Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00643/11.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:IMPUGNAÇÃO; SEGURANÇA SOCIAL; REVERSÃO; ALEGAÇÕES DE RECURSO; CONHECIMENTO DO OBJECTO RECURSO; TRÂNSITO EM JULGADO;
FUNDAMENTOS DA DISCORDÂNCIA COM A DECISÃO RECORRIDA
Sumário:I – As conclusões das alegações do recurso definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
II – O objecto do recurso é fundamentalmente a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada.
III – Inexistindo crítica específica à legalidade da decisão que julgou, no caso, a impugnação apresentada fora do prazo, deve concluir-se pelo trânsito em julgado da mesma decisão, nada justificando a sua apreciação pelo Tribunal Superior. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Decidido não conhecer do recurso, dando-o como findo.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
M…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou intempestiva a impugnação judicial deduzida no âmbito da execução fiscal n.º 3417199801008323 e apensos que corre termos no Serviço de Finanças de Aveiro 2, instaurado inicialmente contra a sociedade comercial “N…– Agência de Importação e Exportação, Lda.” para cobrança coerciva de dívidas de contribuições à Segurança Social, dos anos de 1996 e 1997, e que contra si foi revertida.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso dirigidas a este Tribunal Central Administrativo, formulando as seguintes conclusões (as quais se passam a subordinar à presente numeração):

1. No dia 30 de Junho de 2009 foi a ora executada revertida citada, sem Audição Prévia.

2. Na data de 7 de Setembro de 2009 foi apresentada reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Aveiro 2.

3. No dia 23 de Outubro de 2009 foi remetida resposta por parte das Finanças á reclamação sendo que foi omitido um documento fundamental apenas junto posteriormente após insistência.

4. Na data de 10 de Novembro de 2009 a ora executada/revertida reiterou o que havia sido alegado nomeadamente a nulidade da citação da reversão e da notificação, à qual nunca foi obtida resposta por parte do Serviço de Finanças.

5. A executada revertida nunca foi citada da reversão.

6. da qual nunca foi citada nem notificada da liquidação do imposto.

7. Da consulta do processo verifica que as contribuição[ões] para a Segurança Social que resulta[m] desta liquidação e do subsequente processo executivo são dos anos de 1995 a de 1997.

8. Houve falta de notificação da liquidação do tributo, e dos respectivos juros, no prazo de caducidade e para além do prazo de caducidade referentes ao ano de 1995 a 1997.

9. “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatros anos.” nos termos do art. 92 do C.I.R.S., do art. 5, nº 5 do preâmbulo do DL 398/98, de 17 de Dezembro e nos termos do nº 1, do art. 45 da L.G.T.

10. Para além disso, a prescrição da obrigação tributária não é de conhecimento oficioso no processo de impugnação judicial do acto de liquidação, por não consubstanciar vício invalidante desse acto, cuja verificação possa conduzir à procedência da respectiva impugnação.

11. Nunca a Administração Fiscal concedeu prazo para em sede de Audição Prévia a ora executada revertida se pronunciar,

12. Assim como nunca o Serviço de finanças na pessoa do chefe de finanças de Aveiro 2 citou a executada revertida informando-a de forma fundamentada dos pressupostos da reversão.

13. Enferma pois a citação da reversão de uma nulidade que expressamente se invoca.

14. Assim nos termos do art. 100, do CPA, só pode haver reversão antecedido de audição prévia dos interessados com a respectiva fundamentação.

15. Por fim, foi vendido um bem imóvel sito em Oliveira do Hospital pelo Serviço de Finanças 2, neste processo, não tendo sido feito o respectivo abatimento do valor recebido.

A Fazenda não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não ser conhecido, considerando, em síntese, que a recorrente nas suas conclusões não ataca o mérito da decisão recorrida, não se descortinando quais os vícios ou erros a esta imputados.

Nos termos constantes do despacho de fls. 85, ao abrigo do disposto no art. 685.º-A, n.º 3, do CPC, foi ordenada a notificação da Recorrente para suprir os vícios assinalados – indicação dos fundamentos da discordância com a decisão recorrida ou de quais os erros e/ou vícios que lhe são imputados (art. 685.º-A, n.ºs 1, 2 do CPC) – sob cominação de não se conhecer do objecto do recurso.

A Recorrente nada disse ou requereu, encontrando-se precludido o prazo legal para o efeito.



O processo vem agora submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso, com dispensa de vistos, atenta a simplicidade da questão a decidir (art. 707.º, n.º 4, do CPC).


II. Fundamentação

II.1. De facto

Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foi dada como assente a seguinte matéria de facto:

A) O Serviço de Finanças de Aveiro 2 instaurou a execução fiscal n.º 3417199801008323 à sociedade “N…– Agência de Importação e Exportação, L.da”, para cobrança coerciva de dívidas de contribuições à Segurança Social (fls. 1 a 3 do PA);

B) Em 19.04.1999, a impugnante foi citada da reversão do processo executivo referido em A) (fls. 58 a 59 e 299 do PA);

C) A presente impugnação foi deduzida em 08.08.2011 (carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I.).

A factualidade que supra se considerou provada resulta da análise do teor dos documentos constantes do Processo Administrativo apenso aos autos e do carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I., conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



II.2. De direito

O TAF de Aveiro julgou procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial suscitada pela Fazenda, importando a sua absolvição do pedido, e considerou prejudicado o conhecimento do peticionado pela impugnante.

O Mmo. Juiz do TAF de Braga para assim decidir afirmou na sentença recorrida o seguinte:

In casu, a impugnação foi apresentada em 08.08.2011 [cfr. alínea C) do probatório], ou seja, muito para além do prazo de 90 dias previsto na lei, sendo, por isso, intempestiva.

Sustenta a Impugnante, no artigo 2º da douta petição inicial, a tempestividade da presente impugnação, por a mesma ter sido deduzida nos termos do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 102º do CPPT.

Estipula a referida alínea f), do n.º 1, do artigo 102º do CPPT que os 90 dias para a apresentação da impugnação contam-se a partir do “Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”.

Ora, conforme já se referiu a Impugnante, em 19.04.1999, foi citada da reversão do processo de execução fiscal, pelo que a presente impugnação nunca poderia ser apresentada ao abrigo do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 102º do CPPT que expressamente ressalva que só tem aplicação nos casos “não abrangidos nas alíneas anteriores.”

Ora, sobre o concretamente decidido pelo Tribunal a quo a Recorrente nada diz, nenhum erro ou vício imputando à sentença, limitando-se a reiterar o já afirmado nos artigos 1.º a 3.º da p.i. de impugnação a propósito da sua tempestividade. E lidas as alegações de recurso, também nestas nada se diz quanto à existência de eventual erro de julgamento de facto ou de direito da decisão recorrida (aliás, de nenhum passo a esta a Recorrente sequer se refere).

Em suma, do porquê da discordância relativamente à sentença, nomeadamente quanto aos fundamentos de facto e de direito nela contidos, nada é dito seja no corpo de alegação seja no enunciado das conclusões. A petição de recurso não adianta nenhuns fundamentos, não traz quaisquer questões reconduzíveis a vício substancial ou a erro de julgamento sobre as quais o tribunal ad quem haja que emitir pronúncia em sede de reexame da causa ou revisão da decisão recorrida (sendo certo, inclusive, que nem uma coisa nem outra vêm peticionadas).

As conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. art. 685.º-A do CPC, art. 282.º do CPPT; e v. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Ed. Revista e Actualizada, 2008, p. 91, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código do Processo Civil anotado, Vol. 3º., Tomo I, 2ª. Ed., Coimbra, 2008, p. 41).

Por outro lado, necessário é não perder de vista, como a jurisprudência sempre afirma, que, tal como é preconizado por Castro Mendes, o recurso traduz-se num “pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer” (Direito Processual Civil III, AAFDL, 1987, p. 8). Como observa Armindo Ribeiro Mendes, o objecto do recurso é fundamentalmente a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada (cfr. Recursos em Processo Civil, 2.ª ed., Lex, 1994, p. 175). É que, face ao estatuído no art. 685.º-A, nº 1, do CPC, o âmbito e o objecto do recurso são fixados pelas conclusões formuladas na respectiva alegação, apenas se impondo ao Tribunal ad quem conhecer da decisão recorrida e dos vícios, de forma ou de fundo, que lhe são imputados (ressalvadas, como já se disse, questões de conhecimento oficioso).

Neste ponto, tem especial interesse no caso dos autos o disposto no já citado art. 685.º-A, n.º 1, do CPC que dispõe que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”

Ora, de acordo com o que vem consignado nas conclusões do recurso jurisdicional (compulsado, também, todo o corpo alegatório como anteriormente já se afirmou) verifica-se que a Recorrente nelas não imputa à sentença recorrida quaisquer vícios que ponham em causa o dispositivo da mesma relativo à decidida verificação da caducidade do direito de impugnar. As questões reportadas nas conclusões de recurso não atacam o assim decidido pelo Tribunal a quo, sendo que a Recorrente notificada para efeitos do disposto no art. 685.º-A, n.º 3, do CPC, com expressa cominação do disposto na parte final do mesmo artigo, não corrigiu a falta assinalada. Impunha-se, pois, que a Recorrente indicasse quais os fundamentos por que pedia a alteração ou anulação da decisão, ónus que manifestamente não foi satisfeito. Sobre a questão da função auxiliadora do tribunal e dos limites ao aperfeiçoamento dos articulados, escreveu-se no Acórdão do TCAS de 27.01.2005, proc. 12733/03, em posição de síntese que se subscreve inteiramente, o seguinte:

Mesmo sufragando, que não é o caso, a tese de sentido positivo, a dimensão normativa dos convites ao aperfeiçoamento de articulados, alegações e conclusões de recurso não consente interpretação a ponto de defender que o Tribunal, pela sua intervenção auxiliadora no processo, supra o incumprimento dos ónus que competem às partes.

A levar o sentido securitário e garantístico tão longe, teremos como consequência que a autoria de articulados, alegações e conclusões de recurso será, não da parte, mas do juiz, em desrespeito absoluto aos princípios constitucionais da independência dos Tribunais e da insusceptibilidade de responsabilização do juiz pela decisão do processo, cfr. artºs. 203º e 216º nº 2 CRP.

A direcção da causa pelo juiz através do convite ao aperfeiçoamento a ponto de lhe autorizar a iniciativa de alegação de direito substantivo e a condução da iniciativa processual a investir nos autos, traduz-se em que esse concreto juiz desse concreto processo deixa de ser o juiz da causa para se transmutar na causa do juiz configurando-se como responsável pela decisão tomada, na medida em que o direito substantivo alegado e/ou a oportunidade de intervenção na instância são suas e não do advogado constituído, demonstrada pelo conteúdo dos despachos de aperfeiçoamento em matéria de direito substantivo e adjectivo, pelos quais, em concreto, auxiliou aquela parte, também em concreto”.

Ora, inexistindo crítica específica à legalidade da decisão que julgou a impugnação apresentada fora do prazo, deve concluir-se pelo trânsito em julgado da mesma decisão, nada justificando a sua apreciação pelo Tribunal Superior.

Resumindo, não sendo apontado qualquer vício à parte dispositiva da sentença do TAF de Aveiro, tanto basta para que se deva considerar excluída do objecto do recurso a decisão recorrida, assim ficando prejudicada a apreciação do mérito do recurso em análise, pelo que dele se não poderá conhecer. Nesta medida, atenta a inexistência de objecto adjectivamente admissível do presente recurso, terá que se julgar o mesmo findo, o que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.



III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em não conhecer do objecto do recurso e findo o mesmo.

Custas pela Recorrente.

Porto, 14 de Março de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves