Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00578/16.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PROFESSOR. REDUÇÃO DA COMPONENTE LECTIVA. SERVIÇO DOCENTE EXTRAORDINÁRIO.
Sumário:
I) – O desempenho de cargos de natureza pedagógica dá lugar a redução da componente lectiva; não tendo sido efectivada essa redução, a falta do seu gozo não subjectiva a prestação de trabalho extraordinário. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MISC
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

MISC (Rua R…, 4450-235 Matosinhos) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto que, em acção intentada contra o Ministério da Educação e Ciência (Av.ª 5 de Outubro, n.º 107, 13º, 1069-018 Lisboa), absolveu o réu.
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Conclui:
1. A sentença recorrida é perfeita no que à factualidade apurada e dada como provada concerne.
2. Consequentemente deu como provado que a Recorrente trabalhou mais horas do que as legalmente estabelecidas pelo ECD, facto resultante da não atribuição de uma redução do número de horas que lhe eram legalmente devidas.
3. Essa situação verificou-se durante dois anos escolares, tendo a Recorrente concedido fazê-lo pro bono no primeiro desses anos, ao contrário do sucedido no ano escolar em apreço nestes autos.
4. Nesse segundo ano como coordenadora, a Recorrente procurou por diversos meios que o órgão de gestão reduzisse o número de horas constantes do seu horário para que esta pudesse desempenhar convenientemente as suas funções.
5. Tais intentos não lograram sucesso, tendo o órgão de gestão mantido a docente na obrigatoriedade de cumprir integralmente as componentes constantes do seu horário semanal, acrescido do cumprimento do cargo de coordenadora, como toas as comepetências e responsabilidades legais inerentes.
6. Ao recusar a redução ou o pagamento dessas horas, o órgão de gestão enriqueceu sem qualquer caus justificativa, apenas à custa do brio e escrupuloso cumprimento de funções por parte da Recorrente.
7. Assim, tal como resulta bem provado na sentença recorrida, estes factps conduzem ao integral preenchimento das condições constantes dos artigos 823º e seguintes do ECD, devendo ser-lhe atribuída a consequência respectiva.
8. Salvo melhor entendimento, essa consequência e a reposição da legalidade devida à situação, efectivar-se-ão mediante a revogação da decisão recorrida e a condenação da entidade demandada ao pagamento das horas de trabalho suplementar em apreço (€6.398,40, acrescidos dos juros legalmente devidos à taxa em vigor).
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Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado, não ofereceu parecer.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
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Os factos, julgados como provados pelo tribunal “a quo”:
1) A Autora é professora do ensino pré-escolar.
2) A Autora exerce funções no Agrupamento de Escolas DJDS – L… (doravante, Agrupamento), com sede na Rua C…, L… (4455 –112).
3) No ano letivo de 2013/2014 a A. exerceu cargos de coordenadora do departamento curricular, avaliadora interna e externa e membro da secção de avaliação do desempenho docente.
4) No ano letivo de 2013/2014 foi atribuído à A. um horário de 25 horas letivas e 15 horas não letivas (fl. 32).
5) A A. não beneficiou de qualquer redução na componente letiva.
6) Em 29 de abril de 2014 a A. solicitou à Diretora do Agrupamento de Escolas DJDS – L… a retificação do horário em conformidade com os cargos de natureza pedagógica desempenhados (documento n.º 1 junto no p.a. – fls. 28 e 29).
7) Por ofício de 12 de maio de 2014 foi a A. informada que a Diretora do Agrupamento de Escola indeferiu o seu pedido “por não encontrar suporte legal que sustente o deferimento” (documento n.º 2 junto no p.a.).
8) Em 27 de maio de 2014 a A. renovou o pedido descrito em 1) nos termos constantes do documento n.º 3 constante do p.a.
9) O seu requerimento foi indeferido por despacho da Diretora do Agrupamento que lhe foi comunicado por ofício de 2 de junho de 2014 (documento n.º 4 junto no p.a.).
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A apelação
O tribunal “a quo” julgou “a presente ação improcedente e, consequentemente, absolve-se o R. do pedido.”.
Teve em consideração o seguinte:
«(…)
Pretende a Autora, através da presente ação administrativa que seja o R. condenado a pagar-lhe € 6 398,40 a título de trabalho suplementar prestado durante todo o ano letivo de 2013/2014.
Nesse ano letivo a A. exerceu cargos de coordenadora do departamento curricular, avaliadora interna e externa e membro da secção de avaliação do desempenho docente.
Tendo-lhe sido atribuído um horário de 25 horas letivas, a A. não beneficiou de qualquer redução na componente letiva.
Como resulta do art.º 7º do ECD, “a componente letiva do pessoal docente da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico é de 25 horas semanais”.
O desempenho de cargos de natureza pedagógica, designadamente de orientação educativa e de supervisão pedagógica, dá lugar a redução da componente letiva, nos termos do n.º 1 do art.º 80º do ECD.
Tal redução da componente letiva foi fixada, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 80º do ECD, pelo despacho normativo n.º 7/2013 de 31 de maio de 2013 (publicado no DR, II, 11.06.2013).
Nos termos do n.º 3 do art.º 7º desse despacho “entende-se por funções de natureza pedagógica as de coordenação educativa e supervisão pedagógica previstas nos artigos 42º a 44º do Decreto-lei N.º 75/2008, de 22 de abril, na sua redação atual”.
O art.º 43º do Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de abril refere-se à “articulação e gestão curricular”. Nos termos do seu n.º 2 “a articulação e gestão curricular são asseguradas por departamentos curriculares nos quais se encontram representados os grupos de recrutamento e áreas disciplinares, de acordo com os cursos lecionados e o número de docentes”.
Ora, considerando que a A. exerceu as funções de “coordenadora do departamento curricular”, à luz do regime jurídico supra explanado, tinha direito à redução da componente letiva.
Direito que a A. apenas pretendeu exercer em finais de abril de 2013 e, portanto, na parte final do ano letivo em causa.
É certo também que a A. trabalhou para além do seu horário de trabalho.
Sucede que, nos termos do art.º 83º do ECD, “considera -se serviço docente extraordinário aquele que, por determinação do órgão de administração e gestão do estabelecimento de educação ou de ensino, for prestado além do número de horas das componentes letiva e não letiva registadas no horário semanal de trabalho do docente”.
Sendo que “a atribuição de serviço docente extraordinário, nos termos definidos no art.º 83º do ECD, só pode ter lugar para dar resposta a situações ocorridas no ano letivo e exclusivamente no caso de manifesta impossibilidade de aplicação de algum dos mecanismos previstos no n.º 7 do artigo 82º do ECD, no que às ausências de curta duração diz respeito e sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 83º do ECD”.
Acresce que, que termos do art.º 7º, n.º 1 do despacho normativo supra citado, “no âmbito da sua autonomia pedagógica, as escolas definem o tempo de redução da componente letiva para o desempenho de cargos de natureza pedagógica a que se refere o n.º 3 do art.º 80º do ECD, dentro dos limites estabelecidos nos números seguintes” (sublinhado nosso).
Ora, como evidenciamos no âmbito do processo 2315/12, ao estabelecer-se que o professor tem direito a redução da componente letiva, exclui-se a possibilidade do mesmo vir a reclamar o pagamento de trabalho extraordinário (art.º 83º do ECD) , como sucedeu no caso sub judice, antes se impondo o exercício do direito àquela redução” já que “não está na disposição do trabalhador a opção pela manutenção da componente letiva para, mais tarde, vir a reclamar o pagamento de trabalho extraordinário”.
Como se referiu em acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no âmbito do mesmo processo em 19.11.2015 (publicado em www.dgsi.pt), o exercício de funções de coordenadora do departamento curricular “poder-lhe-ia dar direito a redução da sua componente letiva mas não ao pagamento desse período de tempo como se tivesse realizado horas extraordinárias, nem esse pagamento se encontra previsto em tal situação”
Assim sendo a pretensão da A. não pode proceder.
Por uma banda, o trabalho extraordinário (ou suplementar) depende de uma autorização expressa e formal que inexistiu no caso sub judice.
Por outra banda, como também se evidencia no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que já citamos supra, “a redução da componente eletiva não é automática” estando, no caso sub judice, sujeita a definição das escolas , no âmbito da sua autonomia pedagógica.
Impõe-se, portanto, a improcedência do pedido.
(…)».
O recurso mostra discordância, mas sem argumentação que revele o erro de julgamento.
«A estatuição de norma é um acto constitutivo, mediante o qual factos e relações são conformados no plano do juridicamente vigente» (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., pág. 305).
O que prevê o art.º 80º, nº 1, do ECD é que “O desempenho de cargos de natureza pedagógica, designadamente de orientação educativa e de supervisão pedagógica, dá lugar a redução da componente lectiva”.
É esse o direito que pode resultar, a forma de “contrapartida” ao desempenho do cargo pelo docente, com “direito a redução da sua componente lectiva mas não ao pagamento desse período de tempo como se tivesse realizado horas extraordinárias”, conforme se escreve no citado Ac. deste TCAN, de 19-11-2015, proc. n.º 02315/12.6BEPRT (confirmado por Ac. do STA, de 28-04-2016, proc. n.º 0421/16).
A falta do seu gozo não subjectiva a prestação de trabalho extraordinário; ao contrário do que a autora/recorrente encara e referencia; não gera um suposto “crédito laboral” monetário suportado pela prestação de trabalho extraordinário (art.º 83º do ECD).
E vindo agora invocado um enriquecimento sem causa, não constituindo questão de conhecimento oficioso, “o facto de esse enquadramento apenas ter sido invocado no presente recurso transmuta-o em questão nova” (Ac. do STJ, de 12-07-2018, proc. n.º 216/15.5T8GRD.C1.S1); cabe notar que “não se trata de uma mera qualificação jurídica dos factos, mas, mais do que isso, invocar, intempestivamente, diferente causa de pedir da acção” (Ac. do STJ, de 28-09-2017, proc. n.º 10145/14.4T8LSB.L1.S1); assim subtraída ao conhecimento desta instância.
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 12 de Abril de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Isabel Costa, em substituição