Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00735/18.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:LICENCIAMENTO DE ESTAÇÕES DE RADIOCOMUNICAÇÕES;
REGULAMENTO MUNICIPAL;
Sumário:1.Com o Decreto-Lei nº11/2003, foi vontade expressa do legislador nacional uniformizar, em matéria das condições, o regime da “autorização municipal inerente à instalação e funcionamento das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respetivos acessórios”.

2. Esse interesse público estaria posto em causa se por via do poder regulamentar autárquico cada município pudesse estabelecer condições diferenciadas quanto à autorização de instalação.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO

1.1.N..., S.A., sociedade comercial anónima, pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., Campo ..., ... ..., e NC..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na Rua ..., Campo ..., ... ..., movem a presente ação administrativa contra o Município ..., com sede no ...­ ..., com o NIF ..., formulando o seguinte pedido
“Neste termos e nos demais de direito aplicáveis, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser a CM... condenada a:
- Analisar o pedido de autorização da N... nos termos do DL 11/2003, de 18.1,
- sem aplicação das normas do RMUEMA aplicadas ou outras desse regulamento,
- devendo ser descontado o período entre 5.2.2018 e 5.2.2018 e 27.2.2018, para efeitos do n.º 8 do art. 6º do DL 11/2003,
- e serem desaplicadas as normas do RMUEMA aplicadas, nos termos supra expostos
- ou caso assim não se entenda ser anulado o ato de indeferimento datado de 26.2.2018”.
Para tanto, alegam, em síntese, que a 1.ª A., mandatada pela 2.ª A., apresentou junto da Câmara Municipal ..., em 5/02/2018, um pedido de autorização para instalação de infraestrutura de suporte de Estação de Radiocomunicações na Rua ..., ..., ...;
Após a apresentação do requerimento, foi notificada do ato de indeferimento de 26/02/2018, que assenta na “omissão de elementos cuja apresentação é obrigatória nos termos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município de ...” (RMUEMA), bem como pelo não cumprimento do afastamento previsto no artigo 30.º do RMUEMA;
Entendem que o ato em causa é ilegal por violação do princípio da audiência prévia, a que se refere o artigo 9.º do Decreto-lei n.º 11/2003;
Tal violação importa a condenação do R. a apreciar o pedido das AA., sem aplicação das normas do RMUEMA que estiveram na base do ato impugnado;
O ato está igualmente ferido de ilegalidade por violação do princípio da proporcionalidade e da imparcialidade, por ter sido adotada uma solução sem o esgotamento prévio da busca de soluções alternativas;
Mais alegam que o ato de indeferimento viola o artigo 7.º do Decreto-lei n.º 11/2003, porquanto o mesmo apenas poderia ter como base os fundamentos referidos no mesmo artigo e que nos termos dos artigos 1.º e 5.º do Decreto-lei n.º 11/2003, não poderia a autarquia ter solicitado outros documentos que não os previstos no diploma, sendo inválida a aplicação de normas do RMUEMA;
Ademais, sustentam que o ato impugnado padece de falta de fundamentação porquanto, nenhum facto em concreto resulta do ato em crise nos autos sobre a justificação de não ser possível a instalação da infraestrutura em causa;
Referem que as normas do RMUEMA são nulas, na medida em que o órgão que as emanou não dispunha de habilitação legal para o efeito, violando disposição legal superior;
Advogam que o ato em causa viola o princípio da colaboração com os particulares, previsto no artigo 11.º do CPA, porquanto o R. nem contactou a primeira autora a solicitar quaisquer esclarecimentos sobre o processo de autorização municipal, nomeadamente, quanto à titularidade do terreno em questão;
Entendem que é igualmente à Anacom, e não aos municípios, que compete adotar medidas condicionantes na instalação e funcionamento das infraestruturas de telecomunicações, bem como aferir do cumprimento dos níveis de referência relativos à exposição da população a campos eletromagnéticos;
Consideram que o ato é igualmente ilegal ao violar do princípio da prossecução do interesse público associado ao setor das telecomunicações, ao não permitir a instalação da infraestrutura em causa, em manifesta oposição a esse interesse reconhecido quer pelo legislador quer pelas ANACOM.
Concluem, pugnando pela procedência da ação.
*
1.2 Citado, o Município ... apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que o objetivo da audiência prévia prevista no artigo 9.º Decreto-lei n.º 11/2003 justifica-se para a criação de condições de minimização do impacto visual e ambiental que possam levar ao deferimento do pedido, sendo que, no caso concreto, mantendo-se a localização proposta, a mesma não cumpriria o disposto no artigo 30.º, n.º 1, al. a) do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do Município ...;
Sustenta que o ato em crise não viola qualquer norma constitucional, nomeadamente o artigo 265.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, porquanto não foi vedado às autoras que apresentassem novo pedido que respeitasse as condições legalmente exigíveis;
Mais alega que as diligências e procedimentos destinados a cumprir com a obrigação de cumprimento de distância mínima de 100 metros prevista no antedito artigo do regulamento municipal, cabem às autoras, e não ao réu;
Conclui, pugnando pela improcedência da ação.
1.3. Por sentença de 16/09/2021, a NT..., S.A. foi habilitada para prosseguir a presente lide como autora, em substituição da O..., S.A., anterior N..., S.A.
1.4. Por despacho de 24/11/2021 foi dispensada a realização de audiência prévia.
1.5.Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da ação em €30.500,00 e proferiu-se decisão final que julgou a ação procedente, sendo o respetivo dispositivo do seguinte teor:
«Com base no supra exposto, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condeno o Município ... a analisar o pedido de autorização apresentado pela N..., nos termos do Decreto-lei n.º 11/2003, sem aplicação das normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ..., devendo ser descontado o período entre 6/02/2018 e 25/02/2018, para efeitos do n.º8 do artigo 6.º daquele diploma.
Custas pelo réu.
Registe e notifique.»
1.6. Inconformado com a decisão assim proferida, o réu interpôs recurso de apelação, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1. As Autoras vieram nos presentes autos peticionar a anulação do “ato de indeferimento” da autoria da Senhora Presidente da Câmara Municipal ..., imputando para o efeito vários vícios.
2. Todos têm por base a aplicação única e exclusiva do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de janeiro, o que afastaria a aplicação do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ... (RMUEMA).
3. Daí que tenha peticionado, a final, a condenação do Município a apreciar o pedido sem aplicação das normas do RMUEMA.
4. Aderindo a esta tese, a sentença recorrida condenou o Município ... a apreciar o pedido em causa nos termos daquele Decreto-Lei “sem aplicação das normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ...”, o que constitui erro de julgamento e de aplicação do Direito.
5. O Exmo. Senhor Juiz a quo interpreta bem o Decreto-Lei n.º 11/2003, no sentido de que nele se criou e regulou um procedimento especial, cuja instrução do requerimento deve seguir o disposto no artigo 5.º e que o indeferimento do pedido conhece as suas causas no artigo 7.º.
6. Contudo, s.m.o. e com o máximo respeito, aplica-o erradamente ao caso concreto, pelo que não é a interpretação legal que está em causa no presente recurso, mas antes, e só, a sua aplicação ao caso sub judice.
7. O Tribunal a quo admitiu que o ato impugnado será um ato de indeferimento, e não de rejeição liminar, porque o artigo 6.º apenas o prevê para casos em que o requerimento não contém “os documentos previstos no artigo 5.º e, como se deixou antedito, os fundamentos de rejeição assentaram em causas distintas”.
8. Com o devido respeito, crê-se ser este o primeiro erro de raciocínio, confundindo-se a rejeição liminar com a eventual ilegalidade das suas causas.
9. As causas são o fundamento do ato, não o tipo de ato, pelo que claramente erra a sentença recorrida quando considera que o ato impugnado não é, pelas razões que alega, um ato de rejeição liminar.
10. Na verdade, ainda que se discuta as causas da rejeição liminar, o ato é claramente deste “tipo” e não de “indeferimento”, pois nele não se analisa substantivamente a pretensão apresentada pelas AA, antes se constata a falta de elementos instrutórios que, no entender do Município, são obrigatórios, porquanto exigidos regulamentarmente.
11. A não instrução do requerimento com elementos obrigatórios, seja porque impostos legalmente, seja porque impostos regulamentarmente, constitui irregularidade ou deficiência do requerimento que justifica despacho de rejeição liminar, conforme previsto no artigo 6.º daquele diploma legal, numa interpretação, se se quiser, extensiva.
12. Daí que forçoso seja já concluir pela errada aplicação do Direito ao caso concreto, quando na sentença recorrida se conclui que, por estarmos “perante um ato de indeferimento do pedido, como previsto no artigo 7.º, o mesmo teria de ter sido obrigatoriamente antecedido de audiência prévia”.
13. Sendo o ato de rejeição liminar, não se insere no âmbito do disposto no artigo 9.º que, como expressamente confessa o Exmo. Senhor Juiz a quo, prevê uma audiência prévia “pro ativa”, para se encontrar uma outra solução substantiva.
14. Mas neste caso o Município não analisou substantivamente a pretensão em causa, antes rejeitou previamente o seu requerimento, por falta de elementos obrigatórios.
15. Consequentemente, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, nem dos artigos “267.º, n.º 5 da Constituição, 12.º e 121.º do CPA”, ao invés da conclusão da sentença recorrida.
16. O que este ato (de rejeição liminar) convoca, necessariamente, é a discussão de saber se pode ou não um Município, no exercício das suas atribuições e competências, desde logo ao abrigo do princípio da autonomia local, prever outras elementos, que apenas acrescem ou completam os já previstos legalmente.
17. E neste âmbito a sentença recorrida acaba por enfermar de um segundo erro de raciocínio: volta a confundir a instrução do requerimento com o indeferimento da pretensão, quando em causa nos autos está um ato de rejeição liminar, e não um indeferimento por razões substantivas, pelo que em nada se “assemelha” ao caso decidido no Acórdão do TCASul invocado na sentença.
18. Mas esse Acórdão transcrito ajuda na boa decisão da questão aqui em apreço, quando expressa que “... o Regulamento camarário em causa, na parte em que rege sobre esse procedimento administrativo, deve conter tão-somente normação secundária...”, o que claramente inculca a ideia de a lei poder ser complementada regulamentarmente, ao invés do decidido pelo Exmo. Senhor Juiz a quo.
19. É esta, aliás, uma decorrência do princípio da autonomia local, sendo que “o artigo 112.º, n.º 5 da Constituição proíbe a ingerência, com eficácia externa, de atos infra legislativos em matéria regulada por atos legislativos. Em particular, interdita aos atos infra legislativos a “modificação” de “qualquer dos (...) preceitos” constantes de atos legislativos”.
20. Desta forma, o que tinha de aquilatar-se é se o RMUEMA modificou o ato legislativo (em detrimento desta proibição constitucional) ou se apenas lhe acrescentou ou o pormenorizou, mantendo o respeito integral pelo definido na lei, pois aos municípios terá sempre de reconhecer-se este poder regulamentar.
21. A autonomia local, com todas as suas componentes ou dimensões, é, assim, um “bem constitucional” (cfr. artigo 6.º), um “princípio basilar da nossa Constituição”, que carece em todo e qualquer momento de ser respeitado, se impõe como limite ao poder central, sob pena de inconstitucionalidade, sendo, aliás, um dos limites materiais de revisão constitucional, conforme resulta do artigo 288.º, alínea n) da CRP.
22. É precisamente numa das dimensões da autonomia local, de garantia institucional, que cabe a afirmação de uma série de poderes, de interesses próprios ou competências (a exercer de forma independente e exclusiva ou em coordenação ou sob delegação), entre os quais a autonomia normativa ou regulamentar (artigo 241.º da CRP).
23. Conforme a amostra jurisprudencial do Tribunal Constitucional aqui explanada, assume-se o conceito forte de autonomia, embora se admita que existem domínios que não podem pertencer em exclusivo aos municípios, pelo que devem estar abertas à intervenção concorrente das autarquias e do Estado.
24. Nestes termos, o poder regulamentar próprio das autarquias faz parte do núcleo central da autonomia local e, como tal, tem de ser respeitado, inclusive pelo legislador, nomeadamente quando modela a medida desse poder (que é determinado por lei).
25. É precisamente no âmbito desta constitucional autonomia local que surge o RMUEMA, em concretização do disposto no artigo 3.º do RJUE, que estabelece o regime a que ficam sujeitas as designadas “operações urbanísticas”, consideradas como tal “as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água” [alínea j) do artigo 2.º].
26. Como tal, e conforme o decidido acertadamente pelo Acórdão do TCASul de 02/04/2009 (proc. n.º 02473/07), As normas regulamentares contidas no RMEU de um município são aplicáveis às pretensões de licenciamento de estações de radiocomunicações.
27. É que tais normas visam regular o uso e a ocupação do solo urbano, por forma a que sejam respeitados o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
28. Exatamente neste mesmo sentido, o artigo 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho.
29. Assim, porque “a instalação de uma estação de radiocomunicações, pela própria natureza deste tipo de equipamentos, implica sempre obras de construção civil, constituindo, igualmente, uma utilização do solo, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água” [alínea j) do artigo 2.º do RJUE], tem forçosamente de se atender ao disposto no RMUEMA, que possui natureza de regulamento complexo, contendo normas de interesse público que não podem ser derrogadas ou afastadas no seu âmbito de aplicação subjetivo e objetivo por causa de outros interesses públicos ou privados, ainda que legítimos (como é o caso).
30. Repete-se, aquelas normas visam regular o uso e a ocupação do solo urbano por forma a que sejam respeitados, designadamente, o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º, n.º 1 da CRP).
31. Daí que a sua violação seja fundamento de indeferimento nos termos do artigo 7.º alínea b) e artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 11/2003.
32. Conclui-se, portanto, como no Acórdão do TCASul de 02/04/2009 (no mesmo sentido, também o Acórdão do STA de 14/04/2005): “choca qualquer entendimento redutor que conduza à conclusão de que a instalação deste tipo de equipamento apenas está sujeito ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro”.
33. O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/2003, fala em interesses conciliáveis e o artigo 7.º alínea b) e n.º 6 do artigo 15.º mandam “atender aos planos de ordenamento territorial, a quaisquer "normas legais ou regulamentares aplicáveis", às agressões ao ambiente, ao património cultural e à paisagem.” (carregado nosso).
34. A intervenção camarária neste tipo de instalações justifica-se, precisamente, por estar em causa um licenciamento de obras, que deve respeitar todos os condicionalismos das restantes operações urbanísticas, inclusive os definidos em regulamento municipal, cuja violação consubstancia o fundamento de indeferimento previsto na parte final da alínea b) do artigo 7.º.
35. Concluindo, ao invés do decidido na sentença recorrida, a aplicação do RMUEMA não está afastada pelo Decreto-Lei n.º 11/2003.
36. E é perfeitamente legítimo, no uso do poder regulamentar autárquico, que existam normas regulamentares que 1) exijam outros elementos instrutórios para além dos previstos legalmente; e 2) procurem a defesa das respetivas populações, como acontece com a norma regulamentar em apreço (artigo 30.º do RMUEMA).
37. Quer o artigo 29.º, quer o artigo 30.º do RMUEMA não modificam o ato legislativo, não o violam nem derrogam, antes lhe acrescentam normação.
38. Se é certo que ao invocar esta última norma regulamentar, o ato impugnado, neste segmento decisório, está a indeferir a pretensão do Requerente, não é menos certo que a causa precípua da decisão negativa – o seu fundamento decisivo – é a rejeição liminar do requerimento por falta de elementos instrutórios
39. A deficiência do requerimento impede a total análise substantiva do mesmo, o que significa que o segundo fundamento invocado pelo Município ... perde importância na economia do ato, mas tal não impede que o Município, na tal atitude pro-ativa e em colaboração com o particular, o informe também que a sua pretensão mereceria sempre o indeferimento porquanto viola o disposto no artigo 30.º do RMUEMA.
40. As normas regulamentares em causa no RMUEMA não violam lei superior, constante do Decreto-Lei n.º 11/2003, pois as normas legais e regulamentares complementam-se: o RMUEMA não contraria o Decreto-Lei n.º 11/2003.
41. Nestes termos, ao invés do decidido na sentença recorrida, o Município aplicou o Decreto-Lei n.º 11/2003 e as normas regulamentares aplicáveis, como nele previsto, pelo que deve a sentença ser revogada.
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, deve o presente recurso ser totalmente procedente, por provado, e, em consequência, deve a sentença sob recurso ser revogada, considerando-se como legal uma análise do pedido nos termos conjugados no Decreto-Lei n.º 11/2003 e nas normas regulamentares do RMUE do Município ... e, em consequência, julgando-se como válido o ato impugnado.
Como tal, deve, ainda, a Autora ser condenada na totalidade das custas e procuradoria condigna, com todas as demais consequências.
1.7. As Apeladas contra-alegaram, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A) O recorrente apenas impugna a sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto porque conforme vem agora, pela primeira vez, defender nos autos, “...o ato praticado não analisa substantivamente a pretensão apresentada pelas AA, antes constata a falta de elementos instrutórios que, no seu entender, são obrigatórios, portanto exigidos regulamentarmente.”, sendo assim “...o ato praticado (...) claramente um ato de rejeição liminar.” E consequente errada aplicação da norma constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de janeiro e dos artigos 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa e artigos 12º e 121º do Código de Procedimento Administrativo.
B) O recorrente não imputa à sentença recorrida qualquer nulidade, nem pede a anulação da matéria de facto provada, a que se reporta a al. c), do nº 2 do art. 662º do CPA aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, conforme resulta também de tudo adiante exposto.
C) Entendem as recorridas que a douta decisão impugnada julgou conforme aos factos e ao direito aplicáveis, não merecendo qualquer reparo, não podendo as recorridas, de forma alguma, concordar com o entendimento do recorrente, pelos motivos que passam, de seguida, a referir.
D) O recorrente nas suas alegações deturpa um dos factos dados por assentes na sentença recorrida, isto é, o facto dado como assente na alínea D), do ponto 1., Intitulado “Dos Factos” (cfr. pág. 3 da Alegação de Recurso).
E) Conforme bem apontou na decisão recorrida o tribunal a quo, o ato impugnado nos autos é um ato de indeferimento produzido no âmbito do pedido de autorização municipal apresentado na Câmara Municipal ..., nos termos do disposto nos art. 5º do Decreto-Lei nº 11/2003, de 18.1., para instalação de uma infraestrutura de radiocomunicações e respetivos acessórios e que, conforme também apontado pelo tribunal a quo “... assenta sobretudo em dois fundamentos: i) na falta de entrega dos elementos referidos nas als. a), d), g), h), i) e j) do art. 29º do RMUEMA, e ii) no facto de a estrutura de suporte de estão de radiocomunicações, alegadamente, não respeitar “um raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos de desportivos”.
F) Vem agora apenas em sede de recurso defender o recorrente a tese peregrina de que o ato em crise nos autos não é um ato de indeferimento uma vez que “...o ato praticado não analisa substantivamente a pretensão apresentada pelas AA, antes constata a falta de elementos instrutórios que, no seu entender, são obrigatórios, portanto exigidos regulamentarmente.”, sendo assim “...o ato praticado (...) claramente um ato de rejeição liminar.”, em face do que haveria um erro de julgamento (cfr. conclusões 6, 7, 8, 14, 17 da Alegação de recurso).
G) De referir também que os ónus do recurso apontados no art. 640º do CPC quanto à impugnação da matéria de facto da decisão, tem de ser feito também nas conclusões de recurso, não bastando ser realizado nas alegações de recurso, o que também não se verifica no presente caso.
H) Analisadas as conclusões de recurso quanto à matéria de facto, desde logo, o recorrente não faz uma individualização concreta dos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem aponta concretos meios probatórios constantes do processo para defender a sua tese.
I) E do mesmo modo não consta das alegações de recurso no que concerne aos pontos da matéria de facto, qual a decisão que, no entender do recorrente sobre esses pontos, deveria ser proferida, para assim delimitar a reapreciação da matéria de facto, logo o recorrente não deu cumprimento aos ónus a seu cargo e a que se referem as diferentes alíneas do nº 1, do art. 640º do CPC, em face do que o seu recurso tem que ser rejeitado.
J) E ainda que se entendesse que bastava que o recorrente tivesse cumprido esses ónus nas alegações de recurso, o que não se concede, também nas mesmas não se encontram cumpridos esses ónus em face do que sempre o recurso tinha que ser rejeitado.
K) Vem agora e só agora em sede de recurso defender o recorrente a tese de que o ato em crise nos autos não é um ato de indeferimento uma vez que “...o ato praticado não analisa substantivamente a pretensão apresentada pelas AA, antes constata a falta de elementos instrutórios que, no seu entender, são obrigatórios, portanto exigidos regulamentarmente.”, sendo assim “...o ato praticado (...) claramente um ato de rejeição liminar.”, em face do que haveria um erro de julgamento (cfr. conclusões 6, 7, 8, 14, 17 da Alegação de recurso).
L) Sabendo-se que o tribunal não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes e que o juiz não pode pronunciar-se sobre questões que não possa tomar conhecimento por não lhe terem sido colocadas pelas partes, uma vez que, no presente caso, só agora em fase de recurso, o recorrente vem introduzir uma questão nova- de que o ato impugnado é um ato de rejeição liminar e não um ato de indeferimento-verifica-se que o presente recurso não pode proceder.(art. 609º CPC aplicável ex vi art. 1º do CPTA).
M) Se a Câmara Municipal ... indicou à então N... que “A pretensão não respeita o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30º do RMUEMA...” é porque analisou a pretensão da autora e concluiu que a mesma (supostamente) não respeitva “... um raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos desportivos.” e, consequentemente, concluiu que a instalação da instalação da infraestrutura de suporte radiocomunicações das recorridas não poderia ser instalada.
N) Também se para a Câmara Municipal ... a instalação da infraestrutura de suporte radiocomunicações aqui em causa não pode ser instalada porque, segundo a mesma Entidade, não cumpre o supra referido “...raio de afastamento mínimo de 100 metros...”, em termos práticos – ainda que com fundamento numa norma regulamentar ilegal – está a impedir a instalação dessa infraestrutura o que em bom rigor mais não é de que um indeferimento do pedido da requerente nesse pedido.
O) A alínea a), do nº 1 do art. 30º do RMUEMA, não tem natureza de uma norma instrutória de um procedimento administrativo sendo sim, antes uma norma que impõe uma regra de uso e ocupação do solo, que, aliás, que vai para além do que é permitido aos Municípios e está em confronto com normas de ordenamento do território contidas em legislação superior, que estabelecem as regras de uso e ocupação dos solos quer a nível local, quer a nível nacional.
P) De qualquer modo mesmo que se classificasse o ato impugnado como de rejeição liminar por no entender do recorrente, supostamente, o ato praticado “...não analisar substantivamente a pretensão apresentada pelas AA...”, mas só constatar “... a falta de elementos instrutórios que, no seu entender, “...são obrigatórios, portanto exigidos regulamentarmente.” o que não se aceita, sempre em termos práticos o resultado seria o mesmo, ou seja, estaríamos sempre face a um ato que impossibilitaria a instalação da infraestrutura por aplicação de normas regulamentares ilegais, como se verá adiante.
Q)E sendo a norma contida no artigo 29º e a norma contida no nº 1 do art. 30º do RMUEMA, normas ilegais, conforme alegado na p.i., independentemente, como fosse classificado o ato em crise nos autos, como ato de indeferimento ou como um ato de rejeição liminar sempre o mesmo seria ilegal por serem ilegais as normas regulamentares invocadas pela Câmara Municipal ... para impedir a instalação da infraestrutura de telecomunicações, que é o que na verdade a mesma pretende, suportada em normas ilegais e em poderes que alega ter mas não tem.
R) Ao aplicar uma norma do RMUEMA-as supra citadas alíneas do art. 29º-onde são previstos outros documentos para além dos previstos no referido art. 5º do Decreto-Lei n.º 11/2003, o ato em crise nos autos viola esse art. 5º, bem como o art. 1º desse mesmo Decreto-Lei, devendo assim ser anulado.
S) Sendo o ato em crise nos autos um ato de indeferimento, dúvidas não restam que é manifestamente ilegal por violação do princípio da audiência prévia, a que se refere o art. 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de janeiro: não tendo, em momento prévio, ao ato de indeferimento a Câmara Municipal ..., notificado as recorrentes, nomeadamente, a 1ª para se pronunciar sobre a sua intenção de indeferir o processo de autorização municipal aqui em questão, resulta que esse ato é ilegal por vício dessa norma.
T) E assim é mesmo que estivesse em causa um ato de rejeição liminar por não entrega de documentos supostamente exigíveis ou por a instalação da infraestrutura em apreço “não cumprir um afastamento de 100 metros a edifícios destinados à permanência de pessoas” porque o resultado também aí seria a previsibilidade da impossibilidade dessa instalação, caso em que também aí o Município ... deveria criar as “ ... condições de minimização do impacte visual e ambiental que possam levar ao deferimento do pedido” o que não aconteceu, o que sempre implicaria violação do art. 9º do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de janeiro
U) Nenhuma das normas invocadas no Preâmbulo do RMUEMA habilitam a Assembleia Municipal ... a elaborar essa norma do art. 30º ou o art. 29º - als. als. a), d), g), h), i) e j) -do mesmo Regulamento, assim, as disposições regulamentares em causa carecem de norma habilitante (princípio da precedência de lei), nos termos do n.º 7 do artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, o que é sancionado com a respetiva nulidade por violação dessa norma
V) Ao contrário do que o recorrido afirma nas alegações de recurso-pág. 13, o tribunal a quo e bem considerou ilegais as normas contidas no art. 29º e al. a), do nº 1, do art. 30º do RMUEMA, como também considerou violado o interesse público, decisão que deve ser mantida.
X) Por cautela de patrocínio, sempre se diga que uma vez que a norma regulamentar contida na al a), do art. 30º do RMUEMA vem restringir ilegitimamente, por ser um mero regulamento – art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa privada (direitos liberdades e garantias de natureza análoga consagrados na Constituição nos arts. 61º e 62º da Constituição), na medida em que impõe o “...afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, ...” quanto à a instalação de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações , tal norma é ilegal devendo ser recusada a sua aplicação pois , tomada à letra, tal norma proíbe a instalação de infraestruturas de suporte de estações de telecomunicações em qualquer local onde se encontrem pessoas, o que é de todo impensável pois é onde se encontram as pessoas que as estações de telecomunicações têm que estar implantadas para que possa haver, por exemplo, uso de telemóveis ou internet.
Z) Acresce que face a todo o supra exposto, naturalmente que não se verifica erro em matéria de direito como apontado pelo recorrido nas alegações de recurso, não devendo ser concedido provimento ao recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser integralmente confirmado o douto acórdão recorrido.»
1.7..O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento decorrente de o Tribunal a quo ter decidido que:
b.1. a decisão administrativa impugnada na ação configura uma decisão de indeferimento de pretensão quando se trata de um ato de rejeição liminar;
b.2. ter efetuado uma errada aplicação da norma do artigo 9.º do D.L. n.º 11/2003, de 18/01, do artigos 267.º, n.º5 da Constituição e dos artigos 12.º e 121.º do Código do Procedimento Administrativo.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
A) Em 2 de fevereiro de 2018, por carta registada com aviso de receção, a N..., mandatada pela NOS, enviou para a Câmara Municipal ... um pedido por si dirigido ao Presidente da mesma câmara, de Autorização Municipal para a instalação de Infraestrutura de suporte de Estação de Radiocomunicações, na Rua ..., ..., ..., ... 4 ... “nos termos e para os efeitos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de Janeiro” (Cfr. processo administrativo junto de fls. 412 a 456, e docs. n.º ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., juntos com a petição inicial);
B) Esse pedido foi rececionado na Câmara Municipal ... a 5 de fevereiro de 2018 (cfr. doc. nº ... junto com a petição inicial);
C) O mencionado pedido, conforme se afirma expressamente no mesmo, foi acompanhado pelos seguintes anexos:
1. Documento comprovativo do pedido de instalação da NC... S.A. à N..., S.A.
2. Memória descritiva da instalação;
3. Planta de localização à escala 1/25 000;
4. Planta de implantação à escala 1/100, conforme decorre da respetiva planta
5. Plantas e alçados à escala 1/100;
6. Termo de responsabilidade do técnico responsável pela instalação a nível civil;
7. Termo de responsabilidade do técnico responsável pela instalação elétrica;
8. Declaração de conformidade nos termos do artigo 5.º, n.º 1, al. e) do DL 11/2003;
9. Cópia do documento de que conste a autorização expressa do proprietário no caso, quanto a esta autorização foi junto cópia do contrato de arrendamento assinado pelo senhorio (Cfr. processo administrativo junto de fls. 412 a 456, e docs. n.º ... a ..., juntos com a petição inicial);
D) Após a apresentação deste pedido, a N..., pelo ofício nº ...44, de 26/2/2018, da Câmara Municipal ..., tomou conhecimento do ato de indeferimento de 26/2/2018, proferido pela Sra. Presidente de Câmara, junto como doc. n.º A com a petição inicial, cujo teor se tem por reproduzido, e do qual se extrai o seguinte segmento:
“Cumpre-nos informar que o mesmo contém vários erros e omissões, nomeadamente:
1.Omissão de elementos cuja apresentação é obrigatória nos termos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ..., designadamente as indicadas nas alíneas a), d), g), h), i) e j) do art. 29º;
A pretensão não respeita o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30º do RMUEMA («Respeitar um raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos desportivos»)”;
E) O ato identificado na alínea anterior não foi precedido de audiência de interessados (Não controvertido).
Factos não provados
Não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa.
Motivação
Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas.»
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III.B.DE DIREITO
b.1. do erro de julgamento decorrente da consideração do ato impugnado como ato de indeferimento e não como ato de rejeição liminar de requerimento.
3.2. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pela 1.ª Instância que julgou a ação movida pelas ora Apeladas procedente.
O Apelante não se conforma com a decisão recorrida e começa por lhe imputar erro de julgamento por considerar que a decisão administrativa que proferiu foi de mera rejeição liminar da pretensão das recorridas, e não como erradamente entendeu o Tribunal a quo, de indeferimento da pretensão de licenciamento que lhe dirigiram.
Nas conclusões de recurso formuladas sob os pontos 7.ª a 16.ª, o Apelante sustenta que o Tribunal a quo admitiu que o ato impugnado será um ato de indeferimento, e não de rejeição liminar, porque o artigo 6.º apenas o prevê para casos em que o requerimento não contém “os documentos previstos no artigo 5.º e, como se deixou antedito, os fundamentos de rejeição assentaram em causas distintas”. Ao assim julgar, considera que o Tribunal a quo incorreu num primeiro erro de de raciocínio, confundindo-se a rejeição liminar com a eventual ilegalidade das suas causas.
Refere que as causas são o fundamento do ato, não o tipo de ato, pelo que claramente erra a sentença recorrida quando considera que o ato impugnado não é, pelas razões que alega, um ato de rejeição liminar.
Ainda que se discuta as causas da rejeição liminar, o ato é claramente deste “tipo” e não de “indeferimento”, pois nele não se analisa substantivamente a pretensão apresentada pelas AA, antes se constata a falta de elementos instrutórios que, no entender do Município, são obrigatórios, porquanto exigidos regulamentarmente.
Aduz que a não instrução do requerimento com elementos obrigatórios, seja porque impostos legalmente, seja porque impostos regulamentarmente, constitui irregularidade ou deficiência do requerimento que justifica despacho de rejeição liminar, conforme previsto no artigo 6.º daquele diploma legal, numa interpretação, se se quiser, extensiva.
Daí que forçoso seja concluir pela errada aplicação do Direito ao caso concreto, quando na sentença recorrida se conclui que, por estarmos “perante um ato de indeferimento do pedido, como previsto no artigo 7.º, o mesmo teria de ter sido obrigatoriamente antecedido de audiência prévia”.
Conclui que, sendo o ato de rejeição liminar, não se insere no âmbito do disposto no artigo 9.º que, como expressamente confessa o Exmo. Senhor Juiz a quo, prevê uma audiência prévia “pro ativa”, para se encontrar uma outra solução substantiva. No caso, o Município não analisou substantivamente a pretensão em causa, antes rejeitou previamente o seu requerimento, por falta de elementos obrigatórios.
Como tal, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, nem dos artigos “267.º, n.º 5 da Constituição, 12.º e 121.º do CPA”, ao invés da conclusão da sentença recorrida.
Vejamos.
As Autoras moveram a presente ação contra o Réu Município, aqui Apelante, tendo em vista obter decisão judicial que anulasse o despacho de indeferimento, e condenasse o Município a analisar o pedido de autorização apresentado nos termos do Decreto-lei n.º 11/2003, sem aplicação das normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ..., doravante RMUEMA, devendo ser descontado o período entre 5/02/2018 e 27/2/2018, para efeitos do n.º 8 do artigo 6.º do antedito decreto-lei, e serem desaplicadas as normas do supra citado regulamento municipal.
Antes de analisarmos o concreto erro de julgamento invocado, é útil começar por transcrever o que na decisão recorrida se escreveu sobre a caracterização do regime legal aplicável, que subscrevemos integralmente.
Conforme se escreve na sentença recorrida, está em causa nos presentes autos a « aplicação do Decreto-lei n.º 11/2003, de 18/01, o qual veio regular a autorização municipal da instalação e funcionamento de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações, quer para as que se pretendiam instalar, quer para as já instaladas à data da entrada em vigor daquele diploma».
Lê-se na exposição de motivos desse diploma que o mesmo tem como fim “(...) dar resposta ao vazio legislativo relativo à autorização municipal para a instalação e funcionamento de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações, tendo em conta a natureza atípica e específica das mesmas e a necessidade de uniformização da atuação dos municípios nesta matéria, garantido a celeridade de todo o processo, características fundamentais para o cumprimento das obrigações inerentes à prestação do serviço pelos operadores de telecomunicações móveis.” E bem assim a “necessidade de uniformização da atuação dos municípios nesta matéria, garantindo a celeridade de todo o processo, características fundamentais para o cumprimento das obrigações inerentes à prestação do serviço pelos operadores de telecomunicações móveis. Deste modo, está patente que a intervenção municipal inerente à proteção do ambiente, do património cultural e da defesa da paisagem urbana ou rural e ao ordenamento do território, é conciliável com o respeito pela imperiosa necessidade de incentivo e apoio à prossecução e promoção do desenvolvimento da sociedade de informação e muito em especial do serviço público desenvolvido pelo sector das telecomunicações”.
Está-se assim «perante um procedimento cuja função primacial se prende com a promoção do serviço público no setor das telecomunicações, prosseguindo um interesse público supramunicipal, pelo qual o legislador o procurou igualmente uma uniformização da atuação dos municípios».
Resulta do referido diploma, que «o legislador estabeleceu um procedimento a observar pelo interessado, fixando-se no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 11/2003 quais os documentos que deverão instruir o pedido de autorização de instalação de infraestruturas, a saber:
“a) Identificação do titular;
b) Identificação do título emitido pelo ICP - ANACOM, quando existente, nos termos do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho;
c) Memória descritiva da instalação (com indicação dos critérios adoptados condicionantes, materiais empregues e métodos construtivos e de fixação) e peças desenhadas (planta de localização à escala de 1:25000, planta de implantação à escala de 1:200 ou de 1:500 e plantas e alçados à escala de 1:100);
d) Termo de responsabilidade dos técnicos responsáveis pela instalação, quer a nível civil, quer a nível das instalações eléctricas;
e) Declaração emitida pelo operador que garanta a conformidade da instalação em causa com os níveis de referência de radiação aplicáveis, de acordo com normativos nacionais ou internacionais em vigor;
f) Cópia do documento de que conste a autorização expressa dos proprietários dos terrenos para a instalação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios. (cfr. n.º 1)”»
O diploma em causa prevê as situações em que haverá lugar à rejeição liminar do requerimento e as que determinam o indeferimento.
Assim, quanto ao procedimento, o artigo 6.º do referido diploma «prevê a possibilidade de despacho de rejeição liminar do pedido, sempre que o requerimento não esteja instruído com os elementos referidos do artigo 5.º, cabendo igualmente ao Presidente da Câmara Municipal promover a consulta às entidades que, nos termos legais, devam emitir pronúncia quanto à instalação.»
Quanto ao indeferimento do pedido, de acordo com o disposto no artigo 7.º do diploma em causa, o mesmo poderá ter lugar se: “a) Não for cumprido o estabelecido no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho; b) A instalação das infra- estruturas de suporte das estações de radiocomunicações violar restrições previstas no plano municipal de ordenamento do território ou no plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais ou regulamentares aplicáveis; c) O justifiquem razões objetivas e fundamentadas relacionadas com a proteção do ambiente, do património cultural e da paisagem urbana ou rural.”
Dir-se-á ainda que « projetando-se a emissão de um ato de indeferimento do pedido de autorização, prescreve o artigo 9.º que seja realizada audiência prévia, visando criar condições de minimização do impacte visual e ambiental que possam levar ao deferimento do pedido».
Por fim, refira-se também que « em sede de procedimento, o artigo 8.º prevê ainda a possibilidade de deferimento tácito da pretensão, quando decorrido o prazo de 30 dias sem que o presidente da câmara se pronuncie».
Feito este enquadramento, a 1.ª Instância decidiu que no caso concreto o ato impugnado não é um ato de rejeição liminar do requerimento apresentado pelas Autoras, mas um ato de indeferimento da pretensão que dirigiram ao Município Réu/Apelante e fê-lo com base na seguinte fundamentação:
«Conforme se mostra refletido na factualidade provada nos autos, a autora apresentou requerimento de autorização de instalação de infraestruturas de suporte de estação de radiocomunicações, tendo apresentado os documentos previstos no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 11/2003.
A pretensão das autoras viria a ser indeferida com fundamento na não apresentação de elementos cuja junção seria exigida pelo RMUEMA, bem como por não cumprir um afastamento de 100 metros a edifícios destinados à permanência de pessoas. Daqui temos que não se está perante um ato de rejeição liminar, como previsto no artigo 6.º, porquanto o mesmo apenas poderá ter lugar quando o requerimento do interessado não se mostre instruído com os documentos previstos no artigo 5.º, e, como se deixou antedito, os fundamentos de rejeição assentaram em causas distintas.»
Não podemos senão subscrever a decisão recorrida neste conspecto.
Conforme bem se apontou na decisão recorrida, o ato impugnado nos autos é um ato de indeferimento produzido no âmbito do pedido de autorização municipal apresentado na Câmara Municipal ..., nos termos do disposto nos art. 5º do Decreto-Lei nº 11/2003, de 18.1., para instalação de uma infraestrutura de radiocomunicações e respetivos acessórios e que, conforme também apontado pelo tribunal a quo “... assenta sobretudo em dois fundamentos: i) na falta de entrega dos elementos referidos nas als. a), d), g), h), i) e j) do art. 29º do RMUEMA, e ii) no facto de a estrutura de suporte de estão de radiocomunicações, alegadamente, não respeitar “um raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos de desportivos”.
Como bem observam as Apeladas nas suas contra-alegações, se a Câmara Municipal ... indicou à então N... que “A pretensão não respeita o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 30º do RMUEMA...” é porque analisou a pretensão da autora e concluiu que a mesma (supostamente) não respeitava “... um raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos desportivos.” e, consequentemente, concluiu que a instalação da infraestrutura de suporte radiocomunicações das recorridas não poderia ser instalada. Isto é, se para a Câmara Municipal ... a instalação da infraestrutura de suporte radiocomunicações aqui em causa não pode ser instalada porque, segundo a mesma Entidade, não cumpre o supra referido “...raio de afastamento mínimo de 100 metros...”, está a impedir a instalação dessa infraestrutura, o que ,em bom rigor mais não é do que um indeferimento do pedido da requerente nesse pedido.
Ademais, a alínea a), do nº 1 do art. 30º do RMUEMA, não tem natureza de uma norma instrutória de um procedimento administrativo, incorporando antes uma norma que impõe uma regra de uso e ocupação do solo.
Por fim, note-se que, até à prolação da decisão final, o próprio Apelante não teve quaisquer dúvidas em como o ato por si praticado consubstanciava um ato de indeferimento, como se colhe da defesa apresentada em sede de contestação à ação.
Em bem da verdade, considerando os factos provados, não há qualquer dúvida em como o ato impugnado proferido pelo Réu não se quedou por uma rejeição liminar da pretensão formulada pelas AA., mas antes por um indeferimento da sua pretensão, como clara e inequivocamente resulta de nele se deixar expresso que a pretensão daquelas não cumpre o afastamento de 100 metros a edifícios destinados à permanência de pessoas e que, como tal, nunca essa pretensão poderia ser deferida.
Termos em que se impõe julgar improcedente o invocado fundamento de recurso.
b.2. da errada aplicação da norma do artigo 9.º do D.L. n.º 11/2003, de 18/01, do artigos 267.º, n.º5 da Constituição e dos artigos 12.º e 121.º do Código do Procedimento Administrativo.
O Tribunal a quo decidiu que o ato que as autoras impugnam nestes autos viola os artigos 1.º, 5.º, 7.º, e 9.º do Decreto-lei n.º 11/2003, bem como o artigo 4.º do CPA, e que se impunha igualmente a desaplicação no caso concreto das normas constantes dos artigos 29.º e 30º do RMUEMA, ao contrariarem norma superior. Nessa sequência, decidiu que assistia às Autoras o direito de verem a sua pretensão apreciada segundo os requisitos constantes do Decreto-lei n.º 11/2003, sem aplicação das normas do RMUEMA, o qual não se mostra aplicável ao procedimento em causa.
O Apelante impetra à decisão sob sindicância erro de julgamento por assim ter decidido, i.é, por nela se ter julgado que as normas regulamentares em causa no RMUEMA violam o disposto no Decreto-Lei n.º 11/2003.
Começa por invocar que o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, citado na decisão recorrida, diversamente do que entendeu o Senhor Juiz a quo, inculca antes a ideia de a lei poder ser complementada regulamentarmente.
Assim, no caso, apenas se tinha de aquilatar se o RMUEMA modificou o ato legislativo, ou se apenas lhe acrescentou ou o pormenorizou, sendo que, no caso, tinha de se concluir que o dito regulamento manteve o respeito integral pelo definido na lei.
Sustenta que o poder regulamentar próprio das autarquias faz parte do núcleo central da autonomia local e, como tal, tem de ser respeitado, inclusive pelo legislador, nomeadamente quando modela a medida desse poder (que é determinado por lei). E afirma que é precisamente no âmbito desta constitucional autonomia local que surge o RMUEMA, em concretização do disposto no artigo 3.º do RJUE, que estabelece o regime a que ficam sujeitas as designadas “operações urbanísticas”, consideradas como tal “as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água” [alínea j) do artigo 2.º]. Logo, conclui que, conforme o decidido acertadamente pelo Acórdão do TCASul de 02/04/2009 (proc. n.º 02473/07): «As normas regulamentares contidas no RMEU de um município são aplicáveis às pretensões de licenciamento de estações de radiocomunicações», conquanto tais normas visam regular o uso e a ocupação do solo urbano, por forma a que sejam respeitados o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
Aduz que tendo em conta que “a instalação de uma estação de radiocomunicações, pela própria natureza deste tipo de equipamentos, implica sempre obras de construção civil, constituindo, igualmente, uma utilização do solo, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água” [alínea j) do artigo 2.º do RJUE], tem forçosamente de se atender ao disposto no RMUEMA, que possui natureza de regulamento complexo, contendo normas de interesse público que não podem ser derrogadas ou afastadas no seu âmbito de aplicação subjetivo e objetivo por causa de outros interesses públicos ou privados, ainda que legítimos (como é o caso).Daí que a sua violação seja fundamento de indeferimento nos termos do artigo 7.º alínea b) e artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 11/2003. Afirma que o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/2003, fala em interesses conciliáveis e o artigo 7.º alínea b) e n.º 6 do artigo 15.º mandam “atender aos planos de ordenamento territorial, a quaisquer "normas legais ou regulamentares aplicáveis", às agressões ao ambiente, ao património cultural e à paisagem.” . Assinala que a intervenção camarária neste tipo de instalações justifica-se, precisamente, por estar em causa um licenciamento de obras, que deve respeitar todos os condicionalismos das restantes operações urbanísticas, inclusive os definidos em regulamento municipal, cuja violação consubstancia o fundamento de indeferimento previsto na parte final da alínea b) do artigo 7.º.
Por essas razões, conclui que ao invés do decidido na sentença recorrida, a aplicação do RMUEMA não está afastada pelo Decreto-Lei n.º 11/2003, e daí que que se lhe afigure, perfeitamente legítimo, no uso do poder regulamentar autárquico, que existam normas regulamentares que :1) exijam outros elementos instrutórios para além dos previstos legalmente; e 2) procurem a defesa das respetivas populações, como acontece com a norma regulamentar em apreço (artigo 30.º do RMUEMA). Quer o artigo 29.º, quer o artigo 30.º do RMUEMA não modificam o ato legislativo, não o violam nem derrogam, antes lhe acrescentam normação, complementando-o.
Mas sem razão.
Tal como entendeu o Senhor Juiz a quo, nenhuma das normas invocadas no preâmbulo do RMUEMA habilitam a Assembleia Municipal ... a elaborar uma norma como a do art. 30º ou o art. 29º - als. als. a), d), g), h), i) e j), do mesmo Regulamento. As referidas disposições regulamentares carecem de norma habilitante (princípio da precedência de lei), nos termos do n.º 7 do artigo 112º da Constituição da República Portuguesa, o que é sancionado com a respetiva nulidade por violação dessa norma.
O Tribunal a quo considerou que, atendendo ao disposto nos artigos 7.º, 1.º e 5.º do Decreto-lei n.º 11/2003, o ato impugnado, ao decidir com base nos fundamentos em que assentou, e ao exigir elementos, que não se mostram previstos no referido diploma, mas que resultam do RMUEMA, é ilegal.
O Senhor juiz a quo, depois de sublinhar novamente que o diploma em causa, pretendeu criar um procedimento uniforme aplicável a todo o território nacional, a ser observado em todos os municípios, sobrepondo o interesse público ao nível das telecomunicações aos demais, assegurando que as exigências a satisfazer pelas empresas do campo das telecomunicações seriam homogéneas, independentemente da sua localização geográfica, refere que esse diploma especificou os documentos a entregar com o requerimento de autorização, conforme decorre do disposto no seu artigo 5.º, e bem assim, que cuidou estabelecer quais os específicos fundamentos que poderão motivar o indeferimento da pretensão, conforme resulta do disposto no artigo 7.º do mesmo diploma legal,
E quanto à possibilidade ou impossibilidade de os municípios exigirem o cumprimento de requisitos para além dos previstos no Decreto-lei n.º 11/2003, invocou a jurisprudência promanada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no supra identificado acórdão, a cujos fundamentos aderimos, de acordo com a qual:
“Este Decreto-Lei nº 11/2003 é uma “lei especial”, ou específica, no sentido em que institui um procedimento administrativo especial, de tipo autorizatório, que apenas prevê a sujeição a termo nos casos e condições previstas no seu artigo 10º (Autorização limitada), pelo que o Regulamento camarário em causa, na parte em que rege sobre esse procedimento administrativo, deve conter tão-somente normação secundária, precisamente para evitar a que se desvirtue a pretendida uniformidade de regime.
Porém, o Regulamento em crise impôs, no artigo 10º, um termo à autorização municipal inerente à instalação e funcionamento das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respetivos acessórios, fixando à mesma “a validade máxima de cinco anos, podendo ser prorrogada por iguais períodos ou inferiores períodos de tempo, não podendo a mesma ir além do período de validade do título emitido pelo ICP- ANACOM, quando existente, nos termos do Decreto-Lei nº 151­A/2000, de 20 de Julho”. [sublinhado nosso]
Não pode deixar de ter-se presente que foi vontade inequívoca do legislador de 2003 (na circunstancia do Decreto-Lei nº11/2003, expressa no seu preâmbulo) de uniformizar, em matéria das condições, o regime da “autorização municipal inerente à instalação e funcionamento das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respetivos acessórios”, que serve, recorde-se, a função principal de “promover o serviço público” do sector das telecomunicações, prosseguindo assim um interesse público nacional, que estaria posto em causa se por via do poder regulamentar autárquico cada município pudesse estabelecer condições diferenciadas quanto à autorização de instalação, em particular quanto ao respetivo termo, viciando assim as condições de concorrência no mercado de prestação deste serviço, que é de interesse público.
É este o motivo pelo qual se não pode aceitar que seja aposta à autorização municipal inerente à instalação e funcionamento das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respetivos acessórios de cláusulas, uma norma como a que consta no artigo 10.º do Regulamento emitido pela Entidade Recorrida, que prevê a sujeição a termo como elemento necessário da autorização municipal.
Ora, o artigo 112.º n.º 5 da Constituição proíbe a ingerência, com eficácia externa, de atos infra legislativos em matéria regulada por atos legislativos. Em particular, interdita aos atos infra legislativos a “modificação” de “qualquer dos (...) preceitos” constantes de atos legislativos.
Por outras palavras, institui assim uma modalidade de “reserva de lei”. Com efeito, segundo a melhor doutrina, “quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece, ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria)” [Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., revista, 67].
Assim sendo, no que agora importa, a norma regulamentar que operar tal modificação de ato legislativo infringe diretamente a proibição constitucional, configurando em sentido próprio um caso de inconstitucionalidade.
Como vimos, a norma regulamentar constante do artigo 10º (Validade de autorização) do Regulamento da CM..., publicitado no DR. IIª Série, nº145, de 22.06.2004, sujeita todo e qualquer ato administrativo de autorização para instalação de antenas de telecomunicações - emitido no âmbito do procedimento do Decreto-Lei nº11/2003 de 18-1-, a um termo (final) máximo de validade de cinco anos (embora podendo ser renovado por iguais períodos, ou períodos inferiores).
Dito por outras palavras, adita ao regime legal, de motu próprio, uma previsão regulamentar inovatória com eficácia externa, que impõe a sujeição a termo final, necessário, do ato administrativo de autorização de instalação de antenas de telecomunicações, alterando este ato administrativo tal como se encontra configurado e configurável no Decreto-Lei nº 11/2003 de 18-1, nomeadamente nos seus artigos 6.º, 7.º e 10.º.
Assim, o cit. art. 10º do Regulamento vai além dos arts. 6º, 7º e 10º do Decreto-Lei nº11/2003, desvirtuando o seu objetivo uniformizador e constrangendo as posições jurídicas subjetivas das empresas interessadas.”
E continua: “Assim e porque o Regulamento em crise pretende concretizar ou pormenorizar matéria que já foi regulada por um ato legislativo [apesar do teor do seu artigo 1º], não pode conter norma que desvirtue a disciplina legislativa do Decreto-Lei nº11/2003 de 18-1.
Mas não foi o que sucedeu no Regulamento dos autos, já que a norma regulamentar vertida no seu artigo 10º afeta negativamente os direitos regulados no DL nº 11/2003, maxime nos seus arts. 6º, 7º e 10º, e, assim, afronta a disposição constitucional plasmada no n15 do artigo 1121 da CRP, na parte em que este preceito proíbe a “modificação” de atos legislativos por atos de outra natureza, no caso regulamentar, e é, por conseguinte, formal e organicamente inconstitucional.
Do exposto resulta, assim, que o artigo 10º do “Regulamento” da CM..., publicitado no DR. IIª Série, nº145, de 22.06.2004, é inconstitucional, pelo que se impõe a sua desaplicação com efeitos restritos ao caso dos autos, por força dos artigos 204º da CRP e 73º, nº2, do CPTA.
Perante a constatação da situação de inconstitucionalidade do artigo 10º do Regulamento, deve, de imediato, aferir-se a legalidade do ato impugnado - no estrito segmento em que impôs um limite de 5 anos à autorização municipal em causa nos autos- desconsiderando essa norma regulamentar.»
Aplicando essa jurisprudência ao caso em discussão o Tribunal a quo deu razão às apeladas, lendo-se na sentença recorrida que: « O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Município ..., publicado em Diário da República, 2ª série, n.º 197, de 12/10/2017, tem precisamente como norma habilitante o artigo 3.º, n.º 4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pelo que, as exigências que resultam daquele, no âmbito das “Infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações”, que se vão para além daquelas que constam do Decreto-lei n.º 11/2003 se mostram ilegais, por violação de lei, contrariando a hierarquia das normas, no caso, dos artigos 1.º e 5.º do antedito diploma, impondo-se a sua desaplicação neste caso.
É esse o caso das previsões constantes do artigo 29.º, relativo à instrução do pedido, bem como do artigo 30.º, com a epígrafe “Disposições técnicas”, na qual se exige, nomeadamente, que seja respeitado um “raio de afastamento mínimo de 100 metros de qualquer edificação destinada à permanência de pessoas, nomeadamente habitações, escolas, creches, centros de dia, centros culturais, museus, teatros, hospitais, centros de saúde, clínicas, superfícies comerciais e equipamentos de desportivos”.
Especificamente no que se refere a este requisito, este contenderá já com a própria estação de radiocomunicações, e não a infraestrutura de suporte de radiocomunicações, sendo que, no que se refere àquela o licenciamento cabe a outra entidade (cfr. artigo 5.º do Decreto-lei n.º 151-A/2000, e artigo 5.º do Decreto-lei n.º 11/2003), não abrangendo poisa intervenção dos municípios eventuais emissões das eventuais emissões das estações a instalar cuja avaliação cabe a terceiros (vide no mesmo sentido o ac. do STA de 28/01/2010, processo n.º ...9).
Como consta igualmente do artigo 11.º do Decreto-lei n.º 11/2003, é ao ICP-ANACOM, e não aos municípios, a quem compete adotar medidas condicionantes da instalação e funcionamento de estações de radiocomunicações.
O Município ..., ao aprovar as normas regulamentares em causa no RMUEMA violou lei superior, constante do Decreto-lei n.º 11/2003, não sendo de admitir uma regulamentação que contraria o mesmo, fazendo novas exigências, o que impõe a desaplicação das referidas normas por violação do disposto no artigo 112.º da CRP.
Do que se deixou referido, resultam assim violados os artigos 1.º e 5.º do Decreto-lei n.º 11/2003, em face das exigências ilegais de cumprimento do disposto nos artigos 29.º e 30.º do RMUEMA, e, concomitantemente, o artigo 7.º daquele primeiro diplomar, pelo facto do ato sindicado assentar noutros motivos que não os legalmente admissíveis.»
Em conclusão, tal como entendeu o Senhor Juiz a quo, nenhuma das normas invocadas no preâmbulo do RMUEMA habilitam a Assembleia Municipal ... a elaborar uma norma como a do art. 30º ou o art. 29º - als. als. a), d), g), h), i) e j), do mesmo Regulamento. As referidas disposições regulamentares carecem de norma habilitante (princípio da precedência de lei).
Termos em que se impõe decidir pela improcedência do invocado fundamento de recurso.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 10 de março de 2023

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa