Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02160/15.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IVA, METODOS INDIRECTOS, NOTIFICAÇÃO
Sumário:1- Entre as situações em que a Administração Tributária pode proceder à avaliação indirecta, encontra-se expressamente prevista no art. 87º da LGT, a situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (nº 1, al. b)), importando ainda salientar - porque intimamente relacionado com o presente caso - que essa impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos pode resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais (indicação exemplificativa da al. a) do art.° 88°do mencionado diploma legal).

2- Em caso de recurso à tributação por métodos indirectos, não basta à Autoridade Tributária demonstrar que o conteúdo da declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte: cabe-lhe também demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método directo e justificar o método indirecto escolhido. É o que resulta dos artigos 74.º, n.º 3, primeira parte, e 77.º, n.º 4, ambos da L.G.T..

3- A possibilidade de suprimento, no prazo legal, comtemplada na al. a) do art. 88º da LGT, impõe-se em todas as situações ali previstas e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, motivo pelo qual os SIT deveriam ter notificado o sujeito passivo para proceder às correcções tidas por convenientes no âmbito da sua contabilidade, nela vertendo as prestações de serviços tituladas pelos pagamentos detectados pela AT e omitidos na contabilidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:R.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto que deu procedência à impugnação judicial intentada por R., relativa a IVA e juros compensatórios dos anos de 2010, 2011 e 2012, deduziu o presente recurso, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

“III - DAS CONCLUSÕES
a) A RFP recorre da sentença que, proferida no TAF do Porto, em 26/12/2018, julgou procedente a impugnação deduzida por R., contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 31.732,60, e que decorreram das correções operadas com recurso a métodos indiretos.

Da Decisão da matéria de Facto
b) Desde logo, a RFP considera que quanto à decisão da matéria de facto a sentença do Tribunal a quo comete um erro de julgamento, nos seguintes termos.

c) Uma vez cruzada a decisão de facto plasmada na prancha recorrida com os depoimentos da parte e das testemunhas da mesma em sede de inquirição de testemunhas, sucede que nenhum dos factos testemunhados, nesta fase, foram dados como provados pelo Tribunal a quo, nem como não provados, ou seja, nem sequer foram levadas à prancha decisória a quo.

d) Assim, o Tribunal a quo deveria ter levado à matéria de facto provada pelo menos os seguintes factos, conforme resulta da gravação da inquirição de testemunhas e que se encontra cristalizada nas alegações de direito apresentadas nos autos à margem melhor identificados, pela RFP,
46. Quanto aos meios de pagamento, a testemunha disse que o modo habitual de pagamento era em dinheiro ou por multibanco (cf. gravação a minutos 00.45.48).
49. A instancias da RFP, a testemunha afirmou que a diferença entre os serviços prestados, referentes ao exercício de 2010, de € 17.894,35, e o total dos pagamentos, nesse mesmo ano, efetuados no TPA, de € 65.993,01, deve-se ao facto das duas funcionárias “brasileiras” servirem-se do mesmo TPA, quanto ao pagamento dos serviços por estas prestados (cf. gravação a minutos 00.47.17)
(…)
66. O trabalho que estas funcionárias prestavam não estava reconhecido na contabilidade, não havendo documentos “nenhuns” (cf. gravação a minutos 01.03.33 a 1.03.38).
69. As alegadas injecções de capital por parte do Impugnante no estabelecimento não eram susceptíveis de serem concretizadas e portanto serem alvo de conhecimento objectivo por parte da contabilista, aqui testemunha (cf. a gravação a minutos 01.06.44).
70. A testemunha, face aos documentos que eram entregues pelo Impugnante, não conseguia apurar aquilo que estava relacionado com a actividade da empresa e com a pessoa do aqui Impugnante (cf. gravação a minutos 01.07.11).
71. Mais referindo-se que não sabia se determinados pagamentos efectuados pelo aqui Impugnante eram feitos pela conta pessoal ou pela conta da empresa (cf. a gravação a minutos 01.06.53 a 01.07.10).
72. Pelo que a testemunha teve necessidade de criar uma conta só para o Impugnante que corresponderia a pagamentos feitos pelo Impugnante (cf. gravação a minutos 01.07.16 a 01.07.22).
73. Nessa conta, ao que parece, estavam registados pagamentos feitos em/com dinheiro do Impugnante (cf. gravação a minutos 01.08.20 a 01.08.24).
74. Segundo a testemunha, as promoções do cabeleireiro não estavam visíveis ou “espelhadas” (cf. gravação a minutos 01.09.10 a 01.09.15).
75. A instâncias da RFP, sobre a existência de uma conta bancaria ligada apenas à atividade do estabelecimento, uma vez que o Impugnante tinha optado pelo regime de contabilidade organizada, a testemunha disse que os pagamentos não eram todos feitos pela conta bancaria do estabelecimento (cf. gravação a minutos 01.13.20 a 01.13.50).
76. A testemunha fala mesmo em “promiscuidade entre a conta pessoal do Impugnante e a conta da empresa” e tal acontecia justamente por causa dos valores do TPA (cf. gravação a minutos 01.13.51 a 01.14.14).
77. A própria testemunha tem consciência que a forma como o estabelecimento estava a tratar a situação dos pagamentos no TPA não era correta (cf. gravação a minutos 01.14.14).
78. Quanto aos meios de pagamento, a mesma testemunha disse que os pagamentos eram feitos em dinheiro e pelo TPA (cf. gravação a minutos 01.14.15 a 01.14.37).
79. Os valores eram contabilizados quando existiam documentos e quando existiam os extractos (cf. gravação a minutos 01.13.38 a 01.14.53).
80. A testemunha revela conhecimento consciente que os serviços não eram devidamente contabilizados, pois que a realidade de facto alegada não corresponde aquilo que aparecia na contabilidade (cf. gravação a minutos 01.15.30 a 01.15.38).
81. Quanto à diferença de valores entre os serviços registados na contabilidade e os declarados na contabilidade, no exercício de 2010, 2011 e 2012, face à saída das funcionárias denominadas “brasileiras”, em meados de 2011, foi perguntado pelo Meritíssimo Juiz à testemunha como se explica que continue a haver valores tramitados no TPA superiores aos declarados após a saída das funcionárias “brasileiras” (cf. gravação a minutos 01.17.15 a 01.17.59).
82. Ao que a testemunha respondeu que não sabe explicar (cf. gravação a minutos 01.18.00 a 1.18.05).

e) Termos em que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que os factos, referidos no ponto anterior, que não foram objecto de apreciação e fixação na sentença, são bastante relevantes, não só porque correspondem à verdade dos factos alegados pela RFP, em sede de alegações de direito, como, sequencialmente, para o devido enquadramento jurídico quanto à questão do erro nos pressupostos no recurso a métodos indiretos, tal como a mesma encontra-se plasmada na douta sentença do Tribunal a quo, e como a seguir melhor se explanará.

Da Decisão de Direito
f) Quanto à decisão de direito, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que os SIT, ao não terem notificado o Impugnante para, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do artigo 32. °, do CIRS, regularizar as deficiências da sua contabilidade, não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos, pois, conforme resulta expressamente da alínea a), do artigo 88.º, da LGT, “(…) as deficiências de contabilidade ou escrituração apenas legitimam o recurso à avaliação indirecta quando não supridas no prazo legal”.

g) Com o devido respeito que nos merece todas as decisões proferidas pelos nossos Tribunais, a RFP, defendendo uma perspetiva da realidade fenoménica mais alargada, decorrente do aditamento dos factos já acima referidos, propõe um diferente enquadramento jurídico da situação sub iudice, conforme o a seguir explanado.

h) Em primeiro lugar, o n.º 2, do artigo 39.º, do CIRS, estabelece que só o atraso na execução da contabilidade ou na escrituração dos livros de registo ou a sua não exibição imediata, justificam a possibilidade dada ao contribuinte de, num prazo não inferior a 5 dias nem superior a 30 dias, regularizar as referidas situações de atraso na execução da contabilidade e/ou de não entrega imediata desta.

i) Pelo que, só nas duas situações referidas no ponto anterior, os SIT têm a obrigação de notificar o sujeito passivo para proceder as devidas regularizações.

j) Caso contrário, seguir-se-á a regra geral constante do n.º 1, do artigo 39.º do CIRS, do artigo 59.º, do CIRC, e do artigo 90.º, do CIVA.

k) Ora, estas regras gerais não determinam a aplicação de métodos indiretos após o decurso de um prazo fixado entre 5 a 30 dias para o sujeito passivo regularizar atrasos na execução da sua contabilidade ou para apresentação da sua contabilidade, posto que estas situações estão especificamente regularizadas pelos n.ºs 2 e 3, do artigo 32.º, do CIRS.

l) Ensina Baptista Machado que "as normas gerais constituem o direito-regra, ou seja, estabelecem o regime-regra para o selar de relações que regulam; ao passo que as normas excecionais, representando um ius singulare, limitam-se a uma parte restrita daquele setor de relações ou factos, consagrando neste setor restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime-regra"21.

m) Do mesmo modo, no que tange a esta distinção entre regras gerais e excecionais, considera OLIVEIRA ASCENSÃO que "duas normas podem estar entre si na relação regra-exceção: à regra estabelecida pela primeira opõe-se a exceção, que para um círculo mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda”.

n) A exceção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para atingir finalidades particulares".

o) Ora, socorrendo-se o intérprete e o aplicador do direito, como sempre deverá, dos critérios hermenêuticos consagrados no artigo 9.°, do Código Civil, ter-se-á, forçosamente, de concluir que o legislador ao consagrar as normas do n.º 2 e do n.º 3, do artigo 39.º, do CIRS, visou especificar as situações em que a aplicação de métodos indiretos só é determinada, após notificação do sujeito passivo, para regularizar situações de atraso na execução da contabilidade ou de não exibição imediata da mesma.

p) Ora, estando o escopo da norma erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade apenas nas situações em que se verifique um atraso na execução da contabilidade e/ou a sua não exibição imediata, parece-nos, com todo o devido respeito por opinião diferente da nossa, que errou a douta sentença a quo ao julgar que os SIT deveriam, nos termos do artigo 39.º, nºs 2 e 3, do CIRS, ter efetuado à impugnante a notificação para regularizar atrasos e/ou exibição da respetiva contabilidade.

q) Aliás, o aqui Recorrido admite, na sua PI, que a sua contabilidade estava em dia, e a mesma foi apresentada em tempo (útil) aos SIT, pelo que o prazo facultado pelo n.º 2 e pelo n.º 3, do artigo 39.º, do CIRS, não pode servir outro objetivo que não o consagrado na própria letra da lei, admitir o inverso é estar a abrir a porta para o indefinido.

r) Ora, as normas jurídicas não são concebidas para tutelar o indefinido, mas para iluminar apenas a parte da realidade fenoménica cuja regulação legal se torna necessária, tendo em conta as perspetivas literal, lógica e sistemática, decorrentes da hermenêutica jurídica.

s) Aliás, esta possibilidade dada ao sujeito passivo de poder, após o encerramento das contas, regularizar a execução da contabilidade, tem de alicerçar-se nos princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídicas, bem como da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

t) O que vem ao encontro da nossa tese, que só nas situações de atraso na execução da contabilidade, bem como nas de não exibição imediata da mesma, faz sentido dar a possibilidade ao sujeito passivo de, dentro de um determinado prazo, regularizar a execução da mesma, ou apresentar a mesma, que se presume existente e não a constituir “à pressa!”.

u) Ora, os factos trazidos aos autos, em sede de fase de inquirição de testemunhas, permitem perceber que o aqui Recorrido, sob a capa de uma contabilidade (aparentemente) organizada, tentou esconder da Autoridade Tributaria e Aduaneira (ATA), a entrada, no TPA do estabelecimento comercial, de avultadas somas de dinheiro, de modo a não ser tributado por essas quantias.

v) Ora, essas quantias não estão contabilizadas, nem existem quaisquer documentos contabilísticos que permitam a respetiva avaliação direta das mesmas por parte dos SIT.

w) Note-se que a própria argumentação trazida aos autos em fase de inquirição de testemunhas é toda ela baseada em prova testemunhal, não aportando, o aqui Recorrido, a estes autos, qualquer documentação que provasse a existência das alegadas prestadoras de serviços de nacionalidade brasileira, nos períodos de tributação em referência nestes autos, ou, mesmo admitindo essa existência, o nexo de ligação entre o trabalho prestado pelas alegadas prestadoras de serviços e as avultadas somas de dinheiro que entraram no TPA e que não foram contabilizadas.

x) Ou seja, em última instância, mesmo admitindo a possibilidade de dar ao aqui Recorrido a oportunidade de regularizar a sua contabilidade, esta tarefa iria sempre redundar numa impossibilidade ontológica!

y) Note-se que o aqui Recorrido teve a possibilidade de apresentar provas convincentes da veracidade da escrita em diversas fases, tais como na fase do exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento inspetivo externo, no âmbito do pedido de revisão da matéria coletável, bem como em sede de impugnação judicial, não o tendo logrado fazer.

z) Mais, na fase de inquirição de testemunhas, as testemunhas por si arroladas vieram aos autos apresentar justamente uma realidade diversa daquela que está plasmada na sua contabilidade, como acima já foi exposto.

aa) Face ao exposto, padece, assim, a sentença, ora em apreciação, também de erro de julgamento de direito, pois fez uma errada interpretação da alínea a), do artigo 88.°, da LGT, bem como do disposto nos nºs 2 e 3, do artigo 39.º, do CIRS.
Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como procedente, com todas as devidas consequências legais resultantes dos vícios nele invocados,
porém,
V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.---
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por errada selecção e valoração da prova produzida e erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto nos artigos 88º, al. a), da LGT e 39º, nº 2 e 3, do CIRS.
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3. FUNDAMENTOS
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“1. Dos Factos
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. O Impugnante encontra-se “colectado no serviço de Finanças de Matosinhos 1 (1821), desde 2007-05-04, exercendo a atividade de “Salões de Cabeleireiro” (CAE 96021). Em termos de IVA o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral. Em IRS o sujeito passivo é tributado de acordo com as regras da contabilidade organizada por opção” – cfr. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 247 do Processo Administrativo [PA] apenso ao suporte físico dos autos;
2. Foi realizada, entre 20 de Junho e 19 de Setembro de 2014, uma inspecção externa ao Impugnante, de âmbito parcial [IVA e IRS], aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 de onde resultaram, em sede de IVA, correcções no valor de €13.925,12 [2010], €8.523,66 [2011] e €5.423,26 [2012] – cfr. RIT, a fls. 246-247 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

3. O relatório da inspecção referida em 2) foi elaborado em 28 de Novembro de 2014, ali constando que “atendendo aos factos, expostos nos pontos anteriores, designadamente:
‐ Prejuízos fiscais consecutivos, declarados desde o início de atividade (2007-05-04) até aos exercícios em análise, ascendendo o seu valor a 225.558,63 €, conforme foi evidenciado no capítulo C.4.2;
‐ A conta 111 – caixa encontra-se sistematicamente com saldo credor, sendo saldada no mês de Dezembro de cada um dos exercícios em análise por contrapartida da conta 2782100, tratando-se de um mero artifício contabilístico, desconhecendo-se a entidade que suporta tais entregas de numerário: conta 2782100 “outros credores diversos”. Esta conta que em 31-12-2012 tinha um saldo credor de 230.126,52€ é indicativo de que os meios financeiros utilizados para sustentar e prosseguir com a atividade, não têm outra proveniência que não sejam os rendimentos (serviços prestados) omitidos aos registos contabilísticos;
‐ A comprovar essa realidade verifica-se que o sujeito passivo suportou gastos com o pessoal completamente desfasados dos serviços prestados declarados, bem como afastando-se dos rácios que são conhecidos estatisticamente nesta atividade;
‐ Para descredibilizar totalmente os valores contabilizados e declarados fiscalmente pelo sujeito passivo, verificou-se que os recebimentos através de TPA líquidos de IVA são superiores ao volume de negócios declarado nos exercícios de 2010, 2011 e 2012 (306,06%, 212,34% e 145% do volume de negócios declarado); Face ao exposto, torna-se impossível, para os exercícios de 2010, 2011 e 2012, a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável quer em sede de IRS (Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) quer em sede de IVA (Imposto sobre o valor acrescentado).
Assim sendo, estão reunidas as condições para a determinação da matéria tributável por métodos indiretos nos termos do artigo 39º do CIRS (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), da al. b) e e) do nº 1 do artigo 87º e da al. a) do artigo 88º, ambos da LGT (Lei Geral Tributária). V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
Para determinar o rendimento por métodos indiretos, o artigo 39º do Código do IRS prevêm de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 90º da Lei Geral tributária, que a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseie em todos os elementos de que disponha. A quantificação das prestações de serviços será determinada utilizando o rácio de IRS (R18) Rendimento do Pessoal, pelo facto de entendermos adequado à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, que se caracteriza pelo uso de mão-de-obra intensiva:
Para o cálculo do rácio R18 – Rendimento do Pessoal vai ser aplicada a média da Unidade Orgânica (Direção de Finanças do Porto) que utilizou um universo de 439, 434 e 449 contribuintes nos exercícios de 2010, 2011 e 2012.” – cfr. RIT, a fls. 255-256 do PA apenso ao suporte físico dos autos, e que se dá por integralmente reproduzido;

4. O RIT referido em 3) recebeu despacho concordante, do “Chefe de Divisão Por Subdelegação do D.F. Adjunto” – cfr. RIT, a fls. 240 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
5. Em 13 de Janeiro de 2015, e no seguimento do referido em 2) a 4), o Impugnante apresentou “Pedido de revisão da matéria colectável”, referente aos anos de 2010 a 2012, que foi indeferido em 17 de Março de 2015, por despacho de “Adelina Maria Nunes Campos” – cfr. procedimento de revisão, anexo 1 ao PA apenso ao suporte físico dos autos, e que se dá por integralmente reproduzido;
6. Das correcções referidas em 2) resultaram liquidações adicionais, no valor global de €27.872,06, e liquidações de juros, no valor de €3.860,54, e que foram endereçadas ao Impugnante – cfr. liquidações e demonstrações de acerto de contas, de fls. 70 a 104 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
7. As liquidações referidas em 6) constavam, no sítio dos CTT-Correios de Portugal, como “Objecto entregue” entre as datas de 22 e 27 de Abril de 2015 – cfr. impressões da pesquisa de documentos dos CTT, a fls. 124 a 147 do PA apenso ao suporte físico dos autos;

8. Nos anos em apreço, o salão de cabeleireiro do Impugnante realizava promoções face ao preço de tabela, já similar ao praticado pela concorrência; [prova testemunhal]

Factos não provados
Não se provou que os serviços de inspecção tenham enviado ofício ao Impugnante para que regularizasse a sua contabilidade.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.
Para a fixação do facto provado 8) contribuíram as declarações de parte do Impugnante, bem como os depoimentos das testemunhas inquiridas, que foram congruentes na existência das referidas promoções e da competitividade dos preços praticados face à concorrência.
O facto não provado decorreu da inexistência, nos autos, de ofício ao impugnante nos termos dos números 2 e 3 do artigo 39.º do CIRS, ou sequer referência a tal facto.
*** ***

4. O DIREITO

Pelo presente recurso a Recorrente vem questionar a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R. contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2010, 2011 e 2012, no valor global de €31.732,60.

Começa a Recorrente por alegar que a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por errada selecção e valoração da prova produzida, uma vez que, pelos depoimentos colhidos em sede de audiência das testemunhas, o MMº Juiz a quo deveria ter levado ao probatório a matéria vertida na conclusão d) do recurso, que corresponde aos pontos 46, 49, 66, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81 e 82 das alegações que apresentou ao abrigo do disposto no art. 120º do CPPT.

Depois, a Recorrente defende que também ocorre o erro de julgamento de direito, por errada interpretação do disposto nos artigos 88º, al. a), da LGT e 39º, nº 2 e 3, do CIRS.

Vejamos.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizados, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 61/62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).

A alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.

Ora, na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.

Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respectiva apreciação.

Feito este périplo sobre o erro de julgamento e as provas existentes no processo, baixemos, agora, ao caso concreto para apurar se ocorre o alegado erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova.

In casu, como vimos, a Recorrente pugna pela alteração da matéria de facto, indicando, para o efeito, o material probatório susceptível de legitimar a alteração que pretende ver introduzida e que tem alicerce no depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante.

Todavia, e como acima já deixámos expresso, o Tribunal a quo socorreu-se, como é seu mister, do princípio da livre apreciação da prova produzida, para não levar ao probatório tal factualidade controvertida como, de resto, resulta das disposições conjugadas dos artigos 392º e 396º do Código Civil e 607º. nº 5 do CPC.

Não olvidemos que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos prestados, juízo que o Tribunal ad quem pode e deve sindicar, mas apenas se e quando tiver ocorrido manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.

Sucede, porém, que no caso em apreço não detectamos que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, pelo menos que seja patente e/ou ostensivo, mormente os que lhe vêm assacados pela Recorrente nas conclusões do recurso.

Analisada a decisão sob recurso podemos afiançar que os factos fixados na decisão em apreço resultaram da prova documental produzida perante o Tribunal a quo, sendo certo que não se alcança que o juízo em que assentou essa fixação padeça de qualquer erro de julgamento, para tanto basta ler a motivação da decisão no que tange a cada um dos factos dados como provados aí aposta de forma individualizada e, também, a respectiva fundamentação em geral, atente-se para o efeito à motivação que resulta da sentença recorrida.

Em boa verdade, da análise da sentença podemos concluir que o Tribunal a quo apreciou acertadamente a prova produzida. Isto porque, a questão central que o Tribunal a quo elegeu foi, justamente, a circunstância de saber se, estando em causa a tributação por métodos indirectos, ocorreu por parte da AT a notificação do impugnante, aqui recorrido, para suprir as irregularidades contabilísticas detectadas no relatório de inspecção tributária, tendo respondido negativamente, uma vez que a prova documental inequivocamente assim o indicou, sendo que, para tal efeito, a prova testemunhal era manifestamente irrelevante.

Destarte, o Tribunal a quo fixou os factos que considerou relevantes para a solução que deu ao caso, factos alicerçados na prova documental, sendo certo que a prova testemunhal, no caso, sempre seria irrelevante, daí que não ocorra o alegado erro de julgamento da matéria de facto.
Passemos, agora, para a apreciação do erro de julgamento de direito por errada interpretação do disposto nos artigos 88º, al. a), da LGT e 39º, nº 2 e 3, do CIRS.

Comecemos por efectuar uma breve resenha jurídica sobre o instituto da tributação com recurso a métodos indirectos.

Nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, cessando tal presunção quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.

Dispõe o artº 81º da LGT que a Autoridade Tributária só pode proceder à avaliação indirecta, em detrimento da avaliação directa, nos casos e condições previstos na lei. Acresce que o artº 85º da LGT impõe que a avaliação indirecta seja subsidiária da directa, ou seja, só nos casos de manifesta impossibilidade de determinação da matéria colectável através da avaliação directa, é que se poderá partir para a indirecta, sempre seguindo os pressupostos estabelecidos nos artºs 87º e 88º da LGT.

Quanto aos fins que visa cada uma das espécies de avaliação, o artº 83º da LGT refere que a avaliação directa tem em vista a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, enquanto a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Autoridade Tributária disponha.

Já quanto ao ónus da prova dos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, gozando as declarações dos contribuintes da presunção de verdade nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da L.G.T., só podem ser alteradas quando haja fundados indícios de que não correspondem à verdade.

É, pois, à Autoridade Tributária que compete a demonstração de que tais elementos não correspondem à sua realidade tributária, devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao direito tributário e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte.
Nuns casos, esses factos são por si só reveladores da falta de colaboração do contribuinte. Noutros, menos graves, essa falta de colaboração deve ser confirmada no próprio procedimento, fazendo-o intervir para esclarecer a sua situação tributária.

Para isso, é necessário que a Autoridade Tributária proceda a diligências instrutórias suficientes, consubstanciando depois as correcções que levar a cabo com factos concretos apurados no decorrer do procedimento de inspecção tributária. Isto porque não actua aqui a coberto do princípio da oportunidade, mas da legalidade, sendo-lhe imposto que realize todas as diligências necessárias e ao seu alcance para o apuramento da verdade material.

Por isso, em caso de recurso à tributação por métodos indirectos, não basta à Autoridade Tributária demonstrar que o conteúdo da declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte: cabe-lhe também demonstrar a impossibilidade de aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método directo e justificar o método indirecto escolhido. É o que resulta dos artigos 74.º, n.º 3, primeira parte, e 77.º, n.º 4, ambos da L.G.T.

Com efeito, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indirectos de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros adequados à situação.

Por isso, a Administração Tributária tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Não conseguindo fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.

Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

Como vimos já, entre as situações em que a Administração Tributária pode proceder à avaliação indirecta, encontra-se expressamente prevista no art. 87º da LGT, a situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (nº 1, al. b)), importando ainda salientar - porque intimamente relacionado com o presente caso - que essa impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos pode resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais (cfr. indicação exemplificativa da al. a) do art.° 88°do mencionado diploma legal).

In casu, a AT procedeu à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, ao abrigo do disposto nos artigos 87º, alíneas b) e e) e 88º, alínea a), ambos da LGT, por alegadas deficiências da contabilidade, sustentadas na omissão de proveitos.

O Tribunal a quo considerou que a AT não poderia socorrer-se de tal método sem que previamente tivesse notificado o impugnante, aqui recorrido, para suprir tal situação.

Sustentou-se na decisão recorrida queAtento o exposto, caberá à AT demonstrar que a contabilidade do Impugnante não permite o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, devendo aportar, para tal, indícios fundados nesse sentido.
Ora, conforme resulta do probatório, os indícios referidos pela AT, para ultrapassar a presunção de veracidade da contabilidade do Impugnante, são, resumidamente, a existência de prejuízos fiscais consecutivos, de valor elevado para a actividade em causa [cerca de €255.000,00]; a existência de saldos credores sistemáticos a conta de caixa, anualmente saldados por contrapartida de outra conta, sem se conhecer a forma de entrada do numerário [indiciando a existência de proveitos ocultados]; gastos com pessoal superiores aos rácios da actividade; e recebimentos através da rede multibanco [largamente] superiores ao volume de negócios declarado.
Os referidos indícios encontram-se explanados nos capítulos C.6.2 a C.8, sendo de ressaltar a existência de prejuízos consecutivos desde o ano de início de actividade [2007] até depois dos anos ora em crise [2013], de valor superior a €20.000,00/ano [excepto 2007], para um estabelecimento de reduzida dimensão; estarem registados gastos com pessoal, em todos os anos em apreço, de valor muito superior ao dos serviços prestados declarados [o ano em que a diferença é menor, 2012, ainda assim contém um prejuízo de €10.000,00, sendo que em 2010 o Impugnante declarou a existência de gastos com pessoal €30.000,00 superiores ao volume declarado de serviços prestados]; a existência de pagamentos por terminal multibanco de valor muito superior ao dos serviços prestados declarados [o ano em que a diferença é menor, 2012, apresenta uma diferença de €14.000,00]; e a anulação de saldos de caixa credores, no final dos anos inspeccionados, em valores elevados [o mais baixo, novamente em 2012, foi de €38.000,00] e para os quais não existe justificação contabilística.
Atentas as referidas divergências, considera-se, como referido no RIT, que os dados constantes da contabilidade se mostram insuficientes para o apuramento da matéria tributável, pelo que se encontram preenchidos os requisitos das sobreditas alíneas b) e e) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da LGT.
No entanto, aplicando os SIT tal alínea, teriam de notificar o Impugnante para, em prazo não superior a 30 dias, suprir as irregularidades encontradas, conforme previsto nos números 2 e 3 do artigo 39.º do CIRS.”, para assim o entender a sentença recorrida fez apelo à jurisprudência vertida no Acórdão do STA, proferido em 13/09/2017, no âmbito do processo nº 01316/16, concluindo que “(…) não consta do PA qualquer notificação para suprimento de irregularidades de escrita, nem a mesma é referida no RIT.
Assim sendo, mostra-se “preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável” [sobredito Acórdão], pelo que os serviços de inspecção não podiam, ainda, recorrer à aplicação de métodos indirectos o que, por conseguinte, torna ilegais as liquidações subsequentes, que cabem de ser anuladas, por vício de erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos”.

É pois, com este discurso fundamentador que a Recorrente não se conforma, por defender que dos preceitos legais em causa não decorre a obrigação de notificar o recorrido para suprir as faltas/deficiências da sua contabilidade.

Para o efeito, diz que o nº 2 do art. 39º do CIRS, estabelece que só o atraso na execução da contabilidade ou escrituração dos livros de registo ou a sua não exibição imediata, justificam a possibilidade dada ao contribuinte de, num prazo não inferior a 5 dias nem superior a 30 dias, regularizar as referidas situações de atraso na execução da contabilidade e/ou de não entrega imediata desta, pelo que só nessas duas situações os SIT têm a obrigação de notificar o sujeito passivo para proceder às devidas regularizações (conclusões h) e i) do recurso), caso contrário, seguir-se-á a regra geral do nº 1 do artigo 39º do CIRS, do art. 59º do CIRC, e do artigo 90º do CIVA (conclusão) do recurso).

Mas será que é assim? Temos para nós que a proficiente jurisprudência do STA que assim não o entende é aqui de aplicar, tal como o fez a sentença recorrida.

Efectivamente, a sentença sob recurso fazendo apelo ao decidido no Acórdão do STA de 13/09/2017, processo nº 01316/16, e porque a AT sustentou a aplicação dos métodos indirectos no disposto no art. 87º, al. b) e e) e 88º, al. a), ambos da LGT, considerou que estava em falta a notificação do contribuinte para, em prazo não inferior a 5 dias nem superior a 30 dias, suprir as irregularidades encontradas na sua contabilidade, conforme previsto nos números 2 e 3 do artigo 39.º do CIRS.

Tal proficiente jurisprudência secundava o que já era dito no Acórdão do STA de 03/12/2014, processo nº 01262/13, tendo ambos os arestos espelho no recente Acórdão proferido pelo STA em 18/11/2020, processo nº 02024/06.5BEPRT todos disponíveis in: www.dgsi.pt. , que aderindo ao discurso fundamentador do primeiro daqueles arestos decide que “A possibilidade de suprimento, no prazo legal, comtemplada na al. a) do art. 88º da LGT, impõe-se em todas as situações ali previstas e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” .

Ora, detectados os vários pagamentos através do TPA (Terminal de Pagamento Automático) nos montantes que constam do relatório inspectivo, os SIT deveriam ter notificado o sujeito passivo para proceder às correcções tidas por convenientes no âmbito da sua contabilidade, nela vertendo as prestações de serviços tituladas por tais pagamentos, o que, tal como resulta dos autos não sucedeu.

Destarte, e não alongando razões, a sentença sob recurso não incorreu em erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do artigo 87º, conjugado com na alínea a) do artigo 88º, ambos da LGT, assim como do disposto no artigo 39º, nº 2 e 3 do CIRS, ao considerar que faltou um pressuposto de determinação da matéria tributável por métodos indirectos.

Ante o que vem dito estão as conclusões do recurso votadas ao insucesso.
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5 – DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto,2021-05-13


Maria Celeste Oliveira

Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos