Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00724/12.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
REMANESCENTE DA DÍVIDA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I. Os atos praticados pelo órgão de execução fiscal não estão sujeitos ao dever de fundamentação dos atos administrativos, a menos que se insiram num procedimento de natureza administrativa “enxertado” na execução fiscal.
II. Os atos praticados pelo órgão de execução fiscal e que não se insiram num procedimento de natureza administrativa são fundamentados quando constituam decisão sobre algum pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo ou ainda quando a lei o imponha – artigo 158.º do Código de Processo Civil.
III. O ato através do qual o órgão de execução fiscal, decorrido o prazo a que alude o artigo 200.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, comunica ao executado a intenção de proceder à marcação da venda do bem penhorado se este não proceder ao pagamento integral da quantia exequenda, não integra nenhuma decisão de impulsionar o processo executivo e muito menos uma decisão que incida sobre algum pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo e não está, por isso, sujeito ao dever de fundamentação a que alude o artigo 158.º do Código de Processo Civil.
IV. A penhora e subsequente venda de imóvel não constitui, pelo facto de se tratar da casa de morada de família, um sacrifício desproporcionado do direito correspondente do devedor tributário.
V. A desproporção entre o valor da dívida e o valor do bem oferecido em garantia, resultante do pagamento parcial da quantia exequenda, não obsta à sua manutenção com vista à subsequente venda, a menos que seja possível a sua redução nos termos do artigo 199.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou que seja requerida a sua substituição nos termos do artigo 52.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária e se verifiquem os pressupostos respetivos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R... e mulher
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. R…, n.i.f. 1…, com domicílio indicado na Rua…, n.º …, em Anta, Espinho, e M…, n.i.f. 1…, com o mesmo domicílio, recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que teve por objeto o conteúdo do oficio n.º 1333 de 2012.03.15, emitido pelo Serviço de Finanças de Espinho no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0078201001013971 e apenso.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

I. O Meritíssimo Juiz a quo dá como provados os factos em 8 e 9 e que, em consequência, os contribuintes executados foram notificados, no entanto, recusa reconhecer aos executados terem sido alvo de uma notificação de “um verdadeiro acto, ou seja, uma decisão com efeitos jurídicos na esfera do reclamado”.

Todavia, mal andou o tribunal a quo, porquanto toda e qualquer decisão dos órgãos da administração tributária produzem, inevitavelmente, efeitos jurídicos na esfera do cidadão visado.

E mesmo quando o único sentido legalmente permitido à decisão é o prescrito na lei, o decisor está obrigado ao preceituado no artigo 77º da LGT, bem como no artigo 125.º, do CPA.

Ora, a decisão de marcar a data para venda do imóvel penhorado é uma decisão do órgão tributário, e, nessa medida, a sua comunicação obedece à observância das normas referidas supra.

Pelo que o tribunal a quo deveria ter dado como provado o assente em 8 e 9 dos Factos Provados, mas não de um modo genérico e ambíguo,

E, ao mesmo tempo, deveria ter dado como provado que os reclamantes foram notificados de uma decisão e não, tão-só, do normativo legal aplicável, em caso de incumprimento do plano prestacional.

Assim sendo, a notificação da decisão de marcar a data para a venda do imóvel penhorado deveria observar o dever de fundamentação, sob pena de não o fazendo violar o direito do contribuinte executado, não lhe permitindo a cognição que se tem por fundamental na sua livre escolha, em optar pelo pagamento, se possível, ou pelo permitir que o bem penhorado vá à venda para satisfação dos créditos da fazenda pública.

Assim, o mui digno tribunal a quo deveria ter considerado a notificação aos executados da intenção de marcar data para a venda do imóvel penhorado, como notificação de um acto, e, consequentemente, ter dado procedência à reclamação/impugnação do acto, por falta de fundamentação do mesmo.

II. O tribunal a quo não considerou a alegada desproporcionalidade entre a dívida exequenda e o valor do bem dado como garantia procedente, por a garantia ter sido voluntariamente prestada pelos executados.

Em boa verdade, há desproporcionalidade. O bem penhorado tem o valor patrimonial de € 103.620,62 e o valor da dívida efectiva é, pelo menos, muito inferior ao dado por certo como valor da execução, isto é, o de € 58.909,60. Isto porque, para além de terem cumprido com parte do plano prestacional, e já depois de terem apresentado a sua reclamação, os executados entregaram por conta a quantia de € 10.100,09, no dia 30.04.2012 – (vide doc. n.º 1).

Não tendo os executados conhecimento exacto de quanto devem à data, sempre podem afirmar que devem menos (até substancialmente, menos) que o valor fixado na execução, e o digno tribunal a quo não teve em conta este facto que constará, estamos certos, do procedimento administrativo,

Assim, o tribunal a quo estava obrigado a atender ao facto, bem como à sua superveniência e às implicações do mesmo no momento de decidir, decidindo pela procedência da reclamação declarando a desproporcionalidade do valor da garantia versus o valor da dívida exequenda.

