Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00147/06.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:OPOSIÇÃO;
NULIDADE DA SENTENÇA POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO;
ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:I – A contradição relevante em termos de nulidade da sentença, nos termos do artigo 125º do CPPT e também alínea c) do nº 1 do artigo 668º, actual 615º, do CPC, é a havida entre a decisão e os fundamentos usados na sentença, não entre esta e o arrazoado constante do processo, cuja discrepância é susceptível de configurar, antes, erro de julgamento;
II - Existe erro na apreciação das provas quando o tribunal dá como provado um determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária. A existência de tal erro implica a revogação da sentença, por erro de julgamento.
III - Face à omissão pelo tribunal a quo da fixação da matéria de facto pertinente para a apreciação de mérito das questões suscitadas nos autos, não é possível a este Tribunal de recurso conhecer em substituição, uma vez que a selecção da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pelo juiz da 1ª instância e no probatório da sentença recorrida apenas foi fixada factualidade atinente ao conhecimento da impossibilidade superveniente da lide, o que significa que inexiste julgamento da matéria de facto para conhecer do mérito da oposição.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J... e outro
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no processo de Oposição judicial deduzido por J... e JO..., dado aquela ter julgado extinta a instância, por impossibilidade da lide

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Ressalvado o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a sentença proferida em 24.06.2011 pelo Douto Tribunal a quo, que julgou supervenientemente impossível, nos termos do artigo 278.º al. e) do CPPT, a lide constituída pela oposição sub judice.
B. Face à prova produzida não deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a dívida exequenda se encontrava prescrita em relação aos dois Oponente/Recorridos.
C. Com efeito, a douta decisão sob recurso, das questões suscitadas no articulado inicial da oposição, considerou todavia, sustentando-se no teor da informação remetida pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso de 20/03/2009 (constante nos autos a fls. 163 a 168), que a dívida exequenda em causa se encontrava prescrita relativamente aos dois Oponentes/Recorridos,
D. julgando, por isso, extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 278.º al. e) do CPPT.
E. Com o assim decidido não pode a Fazenda Pública, mui respeitosamente, conformar-se na parte em que julgou prescrita a dívida quanto ao Revertido/Recorrido JO... e, consequentemente, com a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
F. Requerendo desde logo a reforma da sentença proferida nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 669.º n.º 2 alínea b) e n.º 3 do CPC,
G. porquanto, de acordo com o texto da informação em que se fundou a sentença sob recurso, que se passa de imediato a transcrever:
(…) na data de hoje, verifica-se que as dívidas se encontram prescritas, quer relativamente ao devedor originário, quer relativamente ao revertido J.... No que diz respeito ao revertido JO..., as dívidas ainda não prescreveram, uma vez que o mesmo apresentou oposição e prestou garantia, tendo o processo ficado suspenso.
(sublinhado e negrito nosso)
H. Esta informação viria a ser reiterada em 01.06.2009 pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso, como pode ser constatado por fls. 176 dos autos.
I. De modo que, estamos perante um daqueles casos em que é admissível a reforma da sentença,
J. na medida em que, como é perceptível, os documentos ínsitos no processo ora referenciados implicam necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida
K. e que, no nosso entender, só por manifesto lapso não foram integralmente tomados em consideração.
L. Aliás, com todo o respeito que muito e devido é, atendendo às informações fornecidas pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso não poderia o Tribunal de 1.ª instância, com fundamento nas mesmas, ter declarado a inutilidade superveniente da lide,
M. já que o órgão da execução fiscal apenas se referiu que a prescrição se verificava face à devedora originária e ao revertido J....
N. Nada constando dos autos que leve à conclusão de que a dívida se encontra prescrita também quanto ao outro revertido JO....
O. E como é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência nacional, o facto de uma dívida poder estar prescrita quanto a algum dos Revertidos, não significa que tenha de o estar quanto aos demais, tudo dependendo da forma como é tramitado o processo de execução fiscal relativamente a cada um deles (neste sentido vide, entre tantos outros, Acórdão do STA de 21/05/2008, proferido no recurso n.º 0277/08).
P. Assim, ao julgar prescrita a dívida exequenda também quanto ao revertido JO... e, consequentemente, determinar a inutilidade superveniente da lide, a douta decisão em apreço entrou em contradição com o teor da informação em que fundou a própria decisão.
Q. Assim, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, face ao anteriormente exposto e da leitura da decisão reformanda parece-nos manifesto que estarmos diante um daqueles casos em que se verifica um erro incontroverso,
R. encontrando-se reunidos os pressupostos para se operar a reforma da sentença.
S. Caso não seja este o entendimento desse Venerando Tribunal, face aos fundamentos atrás expostos,
T. requer-se, mui respeitosamente, a revogação da sentença recorrida, nos termos do artigo 668.º n.º 1 al. c) do CPC, dado
U. existir contradições entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
V. Na verdade, e como atrás se demonstrou, os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável ,
Sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs,
deve a douta Sentença proferida ser reformada no sentido de se considerar que mantém utilidade o conhecimento do mérito da causa (a legalidade da reversão da execução) e, em consequência, julgar-se improcedente a Oposição na parte respeitante ao oponente/recorrido JO..., atendendo ao alegado na contestação apresentada em tempo pela Fazenda Pública.
ou caso não seja este o entendimento do Venerando Tribunal a quo,
deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, por a mesma enfermar de nulidade em virtude de existir contradições entre os seus fundamentos e a decisão proferida.

O recorrido não apresentou contra-alegações.

Dado vir requerida a reforma da sentença, foi por despacho de folhas 208, considerado não existir o erro a que se fazia referência em sede de alegação de recurso, não se verificando, também, a nulidade invocada.

Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 219 e ss, no sentido de dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, dado a informação prestada pelo OEF e posteriormente reiterada esclarecer que, relativamente ao revertido JO..., as dívidas não se encontravam prescritas.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

I.I Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas respectivas conclusões de recurso (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são: (i) saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por existência de oposição entre os seus fundamentos, (ii) saber se a decisão incorreu em erro de julgamento.

II. Fundamentação

II.1. De facto

Tendo apreciado a questão da existência de declaração da prescrição, como questão prévia, o Tribunal a quo deu como assentes factos, sem os enumerar autonomamente, e que aqui se reproduzem:

Encontra-se pendente no Serviço de Finanças de Santo Tirso, o processo executivo n.°1880200101021036 e apenso, instaurados por dívidas de IVA, referentes aos anos de 1997, 1998 e 1999 e, respeitantes à firma J…, Ld.ª.

Em 08.08.2005 foi proferido despacho de reversão, tendo o revertido JO... sido citado em 23.01.2006 e o revertido J... sido citado cm 18.01.2006.

Em 17.02.2006, foi apresentada a presente Oposição.

Resulta do teor dos elementos informativos de fls. 163 a 168 que as dívidas em causa se encontram prescritas.

II.1.1 Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1, anteriormente artigo 712º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), e 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aditam-se os seguintes pontos à matéria de facto dada como provada:

Na sequência do despacho de folhas 160, o órgão de execução fiscal, pelo ofício nº 676/3 de 20.03.2009 prestou a seguinte informação: ”De acordo com o solicitado pelo v/ofício supra referenciado informo V. Exª que foi efectuada a reversão contra os responsáveis subsidiários (…). Na data de hoje, verifica-se que as dívidas se encontram prescritas, quer relativamente ao devedor originário, quer relativamente ao revertido J.... No que diz respeito ao revertido JO..., as dívidas ainda não prescreveram, uma vez que o mesmo apresentou oposição e prestou garantia, tendo o processo ficado suspenso Para melhor esclarecimento, junto envio fotocópias das contagens dos prazos de prescrição” – cfr. folhas 162 a 168.

Na sequência do despacho de folhas 180, o órgão de execução fiscal prestou informação sobre o revertido JO... no Pef 1880200101021036 e aps, a que se reporta a apresente Oposição, do seguinte teor: “ Em resposta (…) cumpre-me informar a V. Exa. que as dívidas respeitantes ao revertido supra identificado não se encontram prescritas.” – cfr. folhas 182 dos autos.


II.2. De Direito

Está em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou extinta a instância por impossibilidade da lide.
O que importa decidir no presente recurso é saber se, como entende a recorrente, a sentença incorreu em nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.

A Meritíssima Juíz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou queO art.287°, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art. 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, estabelece:
“A instância extingue-se com... e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”
“A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, ocorrida na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”
Com a oposição o oponente pretende a extinção da execução.
A prescrição da dívida exequenda e a consequente extinção do processo de execução fiscal provocou o desaparecimento do objecto destes autos, impossibilitando a obtenção do resultado visado com a sua instauração.
Existe, por isso, fundamento para a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
A extinção, da instância prejudica o conhecimento das demais questões, cfr. resulta do disposto no art. 660º, n.º2, do CPC.
III - DECISÃO.
Pelo exposto, julgo extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide - art.278°, alínea e), do CPPT. “

A agora recorrente Fazenda Pública insurgiu-se contra esta decisão, argumentando que dos factos dados como provados não podia a M. Juiz ter retirado a conclusão de que a dívida se encontrava prescrita relativamente aos dois oponentes, uma vez que a informação em que a sentença se havia sustentado apenas referira ter sido considerada prescrita a dívida quanto a um dos revertidos/oponentes, existindo assim contradição entre os fundamentos e a decisão.

II.2.1. Como pressuposto de abordagem de apreciação da nulidade de sentença suscitada, teremos de reter que a Fazenda Pública não coloca em causa o segmento da decisão recorrida que declarou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide relativamente ao outro oponente/revertido: J.... – cfr. conclusão E e conclusão M, sendo de concluir que tal segmento transitou em julgado, tendo-se estabilizado na ordem jurídica.
A contradição entre os fundamentos e a decisão assacada à sentença recorrida apenas se refere, assim, ao segmento, relativo ao oponente/revertido JO....

II.2.2 De acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer“.
Comando legal idêntico se encontra no artigo 668º alínea c), actual 615º, do CPC.

Como referido no Acordão deste TCAN de 25.01.2013, in processo nº 00767/07.5BEPRT “Esta nulidade sanciona um vício formal, que afecta o respectivo silogismo judiciário, concretizado num vício lógico de construção da decisão, em que as premissas de facto ou de direito invocadas pelo julgador deviam conduzir não à conclusão decisória tirada, mas antes a uma diferente, quiçá oposta àquela [a respeito, AC STA de 01.02.2001, Rº39.011, e AC STA/Pleno de 06.02.2007, Rº322/06; e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1982, Tomo V, página 141].
Sublinha-se, portanto, que a contradição relevante em termos de nulidade é a havida entre a decisão e os fundamentos usados na sentença, não entre esta e o arrazoado constante do processo, cuja discrepância é susceptível de configurar, antes, erro de julgamento [a respeito, AC STA/Pleno de 17.03.92, Rº17.017, e AC STA de 13.02.2002, Rº47203].
O que distingue esta invocada nulidade do correspondente erro de julgamento é que ela é um vício formal, ostensivo, detectável com relativa facilidade pelo próprio julgador, de tal forma que poderá ser ele mesmo a supri-la [ver artigo 668º, nº4, na versão aqui aplicável]. Por sua vez, o erro de julgamento tem a ver com a interpretação e a aplicação das normas legais convocadas, traduzindo-se numa possível, mas eventualmente errada, subsunção dos respectivos factos ao direito. E por isso mesmo, esgotado que está o poder jurisdicional do tribunal a quo [666º nº1 CPC], este erro de julgamento apenas poderá ser remediado pelo tribunal ad quem em sede de recurso jurisdicional. (…)”


No caso em apreciação, o fundamento de facto que a recorrente entende estar em oposição com a decisão final encontra-se na constatação feita pela sentença de que “Resulta do teor dos elementos informativos de fls. 163 a 168 que as dívidas em causa se encontram prescritas.”

Ora, de acordo com a recorrente a informação de folhas 163 a 168 apenas deveria ter conduzido à extinção da instância por impossibilidade da lide relativamente ao oponente J..., uma vez que, quanto a ele, o órgão de execução fiscal tinha reconhecido a prescrição da dívida. Mas tal já não acontecia com o outro oponente JO..., dado a informação referir explicitamente que quanto a este a dívida não se encontrava prescrita.

Mas não lhe assiste razão, pelo menos, em termos de nulidade, já que, e à partida, o que se encontra provado na sentença não implica, de forma clara, ostensiva, que a decisão fosse outra. Relembremos que a sentença constatou, apesar de o fazer erroneamente, como a seguir veremos que “Resulta do teor dos elementos informativos de fls. 163 a 168 que as dívidas em causa se encontram prescritas”.
Ora, tendo sido este o fundamento/premissa, para ter decido que a instância se extinguia por impossibilidade da lide, não vislumbramos contradição com o fundamento invocado, dado que aquele referia “que as dívidas em causa estavam prescritas”.
Destarte, improcede a nulidade arguida.

II.2.3 Mas a recorrente veio ainda invocar erro na apreciação da prova (erro de julgamento) – conclusões B, G, H, L, M e N, - se bem entendemos, por ter sido dado como provada a prescrição da dívida relativamente aos dois oponentes, quando da confrontação com a informação junto aos autos resultava que aquela só ocorrera quanto ao oponente J....

A alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida - artº 640º e 662º CPC.
Só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Assim, e tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, quando a prova é produzida por esses meios.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

Ora, no caso em apreço, em face da informação referida pela M. Juiz, para considerar provado o facto em análise, e cujo teor foi aditado por este Tribunal ad quem, é de concluir que existiu erro na apreciação da prova, uma vez que na informação de folhas 162 a 168, reiterada pela informação de folhas 182 se referiu, como a recorrente invocou que, para o que aqui nos interessa “Na data de hoje, verifica-se que as dívidas se encontram prescritas, quer relativamente ao devedor originário, quer relativamente ao revertido J.... No que diz respeito ao revertido JO..., as dívidas ainda não prescreveram, uma vez que o mesmo apresentou oposição e prestou garantia, tendo o processo ficado suspenso….. cumpre-me informar a V. Exa. que as dívidas respeitantes ao revertido supra identificado (leia-se JO...) não se encontram prescritas.”

Resulta do exposto que ocorreu, efectivamente, erro na apreciação da prova, e consequente erro de julgamento, uma vez que não podia a M Juiz ter dado como provado que as dívidas relativamente a ambos os oponentes, estavam prescritas, quando na informação, onde se sustentou, apenas se referiu, sem margem para qualquer dúvida que a prescrição da dívida se verificava apenas quanto ao oponente J... e já não quanto ao oponente JO....
Destarte, é de conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, sendo de revogar a sentença na parte recorrida.


II.2.4 - Aqui chegados, haverá, ainda, que indagar se, de acordo com o artigo 715, nº 2, do CPC, agora 665, aplicável nos termos do artigo 2º, alínea e) do CPPT, se no presente processo se poderá exercer a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, quanto ao mérito da oposição, ainda que a decisão recorrida a não haja apreciado, designadamente por ter considerado procedente a questão prévia da impossibilidade superveniente da lide.
Ou seja, se este Tribunal ad quem pode apreciar o mérito a oposição, quando, apesar de no processo existir prova documental junta pelo oponente não foi fixada qualquer matéria de facto pertinente para a sua apreciação, dado que a matéria de facto fixada foi, apenas, a referente à apreciação da questão prévia supra referida.
A jurisprudência deste TCAN é no sentido negativo.
Perante questão comparável, veja-se o douto Acordão, por este TCAN, em 28 de Junho de 2012, no processo 2751/10.2 BEPRT, onde se referiu: “Face à revogação da sentença recorrida, impunha-se que este Tribunal, caso nenhum motivo a tal obstasse, conhecesse ex novo do mérito da causa em substituição do tribunal a quo, em conformidade com o disposto no artigo 715º, nº 2 do CPC [aplicável por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT], considerando que se encontram juntos aos autos os registos fonográficos com reprodução áudio dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Porém, perante a total omissão pelo tribunal a quo da fixação da matéria de facto pertinente para a apreciação de mérito das questões suscitadas nos autos [apesar de ter sido produzida prova, designadamente testemunhal e documental], não é possível a este tribunal conhecer do fundo da causa, uma vez que a seleção da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pelo juiz da 1ª instância e no probatório da sentença recorrida apenas foi fixada factualidade atinente ao conhecimento da questão da caducidade do direito de recorrer, o que significa que inexiste julgamento da matéria de facto para conhecer do mérito da causa e, por outro lado, o Tribunal superior só em casos excecionais poderá afastar o juízo valorativo das provas feito por aquele [acórdão do TCAN de 19/10/2006, Processo 00081/02].
Como decorre do artigo 712º do CPC, o tribunal de recurso, quando esteja em causa a matéria de facto, pode proceder à alteração da matéria, desde que se mostrem preenchidas as condições previstas nas respetivas alíneas a), b) e c). Ainda, do nº 4 deste normativo resulta a possibilidade de ser anulada oficiosamente a decisão proferida na 1ª instância, desde que o processo não disponibilize todos os elementos probatórios que, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto.
Portanto, o tribunal de recurso, com vista a uma eventual alteração da matéria de facto, pode reapreciar ou reexaminar a decisão do tribunal recorrido sobre essa matéria, mas não pode efectuar esse julgamento de facto sem que na 1ª instância o mesmo tenha sido efectuado, uma vez que tal implicaria o inviabilizar da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. Ou seja, o tribunal ad quem só pode efectuar um novo julgamento de facto e de direito se a decisão proferida pelo tribunal a quo contiver o enquadramento de facto e de direito e a competente decisão, o que não se verifica in casu - neste sentido, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/10/2001, no Processo nº 26193, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 19/10/2006, Processo 00081/02 (supra citado), de 9/11/2006, Processo 00345/04 e de 9/2/2012, Processo 01552/08 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 16/11/2010, Processo 03922/10.
Em suma, o conhecimento pelo tribunal de recurso do mérito da causa em substituição do tribunal recorrido nos termos previstos no artigo 715º, nº 2 do CPC tem os seus poderes circunscritos aos termos e com os limites impostos pelo artigo 712º do mesmo diploma.
Conclui-se, pois, não ser possível conhecer do mérito dos presentes autos, em substituição do tribunal a quo, em virtude da total falta de fixação da matéria de facto com relevância para a decisão da causa.”
Veja-se, também, além dos supra identificados, o douto Acordão deste TCAN, de 12.01.2012, proferido no processo nº 820/06.2BEVIS: “À regra de substituição do tribunal recorrido que emana do artigo 715.º, n.º 1, do C.P.C. devem, assim, ser opostos os limites interpostos pelo referido artigo 712.º do mesmo Código.
A oposição de tais limites aos poderes de cognição pelo tribunal de recurso tem subjacente – a nosso ver – uma razão fundamental: promover a imediação na primeira apreciação da prova, que só o tribunal recorrido pode salvaguardar. Sendo que, como refere A. S. Abrantes Geraldes (in «Recursos em Processo Civil, 2008, pág. 281), «tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc., sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorados por quem os presencia (…)».
No presente caso, nenhuma matéria de facto foi fixada quanto às questões levantadas na petição inicial relativas ao mérito da oposição, nomeadamente as referentes à alegada falta de culpa do oponente na delapidação do património da devedora originária.
Conclui-se, assim, de todo o exposto, não ser possível conhecer do mérito dos presentes autos, em substituição do tribunal a quo, em virtude da total falta de fixação da matéria de facto com relevância para a decisão da causa.

Dada a procedência do recurso e revogando-se parcialmente a sentença recorrida, é de ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para que os presentes autos de Oposição, relativamente a JO..., prossigam os seus termos.

II.2.5. Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:

I – A contradição relevante em termos de nulidade da sentença, nos termos do artigo 125º do CPPT e também alínea c) do nº 1 do artigo 668º, actual 615º, do CPC, é a havida entre a decisão e os fundamentos usados na sentença, não entre esta e o arrazoado constante do processo, cuja discrepância é susceptível de configurar, antes, erro de julgamento;
II - Existe erro na apreciação das provas quando o tribunal dá como provado um determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária. A existência de tal erro implica a revogação da sentença, por erro de julgamento.
III - Face à omissão pelo tribunal a quo da fixação da matéria de facto pertinente para a apreciação de mérito das questões suscitadas nos autos, não é possível a este Tribunal de recurso conhecer em substituição, uma vez que a selecção da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pelo juiz da 1ª instância e no probatório da sentença recorrida apenas foi fixada factualidade atinente ao conhecimento da impossibilidade superveniente da lide, o que significa que inexiste julgamento da matéria de facto para conhecer do mérito da oposição.


III. DECISÃO

Termos em, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença na parte recorrida, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para que, se a tal nada mais obstar, aí se proceda à fixação da matéria de facto e se conheça do mérito da Oposição, quanto ao oponente JO....

Sem Custas.

Porto, 12 de Março de 2015
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo