Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02935/13.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL. PREÇO ANORMALMENTE BAIXO.
Sumário:I) - O preço anormalmente baixo pode resultar directa ou indirectamente das peças do procedimento, só assim se podendo exigir que a proposta seja instruída com documento justificativo.
II) - Para que possa afirmar que resulta indirectamente das peças do procedimento é necessário que o preço base esteja “fixado no caderno de encargos”.
III) – Se o preço anormalmente baixo é obtido indirectamente por estar, como diz a lei, “fixado” o preço base, ainda assim, pese esse modo indirecto, se adequando ao princípio da transparência, ele já não convive com ilação tirada de um preço base inferido indirectamente, pelos concretos trâmites concursais permitidos por um limite de despesa, para depois também indirectamente o obter.
IV) – Se não resultar directa ou indirectamente das peças do procedimento, impõe-se a audição do concorrente, não podendo a proposta ser excluída por falta de documento justificativo da anormalidade.
V) – A falta não é suprida se a decisão que se seguiu a audiência prévia à decisão de exclusão não versou sobre razões entretanto apresentadas quanto ao preço anormalmente baixo, antes afirmando a necessidade de a proposta dever ter sido instruída com documento justificativo.*
* Sumário elaborado peloRelator.
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, BST, SA, BES e Outro(s)
Recorrido 1:BPI, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. ---BST..., ---BES... --- interpõem, cada um deles, id. nos autos, recurso jurisdicional de acórdão proferido pelo TAF do Porto, que julgou procedente acção de contencioso pré-contratual intentada por BPI, SA, em que este pediu:
“a) Ser declarada a anulação da decisão de exclusão da proposta apresentada pelo BPI e das decisões de adjudicação a favor do BES..., S.A. e do Banco ST..., S.A. do Concurso Público para aquisição de serviços de banco de apoio para pagamentos do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SEPA, lançado pelo IGFSS;
b) Ser declarada a anulação do contrato, caso já tenha sido celebrado, nos termos do artigo 283°, n.° 2 do CCP;
c) Em qualquer caso, o Réu ser condenado a valorizar a proposta do Autor no Concurso Público impugnando.”
O recorrente Instituto de gestão Financeira da Segurança Social, I. P., réu na acção, encerra o seu recurso com as seguintes conclusões:
1. O Acórdão ora em crise não teve em consideração o travejamento jurídico que enforma o Código dos Contratos Públicos, tendo dado relevância a determinados preceitos do Código em detrimento de outros.
2. Com efeito, olvidou considerar os artigos 18°, 20.º/1-b) e 47°, e o impacto que estes terão nos preceitos directamente aplicados, consistindo nos artigos 57º, 70.° e 71.0 do CCP.
3. Se tivesse atentado nos preceitos invocados, verificaria que os procedimentos sem preço base estão taxativamente enumerados e enquadram-se no n.° 2 do artigo 47.°, sendo reservados a órgãos que tenham competência para autorizar despesa sem limite de valor, ou a entidade que não esteja abrangida pelo regime de autorização das despesas, e que se reconduzem ao Conselho de Ministros ou a Ministro por delegação de competências do Conselho de Ministros.
4. De outro modo, teria feito o enquadramento correcto nos artigos 18.° e 20.°/l-b), verificando que a escolha do concurso público condiciona o valor do contrato a celebrar, tendo a sua publicação ocorrido nos termos do artigo 20.°/1-b), e concluído que o concurso sub iudice tem como limite os €200.000.
S. Da mesma forma, consideraria o artigo 47.°/1-b), que se refere ao preço base - que é o preço máximo que a entidade adjudieante se dispõe a pagar, correspondendo ao mais baixo dos valores aí elencados, referindo-se a alínea b) do n.° 1 ao valor máximo do contrato a celebrar permitido pela escolha do procedimento, quando este for adoptado nos termos do disposto nos artigos 19.º, 20.° ou 21.°
6. Nestes termos, chegaria à conclusão que o concurso público tinha como preço base o valor de €200.000.
7. O que implica que as disposições do programa de procedimentos e do caderno de encargos relativas à justificação de preço anormalmente baixo afastassem a aplicação do artigo 71.° CCP e procedessem, com a consequência da exclusão do A. do concurso público, sem necessidade de pedidos de esclarecimentos adicionais, conforme aconteceu.
8. Ainda que assim não se entendesse, teria lugar a aplicação, no limite, do artigo 71.º/1, com a mesmas consequências.
9. O artigo 57.°/1-d) refere que o documento justificativo do preço anormalmente baixo faz parte dos documentos que constituem a proposta, com as mesma consequências quando se verifique a sua falta.
10. O BPI apresentou um preço de zero euros e zero cêntimos, o que, em qualquer ordenamento jurídico, terá de ter considerado um preço anormalmente baixo.
11. E o concorrente, sabendo do facto de ir apresentar um preço anormalmente baixo, tem de juntar imediatamente o documento de justificação desse preço anormalmente baixo, não o tendo feito, embora fosse uma exigência do programa do procedimento e do caderno de encargos.
12. O Tribunal a quo entendeu erradamente que o afastamento do concorrente BPI resultou do exercício de um poder discricionário da Administração, o que não se verificou, antes resultando de uma vinculação a que está adstrita.
13. O concorrente BPI declarou inicialmente ter junto o documento justificativo do preço anormalmente baixo com a sua proposta, posteriormente veio a verificar que não o tinha junto por culpa exclusivamente sua e mais declarou que tinha pretendido juntá-lo.
14. Efectivamente, não o juntou com a sua proposta, mas verifica-se que tinha consciência da necessidade de juntá-lo e teve vontade de juntá-lo, não o tendo feito por responsabilidade exclusivamente sua.
15. Caso fosse acolhida a posição do Acórdão recorrido, existiria violação dos princípios da concorrência, da objectividade, da transparência, da publicidade e da estabilidade das regras, uma vez que os co-concorrentes do A. seguiram rigorosamente as regras e assim obtiveram a possibilidade de serem qualificados para a prestação de serviços em causa.
Por sua vez, o recorrente BST..., contra-interessado, conclui do seguinte modo:
1. O acórdão recorrido, ao anular a deliberação impugnada, fez errada interpretação dos artigos 70.° e 71.° do CCP.
2. Entendeu o tribunal a quo que o BPI não deveria ter sido excluído do concurso público, sem que antes o júri do concurso lhe permitisse justificar o preço apresentado, nos termos do art. 71.', n.°3 do CCP.
3. Mas sem razão.
4. O programa do procedimento, no seu art. 8.°, n.° 1, al. c) determina a obrigatoriedade de apresentação de documento justificativo de um preço anormalmente baixo (quando aplicável). Ou seja, o programa do procedimento exigia aos concorrentes a apresentação de documento justificativo do preço anormalmente baixo, quando fosse esse o caso da proposta - a expressão quando aplicável significa sempre que a proposta tenha um preço anormalmente baixo.
5. Sendo o preço base inexistente, e mesmo não tendo sido estabelecida qualquer regra para definir o preço anormalmente baixo, um preço de ZERO EUROS (como aquele que o BPI apresentou) é sempre anormalmente baixo.
6. Daí que todos os concorrentes que formulassem urna proposta de preço ZERO estavam a submeter uma proposta de preço anormalmente baixo e, portanto, vinculados (pelo programa do procedimento), a apresentar desde logo, um documento justificativo da proposta.
7. Assim, ao contrário do dispositivo do acórdão recorrido o art. 71.°, n.° 3 do CCP não era aplicável ao presente caso.
8. Porque tal preceito só é aplicável quando, na situação concreta, seja necessário um critério para aferir se um preço é anormalmente baixo, isto é, por não ser possível aplicar o critério supletivo previsto no art. 71.°, n.°1 do CCP.
9. Não é esse o caso dos autos em que a proposta excluída apresentou um não preço, isto é, ZERO.
10. ZERO, isto é um serviço prestado gratuitamente nem sequer é, sentido rigoroso, um preço, sendo portanto um facto notório que, enquanto preço, é anormalmente baixo.
11. O programa do concurso (art. 8°, n.° 3) exigia que quando fosse apresentado um preço anormalmente baixo, fosse apresentado documento justificativo.
12. O Programa do Concurso não podia ser interpretado de outro modo, tanto mais que no seu art. 12.°, n.°1, al.c) resulta que seriam excluídas todas as propostas que apresentem um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados - nestes termos é claro que o preço anormalmente baixo deveria ser documentalmente justificado, com a apresentação da proposta, sob pena de exclusão da mesma.
13. Estando o Programa do Concurso em conformidade com a lei e sendo claro ao exigir a justificação do preço anormalmente baixo logo com a proposta do concurso, sob pena de exclusão, e sabendo que o BPI apresentou um preço anormalmente baixo e que não apresentou qualquer documento justificativo desse facto, na medida em que apresentou um a proposta a custo ZERO, então, a entidade adjudicante, mais não podia fazer que deliberar a sua exclusão, com o fundamento de não ter sido apresentado documento justificativo do preço anormalmente baixo logo com a apresentação da proposta como se exigia no art. 80. n.° 1 do Programa do Procedimento em total sintonia com o disposto no art. 57°. 1. al.d) do CCP.
14. O acórdão recorrido violou, assim, o art. 71.º e 70.° do CCP, que devem ser interpretados nos termos acima referidos.
E o recorrente BES..., também contra-interessado, conclui:
A) Neste processo está em causa a anulação, nomeadamente, da decisão de exclusão da proposta do BPI, por ter o Tribunal a quo entendido no Acórdão recorrido que, não existindo preço base fixado no Caderno de Encargos, o BPI não tinha de apresentar documento justificativo de preço anormalmente baixo conjuntamente com a proposta e, como tal, a sua proposta só poderia ter sido excluída depois de lhe ter sido permitido justificar o preço apresentado.
B) Na sua proposta, o BPI propôs um preço contratual de €0,00, tendo então expressamente referido pretender juntar documento justificativo de preço anormalmente baixo, o que não fez; alegadamente por motivos técnicos conforme justificou posteriormente em sede de audiência prévia (cfr. pontos 13), 14), 15) e 16 dos factos provados);
C) O Júri propôs no Relatório Preliminar a exclusão da proposta do BPI, ao abrigo do artigo 12.ºI1 do PP e do artigo 57,º/1 d) do CCP (reproduzido no artigo 8.º//1 c) do PP), que obrigava à apresentação do documento justificativo do “preço anormalmente baixo" (cfr. pontos 17) 21) e 23) dos factos provados).
D) Realizada audiência prévia, o próprio BPI considerou que o preço por si proposto de € 0,0C poderia ser considerado "anormalmente baixo" e que a falta de apresentação do documento justificativo deste preço se terá devido, unicamente, a um eventual problema técnico relacionado com a submissão do mesmo (documento) na plataforma electrónica (cfr. ponto 1 dos factos provados);
E) A decisão de exclusão da proposta do BPI do Concurso sub judice fundamentou-se, também, na constatação, puramente objectiva, de que a proposta em causa não vinha acompanhada por todos os documentos aos quais o concorrente declarou vincular-se e que vinham individualmente identificados na proposta como constituindo parte integrante da mesma (cfr. artigo 56.º/1 do CCP e ponto 21 dos factos provados).
F) O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 56.º/1, 57.º/1 e 146./2 al. d) do CCP, pois não ponderou que a não junção de um documento - in casu, de justificação do preço anormalmente baixo - que o concorrente declarava pretender juntar à sua proposta e a ele se vincular, consubstanciava a submissão de uma proposta incompleta e logo, determinava a sua exclusão;
G) O Acórdão recorrido incorreu ainda em erro de julgamento ao decidir que a exclusão da proposta do BPI do Concurso deveria ser precedida de contraditório nos termos previstos no artigo 71.º/3 do CCP, pois esta norma não permite sanar a falta de apresentação, juntamente com a proposta, de documento justificativo quando o concorrente saiba ou tenha obrigação de saber que o preço que propõe é anormalmente baixo, situação que não é contemplada na norma em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11.04.2013 do Tribunal Central Administrativo Sul).
H) De qualquer forma, e sem conceder, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quando se pronunciou pela ilegalidade de exclusão da proposta do BPI por falta de contraditório, pois o Júri submeteu o projecto de decisão de exclusão a audiência prévia, conforme legalmente previsto (cfr. artigo 147. do CCP), tendo o BPI podido apresentar nessa sede todos os esclarecimentos que entendeu por convenientes;
I) Por conseguinte, o BPI teve uma oportunidade procedimental para defender a admissão da sua proposta, onde poderia ter defendido o preço apresentado, antes de ter sido tomada a decisão final no sentido da respectiva exclusão.
J) Nem o Júri, nem o IGFSS vedaram ao BPI o direito a pronunciar-se sobre os fundamentos que determinaram a exclusão da sua proposta, pelo que mal andou o Acórdão recorrido ao considerar que tinha sido violado o direito ao contraditório.
K) A decisão do IGFSS, de 07.11.2013 que excluiu a proposta do BPI do Concurso e adjudicou os serviços concursados ao BES e ao ST... não padece dos vícios que lhe foram atribuídos no Acórdão recorrido, devendo tal decisão e, consequentemente, o contrato celebrado ser integralmente mantidos.
L) O Acórdão recorrido enferma assim de claros erros de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 56.º/1, 57.º/1, 71.º/3, 146./2 al. d) e 147.9 do CCP e nos artigos 12º/1 e artigo 8/1 c) do Programa de Procedimento do Concurso sub judice.

Contra-alegou o recorrido BPI, oferecendo em conclusões:
A. Uma vez que a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso dará origem a uma situação de facto consumado, com prejuízos de difícil reparação para o BPI, e atendendo a que do efeito devolutivo não decorrem quaisquer prejuízos para o interesse público e os eventuais prejuízos para os interesses dos Contra-Interessados serão inexistentes (no caso do ST..., que manterá a vigência do contrato que celebrou) ou inferiores aos do BPI (no caso do BES, uma vez que apenas terá de dividir o quinhão das pensões associadas ao Banco Centralizador),
deverá ser-lhe atribuído efeito devolutivo, nos termos e para os efeitos do artigo 143.º, n.º 3, do CPTA.
B. As questões suscitadas no presente recurso resolvem-se apenas com recurso à regra legal
aplicável às propostas que se considerem de preço anormalmente baixo, determinando a lei que o preço anormalmente baixo pode ter três origens: (i) ser diretamente fixado nas peças do
procedimento (artigos 115.º/3, 132.º/2, 189.º/3, todos do CCP); (ii) ser indiretamente fixado nas peças do procedimento – por aplicação do critério supletivo legal, quando o preço base conste das peças do procedimento (artigo 71.º/1 do CCP), (iii) ou (ser) classificado como tal pelo júri do concurso, na pendência do mesmo (artigo 71.º/2 do CCP). Sendo que, de forma taxativa, a lei determina que apenas nos dois primeiros casos é que o concorrente tem de apresentar com a proposta a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artigo 57.º/1, al. d) do CCP), determinando também que, no terceiro caso, quando o limiar do preço anormalmente baixo não resultar das peças do procedimento, esse documento não tem de ser apresentado com a proposta, devendo antes, pelo contrário, ser apresentado posteriormente, por indicação do Júri (artigo71.º/3 do CCP), pelo que a omissão da sua junção não pode conduzir à exclusão da proposta em causa.
C. No caso objeto do presente processo, uma vez que, nem o preço base nem o limiar do preço
anormalmente baixo resultavam das peças do procedimento, a proposta do BPI não podia ter
sido imediatamente excluída por falta de apresentação de documento justificativo do preço anormalmente baixo, pelo que a decisão do IGFSS nesse sentido é manifestamente ilegal. Pelo contrário, o IGFSS encontrava-se obrigado a solicitar ao BPI que prestasse esclarecimentos justificativos quanto ao preço da sua proposta, apenas podendo excluir a proposta se não aceitasse tais esclarecimentos (artigo 71.º/2 e 3 do CCP).
D. É irrelevante para o regime do preço anormalmente baixo consagrado no artigo 71.º do CCP, o facto de o anúncio do Concurso ter sido publicado nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do CCP e o facto de ser possível, através da aplicação do artigo 47.º, n.º 1, alínea b) do CCP aferir qual o preço base do concurso, apenas sendo obrigatória a junção à proposta do documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto nos casos especificamente previstos no artigo 71.º, n.º 1, do CCP.
E. O facto de o preço base aferido por aplicação do artigo 47.º, n.º 1, alínea b) do CCP ter conduzido à exclusão da proposta do BCP, não torna o mesmo relevante para aplicação do regime do preço anormalmente baixo, uma vez que os valores que um e outro instituto visam
tutelar (o regime do “preço base” e do “preço anormalmente baixo”) são substancialmente diferentes. O primeiro, o regime do preço base, consiste num limite absoluto e imperativo de competência da entidade, que não é possível exceder – o do valor do contrato a celebrar –, enquanto o segundo, o do preço anormalmente baixo, responde a preocupações subjetivas,
podendo – rectius, devendo – ser celebrados contratos com preços abaixo dos limiares dos preços fixados como sendo anormalmente baixos se se demonstrar que existe confiança na boa e integral execução subsequente.
F. A lei, nas situações que especificamente prevê de aplicação do critério de determinação automática do limite abaixo do qual determinado preço pode ser considerado anormalmente baixo e que obrigam à apresentação com a proposta do documento justificativo da sua apresentação, sob pena de exclusão, não salvaguarda qualquer situação em que o preço seja
considerado “anormalmente baixo por natureza”, por o mesmo ser de zero euros. Esse conceito não tem qualquer reflexo na lei, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente, para além de colocar em crise todo o edifício da segurança jurídica que este instituto visou precisamente salvaguardar.
G.Subsidiariamente, admitindo, sem conceder, por mero dever de patrocínio, que teria alguma
salvaguarda legal a matéria do preço anormalmente baixo por natureza, é manifestamente inadmissível a invocação deste argumento pelo IGFSS quando este, já há largos anos antes do
lançamento do concurso em apreço, mantinha em vigor um contrato com o BPI, cujo valor também era de zero euros, sem que nunca tivesse levantado qualquer questão a esse respeito, e quando também foi de zero euros o preço proposto na proposta do BES, que foi considerada
adjudicatária, e com quem foi celebrado um dos contratos no decurso do concurso. Ou seja, atentos os factos dados como provados, ficou demonstrado que o preço de zero euros, não faz
perigar a integral e boa execução do contrato, pelo que o preço proposto pelo BPI nunca poderia ser considerado como sendo anormalmente baixo.
H. O facto de BPI ter tido intenção de juntar o documento justificativo do preço anormalmente
baixo e não o ter feito afinal, não é relevante para que se considerem sanados os vícios da decisão de exclusão da proposta do BPI, na medida em que a postura do Concorrente é irrelevante para alterar o modo como o Código dos Contratos Públicos trata a matéria. O IGFSS
encontra-se vinculado ao princípio da legalidade, devendo atuar em conformidade com a lei e,
mais do que isso, fazer o que a lei determina. Por este motivo, o IGFSS nunca poderia ter considerado exigível a apresentação do documento justificativo do preço anormalmente baixo
no caso do Concurso objeto do presente processo, sendo ilegal a decisão de exclusão da proposta do BPI com fundamento na omissão da sua junção.
I. A pronúncia em sede de audiência prévia apresentada pelo BPI não substitui o direito ao contraditório que lhe é garantido pelo artigo 71.º, n.º 3, do CCP, uma vez que, como denuncia a colocação sistemática do preceito e os seus específicos termos formais e temporais, os esclarecimentos justificativos do preço são incidente próprio e autónomo, que não se confunde com a audiência dos interessados.
J. Acresce que o IGFSS não fundamentou a decisão de exclusão da proposta do BPI na apresentação de um preço anormalmente baixo, mas antes na omissão da junção do documento justificativo do preço anormalmente proposto, razão pela qual nem sequer tomou em consideração o que a propósito do preço apresentado o BPI alegou na sua pronúncia em sede de audiência prévia. Ou seja, ainda que o argumento de que a audiência prévia substituiria o direito consagrado no artigo 71.º, n.º 3, do CCP fosse procedente, o que sem conceder por mero dever de patrocínio se admite, sempre se teria de concluir que o mesmo fora violado por não terem sido tomados em consideração os argumentos aí invocados.

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O Exmº Magistrado do Mº Pº foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA), nada tendo oferecido em pronúncia.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), vêm os autos a conferência.
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O efeito dos recursos
Entende o recorrido BPI que “Uma vez que a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso dará origem a uma situação de facto consumado, com prejuízos de difícil reparação para o BPI, e atendendo a que do efeito devolutivo não decorrem quaisquer prejuízos para o interesse público e os eventuais prejuízos para os interesses dos Contra-Interessados serão inexistentes (no caso do ST..., que manterá a vigência do contrato que celebrou) ou inferiores aos do BPI (no caso do BES, uma vez que apenas terá de dividir o quinhão das pensões associadas ao Banco Centralizador), deverá ser-lhe atribuído efeito devolutivo, nos termos e para os efeitos do artigo 143.º, n.º 3, do CPTA.”.
A possibilidade de afastamento da regra geral do efeito suspensivo dos recursos (art.º 143º, nº 1, do CPTA) ocorre nas seguinte condições (art.º 143º, nºs. 3, 4, e 5, do CPTA):
3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.
Atendendo ao objecto contratual e ao tempo pelo qual ele projecta efeitos, quer de início, quer de execução, a situação de facto consumado ocorre; pelo menos sempre entre a prolação do acórdão recorrido e a definitiva decisão com trânsito, tempo de pendência em que a impugnação do decidido se submete ao regime de efeito do recurso que vigora.
Mas o facto consumado, na óptica de uma entidade financeira, também só mais releva enquanto pertinente à realização do seu escopo social.
E quanto aos prejuízos de difícil reparação, do que vem alegado pelo recorrido, reconduzem-se tais prejuízos a duas categorias: relativos à remuneração dos capitais em trânsito; morais, de reputação, de confiança, pela associação que os pensionistas fazem “de regularidade e confiabilidade” do processamento das suas pensões ao banco responsável.
Não se vê que existam: os primeiros afirmam-se com base num pressuposto que não pode dar-se como assente, a da sua qualidade de adjudicatário, e ainda assim sem serem prejuízos directamente fundados no que lhe corresponde em sinalagma contratual – de custo remuneratório zero -, antes no que ulterior e paralelamente gravita; idem quanto aos danos de imagem, sendo de irresistível lembrança o dito popular que “não importa quem pague, desde que pague”, e mais a mais de escolha imposta.
A propósito da Resolução Fundamentada, em incidente de ineficácia dos actos de execução indevida, em processo cautelar apenso, lembrou-se que:
«Na verdade, invoca a Entidade Requerida ¯(…) que o diferimento da execução da adjudicação do Contrato de Serviços de Banco de Apoio para pagamentos do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SFPA seria gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente porque a ausência de pagamentos de prestações do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SEPA atingiria um universo constituído por 1.463.995 (um milhão quatrocentos e sessenta e três mil novecentos e noventa e cinco) beneficiários, que percebem um montante que ascende a € 614.869.013,57 (seiscentos e catorze milhões oitocentos e sessenta e nove mil e treze euros e cinquenta e sete cêntimos), de acordo com as cifras relativas ao mês de Outubro de 2013, e a não realização destas transferências colocaria em risco a estabilidade financeira da República Portuguesa e o bem-estar económico-social dos beneficiários em questão, bem como impediria o prosseguimento das atribuições e competências do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, l.P., e do Instituto da Segurança Social, l.P., no que ao sistema da Segurança Social respeita. De tacto, o actual contrato em vigor tem como data limite o dia 31 de Dezembro de 2013, sem possibilidades legais de prorrogação, pelo que o diferimento da execução da adjudicação do contrato proveniente do procedimento de concurso identificado resultaria num vazio contratual e operacional por não ter o suporte da contratação pública e, consequentemente, redundaria numa situação de ruptura de pagamentos com graves consequências na estabilidade económica e social”.
Apesar de reconhecer que o contrato existente terminou em 31/12/2013, considera o requerente que há outras soluções para que se continuem a fazer os pagamentos das prestações do CNP, nomeadamente, através da celebração de um novo contrato por ajuste directo.
Ora, ainda que essa possibilidade legal pudesse constituir a via para a continuação da prestação de serviços que o requerente tem vindo a prestar, certo é que, o recurso a essa via nunca seria imediata, podendo acarretar, ainda que temporariamente, a ausência de pagamentos de prestações do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SEPA, cenário indesejável e que afectaria seguramente o interesse público que subjaz à decisão de contratualizar com entidades bancárias o tipo de serviços que aqui está em causa.».
É juízo que para aqui se importa; e não vendo como evitar ou minorar danos, aqueles que adviriam da atribuição de efeito devolutivo ao recurso emergem superiores à hipótese contrária; deve ser recusada essa atribuição de efeito devolutivo.
Mais que temerária a afirmação do recorrido, no corpo das suas contra-alegações, de que “A atribuição de efeito devolutivo terá simplesmente por efeito a execução do Acórdão, obrigando-se a que se retroceda no concurso ao momento em que a proposta do BPI foi excluída, passando a valorizar-se a mesma, permitindo-se que o BPI assuma a posição contratual que lhe pertence por lei”, execução que “nem coloca em causa os interesses dos pensionistas”, fazendo-se uma “passagem tranquila entre contratantes privados”… como se da posição procedimental que tem pudesse afirmar-se a dita posição contratual, e como se a execução provisória (já) tivesse significado de substituição de um adjudicatário por outro; não foi isso que a sentença (acórdão), constitutiva, lhe deu; e o que é de hipótese, por aí se fica.
Mantém-se o efeito suspensivo do recurso.
*
Do Objecto dos recursos
A questão em controvérsia, com dois passos de equação: não existindo preço base fixado no Caderno de Encargos, o autor BPI tinha ou não de apresentar documento justificativo de preço anormalmente baixo conjuntamente com a proposta?; não tendo apresentado tal documento a sua proposta poderia, sem mais, ter sido excluída?
*
Factos provados que o tribunal a quo ponderou, e agora também considerados:
1) O IGFSS, a 4 de Outubro de 2013, mediante publicação de anúncio na Parte L da II Série do Diário da República (n.° 192), lançou o “Concurso Público para aquisição de serviços de banco de apoio para pagamentos do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SEPA n.° 1101/13/0000205” – cfr. doc. 2.
2) O contrato a adjudicar tem a duração de 1 ano, podendo ser objecto de duas renovações de igual período (cfr. Cláusula 3ª do Caderno de Encargos – cfr. doc.3).
3) O critério de adjudicação adoptado foi o do preço mais baixo, de acordo com o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 74.° do CCP.
4) Foi ainda estipulado que, em caso de empate, será dada preferência à proposta do banco que apresentar a melhor remuneração das contas de depósito à ordem do IGFSS, em vigor à data da abertura do concurso (cfr. Artigo 5.° do Programa de Procedimento) – cfr. doc. 4.
5) O A. solicitou esclarecimentos ao IGFSS – cfr. doc. 1 junto com a contestação do IGFSS que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6) Em sede dos esclarecimentos prestados em 17 de Outubro de 2013, ponto 32, o Júri esclareceu que “o banco que apresentar o mais baixo preço (primeiro classificado) terá a função de banco centralizador, efectuando as necessárias transferências inter-bancárias, pelo que os restantes dois bancos (segundo e terceiro classificados) apenas irão executar transferências intra-bancárias - cfr. Doc. nº 5.
7) No Anúncio do procedimento indica-se no seu n.° 2, “Preço base - Inexistente” - cfr. Doc. nº 2.
8) O Caderno de Encargos e o Programa de Procedimento não indicam preço base ou valor de referência do preço anormalmente baixo.
9) No artigo 8°, n.° 1, alínea c) do Programa do Procedimento dispõe-se, a propósito dos documentos que constituem a proposta, que a mesma deve ser instruída com “documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo (quando aplicável)”.
10) No artigo 12°, n.° 1, alínea e), do Programa do Procedimento, determina-se que são excluídas as propostas “que apresentem um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados”.
11) Ao Concurso apresentaram propostas quatro entidades bancárias: os Contra-Interessados BES e ST..., bem como o Banco BPI, ora A e o BCP.
12) Dá-se aqui por reproduzida para todos os efeitos legais a proposta do A. que constitui o doc. nº 6.
13) O A. quando remeteu a sua proposta emitiu uma declaração, de acordo com o artº 8º do convite (documentos que constituem a proposta) tendo elencado os documentos que anexava – cfr. doc. 6.
14) Na referida declaração o A. referiu que anexava documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo – cfr. doc. 6.
15) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a declaração que acompanha a proposta do A., de fls. 72 e 73 dos autos.
16) Tanto o BES, como o BPI, apresentaram um preço contratual de 0€ (zero euros), possuindo ambas idêntico valor de remuneração das contas à ordem do IGFSS aí mantidas, fixado em 0,5%.
17) Em sede de Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas, o Júri propôs a exclusão da proposta do A. – cfr. Doc. nº7.
18) No mesmo relatório o júri do concurso deliberou excluir o concorrente BCP por apresentar proposta que excede o preço base estabelecido nos termos do Código dos Contratos Públicos.
19) Em sede de Audiência Prévia, o A. sustentou a ilegalidade do projecto de exclusão da sua proposta – cfr. Doc. nº 8.
20) Referiu o A. nessa sede que:
Resposta ao relatório preliminar elaborado pelo júri do concurso público para contratação de serviços de Banco de Apoio para Pagamentos do CNP a beneficiários com conta bancária por transferência SEPA (n° 1001/13/0000205)
Exmos. Senhores,
Tendo presente o relatório em titulo, assinado em 28 de Outubro de 2013 e disponibiiizado para consulta na plataforma electrónica em do qual resulta a decisão de exclusão da proposta apresentada pelo Banco BPI, S.A. por não ter apresentado documento justificativo de preço anormalmente baixo, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 12° do programa de procedimento, vem o Banco BPI, S.A., em sua defesa, contestar tal decisão que deverá, na parte que lhe respeita, ser revogada, com os fundamentos seguintes:
1. Foi com enorme surpresa que o Banco BPI tomou conhecimento dos fundamentos da exclusão da sua proposta, porquanto era sua convicção ter submetido, electronicamente, à apreciação do júri do concurso, todos os elementos que tinha preparado para efeito de apresentação da sua proposta, a saber.
a)Declaração de aceitação do caderno de encargos elaborada em conformidade com o modelo constantes do anexo 1 do Código dos Contratos Públicos, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei a° 149/2012 de 12 de Julho.
b)Proposta - onde se indica o preço unitário da prestação do serviço expresso em algarismos e por extenso;
c)Anexo à proposta - Condicionalismos, de acordo com o artigo 23° do caderno de encargos
d)Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo cuja cópia se junta como doc 1.)
Aliás, como poderão V. lixas. constatar pela leitura da carta de 25 de Outubro de 2013, que acompanhava o envio da nossa proposta (que se junta como doc. 2), é expressamente mencionado que foi anexado “Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo".
Em consequência, admitiu-se, numa primeira reacção, que no relatório em título existisse algum equívoco.
Porém, tendo-se, em seguida, consultado o registo da plataforma electrónica, verificou-se que, afinal, o "Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo" não acompanhou a proposta apresentada a concurso, o que poderá ser explicado pelo facto de, no dia em que a referida proposta foi enviada, a exportação dos documentos, para a plataforma, ter de ser repetida por várias vezes, pois o processo não estava a ser concluído com êxito. Esta situação terá gerado a omissão de não submissão do “Documento ustificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo".
Significa-se, a este propósito, que o Banco BPI,S.A. tem tido, por diversas vezes, constrangimentos de natureza técnica com o browser e com as actualizações do Java exigidas pela plataforma e que, por esse motivo, nos últimos meses, foram apresentados diversos pedidos de apoio à assistência técnica da plataforma, situação que V. Exas. poderão confirmar junto da Gatewit.
Destarte, não se poderá deixar de concluir que, por um lado, o Banco queria apresentar o "Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo" e, para tanto, elaborou-o e referiu-o na sua proposta e que, por outro lado, a omissão do envio do dito documento terá sido potenciada por constrangimentos de natureza técnica com o bivwser e com as actualizações do Java exigidas pela plataforma.
Sem embargo,
2. A não submissão do documento poderia, ainda assim, ter sido suprida se a entidade adjudicante tivesse, nos termos previstos no artigo 72°. do Código dos Contratos Públicos, pedido esclarecimentos ao Banco BPI, S.A. sobre a omissão de tal documento até porque, na carta junta como Doc. 2, se refere expressamente o envio de tal documento.
Conforme é entendimento da doutrina e jurisprudência, se é certo que o n° 1 do artigo 72°. do Código dos Contratos Públicos estabelece uma mera faculdade de pedir esclarecimentos, não é menos certo que a devida aplicação dos princípios da concorrência, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade, determina que a solicitação de esclarecimentos sobre as propostas deve ser entendida como um verdadeiro poder funcional, ou poder-dever que, no caso concreto, determinaria que, com o objectivo de não colocar em causa o quadro de comparabilidade com as demais propostas, se promovesse o necessário esclarecimento junto do Banco BPI, S.A. acerca da razão que levou o concorrente a não entregar um determinado documento, embora na apresentação da proposta declarasse que o entregava.
Nos termos do n° 2 do referido artigo 72°., os esclarecimentos só integrarão a proposta do concorrente se não implicarem alteração do conteúdo da proposta, ou não visarem suprir omissões justificativa da sua exclusão, nos termos do disposto na alínea a) do o° 2 do artigo 70°. Ora, a proposta do Banco BPI, S.A. foi excluída nos termos da alínea e) do mesmo número, pelo que a prestação de esclarecimentos por esta instituição de crédito não afectaria os atributos da proposta, salvaguardando os princípios da estabilidade, imutabilidade e intangibilidade da proposta na fase pré-adjudicatória, assim como a prossecução do interesse público, pois permitiria que a entidade adjudicante tivesse em consideração mais uma proposta de serviços.
Em razão do que se invoca a referida preterição de um poder-dever que, no caso, teve um efeito, por demais, assaz relevante.
Ainda, sem embargo,
3. Se, formalmente, a deliberação da exclusão da proposta do Banco BPI deve ser revogada pelas razões que antecedem, existe, ainda, uma outra razão substancial para o fundamento da exclusão não ser considerado.
Com efeito, estabelece o Código dos Contratos Públicos:
(i)que não é possível excluir uma proposta, com fundamento em que apresenta um preço anormalmente baixo, sem que antes seja dada ao concorrente a possibilidade de a justificar (artigo 71°, n° 3 daquele Código).
(ii)que se considera um preço anormalmente baixo:
(a)o preço que o programa do procedimento fixar como tal (artigo 132°, n°. 2. daquele Código);
(b)o preço inferior a uma determinada percentagem do preço base, se o caderno de encargos fixar o preço base [(e não fixar preço anormalmente baixo) (artigo 71°., nº 1daquele Código )];
(c)o preço que a entidade adjudicante entender como anormalmente baixo (artigo 71°, nº 2 daquele Código), sempre que as peças processuais não determinem o preço anormalmente baixo e o procedimento de concurso não fixe o preço base (isto é sempre que não seja possível determinar, directa ou indirectamente, o preço anormalmente baixo).
(iii) que nos casos referidos em (a) e (b), os concorrentes que proponham preços anormalmente baixos devem, desde logo, incluir na suas propostas os documentos que contenham os esclarecimento justificativos de tal preço (artigo 57, nº 1, alínea d) daquele Código).
(iv) que no caso de a situação não se enquadrar em (a) e (b), os concorrentes deverão ser notificados para (sob pena de exclusão nos termos do artigo 70, a° 2, alínea e) daquele Código), prestarem os esclarecimentos justificativos da apresentação do preço (artigo 71°, nº 2 e 3 daquele Código).
Compreende-se o regime legal que estabelece um dever de justificação antecipado quando o concorrente conhece, antes de apresentar a proposta, o montante exacto abaixo do qual a entidade adjudicante poderá considerar a sua proposta corno não séria ou incongruente por corresponder um preço fora do mercado, cabendo ao concorrente ilidir tal presunção.
Nos casos em que a determinação do preço anormalmente baixo resulta de um poder discricionário da entidade adjudicante esta deve fundamentar a sua decisão dando oportunidade de o concorrente afastar esse entendimento.
Ora, no caso que nos ocupa, as peças procedimentais não estabelecem, nem directa nem indirectamente, o "preço anormalmente baixo".
Se as peças procedimentais não estabelecem o que se entende por "preço anormalmente baixo", não existe um dever de justificar antecipadamente o "preço anormalmente baixo".
E, por conseguinte, se a entidade adjudicante entende que a proposta do Banco BPI, S.A. se pode considerar como anormalmente baixa deverá fundamentar tal entendimento, dando oportunidade ao Banco de prestar os esclarecimentos necessários, pata justificar a proposta, tal como determina o artigo 71°., n° 2 e 3 do Código dos Contratos Públicos.
Não se diga que este entendimento é contrariado pelo facto de o Banco se ter disposto a enviar tal justificativo, juntamente com a sua proposta (conforme carta que constitui o doc 2).
Com efeito, o Banco BPI, S.A. reconhece ter pretendido juntar tal documento de justificação do preço, mas fê-lo, apenas, porque o mesmo constituía, nos termos do programa de procedimento, um dos elementos integrantes da proposta e o Banco BPI não pretendia correr o risco de exclusão por um (ainda que pouco provável, a seu juízo) diferente entendimento da entidade adjudicante, seja quanto ao dever de antecipadamente apresentar tal documento, seja da consideração da proposta do Banco BPI, S.A. de não cobrar nada pela prestação dos serviços como correspondendo a uru proposta de preço anormalmente baixo.
Na verdade, embora, em abstracto, um preço de 0€ possa ser, potencialmente, considerada, como um preço anormalmente baixo, a presunção que recaia sobre um preço anormalmente baixo pode ser afastada perante o caso concreto, como consagrado pelo próprio regime legal.
Como refere João Amaral e Almeida (in Estudos de Contratacào Pública II, Wolterskluver /Coimbra Editora, 2010, pag.88 e 89) "A consagração de um regime sobre propostas de preço anormalmente baixo é pois imposta pela necessidade de conciliar o interesse da Administração em adjudicar ao mais baixo preço possível e. ao mesmo tempo, afastar o perigo de uma adjudicação a um preço demasiado baixo expor essa mesma Administração ao sério risco de uma execução do contrato imperfeita ou mesmo incompleta, com o consequente aumento de custos dessa situação. (…). A execução da prestação que constitui objecto do contrato a celebrar deve pois ser confiada a quem, tendo apresentada tema proposta que cumpre todas as exigências e condições impostas pelo caderno de encargos, apresente um preço adequado a remunerar o conjunto dos custos, riscos e ómis que essa execução comporta, bem como a margem de lucro que o co-contratante necessariamente deve receber.
Proposta de preço anormalmente baixo pode pois definir-se como sendo aquela que, apesar de satisfazer o interesse da entidade adjiedicante em que a adjudicação seja feita ao preço mais baixo possível provoca todavia um juíro de suspeita sobre se está ou não em condições de garantir a satisfação correcta e integral das prestações contratuais a cargo do adjudicatário, oferecendo, por isso o sério risco de causar graves danos ao interesse público inerente á execução do contrato. Trata-se de urna proposta que se revela afinal ser portadora, do ponto de vista económico-financeiro, de uma anomalia que a pode impedir de ser considerada como séria ou congruente.
Ora, considerando que o Banco BPI é, actualmente, um dos Bancos centralizadores dos mesmos serviços agora objecto de concurso tendo já, no anterior concurso para a prestação do mesmo servico, apresentado preço idêntico, ou seja 0€ (juntando a mesma justificação apenas, repete-se, por razões de mera precaução) e que, é sua convicção, a execução dos serviços se pautou sempre por elevados níveis de serviço, a justificação, no caso concreto do preço de 0€ que, ainda assim, o Banco BPI se propôs efectuar, assentou em compreensíveis razões de cautela (como, aliás, se infere pelo conteúdo do mesmo) e não na mera previsão de o preço poder ser entendido como anormalmente baixo.
Por outro lado, ainda, um dos outros concorrentes apresentou também um preço de 0€, o que corrobora a tese de que "iii casu" 0€ não é um preço "anormalmente" baixo.
Acresce, ainda, que o Banco BPI, SA. pratica em relação a uma grande parte da sua clientela preço idêntico, não cobrando pelo serviço de transferências quer intra-bancárias, quer interbancárias.
Pelo exposto, dispondo o artigo 57, n° 1 alínea d) do Código dos Contratos Públicos que a obrigatoriedade de fazer incluir a justificação de preço anormalmente baixo só existe quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento, sendo que para resultar indirectamente depende de o preço base estar previsto nas peças procedimentais o que não acontece neste caso, não poderia a proposta do Banco BPI ter sido recusada com fundamento na falta de um documento que legalmente não tinha de integrar a proposta.
Nem se diga que, embora as peças procedimentos não estabeleçam o preço base, o mesmo corresponde ao valor máximo considerado para o procedimento utilizado uma vez que o artigo 71º, n° 1 do Código dos Contratos Públicos, estabelece expressamente "quando o valor base for fixado no caderno de encargos" o que é substancialmente de dizer, por exemplo, estabelecido ou fixado nos termos do Código dos Contratos Públicos.
O mesmo entendimento teve o Supremo Tribunal Administrativo que, no seu acórdão de 21 de Junho de 2011, relativo ao processo 250/11, decidiu que "como é óbvio, essa exigência de justificação ex ante do valor anormalmente baixo da proposta pelo citado artigo 57º, nº 1, alínea d) do CCP, tem como pressuposto que tal valor foi fixada, com clarera e precisão, pela entidade adjudicante, nas peças concursais, isto sob pena de violação dos princípios da transparência e da boa fé, que devem presidir aos procedimentos concursais (artigo 1º1 nº 4 do CCP e artigo 6º-A do CPOA)” e que "assim sendo e não resultando, directa ou indirectamente, das peças cancursais que a proposta da autora tinha em abstracto um valor anormalmente baixo, nem segundo, a própria entidade adjudicante, a mesma foi excluída com esse fundamento, mas apenas por não ter justificado o respectivo valor, o que, já vimos não era exigível face ao artigo 57º1 n0 1, d) do CCP, impunha-se então que a mesma fosse admitida pela entidade adjudicante".
Como refere João Amaral e Almeida (in obra citada, a pás.. 133) a obrigação que impõe a constituição da proposta com os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo "apenas é imposta aos concorrentes que ofereçam um preço igual ou inferior ao limiar da anomalia previamente conhecido". A este propósito este autor lembra que se trata de uma alteração relativamente ao regime que anteriormente vigorava que impunha que todas as propostas deviam ser instruídas com a nota justificativa do preço proposto, sob pena de serem excluídas, resultando esta alteração da consagração de um princípio da legislação e jurisprudência comunitária de que a exclusão de propostas com fundamento na (não) "apresentação de documentos exigidos pelas peças procedimentais só pode ser prevista para aqueles documentos que se destinem a cumprir uma utilidade específica no contexto da análise e da avaliaçâo das propostas. De contrário estamos perante uma obrigação desproporcionada e injustificada que ofende o princípoo da livre concorrência".
Acresce, que só se dando ao Banco BPI, S.A. a possibilidade do contraditório é que serão, ainda, prosseguidos dois outros princípios da contratação pública, o da (i) igualdade, que determina que todos os concorrentes se encontram em condições objectivamente idênticas, relativamente à capacidade de execução das prestações contratuais e o da (ii) de concorrência, que estabelece que as disposições aplicáveis à contratação púbica sejam interpretadas e aplicadas no sentido mais favorável à participação nos procedimentos pré-contratuais do maior número de interessados, evitando-se exclusões por motivos meramente formais.
CONCLUINDO:
1.O "documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo" embora tenha sido elaborado, assinado e referido na proposta como seguindo com a mesma, não foi submetido informaticamente juntamente com a proposta, sendo que tal omissão terá sido potenciada por constrangimentos de natureza técnica com o browser e com as actualizações do Java exigidas pela plataforma informática.
2.A não submissão do documento deveria ter sido suprida pela entidade adjudicante, nos termos previstos no artigo 72°. do Código dos Contratos Públicos, que estabelece um verdadeiro poder-dever da entidade adjudicante solicitar os esclarecimentos necessários, sobre o verdadeiro conteúdo e sentido das declarações de vontade dos concorrentes, sempre que as mesmas revelem incongruências, como é o caso da omissão de um documento expressamente referido na carta que acompanha a proposta como seguindo com esta.
3.Embora resultando do programa de procedimento corno fazendo parte da proposta, (i) os concorrentes não estavam legalmente obrigados a justificar antecipadamente que a sua proposta não apresentava um preço anormalmente baixo, (ii) nem o Banco BP1 estava obrigado a apresentar essa justificação por o preço considerado para a sua proposta ser de 0€. Com efeito, os concorrentes só estão obrigados a justificar antecipadamente o preço anormalmente baixo se este resultar directa ou indirectamente das peças contratuais (artigo 57°, n° 1 alínea d)), o que não aconteceu neste caso, pois só assim existirá um padrão para se considerar o que é um preço anormalmente baixo.
4.Sem a existência de critérios que estabeleçam o limiar a partir do qual se considera um preço anormalmente baixo:
(i)nenhuma proposta pode ser excluída, com tal fundamento sem que antes seja dada ao concorrente a possibilidade de, a posteriori, a justificar (artigo 71°, n° 3 do CCP).
(ii)A consideração de qualquer proposta como apresentando um preço anormalmente baixo só poderá resultar de entendimento discricionário da entidade adjudicante que terá de fundamentar a sua decisão indicando os pontos precisos da proposta que lhe suscitam suspeitas concretas dando ao concorrente o direito de afastar essas suspeitas apresentando as razões pelas quais considera que a sua proposta não corresponde a um preço anormalmente baixo (artigo 71°, n° 2 e 3 do CCP).
5.Conforme princípio comunitário já confirmado em diversas decisões jurisprudenciais, a apresentação de documentos exigidos pelas peças procedimentais só pode ser prevista para aqueles documentos que se destinem a cumprir uma utilidade específica no contexto da análise e da avaliação das propostas. No caso concreto, a apresentação do referido "Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo" além de não ser legalmente exigível seria um procedimento desnecessário, na medida em que, seja pela natureza dos serviços prestados seja pelos antecedentes históricos seja pela prática bancária assumida com a generalidade da sua clientela, a não cobrança por parte do Banco BPI de qualquer remuneração pela execução de ordens de transferência de fundos é prática habitual, tendo tal documento sido subscrito pelo Banco BPI por meras razões de precaução, e não porque entendesse ou previsse a possibilidade de o preço por si apresentado poder ser considerado anormalmente baixo.
Pelo que antecede, e como é de inteira justiça, deve ser revogada a deliberação que excluiu a proposta do Banco BPI, S.A., por não apresentar documento justificativo de preço anormalmente baixo, nos termos da alínea a) do e° 1 do artigo 12° do programa de procedimento, sendo que se a entidade adjudicante considerar que a proposta apresentada pelo mesmo Banco BPI, S.A., tem um preço anormalmente baixo deve dar oportunidade, ao mesmo Banco de justificar o contrário, quando não entenda que tal justificação já se encontra fixada ao doc.1 junto.
Só assim se prosseguirão os princípios fundamentais da contratação pública.
21) Em sede do Relatório Final de avaliação das Propostas, de 5/11/2013, e também no âmbito da notificação de adjudicação recebida, a decisão de exclusão veio a ser confirmada a título definitivo (cf. Doc. nº1).
22) O relatório final é do seguinte teor :

23) O relatório final foi homologado pelo Conselho Directivo do IGFSS em reunião de 7/11/2013 determinando a adjudicação da proposta apresentada pelo BES.
24) O BPI presta serviços semelhantes aos que foram objecto do concurso referido em 1) ao IGGFSS desde 2004, em conjunto com outros bancos, e desde 2011, em exclusivo para todo o sistema bancário nacional – cfr. doc. 9.
25) A Cláusula 2lº do Caderno de Encargos estabelece que “O número de beneficiários que actualmente recebem os respectivos benefícios através de transferência bancária ronda os 1.900.000. No ano de 2012 o valor pago rondou os 10,1mil milhões de euros. Estima-se que o número médio mensal de pensões a recuperar ronde os 1000 registos, ao que corresponderá um valor de 1,4 milhões de euros”.

*
Do direito:
Entendeu-se no Acórdão recorrido que, não existindo preço base fixado no Caderno de Encargos, o BPI não tinha de apresentar documento justificativo de preço anormalmente baixo conjuntamente com a proposta e, como tal, a sua proposta só poderia ter sido excluída depois de lhe ter sido permitido justificar o preço apresentado.
Para uma melhor compreensão convirá ter presente o discurso fundamentador do Acórdão recorrido, na parte que foi a sua fundamentação de direito, a qual agora se transcreve:
Importa, desde já, elencar os dispositivos legais mais relevantes do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, com as sucessivas alterações.
Estabelece o artº 57º do CCP, sob a epígrafe de “Documentos da proposta”, o seguinte:
1- A proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante; b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule; d) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento. 2 – (…)” (sublinhado nosso).
O artº 70º, sob a epígrafe “Análise das propostas” determina que “1 – As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições. 2 - São excluídas as propostas cuja análise revele: a) Que não apresentam algum dos atributos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º; b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.°s 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º; c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos; d) Que o preço contratual seria superior ao preço base; e) Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte; f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis; g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência. 3 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto nas alíneas e) e g) do número anterior deve ser imediatamente comunicada à Autoridade da Concorrência e, no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas, igualmente ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P. 4 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea e) do n.º 2 deve ser comunicada à Comissão Europeia, desde que o anúncio do respectivo procedimento tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia”. (sublinhado nosso).
A propósito da proposta de preço anormalmente baixo, estatui o artº 71.º o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, quando o preço base for fixado no caderno de encargos, considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja: a) 40 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas; b) 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos. 2 - Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para os efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo. 3 - Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esseefeito. 4 – Na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º ou do número anterior, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente: a) À economia do processo de construção, de fabrico ou de prestação do serviço; b) Às soluções técnicas adoptadas ou às condições excepcionalmente favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação objecto do contrato a celebrar; c) À originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos; d) Às específicas condições de trabalho de que beneficia o concorrente; e) À possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente concedido”.
Quanto à possibilidade de serem solicitados esclarecimentos sobre as propostas estabelece o artº 72.º que “1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas. 2 - Os esclarecimentos prestados pelos respectivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º 3 - Os esclarecimentos referidos no número anterior devem ser disponibilizados em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os concorrentes ser imediatamente notificados desse facto”.
Quanto ao critério de adjudicação estabelece o artº 74.º que “1 – A adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: a) O da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante; b) O do mais baixo preço. 2 - Só pode ser adoptado o critério de adjudicação do mais baixo preço quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspectos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto daquele”.
Vejamos agora o que decorre das peças concursais, isto é, do anúncio do concurso, do programa do procedimento e do caderno de encargos do concurso.
Quanto ao anúncio do concurso foi fixado na cláusula 2ª “Preço base do procedimento inexistente” e na 12ª que o critério de adjudicação é o mais baixo preço.
Em conformidade com a referida cláusula 12ª, o artº 5º do programa do procedimento estabelece que a adjudicação é feita segundo o critério do preço mais baixo, de acordo com o disposto na alínea b) do n° 1 do art.° 74.° do Código dos Contratos Públicos (nº1) e que, em coso de igualdade de preços será dado preferência à proposta do banco que apresentar a melhor remuneração dos contas depósito à ordem do IGFSS, em vigor à data da abertura do concurso (nº2).
Quanto aos documentos exigidos determina o artº 8º do programa do procedimento o seguinte:
“1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos: a. Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos elaborado em conformidade com o modelo constante da Anexo 1 do Código dos Contratos Públicos, com os alterações introduzidas pelo Decreto-Lei ti.° 149/2012, de 12 de Julho; b. Documento que contenha os atributos da proposta de acordo com os quais o concorrente se dispõe contratar, designadamente o preço unitário, expresso em algarismos e por extenso, prevalecendo em caso de divergência o expresso por extenso; c. Documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo (quando aplicável). 2. A proposta e os documentos que a acompanham devem ser redigidos em língua portuguesa. 3. A proposta deve ser assinada pelo concorrente ou seus representantes legais e deve mencionar expressamente que ao preço indicado acresce o IVA e as condições de pagamento. 4. O concorrente fica obrigado a manter a sua proposta durante um período de 66 dias contados do dato limite para a sua entrega. 5. Não é admitida a apresentação de propostas com alterações de cláusulas do caderno de encargos.”
A propósito das situações que determinam a exclusão das propostas estabelece o artº 12º do programa do procedimento:
1. São excluídas as propostas; a. Apresentados por concorrentes relativamente aos quais o IGFSS tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.° do Código dos Contratos Públicos; b. Que não cumpram o disposto nos artigos 8°a 10°; c. Que apresentem atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos; d. Cuja análise revele o impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos seus atributos; e. Que apresentem um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados; f. Que o contrato a celebrar implique a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplic6veis; g. Que revelem a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência” (sublinhado nosso).
Por seu turno, a cláusula 3ª do caderno de encargos fixa o prazo do contrato estabelecendo que o contrato terá início em 1 de Janeiro de 2014 e mantém-se em vigor pelo período de um ano, com possibilidade de duas renovações por igual período (nº1).
Tendo presente este quadro legal e regulamentar importa apurar se é ilegal ou não a decisão de exclusão da proposta do A. do concurso para a aquisição de serviços de Banco de apoio para pagamento de prestações diferidas processadas pelo CNP a beneficiários, com conta bancária no território nacional, através da modalidade de pagamento por transferência a crédito Sepa com fundamento na apresentação de uma proposta de preço anormalmente baixo e da falta de apresentação do respectivo documento justificativo.
É inequívoco que, nos termos da alínea d) do artº 57º do CCP, um dos documentos que integram a proposta é o documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento e que, nos termos da alínea e) do nº1 do artº 70º e do CCP a proposta é excluída quando apresentar um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados.
Conforme estabelece o artº 71º do CCP, a proposta de preço é considerada anormalmente baixa nas situações em que o preço base for fixado no caderno de encargos e o preço total resultante da proposta, no caso de contratos de aquisição de serviços, como aquele que foi objecto do procedimento concursal em apreço, ser 50% ou mais inferior àquele.
No caso do caderno de encargos não fixar o preço base, estabelece o mesmo artº 71º do CCP que o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para efeitos de exclusão da proposta, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo, sendo certo que nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
Temos assim que, a classificação de um preço como anormalmente baixo pode resultar das regras do concurso; pode ter origem legal ou pode resultar da apreciação do júri do concurso na pendência do mesmo - artº 71º, nº2 do CCP).
Quando o preço é fixado nas regras do concurso ou tem origem na lei o concorrente tem de apresentar com a proposta a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artº 57º, nº1, alínea d) do CCP).
No caso do júri, perante a concreta proposta apresentada, considerar o preço como anormalmente baixo, impõe-se que este justifique a conclusão a que chegou, isto é, que a proposta é de preço anormalmente baixo e, para tal, tem que, antes, ouvir, por escrito, o concorrente que, querendo, apresenta as razões que considera justificativas do preço proposto.
No caso presente, o anúncio do concurso refere que não há preço base e no programa do procedimento e caderno de encargos nada se diz quanto a esse preço, estabelecendo o artº 8º do programa do procedimento que a proposta é constituída pelo documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando tal for aplicável.
Ora, tendo em conta que, no caso presente, estamos em presença de uma situação em que não há preço base fixado pela entidade adjudicante, esta para excluir a proposta com base na existência de uma proposta de preço anormalmente baixo teria que, para além de fundamentar essa exclusão com base nessa circunstância de, previamente, solicitar por escrito ao concorrente que prestasse, em prazo adequado, esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
Todavia, não foi isso que sucedeu. A entidade adjudicante, em face da proposta apresentada pelo A. decidiu em sede de relatório preliminar, exclui-la por não apresentar documento justificativo de preço anormalmente baixo, nos termos da alínea e) do nº1 do artº 12º do programa de procedimento.
Em resposta, o ora A. referiu que era sua convicção ter submetido, electronicamente, à apreciação do júri do concurso, todos os elementos que tinha preparado para efeito de apresentação da sua proposta, nomeadamente, o documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo, tal como foi referido na carta que acompanhava o envio da proposta, onde é expressamente mencionado que foi anexado „Documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo”.
Mais referiu que a não submissão do documento poderia, ainda assim, ter sido suprida se a entidade adjudicante tivesse, nos termos previstos no artigo 72°. do Código dos Contratos Públicos, pedido esclarecimentos ao BPI sobre a omissão de tal documento e que a deliberação da exclusão da proposta deve ser revogada por tais razões e porque se a entidade adjudicante entendia que a proposta do BPI se podia considerar como anormalmente baixa devia fundamentar tal entendimento, dando oportunidade ao Banco de prestar os esclarecimentos necessários, para justificar a proposta, tal como determina o artigo 71°., n°2 e 3 do Código dos Contratos Públicos.
Perante esta pronúncia, o júri do concurso considerou no relatório final que não assistia razão ao ora A., pois o motivo da sua exclusão foi a violação directa do programa de procedimento, concretamente, da alínea c) n° 1 do art° 8º daquele programa, o que nos termos do art° 12º alínea e) determina a exclusão da proposta.
Mais considerou o referido júri que o BPI tinha absoluta consciência quer da obrigatoriedade da junção de tal documento, quer das consequências da não junção do mesmo, o que resultava expressamente do teor da proposta apresentada, tal como da reclamação e que o concorrente tinha sempre a possibilidade de controlar e verificar os documentos efectivamente enviadas com a sua proposta. E, ainda que, o pedido de esclarecimentos pressupõe que o concorrente apresente o documento em causa e que a sua fundamentação não seja clara e/ou insuficiente, sendo que, no caso concreto o que se passou é que o BPI pura e simplesmente não apresentou o documento o que estava obrigado.
O que se passa, portanto, é que, numa primeira fase, isto é, aquando da apresentação da sua proposta ao concurso, o A. considerou que devia instruir a proposta com o documento justificativo do preço anormalmente baixo e referiu que o juntava com os demais documentos, sendo que, em sede de pronúncia ainda solicitou que fosse o mesmo admitido.
Mas, perante a constatação de que as peças concursais não tinham estabelecido preço base, considerou que, afinal, esse documento não era obrigatório e a exclusão da sua proposta só podia ocorrer com fundamento na apresentação de um preço anormalmente baixo após ter sido dada oportunidade ao concorrente de prestar os esclarecimentos necessários.
É verdade que o comportamento do ora A. indiciava que a leitura das peças concursais não lhe suscitava dúvidas no que tange aos documentos instrutores da proposta de entrega obrigatória.
Todavia, tal postura do concorrente, ora A., não é de molde a alterar o que o CCP dispõe sobre tal matéria. Isto é, perante a efectiva inexistência de preço base no concurso e o facto de uma simples leitura do texto do artigo 8º, nº l, alínea c), do programa do procedimento não apontar para que concluísse de forma peremptória que era exigível a apresentação de documento justificativo da proposta de preço anormalmente baixa (note-se que do referido artigo consta “quando aplicável”), a regra aplicável é a que consta do artº 71º do CCP, isto é, a obrigatoriedade do órgão competente para a decisão de contratar dever fundamentar a sua decisão, para efeitos de exclusão da proposta considerada de preço anormalmente baixo, após ter sido solicitado ao concorrente, por escrito, que prestasse esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considerasse relevantes para esse efeito.
Refere o IGFSS que, apesar de não haver preço base, o concorrente, ora A. sabia que o limiar da contratação sempre teria que respeitar o montante de 200.000€, dado que a escolha foi por concurso público sem publicação no JOUE, atento o que dispõe o artº 20º do CCP.
E, com base nesse limiar, teria elementos para concluir que a sua proposta de preço era anormalmente baixa, pelo que, teria que obrigatoriamente, com a sua proposta, apresentar documento justificativo, sob pena de exclusão da proposta.
Julgamos que não é assim. Na verdade, a exigência de fixação de preço base nas peças do concurso, quando é o caso, não é substituída através da articulação das normas relativas aos valores limiares que determinam cada um dos procedimentos de escolha do co-contratante.
Por essa razão não é admissível ficcionar por essa via o preço base do concurso, como defendeu o IGFSS.
Note-se, assim, que perante a inexistência de preço base do concurso, não tinha o concorrente BPI, ora A., de apresentar com a proposta o documento justificativo do preço anormalmente baixo e, no caso d o júri, ao analisar as propostas, concluir que efectivamente a sua proposta era de preço anormalmente baixo, teria que, antes de proceder à sua exclusão do concurso permitir que o concorrente justificasse o preço apresentado e, em funções das razões aventadas, decidir então, fundadamente, se sim ou não eram relevantes os fundamentos apresentados para, em consonância, decidir pela admissão ou rejeição da proposta.
Do que aqui se trata não é de meros esclarecimentos sobre a proposta apresentada tal como prevê o artº 72º do CCP mas, antes, o exercício do direito ao contraditório como estabelece o nº3 do artº 71º do CCP.
Nestes termos, tudo visto é considerado, mostrando-se ilegal a decisão de exclusão da proposta do BPI e, consequentemente, a decisão de adjudicação do contrato e da sua eventual celebração, impõe-se julgar procedente a presente acção no que toca aos pedidos formulados, isto é, “a) Ser declarada a anulação da decisão de exclusão da proposta apresentada pelo BPI e das decisões de adjudicação a favor do BES..., S.A. e do Banco ST..., S.A. do Concurso Público para aquisição de serviços de banco de apoio para pagamentos do CNP a beneficiários com conta bancária em território nacional por transferência SEPA, lançado pelo IGFSS; b) Ser declarada a anulação do contrato, caso já tenha sido celebrado, nos termos do artigo 283°, n.° 2 do CCP c) (…), o Réu ser condenado a valorizar a proposta do Autor no Concurso Público impugnando”.
Avançamos já que é correcta a solução jurídica do pleito dada pela 1ª instância.
Prevê o art.º 57º, nº 1, d), do Código dos Contratos Públicos, que a proposta seja constituída com os “Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento.”
Prevê o art.º 70º, nº 2, e), do mesmo Código, que são excluídas as propostas cuja análise revele “Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte” [e, tratando-se de concurso público, nos termos do art.º 146º, nº 2, o), o Júri, em relatório preliminar, deve propor a exclusão das propostas “Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º]
E é no artigo seguinte que consta a particular previsão, onde se define:
Artigo 71.º
Preço anormalmente baixo
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, quando o preço base for fixado no caderno de encargos, considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja:
a) 40 ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas;
b) 50 ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos.
2 - Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para os efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo.
3 - Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
4 - Na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º ou do número anterior, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente:
a) À economia do processo de construção, de fabrico ou de prestação do serviço;
b) Às soluções técnicas adoptadas ou às condições excepcionalmente favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação objecto do contrato a celebrar;
c) À originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos;
d) Às específicas condições de trabalho de que beneficia o concorrente;
e) À possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente concedido.
O preço anormalmente baixo pode obter-se :
i) directamente fixado nas peças do procedimento (artigos 115.º/3, 132.º/2, 189.º/3, ex vi art.º 71º, 1ª parte, do CCP);
ii) - indirectamente, se o preço base for fixado no caderno de encargos, recorrendo então aos critérios previstos no art.º 71º, nº 1, a) ou b), do CCP;
iii) - residualmente, quando nenhuma das antecedentes hipóteses ocorra, por juízo discricionário do Júri.
No caso que nos ocupa ele não resulta :
- fixado nas peças do procedimento;
- não é determinável recorrendo a algum dos critérios previstos no art.º 71º, nº 1, a) ou b), do CCP, quando não há nenhum preço base fixado no caderno de encargos.
Isto é, não resulta directa ou indirectamente das peças do procedimento.
Como nos diz Jorge Andrade da Silva (in Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, 3ª edª, 2010, pág. 232), há «(…) situações em que as peças do procedimento permitem, imediatamente, concluir se o preço é anormalmente baixo; se, no ajuste directo, no concurso público ou no concurso limitado por prévia qualificação, o convite ou o programa do procedimento indicar o valor abaixo de qual o preço é considerado anormalmente baixo (artigos 115.º, n.º 3, 132.º, n.º 2 e 189.º, n.º 3); não havendo essa indicação, se, tratando-se de um contrato de obras públicas, houver preço base e o preço proposto for igual ou inferior a 40% desse preço, ou, tratando-se de outro contrato, for igual ou inferior a 50% desse preço (n.º 1 do artigo 71.º).».
Cfr. Ac. do STA, de 21-06-2011, proc. nº 0250/11 ;
(…) o artº 57, nº1 d) do CPP só exige que a proposta seja constituída pelos «Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento». (negrito nosso).
Portanto, só existe a obrigação ali prevista se a entidade adjudicante, dentro do seu poder discricionário nesta matéria, fixar, directa ou indirectamente, nas peças concursais, o limiar da anomalia para aquele concreto concurso, o que bem se compreende, uma vez que o critério legal previsto no artº71º, nº1 é, como já se referiu, meramente supletivo.
E para tal fixação indirecta, mister se torna a fixação do preço base no CE, pois só assim se operacionaliza algum dos critérios supletivos previstos no art.º 71º, nº 1, do CCP.
A determinação indirecta da anomalia referida no art.º 57º, nº 1, d), do CCP, só se alcança na lógica em que o mesmo Código prevê a sua obtenção, (unicamente) a partir de um preço base fixado no caderno de encargos.
Não, por atenção ao limite de despesa.
Esse, lembrando os artºs. 18º, 20º, nº 1, b), e 47º, do CCP, o recorrente IGFSS, I.P., tem-no em € 200.000, fazendo-o coincidir com o preço base que o recorrido poderia facilmente ter alcançado.
Mas não tem nenhum concorrente de obter indirectamente o preço base, quiçá enveredando por maior enredo possibilitador de equívocos e enganos.
O que indirectamente pode determinar-se, é o “preço anormalmente baixo”, partindo daquilo que a lei quer como claro para operacionalizar os critérios subsidiários do art.º 71º, nº 1, a) e b) : tem o preço base tem de estar fixado no CE.
É a transparência que o CCP reclama (art.º 1º, nº 4, do CCP), e sem mais admitir.
Lembrando João Amaral e Almeida (in “As propostas de preço anormalmente baixo”, Estudos de Contratação Pública – III, Coimbra Editora, 2010, pág. 104), “[q]uando o limiar da anomalia das propostas resulta da utilização de um critério de determinação automática que permite aos concorrentes o conhecimento prévio desse limiar – como sucede quando funciona a regra supletiva do n.º 1 do artigo 71.º, ou quando esse limiar é fixado pela entidade adjudicante, no convite ou no programa de concurso, directamente ou, indirectamente, por referência ao preço base – estabelece o Código a obrigação de os concorrentes, cujo preço proposto seja igual ou inferior a esse limiar, incluírem nas respectivas propostas (como parte integrante destas) documentos justificativos deste preço (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º). Obrigação que não existe, portanto, nos casos em que os concorrentes não conhecem, ab initio, esse limiar.” [sublinhado e destaque nossos]
Não procede a defesa do recorrente a este nível, mais a mais dificilmente convivendo com a lisura de procedimentos exigida pela boa-fé (art.º 6º-A do CPA), quando no Anúncio do procedimento se indicou “Preço base - Inexistente”, e o Caderno de Encargos e o Programa de Procedimento não indicam preço base ou valor de referência do preço anormalmente baixo.
Não tinha, pois, o recorrido de apresentar com a proposta o documento justificativo de preço anormalmente baixo.
Cfr. Ac. do TCAS, de 23-11-2011, proc. nº 07914/11 :
1 - A classificação de um preço como anormalmente baixo pode ter três origens diferentes: pode vir fixado nas regras do concurso (ex: artsº 115.3, 132.2, 189.3, todos do CCP), pode ter origem supletiva legal (artº 71.1 do CCP), ou pode ser classificado como tal pelo júri do concurso na pendência do mesmo (artº 71.2 do CCP).
2- Nas duas primeiras o concorrente tem de apresentar com a proposta (faz parte dela) a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artº 57.1.d. do CCP). Na terceira, a apresentação é posterior (artº 71.3. do CCP).
Cfr. Ac. do TCAS, de 11-04-2013, proc. nº 09786/13 :
1-A justificação para a apresentação de um preço que o concorrente sabe que é anormalmente baixo, tem de ser expressa, não sendo suficiente a possibilidade de concluir a justificação pela análise dos documentos.
2- O sistema de contraditório criado pelos artsº 71, 146.2.d), 57.1.d) todos do CCP, funciona da seguinte forma:
- se o concorrente não tem como saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de haver lugar a um contraditório posterior.
- se o concorrente sabe ou tem obrigação de saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de apresentar com ela a justificação; nestes casos falamos em contraditório antecipado.

Nesta medida, o artigo 8°, n.° 1, alínea c) do Programa do Procedimento quando lido em contrário à lei não poderia prevalecer.
Aí se refere ao dever de instruir a proposta com “documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo (quando aplicável)”.
Esta, como acontece amiúde com outras redacções padronizadas que se vão importando de procedimento para procedimento, em que se previne o “quando aplicável” (como noutros casos “riscar o que não interessa”), simplesmente, no caso, não é aplicável.
Logo, é cristalino que não resultando directa ou indirectamente das peças do procedimento, não haveria que juntar documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo.
Aqui chegados, qual o passo que deveria ter sido dado?
Di-lo o art.º 71º, nº 3, do CCP: Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
Esta obrigação de solicitar esclarecimentos está conforme o direito da União.
Assim, p. ex., do Ac. do TJ (Sexta Secção), de 27 de Novembro de 2001, nos procs. C-285/99 e C-286/99, extrai-se que mesmo nos casos em que seja exigido documento justificativo, o direito comunitário não se opõe à “utilização de um critério matemático, tal como o limiar de anomalia aplicado (…), para determinar quais as propostas que parecem anormalmente baixas, desde que, porém, o resultado a que leva a aplicação desse critério não seja intangível e que a exigência de verificação contraditória dessas propostas (…) seja cumprida.”.
Também, mais recentemente, o TJ (4ª Secção) voltou a afirmar tal obrigação, em Ac. de 29 de Março de 2012, proc. nº C-599/10 :
O artigo 55.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, deve ser interpretado no sentido de que exige que na legislação nacional exista uma disposição como o artigo 42.°, n.° 3, da Lei n.° 25/2006, que regula os contratos públicos, na versão aplicável ao processo principal, que prevê, no essencial, que, caso o candidato proponha um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante lhe peça, por escrito, um esclarecimento sobre o seu preço. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se, face a todos os elementos do processo nele pendente, o pedido de esclarecimento permitiu ao candidato em causa explicar suficientemente a composição da sua proposta.

O artigo 55.° da Diretiva 2004/18 opõe-se à posição de uma entidade adjudicante que considere que não está obrigada a solicitar ao candidato que esclareça um preço anormalmente baixo.

Estava, pois vedado, sem mais, excluir o recorrido.
Se este até tinha tido intenção de juntar com a proposta documento justificativo de preço anormalmente baixo, certo é o não fez. Ficou na mesma situação em que estaria, ou outro concorrente estaria, caso não tivesse tido essa inicial intenção.
E a audiência prévia que lhe foi concedida teve por objecto a não apresentação de documento justificativo, não o que pudesse respeitar às razões de preço anormalmente baixo.
«o júri (…) deve solicitar ao respectivo concorrente, como resulta do art. 72.º/3, esclarecimentos justificativos do preço apresentado, em incidente próprio e imediato, não confundível com a audiência dos interessados» (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pp. 938 e 939).
E juntando-o o recorrente aquando do seu exercício, certo é que também nenhuma decisão fundamentada acabou por apreciar dessas razões.
Mal foi tido em conta, lido e aplicado, o artigo 12°, n.° 1, alínea e), do Programa do Procedimento, determinando a exclusão das propostas “que apresentem um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados”, quando tais esclarecimentos só haviam de ser apresentados após solicitação, para também, então, serem ponderados; pressuposto juízo de preço anormalmente baixo, e possa mesmo até ter-se como notoriamente anormalmente baixo o preço, a proposta não pode ser excluída sem antes ser dado contraditório.
Só assim se harmonizando com o que é de lei.
Concluindo, bem andou o tribunal recorrido em anular a adjudicação e o contrato, havendo que “valorizar” a proposta do autor no referido concurso público; “valorizar”, no sentido que decorre, de, nos termos do art.º 71º, nº 3, do CCP, ser “solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito”.

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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedentes os recursos.
Custas: cada recorrente arca com as custas do seu, em que decai totalmente.
Porto, 27 de Junho de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Fernanda Brandão