III. Os reclamantes reiteram, ainda, a desproporcionalidade do valor do bem penhorado, face ao montante efectivamente em dívida, tanto mais que o bem é a sua morada de família, e se a administração fiscal proceder à marcação da venda e posterior concretização da mesma, os executados serão vítimas de um dano irreparável, na medida em que não poderão repor a sua situação de morada de família com o eventual remanescente do valor da venda.

Ainda sobre este facto, a decisão sobre o pedido de substituição da garantia, sobre o qual o tribunal a quo não se pronunciou por entender não ser objecto da reclamação, sempre se dirá que não foi, nem poderia ter sido reclamada na petição inicial porque a decisão é posterior à reclamação/impugnação, algo que o digno tribunal a quo não poderia olvidar.

Destarte, o mui digno tribunal a quo deveria, ainda, ter considerado desproporcional o valor da garantia, face ao valor efectivamente devido pelos executados, e não reger a sua decisão apenas pelo valor patrimonial da garantia versus valor da execução, atendendo, ainda, à razoabilidade dos argumentos dos reclamantes, no que concerne, à decisão sobre o pedido de substituição da garantia feito pelos executados, e, até, ao facto de o bem dado como garantia ser, outrossim, a sua casa de família.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE A DECISÃO PROLATADA EM 1.ª INSTÂNCIA, E ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGAR-SE A RECLAMAÇÃO/IMPUGNAÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE, SÓ ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ justiça

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Não houve contra-alegações.

1.2. Neste Tribunal, a Ex.mª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se sobre o mérito do recurso no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta sentença recorrida.
1.3. Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

1.4. São as seguintes as questões a decidir, expostas pela ordem da sua alegação e das conclusões no recurso:

¾ Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que o ato notificado através do ofício n.º 1333, de 2012.03.15, não tem que ser fundamentado e não tem que indicar os meios e prazos de reação (conclusão “I”);
¾ Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que não existe desproporcionalidade entre o valor da dívida e o valor do bem dado em garantia (conclusões “II” e “III”).
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:

1. O processo de execução fiscal nº 0078201001013971 e apenso foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Espinho contra R… e M…, para cobrança coerciva de dívida de IRS e juros compensatórios do exercício de 2006, no montante de € 58.909,60 (fls. 30, 31, 36 e 37).
2. Os executados, citados para os termos da execução, vieram, em 1 de Setembro de 2010, junto do Serviço de Finanças de Espinho, requerer o pagamento da quantia exequenda em prestações mensais, oferecendo, como garantia, o prédio urbano, sito na Rua… nº …, Anta, Espinho, inscrito na matriz predial urbana sob o nº 2… (fls. 32, 33 e 35).
3. Tal requerimento foi deferido, por despacho proferido em 3 de Setembro de 2010, sendo concedido o pagamento em 36 prestações mensais, devendo a primeira ser paga no mês seguinte ao da notificação (cfr. fls. 43).
4. Para garantia daquele pagamento prestacional, foi efectuada a penhora do prédio mencionado em 2., por apresentação de 10.9.2010 (cfr. fls. 48 e 52 a 53).
5. Dá-se aqui por reproduzido o teor integral do auto de penhora de fls. 48.
6. No dia 22 de Setembro de 2010, a executada foi notificada da penhora e da nomeação para o cargo de fiel depositária, tendo sido enviada cópia do auto de penhora (cfr. fls. 25 e 25 verso).
7. Os executados pagaram as prestações relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2010, Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Agosto, Setembro e Novembro de 2011 (cfr. fls. 55, 57, 59, 61, 63, 65, 68, 70, 72, 73, 75, 76, 78 e 79).
8. Por ofício de fls. 81, datado de 3 de Janeiro de 2012, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o chefe do Serviço de Finanças, em face do incumprimento do plano de pagamento prestacional, notificou o executado para efectuar o pagamento das prestações em falta, sob pena de, não o fazendo, ser excluído, de imediato, de tal plano com todas as consequências inerentes.
9. Por ofício de 15 de Março de 2012, constante de fls. 82 e que aqui se dá por reproduzido, foi o executado notificado da interrupção do plano de pagamento em prestações, efectuada pelos Serviços Centrais, por incumprimento do plano, mais lhe sendo comunicado que, até ao final do mês de Março de 2012, se iria proceder à marcação da venda do imóvel penhorado nos autos, pelo que, tendo em vista obstar à referida marcação de venda, deveria o executado proceder ao pagamento integral da quantia exequenda.
10. No dia 29 de Março de 2012, foi apresentada a presente reclamação, contra o acto mencionado em 9. (cfr. fls. 7 a 19).
11. No dia 21 de Março de 2012, os executados apresentaram requerimento a solicitar uma moratória de seis meses para pagamento das prestações vencidas e vincendas ou, subsidiariamente, a substituição da garantia prestada por uma das fracções propriedade da sociedade comercial C… – Compra e Venda de Bens Imobiliários, Lda, de que os executados são sócios gerentes (cfr. fls. 83 a 88).
12. Este requerimento foi indeferido, por despacho de 8 de Junho de 2012, com os fundamentos expressos a fls. 104 a 110 (cfr. fls. 114).
13. No requerimento respeitante ao exercício do direito de audição prévia, os executados manifestaram o propósito de manter a reclamação apresentada em 29 de Março de 2012 (cfr. fls. 113).

2.2. A respeito dos factos não provados, consignou-se em primeira instância o seguinte: «Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir».

2.3. Na motivação dos factos dados como provados aditou-se, ainda, em primeira instância o seguinte: «A convicção do tribunal baseou-se na análise do processo executivo em que esta reclamação se integra, conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados».

2.4. Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do C.P.C. e dada a sua relevância para a boa decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto:

14. O ofício a que alude o ponto 8 supra tem o seguinte teor:

«Assunto: PROCESSO EXECUÇÃO FISCAL 0078201001013971 – PRESTAÇÕES EM ATRASO

Exmo.(a) Senhor(a)

No sistema de gestão de dívidas fiscais, desde Serviço de Finanças, verifica-se que a esta data, se encontra em incumprimento o plano de pagamentos em prestações a decorrer do processo 0078201001013971 e Ap., por dívidas de IRS.

Esse incumprimento é susceptível de produzir o vencimento imediato das restantes prestações e a realização dos actos de coerção previstos na Lei, nomeadamente a constituição de penhoras ou a realização da venda dos bens penhorados.

A DGCI privilegia sempre o cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos contribuintes e, nos casos de incumprimento, adopta sempre uma postura de gradualismo e de economia processual.

A realização de actos de coerção no processo fará aumentar o valor da dívida, pelo que recomendamos a V. Ex.ª a regularização da situação.

Assim, de conformidade com o que prescreve o artº 200 do CPPC, fica V. Ex.ª notificado para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, proceder ao pagamento da totalidade das prestações em falta (Outubro a Dezembro de 2011), ficando desde já ciente de que se o não fizer será de imediato excluído do plano prestacional, com todas as consequências daí inerentes.


Com os melhores cumprimentos

O Chefe de Finanças

Em regime de substituição»

(Assinatura)


15. O ofício a que alude o ponto 9 supra tem o seguinte teor:

«Assunto: EXECUÇÕES FISCAIS

Como é do conhecimento, contra V. Ex.ª corre termos neste Serviço de Finanças o processo de execução fiscal n.º 0078201001013971 e apenso, por falta de pagamento do IRS respeitante ao ano de 2006, cuja quantia exequenda ainda em dívida ascende a € 39.273,13, a que acrescerão ainda os juros de mora e respectivas custas.

Como também é do conhecimento, em relação à divida em causa V. Ex.ª solicitou o pagamento da dívida em 36 prestações mensais, pretensão que viria a ser deferida por despacho datado de 03.09.2010.

Porém, por incumprimento no pagamento das obrigações prestacionais (a última prestação paga corresponde ao passado mês de Setembro de 2011), os Serviços Centrais procederam à interrupção do plano prestacional, com todas as consequências daí inerentes ao nível da tramitação processual da execução.

Assim, comunico a V. Ex.ª que até ao fim do corrente mês de Março se irá proceder à marcação de venda do imóvel que foi penhorado nos autos pelo que tendo em vista obstar à referida marcação de venda deverá V. Ex.ª proceder ao pagamento integral da execução em tempo oportuno.

Com os melhores cumprimentos


Pelo Chefe de Finanças

O Adjunto»

(Assinatura)


2.5. Nas doutas alegações de recurso, os Recorrentes defendem que o tribunal a quo deveria ter dado como provado que «os reclamantes foram notificados de uma decisão», entendimento que reproduzem na 1.ª conclusão. Por outro lado, esta alegação segue-se a uma referência aos pontos 8 e 9 dos factos provados, podendo ser interpretada no sentido de que tal afirmação deveria ter sido incluída naquele segmento da matéria de facto.

A ser correta esta interpretação, poderá concluir-se também que os Recorrentes invocam ali o erro no julgamento da matéria de facto.

Porém, a ser correta esta interpretação, também pode concluir-se desde já que é manifesto que não têm razão.

Porque a questão de saber se o ato comunicado ou incorporado em cada um dos ofícios a que aludem os pontos 8 e 9 dos factos provados constitui uma decisão para os efeitos dos artigos 77.º da Lei Geral Tributária ou 125.º do Código do Procedimento Administrativo (dispositivos invocados na primeira conclusão do recurso) não é uma mera questão de facto, que deva ser resolvida através de raciocínios de natureza cognoscitiva. Não se trata aqui de saber se o órgão de execução fiscal tomou uma decisão (qualquer que ela seja), mas a de saber se o ato representado na notificação é subsumível ao conceito de decisão para os efeitos daquelas normas. O que se pede aqui é, por isso, que o tribunal interprete uma norma e extraia uma verdadeira conclusão jurídica.

E o lugar para aplicar o direito aos factos não é o da resposta à matéria de facto.

Pelo que o recurso nunca poderia ter provimento nesta parte.

3. Fundamentação de Direito
3.1. A primeira questão a decidir no presente recurso é a de saber se o ato que constituiu o objeto da reclamação interposta em 1.ª instância padece do vício de falta de fundamentação.

No entanto, para tomar posição sobre tal matéria, tem este tribunal que decidir uma questão prévia: a de saber se o referido ato constitui uma decisão para os efeitos dos artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 125.º do Código do Procedimento Administrativo. É que os Recorrentes imputam ao ato em causa o dever de fundamentação que a lei faz recair sobre as decisões administrativas.

Por outro lado, e para decidir se estamos perante uma verdadeira decisão para este efeito, importa primeiro saber qual é o ato de que, em concreto, os Recorrentes pretendiam reclamar. Se pretendiam reclamar do ato de notificação ou do ato notificado.

É que, apesar de apontarem ao ato notificado, os ali Reclamantes – ora Recorrentes – não deixaram de invocar vícios que só poderiam ser imputados ao ato de notificação. Assim, no artigo 31.º da douta petição inicial referiram que a comunicação da decisão não contém a indicação dos meios de reação contra o ato notificado. E no artigo 32.º do mesmo douto articulado referiram que a notificação também não contém a identificação do decisor, sendo assinada por quem apenas a comunica. Sendo que a indicação dos meios de reação contra o ato notificado e da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências são requisitos formais do ato de notificação, como decorre do artigo 36.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E não do ato notificado.

É certo que do decidido em primeira instância quanto a estes vícios os ali Reclamantes não recorreram e que, por conseguinte, esses vícios não fazem parte do objeto do recurso. Mas o respetivo teor não deixa de relevar para a interpretação a fazer do peticionado e o subsequente enquadramento do imputado vício de falta de fundamentação.

Relevando, porém, o anunciado no introito da douta petição inicial (onde se anuncia deduzir impugnação do «acto lesivo» vertido no ofício n.º 1333, de 2012.03.15), bem como o teor dos seus artigos 1.º (onde se concretiza dizendo que se tem em vista a decisão comunicada por aquele ofício) e 2.º (onde se reafirma que é dessa decisão que recorrem) somos levados a concluir que os ali Reclamantes tiveram sempre em vista, ao menos em primeiro plano, o ato notificado. Ou seja, a reclamação tinha por objeto (ou por objeto principal) o ato que o órgão de execução fiscal pretendeu notificar através do ofício n.º 1333 e que, além do mais, informava que a execução fiscal iria prosseguir com a venda do bem penhorado nos autos se, até ao fim do mês respetivo, não fosse efetuado o pagamento integral da quantia exequenda.

Sempre se dizendo que, na hipótese inversa (a de estar em causa o ato de notificação incorporado naquele ofício), se teria que concluir desde já – como se resto de concluiu na douta sentença recorrida – que tal ato não consubstancia uma decisão e que, por conseguinte, não carece do conteúdo fundamentador das decisões. Porque a comunicação dos atos administrativos (no pressuposto – que por agora não pretendemos confirmar nem infirmar – de que se trata da notificação de uma decisão administrativa) não deve ser considerada um ato administrativo em si mesmo e, por conseguinte, nunca poderia ascender à categoria de decisão). O ato de comunicação de uma decisão é apenas uma operação material destinada a anunciar ao mundo exterior as alterações jurídicas já introduzidas por essa decisão. A sua função não é, por isso, a de constituir os fundamentos do ato, mas a de revelar a fundamentação do ato notificado.

Sempre se dizendo também, que os vícios de que padecesse esse ato de notificação nunca poderiam afetar o ato notificado que, por ser anterior, não depende absolutamente daquele. E que, por conseguinte, a invalidade da notificação nunca poderia contender com a validade da decisão correspondente. Só podendo, por aqui, questionar-se a sua eficácia – cfr. artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária.

Sempre se dizendo, finalmente (e atendendo agora a uma notificação efetuada em processo de execução fiscal, qualquer que seja a natureza – administrativa ou judicial – que lhe seja de atribuir) a sua arguição teria que ser feita em primeira mão junto do órgão de execução fiscal mediante requerimento dirigida àquele órgão, só podendo caber reclamação da decisão respetiva. É a solução que, de resto a jurisprudência tem assumido para a nulidade da citação e que aqui se impõe por maioria de razão. O que significa que a reclamação para impugnar a legalidade da notificação, sem prévia arguição junto do órgão de execução fiscal, constituiria um meio processual impróprio. E que não seria possível a convolação no requerimento respetivo, dirigido aquele órgão, uma vez que com a sua arguição se cumula a arguição de vícios para cujo conhecimento o meio processual adotado já seria o adequado.

Estamos, assim, reconduzidos ao ato notificado. Importando agora decidir se este ato constitui uma decisão para os efeitos daqueles artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 125.º do Código do Procedimento Administrativo.

3.2. Para que o ato notificado constituísse uma decisão para os efeitos daqueles artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 125.º do Código do Procedimento Administrativo, importava, antes de mais, que se tratasse de um ato praticado perante um órgão da administração. No caso, um órgão da administração tributária. Importava, por outro lado, que fosse um ato praticado por no exercício do poder administrativo desse órgão, que se traduzisse numa determinação ou resolução sobre uma situação individual e concreta, com vista à produção de efeitos jurídicos – cfr. o artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo.

Não temos dúvidas que o órgão de execução fiscal é um órgão da administração tributária, face ao que dispõe o artigo 149.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Mas os atos praticados por esse órgão não podem, em princípio, ser considerados atos praticados no exercício de um poder administrativo. Porque, como referiu o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.02.23 (proc. n.º 059/12, com redação integral disponível in www.dgsi.pt), a competência que o órgão de execução fiscal detém no processo «não brota, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz».

É o que também resulta do n.º 1 do artigo 103.º da Lei Geral Tributária, que «revela uma clara opção do legislador pela natureza do processo de execução fiscal como um processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tributária está conformada como de simples participação na realização do seu escopo judicial» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, pág. 890).

E como não decorrem do exercício do poder administrativo, esses atos também não podem ser considerados verdeiros atos administrativos, que criem, modifiquem ou extinguem as relações que se estabelecem entre a administração e os interessados, mas atos processuais de natureza não jurisdicional, ou seja, atos praticados num processo judicial que não reclamam a intervenção do órgão jurisdicional independente para a resolução de um conflito de interesses, com o objetivo final da realização do direito e da paz jurídica. Sendo com esse sentido e com o objetivo de os contrapor aos atos processuais de natureza jurisdicional (da competência estrita do juiz) que a lei se lhes refere como atos materialmente administrativos.

Pelo que tais atos também não podem ser submetidos às regras próprias dos atos administrativos, nomeadamente dos atos que se inserem num procedimento administrativo tributário, como sucede com as regras que disciplinam o conteúdo do dever de fundamentação respetivo e para que remetem os artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 125.º do Código do Procedimento Administrativo. Se, se um lado, as matérias abordadas nesses atos não são jurisdicionais, de outro lado, a forma que devem revestir também não é a forma administrativa, até porque não estão inseridos num procedimento.

Só assim não será nos casos em que na execução fiscal surge “enxertado” um procedimento de natureza administrativa, como sucede no procedimento de reversão, ou de autorização de dação em pagamento ou pagamento em prestações. Nestes casos, o órgão de execução fiscal não atua na veste de auxiliar do juiz mas na condição de credor/exequente, ou seja, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito ativo) e o contribuinte (como sujeito passivo), produzindo verdadeiros actos administrativos em matéria tributária (cfr. também o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.05.23, processo n.º 0489/12, também disponível em redação integral in www.dgsi.pt).

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que os executados, ora Recorrentes, requereram ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Espinho, no prazo da oposição à execução fiscal e ao abrigo do disposto nos artigos 42.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 196.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o pagamento da dívida exequenda em 36 pensões mensais e iguais, oferecendo como garantia de pagamento o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Espinho sob o n.º 2721. O que lhes foi deferido por despacho de 2010.09.03, seguido da penhora do imóvel oferecido em garantia (pontos 2 a 4 dos factos provados).

Só que o serviço de finanças foi confrontado com a falta de pagamento sucessivo de três prestações, razão porque foi dado cumprimento ao disposto no artigo 200.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, notificando-se o executado para pagar as prestações em falta, no prazo legal de 30 dias, com a cominação de que, se o não fizesse, se venceriam todas as prestações restantes e o processo de execução fiscal prosseguiria.

De salientar que esta notificação, que se destina a dar ao executado uma última oportunidade de cumprir o plano acordado – findo o qual se considerarão cessados os seus efeitos, nomeadamente o efeito de suspensão da execução fiscal a que alude o artigo 52.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – é o último ato deste procedimento, enxertado na execução. Se o executado não acorrer ao pagamento das prestações em falta, a execução prossegue normalmente, sem necessidade de outra interpelação.

Assim sendo, quando (decorridos os trinta dias) o executado foi notificado do teor do ofício n.º 1333 (o ofício de que reclamou nos autos) o referido procedimento já se encontrava extinto. O que vale por dizer que o ato respetivo não podia ser já um ato daquele procedimento, mas um ato da execução. Nessa altura, o órgão de execução fiscal já não se lhe dirigia no uso dos poderes administrativos que exerceu para autorizar as prestações (como credor exequente), mas como órgão auxiliar ou colaborador operacional do juiz. E o ato correspondente não podia já ser um ato administrativo, mas um ato da execução.

E por conseguinte, não estava também subordinado ao dever de fundamentação dos atos administrativos. Quando muito, poderia estar subordinado ao mesmo dever de fundamentação que a lei prescreve para as decisões judiciais – artigo 158.º do Código de Processo Civil.

Resta acrescentar, de passagem, que ainda que o ato comunicado através deste ofício fosse um ato de procedimento administrativo enxertado na execução, nunca poderia ser uma decisão administrativa. Porque, ainda que estivesse inserida num procedimento dessa natureza, não era destinada à produção de nenhuns efeitos jurídicos junto do administrado. Através dele não se tomou nenhuma resolução: comunicou-se qual era o entendimento do órgão de execução fiscal sobre a situação pendente e anunciou-se que ulteriormente, se iria proceder a uma decisão, indicando-se (antecipando-se) que essa decisão iria ser a de prosseguir a execução com a venda do bem penhorado.

3.3. Estando assente que o ato notificado não constitui uma decisão para os efeitos daqueles artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 125.º do Código do Procedimento Administrativo, importa agora aferir se constitui uma decisão para os efeitos do artigo 158.º do Código de Processo Civil e se, à luz do respetivo comando normativo, se deve concluir que padece de falta de fundamentação.

É que o juiz não está condicionado pelas alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artigo 664.º do Código de Processo Civil. O que significa que não está dispensado de aferir se o vício concretamente alegado subsiste à luz das disposições legais que considere aplicáveis.

Para o correto enquadramento desta questão, importa referir que os despachos ordinários a proferir na execução não são verdadeiras decisões, porque através deles não se decidem causas nem se declaram direitos. Ao ordenar a penhora e a venda, o órgão público não exerce a atividade jurisdicional propriamente dita, não resolve litígios: limita-se a exercer a atividade executiva, a impulsionar a execução (neste sentido, vd. ALBERTO DOS REIS, in Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2, págs. 155/156).

Assim sendo, estes despachos não carecem de especial fundamentação, salvo nos seguintes casos: (1) se sobre o andamento da execução for suscitada alguma dúvida; (2) se incidirem sobre algum pedido controvertido; (3) se a lei o impuser especialmente. Fica ressalvado, naturalmente, o dever de fundamentação das decisões a proferir nos incidentes de natureza declarativa, designadamente aqueles a que alude o artigo 151.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e que não vêm aqui ao caso.

Ora, a primeira nota a fazer é que a lei não impõe que o executado que incumpriu o plano de pagamento em prestações seja (após a notificação para o pagamento das prestações em falta com a cominação do n.º 1 do artigo 200.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) notificado subsequentemente para efetuar o pagamento da dívida ainda existente, sob pena da execução prosseguir. Esta notificação só está prevista (no n.º 2 do mesmo preceito) para os casos em que a entidade que prestou a garantia é um terceiro. E se a lei não impõe essa notificação quando a garantia é prestada pelo executado, também não lhe poderia impor um especial dever de fundamentação, nomeadamente o imputado dever de indicar o valor remanescente da dívida e o modo como foi calculado, ou ainda o de indicar o valor atribuído à garantia.

Por outro lado, a lei também não impõe o dever de calcular e liquidar o valor remanescente, antes de dar o seguimento à execução e de ordenar a venda. Esse incidente só está previsto na execução comum, não constando do rol dos incidentes admitidos pelo artigo 166.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Nem se vê como poderia constar, porque a dívida só é ilíquida quando não possa determinar-se por simples operação aritmética.

Poderia admitir-se um dever de esclarecer o executado sobre o valor exato das quantias em dívida se este se apresentasse a pagar e manifestasse dificuldade em fazer o respetivo cálculo. E que esse esclarecimento fosse devidamente fundamentado, por se estar perante uma situação em que o executado manifesta uma dúvida e justifica a necessidade de a remover. Só que, no caso, a reclamação não se segue a nenhum pedido de esclarecimento dos Recorrentes nem estes manifestam alguma dúvida ou sequer a intenção de proceder ao pagamento imediato. O que os Recorrentes pretendem é que o órgão de execução fiscal teria o dever de o fazer ab initio e independentemente de interpelação nesse sentido. E para tal não se entrevê fundamento legal nem os Recorrentes alguma vez o indicaram.

Do exposto decorre que o recurso nunca poderia merecer provimento nesta parte.

3.4. A última questão a decidir prende-se com a alegada desproporcionalidade entre o valor patrimonial do bem penhorado e o valor da quantia ainda em dívida, ademais atendendo a que o bem é a sua casa de morada de família.

Abre-se aqui um parêntesis para anotar que os Recorrentes nunca esclareceram concretamente a consequência prática que pretendiam extrair da sua arguição, designadamente se pretendiam que a penhora da casa de família fosse levantada ou substituída por outra garantia idónea, ou ainda que a execução fosse suspensa até que tivessem meios económicos para pagar. Não o fizeram sequer depois de serem notificados das diligências subsequentes realizadas com vista à substituição dos bens penhorados por imóveis de que era titular a sociedade de que são sócios-gerentes e que veio a culminar com a decisão de indeferimento de 2012.06.08, tomada pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças e da qual não reagiram.

Leva-se em conta, no entanto, que a inconcludência do pedido nunca foi suscitada em primeira instância, que estamos perante um processo urgente, a reclamar célere definição dos direitos e interesses contrapostos, e que os tribunais devem promover as decisões de mérito e remover, sempre que possível, os obstáculos formais ao seu conhecimento. Por outro lado, é possível atribuir um conteúdo mínimo ao pedido dos Recorrentes: o de que teriam pretendido, pelo menos, obstar ao prosseguimento da execução para venda do bem penhorado.

A observância do princípio da proporcionalidade (ademais consagrado no artigo 18.º, n,º 2, da Constituição da República Portuguesa) na realização das diligências de penhora em execução fiscal está salvaguardada pelo comando inserto no artigo 217.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual a penhora será feita somente nos bens suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Dele decorre que o interesse do credor na cobrança da dívida tributária só prevalece sobre o interesse do devedor na preservação da integridade do seu património numa medida que seja necessária e adequada à realização daquele.

No caso, porém, não é a proporcionalidade do ato de penhora que está em causa, uma vez que esta decorreu da nomeação daquele imóvel pelos próprios executados e para garantia do pagamento da dívida exequenda e do acrescido, nos termos do artigo 199.º, n.º 4, do mesmo Código. Nem faria sentido agora invocar o excesso de penhora, no momento em que foi efetuada, uma vez que decorreu da iniciativa dos próprios executados e no seu interesse, para beneficiarem do pagamento escalonado da dívida. Se o bem foi por eles oferecido, é porque consideraram proporcionado o seu oferecimento à realização do interesse que por esse meio pretendiam prosseguir no processo.

Nem cabia ao órgão de execução fiscal, em tais circunstâncias, formular juízos sobre a proporção entre a garantia oferecida pelos executados e os seus próprios interesses, ou recusa-la por a considerar um sacrifício excessivo para eles. A garantia só poderia ser recusada de fosse de considerar inidónea para a salvaguarda dos interesses do credor.

A desproporcionalidade só poderia advir, por isso, de circunstâncias posteriores, decorrentes de factos supervenientes ou de conhecimento superveniente à realização da penhora e que viessem a revelar a desproporção entre os interesses em conflito.

Sendo que, das duas razões invocadas pelos ora Recorrentes para fundar a alegada desproporcionalidade (o pagamento parcial da dívida e o facto de o bem penhorado ser a sua casa de morada de família), apenas o primeiro vem invocado como um facto superveniente. Pois que não está em causa que o imóvel oferecido em garantia já era então a sua casa de morada de família.

Pelo que a invocação esse facto para obstar ao prosseguimento da execução com a venda do bem oferecido em garantia redunda na invocação num impedimento que os próprios Recorrentes produziram e que só a eles pode ser imputado, constituindo um verdadeiro venire contra factum proprium. Para mais, o que resulta de tais circunstâncias é que os Recorrentes não hesitam em sacrificar aquele interesse quando possam obter benefício na execução e a prevalecer-se dele para obstar aos efeitos dos seus próprios atos na mesma execução. Não temos, por isso, dúvidas em concluir que a invocação do direito à casa de morada de família nas circunstâncias dos autos – ainda que devesse prevalecer sobre o direito do exequente – constituiria um verdadeiro abuso de direito, o que seria suficiente para obstar ao seu exercício – artigo 334.º do Código Civil.

A verdade é que, de qualquer modo, o direito à casa de morada de família não pode prevalecer sobre o direito do exequente.

Em primeiro lugar, o direito à casa de morada de família não está relacionado com o direito à propriedade desse bem, sendo normalmente associado ao direito à habitação, este consagrado no artigo 65.º do Constituição da República Portuguesa. Sendo que o direito à habitação enquanto direito de defesa consiste no direito de não ser dela privado de forma arbitrária (cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição Revista, pág. 344). Ora, a privação do direito à habitação para a cobrança dos créditos fiscais não pode ser considerada arbitrária ou injustificada. Sobretudo se considerarmos que o interesse público prosseguido com a obtenção das receitas correspondentes integra no seu vasto âmbito a realização das condições para que todos possam aceder a esse direito.

Em segundo lugar, também não existe uma relação necessária entre o direito à casa de morada de família e o direito à habitação. O que não sucederá seguramente quando a família tenha outra residência para além daquela que se deva considerar como residência da família nos termos do artigo 1673.º do Código Civil. Ou quando a família possua meios bastantes para constituir nova residência de família. Neste caso não se está a privar a família do direito à habitação, mas do direito àquela habitação que constituía a casa de morada de família. Caberia, por isso, aos executados demonstrar que, em consequência da venda da sua casa de morada de família, ficariam desprovidos de habitação, fosse habitação própria ou outra. O que alegaram de passagem no artigo 61.º da douta petição inicial mas nunca se propuseram demonstrar.

No sentido de que a penhora da casa de morada de família não viola o direito constitucional sobredito já se pronunciou, de resto, o Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão n.º 649/99, de 24 de Novembro de 1999.

E se nem o artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa nem outro princípio constitucional impõem a impenhorabilidade da casa de morada de família, o legislador ordinário também não o fez, visto que não consta do rol dos bens impenhoráveis constante dos artigos 822.º e seguintes do Código de Processo Civil. Aliás, as normas que protegem a casa de morada de família (nomeadamente o n.º 2 do artigo 1682-A.º do Código Civil) destinam-se a preservar a família das agressões perpetradas por um dos seus membros sem o consentimento do outro. Sendo que, no caso, a garantia foi oferecida por ambos os membros do casal, visto que o requerimento respetivo esta assinado pelos dois.

Do exposto decorre que o facto de o bem oferecido em garantia ser a casa de morada de família não chegaria para obstar ao prosseguimento da execução com a venda daquele bem.

Restará, por isso, conhecer da outra razão, o pagamento parcial da dívida exequenda consequente desproporcionalidade entre o remanescente da dívida e o bem oferecido em garantia.

Decorre das disposições supracitadas que, cessando a causa que determinou a suspensão da execução, é executada a garantia. Aliás, o órgão de execução fiscal nem teria fundamento para penhorar outros bens, uma vez que o já penhorado é suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.

A proporcionalidade entre o valor da garantia e o valor do remanescente da dívida é aqui assegurada através de dois outros mecanismos: a redução (artigo 199.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e a substituição (artigo 52.º, n.º 5, ambos da Lei Geral Tributária) da garantia.

A redução da garantia por pagamento parcial pode ser decidida oficiosamente. Já a substituição da garantia por outros bens carece de requerimento nesse sentido, pressupondo o oferecimento de outros bens suficientes e idóneos.

Não se vê, no entanto, que o órgão de execução fiscal pudesse oficiosamente reduzir o valor da garantia, visto que dos autos não resulta que o bem oferecido fosse divisível, nem tal foi alguma vez alegado.

Por outro lado, os Recorrentes não requereram aqui a substituição da garantia por outros bens suficientes para o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. Aliás, nem sequer alegaram na reclamação que a garantia podia ser substituída.

É certo que requereram a sua substituição por outros bens de terceiro, em requerimento posterior, que veio a ser indeferido pelo órgão de execução fiscal, mas não é esse requerimento que cabe aqui apreciar, nem a legalidade da decisão respetiva, visto que não faz parte do objeto da reclamação nem do recurso. E não faz parte da reclamação porque não foi requerida a ampliação do pedido e dos seus fundamentos, por forma a abranger o conteúdo desta decisão.

Tanto quanto da reclamação resulta, os Recorrentes pretenderam apenas que a mera invocação da desproporção de valor pudesse obstaculizar o andamento da execução, quiçá indefinidamente, até que tivessem meios económicos para pagar.

E tal pretensão é que poderia ser considerada desproporcionada, face ao interesse prosseguido pelo credor, que é o interesse público na cobrança atempada dos créditos tributários. Que assim estaria a ser preterido, não porque os devedores carecessem de proteção especial, mas porque o bem tem muito valor relativo.

E redundar num tratamento notoriamente desigual, visto que, no limite, o devedor de determinada importância titular de património de valor muito superior, mas indivisível, poderia assim frustrar o direito do credor e obstar à privação desse bem, enquanto outro devedor da mesma importância titular de património de valor inferior, divisível ou indivisível, assistiria à execução implacável dos seus bens, sem poder invocar idêntico direito.

Pelo que o recurso também não poderia merecer provimento nesta parte.

4. Conclusões
4.1. Os atos praticados pelo órgão de execução fiscal não estão sujeitos ao dever de fundamentação dos atos administrativos, a menos que se insiram num procedimento de natureza administrativa “enxertado” na execução fiscal.
4.2. Os atos praticados pelo órgão de execução fiscal e que não se insiram num procedimento de natureza administrativa são fundamentados quando constituam decisão sobre algum pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo ou ainda quando a lei o imponha – artigo 158.º do Código de Processo Civil.
4.3. O ato através do qual o órgão de execução fiscal, decorrido o prazo a que alude o artigo 200.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, comunica ao executado a intenção de proceder à marcação da venda do bem penhorado se este não proceder ao pagamento integral da quantia exequenda, não integra nenhuma decisão de impulsionar o processo executivo e muito menos uma decisão que incida sobre algum pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo e não está, por isso, sujeito ao dever de fundamentação a que alude o artigo 158.º do Código de Processo Civil.
4.4. A penhora e subsequente venda de imóvel não constitui, pelo facto de se tratar da casa de morada de família, um sacrifício desproporcionado do direito correspondente do devedor tributário.
4.5. A desproporção entre o valor da dívida e o valor do bem oferecido em garantia, resultante do pagamento parcial da quantia exequenda, não obsta à sua manutenção com vista à subsequente venda, a menos que seja possível a sua redução nos termos do artigo 199.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou que seja requerida a sua substituição nos termos do artigo 52.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária e se verifiquem os pressupostos respetivos.
5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 15 de Fevereiro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques