Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/2003.TFPRT.31
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:PROVA EMPRESTADA
VALOR PROBATÓRIO
MÉTODOS INDIRETOS
CUSTAS
Sumário:1. Nas situações de prova emprestada, muito recorrente nos tribunais tributários de 1.ª instância e justificada em razões de celeridade e economia processual, evitando-se a repetição desnecessária de actos processuais, a prova testemunhal ou pericial produzida num processo ingressa num segundo processo, mas o juiz deste não está adstrito a conferir-lhe idêntico valor probatório nem a valorar tais meios de prova no mesmo sentido em que o foi nos autos em que foi produzida.
2. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.
3. Sendo impugnados o acto tributário de liquidação e a subsequente decisão de reclamação graciosa, com pedido anulatório do primeiro e declaração de nulidade da segunda, decidindo o tribunal manter o acto tributário e anular a decisão de reclamação graciosa que tem esse acto por objecto mediato, a decisão deve ser de procedência parcial da impugnação e condenada a Fazenda Pública, como parte vencida num dos pedidos, no proporcional das custas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e A...
Recorrido 1:A... e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Da sentença proferida pelo TAF de Penafiel que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por A… contra o acto tributário de liquidação de IVA e juros compensatórios relativo aos períodos de 1996, 1997, 1998 e 1999 e a subsequente decisão de reclamação graciosa, recorrem quer o impugnante, quer a Fazenda Pública.

Ambos os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (fls.357).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente impugnante apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1.- Nos presentes autos foi feito o aproveitamento da prova realizada no processo de impugnação n.º 5/2003.TFPRT.31.

2.- Há matéria provada no referido processo nº 5/2003 que o Tribunal a quo nos presentes autos deu como não provada.

3.- Havendo julgamento incorrecto sobre os factos constantes de “ II, 1, 2, 3, 4 e 5” da matéria julgada não provada.

4.- O que deve ser alterado.

5.- Daqui resultando o erro na quantificação da matéria tributável.

6.- Violou, assim, a douta sentença, entre o mais, o disposto nos artigos 513º e ss do C.P.C.

TERMOS EM QUE REVOGANDO E/OU ALTERANDO A DOUTA DECISÃO SE FARÁ
JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Recorrente Fazenda Pública também apresentou alegações que termina com as seguintes «Conclusões:
A. A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento, pois o douto tribunal a quo ao decidir que o acto tributário de liquidação impugnado se deve manter na ordem jurídica por improcedência dos vícios que lhe eram assacados pelo impugnante não podia considerar a impugnação parcialmente procedente, mas sim totalmente improcedente e sem decaimento da Fazenda Pública em custas judiciais.
B. A douta sentença de que se recorre, proferida em 10.02.2012, julgou parcialmente procedente a impugnação, considerando que esta improcedeu em todos os fundamentos invocados, exceptuando o da omissão de pronúncia da reclamação, pelo que entendeu o douto tribunal a quo que não há lugar à anulação da liquidação impugnada,
C. pelo que decidiu julgar a impugnação parcialmente procedente e em consequência (i) anular-se a decisão do processo de reclamação graciosa por falta de fundamentação, nos termos do douto acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo
D. e (ii) manter o acto impugnado, por improcedência dos restantes vícios invocados pelo impugnante,
E. condenando o impugnante e a Fazenda Pública em custas, na proporção de, respectivamente, 3/4 e 1/4
F. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública concordar.
G. O douto tribunal a quo ao decidir que o acto tributário de liquidação impugnado se deve manter na ordem jurídica por improcedência dos vícios que lhe eram assacados pelo impugnante não podia considerar a impugnação parcialmente procedente, mas sim totalmente improcedente.
H. Assim, tendo a impugnação por objecto mediato o acto tributário de liquidação, mesmo que o tribunal anule o acto de indeferimento da reclamação graciosa por procedência do vício de falta de fundamentação, como na situação sub judice, tal decisão não projecta qualquer efeito sobre o acto tributário de liquidação,
I. pois, a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento de uma reclamação graciosa visa única e exclusivamente o acto tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento.
J. Como refere o acórdão do STA de 16.11.2011, processo 0723/11, uma vez deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa ou o tribunal confirma o acto de indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado, ou anula esse indeferimento,
K. e, neste caso, o tribunal tem de apreciar os vícios imputados ao acto de liquidação.
L. Ora, ao anular-se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa converge para o tribunal a apreciação dos vícios do acto tributário da liquidação, tudo ocorrendo como se não tivesse existido qualquer decisão anterior,
M. o que se entende, porquanto o legislador dá uma preferência ao processo judicial sobre o procedimento administrativo.
N. Assim, o douto tribunal a quo na sua sabedora apreciação ao entender que o acto tributário de liquidação não enfermava de qualquer vício, deveria ter julgado a impugnação judicial improcedente in totum et totaliter.
O. Sem prescindir nem conceder, entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo decidindo pela procedência parcial impugnação por julgar nula a decisão da reclamação graciosa impunha-se que baixassem os autos à Administração Tributária para proferir nova decisão corrigida das deficiências que lhe foram reputadas,
P. decisão que não concede tal efeito e que, aliás, com a forma como a impugnação judicial foi decidida seria inútil.
Q. Como é dito no acórdão do STA de 16.06.2004, processo 1877/03 “Tal vício poderá anular a decisão administrativa proferida na reclamação mas com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão na reclamação, sanado o cometido vício procedimental mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada.”
R. Donde, o douto tribunal a quo ao julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e ao condenar a Fazenda Pública no decaimento de ¼ das custas judiciais errou no seu julgamento, pelo que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douto sentença,
S. e consequentemente ser a impugnação judicial julgada totalmente improcedente, sem qualquer decaimento da Fazenda Pública em custas judiciais.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “visto” a fls.386.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrentes (cf. artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa conhecer: No recurso do impugnante: se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, devendo dar-se como provados os factos constantes dos pontos 1 a 5 da matéria julgada «não provada». No recurso da Fazenda Pública: se a sentença incorreu em erro ao julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e condenar a recorrente em custas na proporção do decaimento, tendo mantido na ordem jurídica o acto tributário de liquidação e unicamente anulado a decisão de reclamação graciosa

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual, o seguinte:

I) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provados os seguintes factos:

A) A…, ora impugnante nos presentes autos, é empresário em nome individual, cuja actividade consiste no fornecimento de mão-de-obra no âmbito da construção de edifícios, CAE 45211 (fls. 110 do processo administrativo (PA)).

B) Para efeitos de IVA, a actividade do impugnante encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral (fls. 110 do PA).

C) Na sequência de uma denúncia anónima, a actividade do impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, credenciada pela Ordem de Serviço n.º 16430, referente ao IVA e ao IRS dos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças do Porto (fls. 107 do PA).

D) Em 14-03-2001, foi elaborado o respectivo Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e Anexos, o qual, aqui se dá por, integralmente, reproduzido (fls. 107 a 127 e respectivos versos do PA); tendo o mesmo sido objecto de parecer favorável e de despacho de aprovação (fls. 104 a 106 do PA).

E) No Capítulo IV do Relatório de Inspecção Tributária mencionado em D), dedicado aos Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos, é dito, entre o mais, que: 3 – FUNDAMENTOS – Para os exercícios em análise, o sujeito passivo declarou os resultados que se apresentam no quadro que se segue.





Para a formação destes resultados contribuíram as rubricas discriminadas no mesmo quadro, das quais se comentam aquelas que, de forma mais significativa os influenciam.
- Proveitos – A única rubrica da classe de proveitos, é a Prestação de Serviços. Por análise detalhada da facturação constante dos registos efectuados, verificou-se que não são cumpridos os requisitos essenciais a estes documentos, na medida em que não permitem identificar a quantidade de mão de obra facturada, nem o local (obra) onde os serviços foram prestados.
- Custos - A nível dos custos, assumem especial relevo, as rubricas seguintes: (…)
- Custos com Pessoal – Trata-se da principal rubrica de custos, pois, para além de ser a mais expressiva em termos de valores, quer absolutos, quer percentuais, constitui também a principal fonte geradora dos proveitos declarados, tendo em conta que a empresa não contabiliza subcontratos, ou seja não recorre a serviços de terceiros e também não contabiliza compras de materiais. Desta forma, todos os serviços prestados têm por base trabalhadores efectivos ao serviço da empresa e inscritos na Segurança Social.
- imagem omissa -
(…)
4 – Rendibilidade do trabalho (Serviços Prestados / Custos c/ Pessoal) – Para aferir a coerência entre os proveitos e os custos que mais directamente os determinam, foi feito o teste à rendibilidade do trabalho. O rácio, relaciona os proveitos, que na circunstância são constituídos exclusivamente pelas Prestações de Serviços, com os custos com pessoal, sendo a constituição desta última rubrica demonstrada no quadro seguinte:


Assim, são os seguintes os coeficientes de rendibilidade do trabalho para o sujeito passivo, nos períodos em análise



Estes coeficientes, apresentam valores muito inferiores aos apresentados quer pela AICCOP (Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas) quer pelo SIT (Sistema Informático Tributário da DGCI – rácios da unidade orgânica do Porto) conforme se demonstra no quadro que se segue




5 – Alvarás de licença de construção emitidos em nome do sujeito passivo. Tendo em conta que a actividade do sujeito passivo consiste na construção de edifícios, solicitou-se à Câmara Municipal de Paredes, área fiscal da sede da empresa, (…) o fornecimento de uma listagem dos alvarás das licenças de construção, em que o sujeito passivo constava como empreiteiro, bem como fotocópias dos mesmos, para os exercícios de 1996 a 1999. Na resposta, foi enviada (…) a relação que a seguir se apresenta:

