caso, o ato ainda que praticado no decurso do procedimento, representa já o ato final relativamente ao interessado excluído (v.g. a exclusão de um concurso de provimento ou de um concurso de adjudicação de um contrato); (b) todos os demais casos em que a lei imponha especialmente o ónus de impugnação tempestiva de atos procedimentais (v.g., no âmbito de processo disciplinar, a impugnação de irregularidades processuais que se consideram supridas no caso de falta de reclamação até á decisão final – art. 42º, nº 2, do ED; e no âmbito do concurso de adjudicação de empreitada de obra pública, em relação às reclamações apresentadas contra irregularidades cometidas no ato público de abertura do concurso – artigos 88.º e 89.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março)”.
A mesma posição assumem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 349, para quem a impugnação judicial de atos administrativos procedimentais é uma “faculdade do interessado, não um ónus seu, pois – mesmo tendo-se tornado inimpugnáveis por força do decurso do prazo de reação judicial – as suas ilegalidades são sempre invocáveis a final, contra o ato constitutivo quando, claro, se repercutam negativamente no seu conteúdo ou procedimento, tornando este derivadamente inválido”.
Ora, sendo a regra a impugnação unitária, a eleição das leis especiais que consagrem a exceção deve ser feita restritivamente, o que significa que essa impugnação unitária só deve ser afastada quando resultar inequivocamente dessas leis.
O que não é o caso.
Na verdade, essa lei especial é, segundo o acórdão recorrido, o n.º 2 do artigo 100.º do CPTA, que diz que “também são susceptíveis de impugnação direta as normas concursais”. A expressão inculca que esta impugnação acresce à da impugnação dos atos (é cumulativa ou complementar), estabelecida no n.º 1 do preceito, nada se extraindo dela de conclusivo sobre a obrigatoriedade ou mera faculdade da impugnação. Sendo certo que, semanticamente, impugnação direta é diferente de impugnação derivada, pelo que, sem mais, uma não afasta a outra.
Por outro lado, o que resulta do artigo 100.º, tendo em conta a evolução legislativa, é que o n.º 2 visou estabelecer para a impugnação de atos de natureza normativa no âmbito dos concursos para formação de contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimentos de bens – programa, caderno de encargos e quaisquer outros documentos conformadores do procedimento – um regime idêntico à impugnação dos atos administrativos desses mesmos concursos, que eram impugnáveis de acordo com o estabelecido no artigo 51.º do CPTA, mandado aplicar pelo n.º 1 do artigo 100.º. Impugnação de normas essa que não era admitida no domínio da legislação anterior (DL n.º 134/98, de 15/5). Também são susceptíveis de impugnação direta, diz.
Fê-lo com o objectivo de dar cumprimento ao regime da Diretiva Comunitária Recursos (Diretiva n.º 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989), que estabeleceu que “as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível” (artigo 1.º, n.º 1), transposta para a nossa ordem jurídica interna pelo DL n.º 134/98, de 15 de Maio.
Com escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, na obra citada, pág. 505, nos termos dessa Diretiva, “as impugnações podem dirigir-se à anulação de decisões ilegais, mas também à supressão de especificações técnicas, económicas e financeiras discriminatórias incluídas no anúncio e programa do concurso ou no caderno de encargos e podem originar também a atribuição de uma indemnização – art. 2.º, n.º 1, alíneas b) e c).
A formulação anteriormente adoptada pelo art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 134/98 (ao definir o âmbito do recurso por referência a atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitadas de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens) deu azo, porém, a uma interpretação restritiva, por parte dos tribunais administrativos, levando a excluir do âmbito de aplicação do diploma a impugnação dos atos normativos (entre os quais as regras técnicas, económicas e financeiras constantes dos documentos do concurso).
A norma do n.º 2 deste artigo, ao admitir expressamente a possibilidade de impugnação do programa do concurso, do caderno de encargos e de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos, visa dar integral satisfação às exigências da directiva comunitária no tocante ao objecto deste processo urgente.”
Prosseguindo, dizem estes autores que o “carácter impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos princípios gerais consignados no artigo 51.º (aplicável por remissão do art.º 100.º, n.º 1).”
Constituindo essa impugnabilidade, dizemos, repetindo a citação de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, na obra referenciada, uma “faculdade do interessado, não um ónus seu, pois – mesmo tendo-se tornado inimpugnáveis por força do decurso do prazo de reação judicial – as suas ilegalidades são sempre invocáveis a final, contra o ato constitutivo quando, claro, se repercutam negativamente no seu conteúdo ou procedimento, tornando este derivadamente inválido”.
Esta é também a posição sustentada por Marco Caldeira, Advogado, Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em comentário ao acórdão deste STA de 27/1/2011, publicado na Revista do Ministério Público n.º 126: Abril – Junho 2011, pág. 256-272.
E é, sem dúvida, aquela que concede uma mais ampla tutela jurídica aos interesses dos candidatos à celebração de contratos, um dos valores de referência da Diretiva.
Na verdade, a possibilidade de impugnação direta das peças do concurso através de um processo urgente constitui, de facto, um acréscimo de garantia dos interessados, como considerou o acórdão recorrido, mas essa tutela não é diminuída, antes pelo contrário, até é ampliada com a possibilidade de impugnação direta dessas peças e/ou do ato de adjudicação com fundamento na ilegalidade das mesmas. Basta atentar, por exemplo, na possibilidade de, apesar das potenciais ilegalidades do ato, poder haver uma adjudicação pacificamente aceite, que tornaria o recurso dispensável ou inútil, ou nas consequências que a divergência da interpretação da norma, já jurisprudencialmente assumida, poderiam provocar aos interessados.
Por outro lado, da disciplina dos artigos 50.º, n.º 1, e 61.º do CCP não se pode extrair qualquer argumento que a contrarie, como considerou o acórdão recorrido, pois que estes preceitos se limitam a consagrar prazos ordenadores do procedimento.
Finalmente, a solução alcançada está em perfeita consonância com a Diretiva Recursos (transposta para a nossa ordem jurídica pelos DL n.º 134/98, de 15/5, e 131/2010, de 14/12), que visa, como defende José Carlos Vieira de Andrade, in Justiça administrativa (Lições), 4.ª edição, pág. 231, “assegurar simultaneamente duas ordens de interesses públicos e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma proteção adequada aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas; por outro lado, garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de celebrados, dando proteção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.”
Na verdade, devendo, segundo a Diretiva, os interesses dos candidatos ser assegurados através de recursos céleres e eficazes, a celeridade é alcançada através da consagração da impugnação de atos e de normas relativas a procedimentos para a formação de contratos por meio de um processo próprio e urgente, a intentar no prazo de um mês, que é mais curto que o prazo do regime geral [artigos, 36.º, n.º 1, alínea b), 46.º, n.º 3 e 101.ºdo CPTA]. Pelo que, independentemente de poder haver soluções mais urgentes, não se pode deixar de aplicar a solução estatuída, pois que, como refere, o Advogado Doutorando Marco Correia, no referido estudo, pag. 262, ao julgador cabe “aplicar o regime vigente – que já é, em si mesmo, tributário da urgência – e não impor ao interessado a solução mais urgente entre as várias interpretações abstratamente possíveis daquele regime”.
E a eficácia da medida, que é o desiderato central a alcançar, é atingido mais seguramente e sem prejuízo de se permitir a impugnação precoce de outros atos, com a impugnação unitária, como defende André Salgado de Matos, em comentário ao acórdão deste STA de 12/12/2006, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 62, pág. 25, visando a Diretiva “permitir a destruição, e não facilitar a consolidação, dos atos da Administração que violem o bloco de legalidade comunitário”.
Por outro lado, a própria Diretiva, através da redação introduzida pela Diretiva n.º 2007/66/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11/12/2007, procedeu a uma desaceleração procedimental, tendo fixado como o momento da estabilização do procedimento concursal o da celebração do contrato.
Com efeito, alterou o regime regra do efeito não suspensivo dos recursos consagrado no n.º 3 do artigo 2.º da Diretiva de 21/12/1989, estabelecendo que o contrato não pode ser celebrado antes do decurso do prazo de 10 dias a contar da notificação da adjudicação aos interessados e determinando efeito suspensivo para o recurso dela interposto, enquanto que para os recursos de outros atos esse efeito não foi fixado (artigos 2.º, n.º 3 e 2.º-A, n.º 2). O que significa que o procedimento para na fase da adjudicação, no caso de haver recursos por decidir, o que visa o reforço da tutela dos interesses dos candidatos, que não são eficazmente garantidos no caso de haver celebração do contrato. Tutela essa que, conforme já foi demonstrado, é mais ampla no âmbito da impugnação unitária.
A convalidação das normas do concurso, regra que se extrai da doutrina do acórdão recorrido, não só poria em causa esses princípios como o próprio princípio da legalidade administrativa, na medida em que impediria a Administração de, mesmo que reconhecesse eventuais ilegalidades dessas normas no ato de adjudicação, momento nuclear da sua aplicação prática e que, como tal, melhor permite a apreensão dessas ilegalidades, proceder à sua revogação, em face do estabelecido no artigo 141.º do CPA e da equiparação, para efeitos de impugnação, das normas aos atos e ainda de aquelas só valerem, como normas, para os concursos a que se reportam.
Em face de todo o exposto, consideramos que uma racional interpretação da lei, tendo em conta os elementos histórico e teleológico e a unidade do sistema jurídico, nos leva a considerar que o n.º 2 do artigo 100.º do CPTA deve ser entendido como estatuindo uma mera possibilidade de impugnar as normas do programa do concurso, do caderno de encargos e de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos de empreitadas de obras públicos de prestação de serviços e de fornecimento de bens (impugnação facultativa), e não como uma obrigatoriedade de o fazer, sob pena de preclusão do direito de invocar essas ilegalidades nos atos do procedimento subsequentes nas quais se repercutam (impugnação necessária).
O que significa que esse preceito não tem virtualidades para consubstanciar a ressalva à impugnação unitária estabelecida no n.º 3 do artigo 51.º do CPTA constituída por lei especial que a não permita, que o n.º 1 do artigo 100.º do mesmo diploma manda aplicar.
E, como tal, a autora pode impugnar o ato de adjudicação do concurso em causa com base em ilegalidades dessas normas concursais, ato esse em que defende que essas ilegalidades se repercutem, invalidando-o.

Os contornos da questão são estes, nada de novo trazendo o caso em apreço.

Assim, pelos fundamentos constantes, nomeadamente, do Acórdão do STA, de 20.12.2011, P. 0800/11, inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, importa conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e, em substituição, julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação.
Pois, no caso em apreço, a Autora dispunha do prazo de 1 mês para impugnar o ato final do procedimento concursal, inclusive com fundamento na ilegalidade das normas do concurso, prazo esse que cumpriu. Esta conclusão em nada é alterada pela circunstância de o pedido principal formulado pela autora se dirigir à “anulação do concurso e de todos os atos nele praticados” e não apenas à anulação do ato de adjudicação, pois tal pedido é consequência, precisamente, da causa de pedir invocada que, além do mais, radica na ilegalidade da cláusula 4.ª do caderno de encargos, a qual, a verificar-se, pode determinar a anulação de todos os atos praticados.

***
3. Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e, em substituição, julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação.

Custas pela Recorrida.


Porto, 22.01.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.:Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira