Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02139/12.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DISPENSA DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA; INSOLVÊNCIA; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:1. A declaração de insolvência do executado importa a sustação da execução fiscal que se encontre pendente contra o executado insolvente – artigo 180.º, n.º 1, do C.P.P.T.;
2. Mas se a decisão respetiva for revogada ou se, após o encerramento do processo de insolvência, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública – cfr. o n.º 5 do artigo 180.º citado;
3. Em tal circunstância, não será inútil o prosseguimento da lide da reclamação da decisão de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal com dispensa da prestação da garantia;
4. Pelo que não pode o juiz julgar extinta a instância da reclamação da decisão de indeferiu o pedido de dispensa da prestação da garantia apenas porque a declaração de insolvência do executado tem como efeito a sustação da execução fiscal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. F..., n.i.f. 1…, com domicílio – indicado a fls. 25 – na Rua…, 4150-000 Porto, recorreu para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de fls. 317 a fls. 318 dos autos, que concluiu pela inutilidade superveniente do prosseguimento da reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa da prestação da garantia, que formulou no processo de execução fiscal n.º 3387200201040570.

Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações, que rematou do seguinte modo:

«Em Conclusão:

1. Andou mal o tribunal, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto, e no seu entendimento, a finalidade pretendida com a reclamação – suspensão da instância mediante a dispensa de garantia – já tinha sido conseguida, por força da lei, em face do disposto no art. 88.º do CIRE, em resultado da declaração de insolvência do reclamante.

2. Os efeitos da declaração de insolvência resultam do art. 88.º do CIRE que expressamente consagra a impossibilidade de prosseguimento da execução, bem como, do art. 180.º do CPPT onde expressamente refere que os processos executivos são sustados e avocados pelo tribunal competente para serem apensados ao processo de insolvência.

3. O recorrente requereu fosse remetido à insolvência, para efeitos de apensação, a reclamação apresentada.

4. A declaração de insolvência do executado, por si só basta para que ocorra a suspensão da execução, mas não implica, por si só, a inutilidade superveniente da lide.

5. Não podia a Mmo juiz a quo concluir, nos termos em que o fez, declarando a extinção da instância, sem antes cuidar de apurar, se a decisão da declaração de insolvência do reclamante era definitiva, considerou atingida a finalidade prosseguida com a reclamação, qual seja, a suspensão da execução.

6. A decisão recorrida, partindo do pressuposto, errado, que a declaração de insolvência do reclamante era definitiva, considerou atingida a finalidade prosseguida com a reclamação, qual seja, a suspensão da execução.

7. Não resulta dos autos, nomeadamente dos factos provados que a decisão da declaração de insolvência já tenha transitado em julgado, o que, e na realidade não sucedeu, pelo que, não se vislumbra como concluir que na situação em concreto, a instância se tenha tornado inútil.

8. Se a decisão de declaração de insolvência for revogada, a execução fiscal será remetida ao competente serviço de Finanças, que poderá prosseguir com a execução, caso não haja motivo para a sua suspensão.

9. É manifesto o interesse do recorrente, em ver decidido, a reclamação da decisão de indeferimento de isenção de prestação de garantia, sob pena de ver precludida a possibilidade de suspender a execução em resultado do pedido de dispensa de garantia apresentado.

10. Em virtude da declaração e insolvência do reclamante, deve, ser cumprida a lei, remetendo-se a reclamação ao processo de insolvência para efeitos de apensação.

11. Ao ter declarado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, e ao não deferir a pretensão do recorrente, a sentença proferida, fez má aplicação do direito, violando o disposto no art. 88.º nº 1do CIRE e art. 180.º do CPPT.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve se r concedido provimento total ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida,

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!

1.2. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos (fls. 330 dos autos).

O Recorrente foi notificado de que o recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios e autos e com efeito meramente devolutivo (fls. 332 dos autos).

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por douta decisão do Exmº Sr. Conselheiro Relator, se julgou incompetente em razão da hierarquia para dele conhecer e competente para o efeito a Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte.

No prazo legal, o Recorrente requereu a remessa dos autos a este Tribunal, o que foi deferido.

Neste Tribunal, a Ex.mª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento pelas razões expendidas pelo Recorrente nas suas doutas alegações, cuja argumentação acompanha.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

1.3. A única questão a decidir é a de saber se a declaração de insolvência do reclamante importa a extinção da instância da reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indefere o pedido de dispensa da garantia, por inutilidade superveniente da lide.

2. Da matéria de facto

2.1. Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos (sendo nossa a numeração):

1º. Foi instaurada no serviço de finanças do porto 4, o processo de execução fiscal n.º 338720020104570, contra a sociedade F… e CIA Ldª, por dívida de IRS dos períodos de 1996 a 2000, cfr. fls. 4/10,

2º. Foi cumprida a notificação para a audição prévia em 13/2/2010, cfr. fls. 31/33.

3º. Foi citado da reversão em 11/6/2010, cfr. fls. 41/46

4º. Por decisão de 29/3/2012, foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, cfr. fls. 59/60.

5º. A Reclamação foi apresentada em 26/4/2012, cfr. fls. 82/97.

6º. A informação da decisão de insolência [leia-se: insolvência] do reclamante consta de fls. 308,

3. Do Direito

Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, concluindo pela inutilidade superveniente da reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa da prestação da garantia, declarou a extinção da instância respetiva.

Foi o seguinte o fundamento do assim decidido: «Verificando-se que a finalidade pretendida com a reclamação era precisamente a suspensão da execução mediante a dispensa de prestação de garantia, estando a execução suspensa por força da lei, por causa de ter sido declarada a insolvência do reclamante, impõe-se concluir pela inutilidade superveniente da reclamação, e declarar a extinção da instância, ao abrigo dos artigos 88/1 e 146 do CIRE e 180 do CPPT, 287_e, do CPC e 2_e, do CPPT.»

Com o assim decidido não se conforma o Recorrente porque a decisão de declaração de insolvência não transitou e porque, se for revogada, a execução fiscal será remetida ao Serviço de Finanças, que poderá prosseguir com a execução. Considera violados os artigos 88.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O documento para que remete expressamente o ponto 6 dos factos provados é cópia da informação a que alude o artigo 38.º, n.º 3, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e dela resulta que, em 2012/07/13, foi proferida sentença de declaração de insolvência do aqui Recorrente no processo 1029/11.9TJPRT. Não existe nos autos nenhum documento que certifique o trânsito em julgado dessa sentença, nem tampouco que dela foi interposto recurso ou oposição de embargos.

Nos termos do disposto no artigo 180.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação de empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes.

Deste dispositivo legal decorre que a sustação das execuções fiscais não depende do trânsito em julgado da decisão que declara a insolvência, mas da prolação dessa decisão. O mesmo decorre do n.º 1 do artigo 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, segundo o qual é a própria declaração de insolvência que determina a suspensão de quaisquer diligências executivas que atinjam os bens da massa insolvente e obsta ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores. A doutrina classifica-o como um efeito automático, sendo inclusive independente do registo da sentença (Maria do Rosário Epifânio, in «Manual de Direito da Insolvência», 2013-5.ª Edição, pág. 164; Artur Dionísio Oliveira, in «Os Efeitos Externos da Insolvência - As Ações Pendentes Contra o Insolvente», Revista Julgar, n.º 9, 2009, pág. 177).

É seguro, no entanto, que a procedência dos embargos ou o provimento do recurso da sentença de declaração de insolvência, uma vez transitados, têm, por sua vez, o efeito de revogação dessa sentença – artigo 43.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. E põem termo ao próprio processo de insolvência. Nada obstando, a partir daí, a que a execução fiscal prossiga.

Por outro lado, do artigo 180.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário resulta que, se o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública. O que significa que a extinção do processo de insolvência não importa a extinção da execução fiscal.

De resto, mesmo a extinção das demais ações executivas suspensas só está prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para algumas situações, como decorre do seu artigo 88.º, n.º 3, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril. O que significa que «Quanto às restantes hipóteses de encerramento do processo, o destino das ações executivas suspensas dependerá de várias condicionantes, designadamente do sujeito passivo da declaração de insolvência e do regime jurídico do encerramento do processo» (Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 168).

Pelo que é possível extrair, desde já, uma conclusão preliminar: a declaração da insolvência do executado não impede necessariamente que a execução fiscal venha a prosseguir contra o executado insolvente, após o encerramento do processo de insolvência.

A ser assim, a decisão da presente reclamação também não é necessariamente inútil. Se o processo de execução fiscal vier a prosseguir, o executado manterá, em princípio, interesse no prosseguimento da oposição a essa execução. Consequentemente, manterá também interesse em que lhe seja reconhecido o direito à suspensão da execução com dispensa da prestação da garantia, até ao trânsito em julgado dessa oposição. E, por conseguinte, que seja apreciada e decidida a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu essa dispensa.

Pelo que o tribunal recorrido só poderia ter-se decidido pela extinção da instância da presente reclamação por inutilidade superveniente da lide depois de ter indagado e confirmado que a execução fiscal sustada não poderia prosseguir após o encerramento do processo de insolvência.

Ora, o tribunal recorrido decidiu pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide sem acautelar essa possibilidade. Aliás, limitou-se a consignar que a sustação da execução no âmbito do processo de insolvência satisfazia o desiderato da reclamação (que era a suspensão da execução com dispensa da prestação da garantia). No que não se poderia conceder, pelas razões sobreditas.

Importa, por isso, revogar a decisão recorrida.

4. Conclusões

4.1. A declaração de insolvência do executado importa a sustação da execução fiscal que se encontre pendente contra o executado insolvente – artigo 180.º, n.º 1, do C.P.P.T.;

4.2. Mas se a decisão respetiva for revogada ou se, após o encerramento do processo de insolvência, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública – cfr. o n.º 5 do artigo 180.º citado;

4.3. Em tal circunstância, não será inútil o prosseguimento da lide da reclamação da decisão de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal com dispensa da prestação da garantia;

4.4. Pelo que não pode o juiz julgar extinta a instância da reclamação da decisão de indeferiu o pedido de dispensa da prestação da garantia apenas porque a declaração de insolvência do executado tem como efeito a sustação da execução fiscal.

5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso e revogar a decisão recorrida.

Sem custas.

Porto, 27 de março de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Irene Neves