- imagem omissa -

Analisados exaustivamente os proveitos registados pelo sujeito passivo, constatou-se que apenas foram lançadas facturas relativas às obras (…) dos clientes, A… & FILHOS e J…. Para controlo da situação, foram emitidos despachos para cruzamento de informação. Para cumprimento dos referidos despachos, foram ouvidos em autos de declarações os clientes do sujeito passivo, titulares dos alvarás das licenças de construção acima referidos, tendo sido constatado que: - Em alguns dos casos, os declarantes referiram, que o sujeito passivo apenas forneceu o nome para levantamento do alvará de construção, não tendo pelo facto, recebido qualquer contrapartida económica ou financeira. – Na generalidade dos casos, as obras foram executadas por administração própria. Em cada fase da obra, o dono da mesma, decide quem a executa. – Quanto aos clientes identificados no quadro seguinte, referiram que o sujeito passivo lhes prestou serviços na execução das obras. Os serviços em causa consistiram sempre e apenas no levantamento do esqueleto e revestimento do mesmo, não tendo o empreiteiro fornecido os materiais de construção. Em nenhum dos casos foi referida a existência de qualquer contrato escrito ou orçamento. Relativamente aos serviços que o empreiteiro prestou na construção das habitações, não foram emitidas facturas, confirmando desta forma omissões aos proveitos, que muito embora não tendo sido inequivocamente quantificadas, se situam à volta dos valores que a seguir se apresentam. Importa salientar a falta de orçamentos para a execução das obras, a falta de precisão nos montantes pagos pelos clientes e ainda o facto de tais pagamentos terem sido efectuados em dinheiro.

(…) Relativamente aos períodos em análise, foram analisados os inventários apresentados pelo sujeito passivo, não se tendo verificado que qualquer das obras em causa tivesse constado das obras em curso.
6 – Rendibilidade do pessoal após correcções efectuadas às Prestações de serviços pelos valores omitidos.



Como se verifica no quadro anterior, a rendibilidade do pessoal continua a exibir níveis inferiores aos apresentados pela AICCOP e pelo SIT.
7 – Tendo em conta o exposto, conclui-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que se propõe o recurso à aplicação de métodos indirectos/indiciários para a determinação da mesma, nos termos do Art.º 38º do CIRS e dos Artºs 87º a 90º da Lei Geral Tributária(fls. 110 a 115 do PA).
F) No Capítulo V do Relatório de Inspecção Tributária mencionado em D), dedicado aos Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”, é dito, entre o mais, que: “1. – Critérios – Tratando-se de uma empresa que, (…) em 1996, 1997, 1998 e 1999, tem como único factor directo de produção, os custos com o pessoal efectivo ao seu serviço, então presume-se que, em cada um dos mesmos períodos, os proveitos do sujeito passivo, sejam o resultado da multiplicação dos custos com pessoal, pelos respectivos coeficientes de rendibilidade. Assim, quanto aos custos com o pessoal, cujos montantes e composição, se apresentam no quadro a seguir, são os declarados pelo sujeito. (…) Relativamente aos índices de rendibilidade do pessoal, foi adoptado o critério que passo a descrever: A Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas do Norte, AICCOPN, apresenta anualmente na revista Concreto, um estudo técnico, sobre a formação do custo mínimo do factor de produção, Mão de Obra. Deste custo mínimo, fazem parte, o salário base, acrescido dos encargos correspondentes. Para os exercícios em análise, os coeficientes que traduzem esse custo mínimo, são os que a seguir se apresentam



Assim, admitindo que: - A aplicação destes coeficientes, apenas remuneraria os custos com pessoal e que, - A empresa tem de um modo geral gerar lucros, Vão ser aplicados os coeficientes da mediana, da estatística da DGCI, constantes do SIT (Sistema Informático Tributário) e que para os exercícios em análise são:



2 – Cálculos
2.1. – IRS (…)
2.2. – IVA – Tratando-se de um sujeito passivo enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, o IVA em falta vai ser apurado em montantes iguais, por período de tributação, ou seja, por trimestre, à taxa normal, em cada um dos exercícios, conforme demonstração que a seguir se apresenta:
Exercício de 1996





Exercício de 1997



Exercício de 1998




Exercício de 1999





(fls. 115 a 118 do PA).
G) Num dos Anexos ao Relatório de Inspecção Tributária, consta o “Auto de Declarações lavrado no seguimento das declarações prestadas por T…, em 25-01-2001, perante o Inspector Tributário, e o qual declarou, entre o mais, que 1 - A construção da referida habitação foi executada por administração própria. 2 – A licença do alvará de construção foi levantada em nome do empreiteiro A…. 3 – Ao referido empreiteiro, (…) entregou a execução das fundações e do esqueleto em cimento, bem como o revestimento do mesmo, ou seja toda a parte que diz respeito a trolha. 4- Quanto aos serviços prestados pelo empreiteiro, não lhe foi entregue qualquer factura, tendo contudo feito um pagamento de 7 000 000$00 (sete milhões de escudos) em dinheiro, tendo ficado as contas totalmente saldadas. (…) 6 – A construção foi iniciada e terminada no ano de 1998 (fls. 125 e respectivo verso do PA).
H) Após ter sido notificado do Relatório de Inspecção Tributária e respectivas Notas de Fixação (fls. 95 a 128 do PA), o impugnante deduziu pedido de revisão da matéria colectável em 30-04-2001 (fls. 22 a 28 do PA), tendo tal pedido, em 07-08-2001, merecido a seguinte decisão, que se reproduz, na parte que importa: Na reunião para o procedimento de revisão da matéria tributável de IRS e IVA realizada em 19.07.2001, respeitante aos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, não foi encontrado acordo entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da Administração Tributária, pelo que (…) cumpre-me decidir, nos termos do n.º 6 do art.º 92.º da Lei Geral Tributária. Assim, tendo em conta o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária de 14.03.2001, a reclamação do contribuinte e as posições de ambos os peritos exarados em pareceres elaborados em 19.07.2001, a nossa decisão é efectuada com base nos seguintes fundamentos: - Concordância com as conclusões evidenciadas no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, quanto à tributação por recurso a métodos indirectos, visto ter ficado demonstrada a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável. – Concordância com o rendimento total de IRS e IVA fixados e confirmados no parecer do perito da Administração Tributária, que aqui dou por reproduzido, dado que, quanto a nós, tanto na reclamação como no parecer do perito indicado pelo contribuinte não são apresentados elementos que questionem as quantificações propostas. Nestas circunstâncias, atendendo aos factos descritos, decido indeferir na totalidade a reclamação apresentada e em consequência manter o (…) IVA para os mesmos exercícios [1996, 1997, 1998 e 1999] na importância de 1.511.668$00 (…), 2.835.868$00 (…), 2.498.500$00 (…) e 3.295.275$00 (…) (fls. 40 do PA).
I) Do parecer do perito da Administração Tributária mencionado na alínea H), e o qual aqui se dá por, integralmente, reproduzido, consta, entre o mais, o seguinte: Do relatório do exame à escrita (… ) 3 – Declarou nos anos de 1996/7/8/9, serviços prestados nas quantias de 10 640 247$, 12 110 402$, 11 028 895$ e 12830000$, e custos suportados de 10 312 037$, 11 438 137$, 9 869 949$ e 11 886 772$, respectivamente em cada um daqueles exercícios. 4 – Contrapondo os proveitos aos custos, foram apurados resultados de 328 210$ em 1996, 672 265$ em 1997, 1 158 946$ em 1998 e 943 228$ em 1999. 5 – Tem 7 pessoas ao seu serviço, 4 trolhas e 3 aprendizes, que originaram custos com o pessoal de 5 694 580$ em 1996, 7 497 914$ em 1997, 6 352 087$ em 1998 e 7 954 066$ em 1999. 6 – Sendo os encargos com o pessoal o custo mais relevante da actividade, já que o contribuinte não fornece quaisquer materiais nos serviços que presta, constata-se que a rendibilidade do pessoal, face aos valores declarados de proveitos, é de 1,87 em 1996, 1,62 em 1997, 1,74 em 1998 e 1,61 em 1999. 7 – O valor daqueles coeficientes é muito baixo quando comparado com os da AICCOP, que são de 3,2111 em 1996, 3,2155 em 1997, 3,2155 em 1998 e 3,1931 em 1999, ou com os obtidos no SIT para a unidade orgânica do Porto, que foram de 3,43 em 1996, 3,84 em 1997 e 4,05 em 1998, no que se refere ao valor da mediana. 8 – Em resposta a um ofício enviado à Câmara Municipal de Paredes em que se solicitava a listagem dos alvarás de licença de construção em que o sujeito passivo figurava como empreiteiro, verificou-se que: - uma parte significativa referiu que o contribuinte apenas forneceu o nome para levantamento do alvará de construção (…); - outros, em menor número, referiram que o contribuinte procedeu ao levantamento das construções e respectivo revestimento, rendo pago em consequência 6 000 000$ em 1997, 9 500 000$ em 1998 e 7 500 000$ em 1999. 9 – Os factos expostos foram determinantes para a aplicação de métodos indirectos (…). 10 – Para estimar o valor dos proveitos de cada um dos exercícios foi aplicado o valor da mediana fornecido pelo SIT aos encargos suportados com o pessoal. (…) 13 – Em matéria de IVA, foi calculado imposto em falta de 1 511 668$ em 1996, 2 835 868$ em 1997, 2 498 500$ em 1998 e 3 295 275$ em 1999, o qual foi repartido em partes iguais por cada um dos períodos de tributação. (…) Apreciação Dados os factos constantes do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, designadamente os referidos nos pontos 6, 7 e 8 anteriormente descritos, julga-se estarem reunidos os pressupostos previstos na alínea b) do artº 87 e alínea a) do artº 88º da LGT para que a determinação do resultado seja feita através da aplicação de métodos indirectos. (…) Na reclamação não se questiona a veracidade da omissão do registo de vários serviços prestados. (…) Note-se, no entanto, que a relação da listagem dos alvarás das licenças de construção em que o sujeito passivo constava como empreiteiro vai muito para além dos que admitiram obras por si executadas. Não é de todo líquido que não tenha havido outros serviços, para além daqueles em que foi admitida a sua existência. Concorda-se com a afirmação de que os rácios extraídos da relação do SIT para este sector de actividade económica, peca pelo facto de englobar um universo de contribuintes com actividades exercidas muito diferenciadas (…). Serão mais convenientes os que são fornecidos pela AICCOP? Vejamos. Como o próprio contribuinte refere, os coeficientes indicados por aquela associação limitam-se a ser elementos de referência para os seus associados, no sentido de evitarem a ocorrência de prejuízos directos. Significa que em condições normais terão de ser mais elevados para que da actividade exercida possa resultar uma parcela de lucro. (…) E que concluir dos índices fornecidos pelo contribuinte para estimar os resultados que julga mais correctos para espelhar a sua actividade? Limita-se a referir que para o exercício de 1996 o índice deverá ser de 1,87, já que para aquele ano não foi detectada qualquer obra em falta, e que para os anos de 1997/8/9 o valor dos índices deverá ser de 2,42, 3,23 e 2,56. Note-se que o valor destes índices decorre tão só do quociente dos serviços prestados declarados, corrigidos com os detectados em falta, pelos custos com pessoal declarados. Forçoso é concluir que ainda são mais arbitrários, porque menos justificados, do que os fornecidos pelo SIT e pela AICCOP. Curiosamente, os índices atrás indicados foram considerados para determinar o valor do IVA em falta, mas para efeitos de apuramento do lucro tributável estimado de 1997/8/9, o sujeito passivo socorreu-se do índice calculado em 1996 para presumir custos com pessoal naqueles exercícios. Daí que os lucros tributáveis propostos sejam inferiores ao valor das correcções detectadas pelos Serviços de Inspecção Tributária. De todo o exposto, e sem ignorar que alguma arbitrariedade num ou noutro sentido sempre existirá quando se tenha de recorrer à utilização de índices estatísticos, entende-se que os calculados pelo SIT, fornecidos pela mediana do sector, serão ainda assim, e de todos, os que melhor se adequarão para a estimativa dos valores julgados em falta. Não existindo indicador para 1999, parece-nos ajustado que tenha sido utilizado o do ano mais próximo. Confirmam-se por isso os montantes dos lucros tributáveis apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária de (…). Confirmam-se também as correcções de IVA (…) (fls. 34 a 38 do PA).
J) Pelo Ofício n.º 15578, datado de 07-08-2001, o impugnante foi notificado da decisão reproduzida em H) e da cópia da acta da reunião n.º 107 de 19 de Julho de 2001 (fls. 29 e seguintes do PA).
K) Em 20-12-2001, o impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos exercícios de 1996 a 1999 (liquidações n.ºs 01156597, 01156602, 01156607 e 01156612), bem como contra as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, cujo termo do prazo para pagamento voluntário ocorreu em 31-10-2001 (fls. 2 a 20 do PA e fls. 136 do PA).
L) Com a reclamação graciosa mencionada na alínea K), foram juntas as facturas constantes de fls. 42 a 92 do PA, cujo teor aqui se dá por, integralmente, reproduzido, e das quais não consta nem a quantidade de mão-de-obra fornecida pelo impugnante (o número de horas ou dias de trabalho) em relação aos serviços aí discriminados nem o local em que tais serviços foram prestados (cf. fls. 42 a 92 do PA).
M) Os rácios de IVA nacionais e os rácios de IVA da unidade orgânica do Porto, para os anos de 1996 a 1999, extraídos do sistema informático da DGCI, para o código da actividade do impugnante mencionada na alínea A), constam de fls. 168 a 199 dos presentes autos (fls. 168 a 199).
N) Os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto elaboraram a informação constante de fls. 207 a 211 dos presentes autos quanto aos critérios adoptados para quantificação do IVA por aplicação dos métodos indirectos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, assim como os respectivos anexos respeitantes a rácios de IRC e de IRS (fls. 207 a 241).
O) Sobre a reclamação graciosa mencionada na alínea K), foi proferida informação pelos Serviços de Finanças de Paredes cujo teor, aqui, se dá por, integralmente, reproduzido (fls. 133 a 135 do PA).
P) Sobre a reclamação graciosa mencionada na alínea K), foi proferido projecto de despacho cujo teor, aqui, se dá por, integralmente, reproduzido (fls. 136 a 137 do PA).
Q) O reclamante foi notificado para exercer o direito de audição, tendo alegado que mantém tudo quanto expôs na sua petição. O reclamante apresentou elementos susceptíveis de alterar a situação tributária, os quais não foram tidos em conta. Assim, deverá a sua reclamação ser objecto de análise, devendo ser anulado o acto tributário(fls. 138 a 141 do PA).
R) Sobre a reclamação graciosa mencionada na alínea K), foi proferido despacho em 12-11-2002, com o seguinte teor: (…) 2. Tendo sido proferido Projecto de Despacho em 09/10/2002 foi o mesmo notificado ao reclamante, em 15/10/2002, para efeitos de audição prévia prevista no art.º 60.º da LGT. 3. Constatando-se, que no exercício de tal direito, o s.p. não junta aos autos quaisquer elementos nem invoca factos novos susceptíveis de alterar o sentido do Projecto de Despacho, torno-o definitivo e indefiro o pedido, nos termos e com os fundamentos aí expressos. (fls. 142 do PA).
S) Em 13-12-2002, o impugnante pagou o valor das liquidações impugnadas (PA).
T) Em 18-12-2002, foi apresentada a presente impugnação (fls. 2).

II) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provados os seguintes factos:
1. Em 1996, o impugnante prestou serviços de levantamento do esqueleto da obra (estrutura da obra) e acabamento e pinturas, assentamento de azulejos e areados, entre mais, apenas a: - S…; - Alfredo…; - Alberto…; - L…, Lda.; - Centro de Saúde de C…; - António…; - A… & Filhos, Lda.
2. Em 1997, o impugnante prestou serviços de levantamento do esqueleto da obra (estrutura da obra) e acabamento e pinturas, assentamento de azulejos e areados, entre mais, apenas a: - Álvaro…; - A… & Filhos, Lda.; - M…; - Mário…; - J…; - L…; Álvaro…; - José….
3. Em 1998, o impugnante prestou serviços de levantamento do esqueleto da obra (estrutura da obra) e acabamento e pinturas, assentamento de azulejos e areados, entre mais, apenas a: - M…; - J…; - S…; - Maria…; - T…; - José….
4. Em 1999, o impugnante prestou serviços de levantamento do esqueleto da obra (estrutura da obra) e acabamento e pinturas, assentamento de azulejos e areados, entre mais, apenas a: - J..; - Joaquim…; - M…; - Maria…; - António…; - José….
5. O impugnante só prestou serviços no valor de 2.000.000$00 a T…, pelo que o montante de 7.000.000$00 foi quanto o dono da obra gastou na sua totalidade.
3.1.1 - Motivação.
O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos.
A matéria de facto julgada não provada, nos pontos 1., 2., 3. e 4., resulta da falta e insuficiência da prova produzida em conjugação com a matéria de facto julgada provada na alínea L).
O depoimento prestado pela testemunha J…, na qualidade de trabalhador do impugnante, conjugado com a restante prova não se revelou convincente para o tribunal. Com efeito, a testemunha, no seu depoimento, limitou-se a dizer que fazia as obras normais do impugnante e quando aparecia serviço, fazia pequenos biscates. Acresce que se limitou, ao longo de todo o depoimento, a responder, laconicamente, com expressões como “exactamente”, “correcto”, “também”, “sei” à lista de nomes que lhe foi debitada pelo Ilustre mandatário do impugnante referente aos anos de 1996 a 1999, sem mais. Quando questionado quanto ao tipo de serviços prestados, também se limitou a corroborar a pergunta que lhe foi feita, acrescentando apenas que se recordava de ter feito tais serviços, que consistiam em mão-de-obra, pequenas coisas. Questionado pela Ilustre representante da Fazenda Pública, disse que, para além desses serviços, não fez mais nenhum, não tendo conhecimento dos orçamentos, nem nada sabendo quanto a facturas ou de que forma os clientes pagavam ao impugnante.
O depoimento prestado pela testemunha N…, na qualidade de ter sido trabalhador do impugnante desde os dezasseis anos de idade, conjugado com a restante prova não se revelou convincente para o tribunal. Com efeito, a testemunha, no seu depoimento, limitou-se a dizer que fazia as obras do impugnante e depois fazia biscates de vez em quando – biscates, esses, que eram só mão-de-obra. Acresce que se limitou, ao longo de todo o depoimento, a responder, laconicamente, com expressões como “pouca coisa, também”, “também”, “sei”, “sabe”, “sim” à lista de nomes que lhe foi debitada pelo Ilustre mandatário do impugnante referente aos anos de 1996 a 1999, sem mais. Apenas em relação a Alberto…, L…, Lda., M…, L…, Manuel…, Joaquim…, António… e J…, disse não conhecer, não estar a ver quem era ou não se lembrar. Mas questionado pelo Ilustre mandatário do impugnante se não andavam todos a trabalhar nos mesmos biscates, corroborou a questão, dizendo que não andavam todos a trabalhar nos mesmos biscates ao mesmo tempo. De notar que, em relação a A… & Filhos, Lda., no início disse que não reconhecia, mas depois de novamente instado pelo Ilustre mandatário do impugnante já disse que tinha andado lá, que tinha sido pouca coisa também. Mais uma vez, respondeu, laconicamente, com o vocábulo “sim” ao elenco de serviços que o Ilustre mandatário do impugnante ia debitando. Questionado pela Ilustre representante da Fazenda Pública, disse que, ao que sabia, o impugnante não apresentava orçamentos; tendo dito também que quanto às facturas nada sabia e que o impugnante lhe pagava a ele em dinheiro.
O depoimento prestado pela testemunha Joaquim…, na qualidade de trabalhador do impugnante – primeiramente, tendo dito “desde 1997”, depois dizendo que em 1996, talvez já trabalhasse, para finalizar, dizendo que há dez anos já trabalhava para o impugnante -, conjugado com a restante prova não se revelou convincente para o tribunal. Com efeito, a testemunha, no seu depoimento, limitou-se a dizer trabalhava nas obras que eram do próprio impugnante e que, às vezes, ia trabalhar para fora e depois regressava, mas não estava permanentemente fora. Acresce que se limitou, ao longo de todo o depoimento, a responder, laconicamente, com expressões como “foi sim”, “também”, “foi”, “sim”, à lista de nomes que lhe foi debitada pelo Ilustre mandatário do impugnante referente aos anos de 1996 a 1999, sem mais. Apenas em relação a António…, M…, Manuel…, Joaquim… e J…, disse não estar a ver ou a recordar. Mas questionado pelo Ilustre mandatário do impugnante se não andavam todos a trabalhar nos mesmos biscates, corroborou a questão, dizendo que não andavam todos juntos. Questionado pela Ilustre representante da Fazenda Pública, disse que nada sabia quanto aos orçamentos e às facturas, dizendo apenas que recebia em dinheiro do impugnante.
A matéria de facto julgada não provada no ponto 5., resulta da incoerência do depoimento prestado pela testemunha T… face às declarações que havia prestado em Janeiro de 2001 perante o inspector tributário e que constam do Auto de Declarações mencionado na alínea G). Com efeito, o depoimento da testemunha T…, na qualidade de ter sido cliente de um dos biscates do impugnante, conjugado com a restante prova não se revelou minimamente convincente para o tribunal, já que afirmou, peremptoriamente, que apenas pagou ao impugnante 2.000.000$00, mas não se recordava se o serviço prestado havia ocorrido no ano de 1997 ou de 1998, isto apesar de se tratar da sua própria habitação. Disse também não se lembrar se o impugnante lhe havia feito um orçamento escrito e afirmou que as três testemunhas que prestaram depoimento antes de si tinham trabalhado os três na sua obra, mas não tinha muita certeza.
Nestes casos, apesar dos factos alegados pelo impugnante poderem ser comprovados por prova testemunhal (art. 393.º do CC), os depoimentos devem revelar-se coerentes, assertivos e credíveis ao ponto corroborarem os factos que podiam e deviam ser comprovados documentalmente. O nível de exigibilidade da verosimilhança dos depoimentos das testemunhas nestes casos tem de ser mais exigente, porque têm de substituir a força probatória dum documento.
Ora, não podemos esquecer-nos que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º do CC).
Pelo que, no caso em apreço, a coerência e assertividade dos depoimentos não foi suficiente para o tribunal poder julgar provada a matéria de facto alegada pelo impugnante.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por revelar-se inútil para a decisão da causa ou por integrar conceitos de direito ou alegações conclusivas quer de facto quer de direito.


4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Recurso do impugnante

Como é entendimento unânime da jurisprudência, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 660.º, n.º2, 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, todos do aplicável CPC/61.

Assim delimitado o objecto do recurso, a questão que importa resolver nesta apelação consiste em saber se o Recorrente impugnou eficazmente a decisão de facto.

Com efeito, pretende o Recorrente que este tribunal de apelação altere a decisão de facto, dando por provados os factos que a sentença julgou «não provados».

Estabelece o art.º712.º, n.º1 alínea a), 2.ª parte do CPC/61 que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.

Por seu turno, estabelece aquele art.º685.º-B do CPC/61, no segmento relevante:
«1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição».

Tendo presente o ónus legalmente imposto ao Recorrente quando impugne a decisão relativa à matéria de facto, vejamos se ele foi cumprido no caso vertente.

Há que reconhecer que o impugnante cumpriu satisfatoriamente o requisito previsto na alínea a), do n.º 1 do citado art.º685.º-B, do CPC/61, posto que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e que corresponde à pretendida alteração em bloco da matéria julgada «não provada» para provada.

Já quanto ao requisito previsto na alínea b) do n.º1 do preceito em referência, não pode ter-se por adequadamente cumprido pois o Recorrente se limita a referenciar em bloco os depoimentos gravados que considera relevantes, sem menção expressa e precisa das passagens da gravação que, na sua perspectiva, impunham decisão de facto diversa da recorrida.

Tanto quanto se alcança das conclusões do recurso, o impugnante nada alegou para sustentar o desacerto da valoração probatória efectuada pelo tribunal recorrido no pressuposto entendimento de que tendo-se socorrido neste processo dos depoimentos gravados no processo de impugnação judicial 5/2003, em que estava em causa Imposto de Rendimento liquidado com base nos factos descritos no mesmo relatório de inspecção tributária (neste, está em causa o IVA), deveriam ser julgados provados os mesmos factos que ali o foram.

Compulsados os autos, constata-se que o impugnante, ora Recorrente, requereu o aproveitamento para este da prova gravada no processo 5/03.31, dispensando-se a inquirição das testemunhas arroladas, o que o Mmo. Juiz a quo deferiu, após audição da parte contrária, tendo-se extraído e junto certidão da competente acta de inquirição, conforme tudo melhor consta de fls. 54, 61 e 62 a 66.

Nestas situações de prova emprestada, muito recorrente nos tribunais tributários de 1.ª instância e justificada em razões de celeridade e economia processual, evitando-se a repetição desnecessária de actos processuais, a prova testemunhal ou pericial produzida num processo ingressa num segundo processo, mas o juiz deste não está adstrito a conferir-lhe idêntico valor probatório nem a valorar tais meios de prova no mesmo sentido em que o foi nos autos em que foi produzida.

Com efeito, dispõe o n.º1 do art.º522.º do CPC/61 que «os depoimentos e arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção de prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e arbitramentos produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova».

Ou seja, posto que oferecidas em ambos os processos idênticas garantias de defesa, o tribunal pode socorrer-se dos depoimentos prestados e das perícias realizadas noutro processo, mas isso não compromete o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º396.º do Código Civil e 655.º do CPC/61, ex vi do art.º2.º alínea e) do CPPT.

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do acórdão do STJ, de 12/10/2004, proferido no proc.º05B691, «1. O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1, do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.
2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.

3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado».

Assim, pelas indicadas razões e em conformidade com o preceituado no art.º685.-B.º do CPC, rejeita-se o recurso no segmento correspondente à impugnação da matéria de facto, não tendo, por outro lado, o tribunal a quo incorrido no apontado erro de julgamento ao não transpor para este os factos provados no processo de impugnação 5/2003.TFPRT.31, mas apenas os meios de prova nele produzidos, que valorou livremente.

Improcedendo a impugnação da matéria de facto, já se vê, fica sem suporte material o alegado erro na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos.

Na verdade, como ressalta dos autos e do probatório, o impugnante foi sujeito a uma acção inspectiva, abrangendo os anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, de que resultaram, entre outras, correcções à matéria tributável do IRS e do IVA com recurso a métodos indirectos (cf. fls.105 do apenso administrativo).

Para o que agora importa e, em suma, concluiu a Administração tributária que o impugnante, aqui Recorrente, omitia proveitos à contabilidade.

O Recorrente, por seu lado, em sede impugnatória vem invocar erro de quantificação posto que as omissões de proveitos não são as presumidas pela Administração tributária mas apenas e só as correspondentes a concretas prestações de serviço efectuadas a determinados clientes, cujo proveito admite não ter contabilizado, não tendo efectuado serviços de construção civil a mais ninguém.

Como estabelece o n.º3 do art.º74.º da Lei Geral Tributária, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação».

Ora, no caso dos autos, o Recorrente assenta fundamentalmente o apontado erro ou excesso de quantificação na alegada circunstância de apenas ter efectuado nos exercícios em causa de 1996, 1997, 1998 e 1999, as prestações de serviços de construção civil que identifica e cujo proveito admite não ter contabilizado.

Todavia, o tribunal a quo deu por «não provado» que o impugnante, nos períodos em causa, apenas tivesse efectuado os trabalhos de construção civil que alega ou pelo valor que alega (cf. pontos 1 a 5 da matéria não provada).

Nessa medida e posto que a matéria de facto não foi eficazmente impugnada, isto é, com observância do ónus imposto pelo art.º685.º-B do CPC/61, fica sem suporte fáctico o alegado erro ou excesso de quantificação, sendo que a ausência dessa prova tem de ser valorada contra o impugnante que é, como vimos, a parte onerada com a prova.

A sentença não incorreu também neste ponto em erro de julgamento, sendo de confirmar inteiramente, assim se negando provimento ao recurso do impugnante.

Recurso da Fazenda Pública

É simples o recurso da Fazenda Pública. Mostra-se inconformada com a sentença unicamente na parte em que decidiu da sua responsabilidade quanto a custas na proporção do decaimento, fixado em ¼ do seu valor.

A seu ver, o tribunal a quo deveria ter julgado a impugnação judicial totalmente improcedente uma vez que manteve na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado, apesar de ter anulado a decisão de reclamação graciosa por falta de fundamentação, posto que, alega nuclearmente, “tendo a impugnação por objecto mediato o acto tributário de liquidação, mesmo que o tribunal anule o acto de indeferimento da reclamação graciosa por procedência do vício de falta de fundamentação, como na situação sub judice, tal decisão não projecta qualquer efeito sobre o acto tributário de liquidação, pois, a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa visa única e exclusivamente o acto tributário de liquidação e não o despacho de indeferimento”.

Salvo o devido respeito, falece razão à Recorrente, salientando-se que a Recorrente não contesta o valor do processo, apenas a sua quota-parte de responsabilidade pelas custas que foi fixada pelo tribunal. Ora vejamos.

Na petição inicial, o ora Recorrido impugnou “a liquidação do IVA e respectivos juros compensatórios, relativamente aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999 e subsequente decisão dos autos de reclamação graciosa…” e concluiu pedindo: “ser anulado totalmente o acto tributário” e “ser declarada nula a decisão proferida no processo de reclamação graciosa…”.

Tratam-se de dois pedidos distintos dirigidos a actos diferentes do processo e cuja causa de pedir não é a mesma, sendo que relativamente à decisão de reclamação graciosa é apontado vício próprio de forma por falta de fundamentação.

Nestas situações de cumulação simples (em que o impugnante requer a procedência de todos os pedidos e a produção de todos os efeitos), impõe-se ao tribunal conhecer de todos eles, salvo quando ocorra manifesta inutilidade, o que não é o caso, porque em virtude do julgamento de invalidade da decisão de reclamação graciosa por vício de forma a AT tanto pode renovar o acto (expurgado do vício que o inquina) com idêntico sentido como alterar o sentido do acto, com reflexos no acto de liquidação.

Por outro lado, a sentença conheceu efectivamente dos dois pedidos, tendo (i) anulado a decisão de reclamação graciosa por falta de fundamentação e (ii) mantido na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado, como se alcança da sua parte dispositiva, pelo que bem andou ao julgar a impugnação parcialmente procedente, não se descortinando como pudesse ter julgado a impugnação totalmente improcedente como sustenta a Recorrente, quando ela decaiu quanto a um dos pedidos.

O recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento a ambos os recursos.
Custas a cargo de cada parte recorrente (os recorridos não contra-alegaram).
Porto, 16 de Março de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro