Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02550/11.4BEPR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/31/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária.
II – Atenta a urgência implícita no art.º 170.º do CPPT, cumpre apelar ao regime do artigo 103.º, n.º 1 CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT, de que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente».
III – O próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão de dispensa de prestação de garantia, indicando todas as razões e juntando todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, para aqueles que negam aplicabilidade do art. 103º do CPA.
IV. Sobre o requerente da isenção da prestação de garantia incumbe o ónus da prova dos pressupostos contidos no art. 52º nº4 da LGT (prejuízo irreparável ou insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da quantia exequenda) e, em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
C… - Sociedade Unipessoal Lda., pessoa coletiva n.º 5…, com sede na Rua…, no Porto, reclamou nos termos dos art.s 276º e seguintes do CPPT do despacho do Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto, datado de 01/06/2011, que lhe indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3182201101017160.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferida sentença, em 08/02/2012, que julgou improcedente reclamação, decisão com que a reclamante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. A Recorrente não foi notificada, no âmbito da decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia, para exercer o direito de audição prévia;
B. A audição prévia não se realizou e, desta forma, a Recorrente não teve possibilidades de exercer o contraditório;
C. A execução fiscal é um processo de natureza judicial, mas, contudo, existem atos e subprocedimentos, que decorrem dentro desse processo, que são materialmente administrativos;
D. O pedido de dispensa de prestação de garantia é um ato materialmente administrativo e, por isso, sujeito ao direito de audição prévia estabelecido no artigo 60.° da LGT;
E. O procedimento relativo à decisão sobre, o pedido de dispensa da prestação de garantia, ainda que dentro do processo de execução fiscal é um subprocedimento de natureza administrativa e, portanto, sujeito à aplicação do artigo 60.° da LGT;
F. Este subprocedimento não é um mero trâmite do processo de execução fiscal, pois, a decisão do pedido de isenção de prestação de garantia qualifica-se como verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projeta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta;
G. Como ato administrativo em matéria tributária, o indeferimento do pedido pressupõe o prévio exercício do direito de audição, no termos do artigo 60.º n.° 1, alínea b) da LGT;
H. A falta de notificação da Recorrente para o exercício do direito de audição constitui a preterição duma formalidade essencial, que não pode degradar-se em formalidade não essencial;
I. A falta do exercício do direito de audição determina a anulação, por vício de forma, da decisão final;
J. Nos termos do artigo 89.° n.° 1 do CPA, a Administração Tributária deveria ter solicitado o aperfeiçoamento do requerimento ou a junção de documentos, caso entendesse que o mesmo se encontrava deficientemente instruído - o que não fez!
K. A Recorrente provou, não possuir nem nunca ter possuído, bens penhoráveis que pudessem satisfazer a quantia exequenda e o acrescido;
L. Esta, em sede administrativa e de reclamação, fez a prova necessária da inexistência de dissipação de bens, com eventuais intuitos de diminuir as garantias dos credores;
M. É excessiva a conclusão de que Recorrente não fez prova sobre a inexistência de bens, bem como relativamente à eventual dissipação de bens;
N. A sociedade iniciou a sua atividade durante o ano de 2008, não tendo, desde essa data, adquirido qualquer tipo de bens móveis ou imóveis;
O. Sem bens penhoráveis, desde a sua constituição, é impossível ter existido a referida dissipação de bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores;
P. Nos termos do artigo 52.° n.° 4 da LGT, “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isenta-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”;
Q. Não possuindo bens suscetíveis de penhora, a Recorrente cumpriu inexoravelmente a primeira parte do artigo 52.° n.° 4 da LGT;
R. Da referida disposição legal resulta que, o legislador estabeleceu, dois pressupostos, complexos e em alternativa, como condições necessárias à isenção da prestação de garantia, o prejuízo irreparável dela decorrente e a manifesta falta de meios económicos para a prestar;
S. O legislador deixou claro que a isenção pode ser concedida nos casos de prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos;
T. A isenção não depende, tout court, da constatação da evidenciação de que o executado não tem bens, ou que os tem em inferior medida ao necessário, para a prestação da garantia;
U. O legislador impôs que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção;
V. O segmento final do n.° 4 do artigo 52.° da LGT, relativo à responsabilidade do executado na insuficiência ou inexistência de bens, não constitui, na esteira da teoria das normas de Rosenberg, uma qualquer “contranorma “;
W. O segmento da norma faz parte da norma, enquanto hipótese estatuída que é pressuposto daquele referido direito;
X. A parte final do artigo 52.° n.° 4 da LGT consubstancia, ainda, um elemento constitutivo do direito que o executado pretende fazer valer para a isenção da prestação de garantia;
Y. A regra geral é a de que é ao executado que incumbe fazer a prova da factualidade pertinente, nos termos do que dispõe o artigo 342.° n.° 1 do Código Civil;
Z. Apesar do segmento final do artigo 52.° n.° 4 da LGT, se apresentar, como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer valer, ainda assim, neste domínio, se deve operar uma verdadeira inversão daquele ónus probatório, para que impenda sobre a Administração Tributária, a prova do facto positivo que é a que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável, por os ter dissipado em prejuízo dos credores;
AA. Tal sucede, porque, a prova não pode constituir, para o autor uma carga probatória tão intolerável;
BB. Não descortina qual ou quais os factos positivos que o executado esteja obrigado a demonstrar que induzam a que a insuficiência ou a inexistência de bens não corresponda a uma conduta voluntária e intencional, com o intuito de diminuir a garantia dos credores;
CC. Não é admissível que a norma legal se configure como uma verdadeira “prova diabólica” ou impossível na prática;
DD. Não é admissível um regime probatório que onere unilateralmente a parte que invoca em seu favor a cláusula geral;
EE. A sufragar-se o entendimento sustentado na decisão recorrida, neste domínio, estar-se-á, na prática, a inviabilizar ou a tornar excessivamente difícil a prova em causa por parte do executado;
FF. Em conformidade com o defendido pelo ilustre Prof. Vaz Serra, quando a prova não for possível ou se tornar extremamente difícil àquele que, nos termos do artigo 342.° do CC, couber fazê-la, o ónus probatório tem de deixar de impender sobre ele para passar a recair sobre a outra parte;
GG. O entendimento sufragado na sentença é contrário ao princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade e do equilíbrio;
HH. No nosso sistema jurídico, vigora a presunção de boa fé na atuação dos contribuintes, plasmada no n.° 2 do artigo 59.° da LGT;
II. A presunção de boa fé colide com a aceitação de que o executado se não provar que não agiu de forma dissipadora dos seus bens com o intuito de prejudicar os credores, o tenha, de facto, feito;
JJ. No caso sub judice não podia caber à Recorrente demonstrar a verificação da condição que constitui o segmento final do artigo 52.° n.° 4 da LGT, para que lhe fosse concedida a isenção da prestação de garantia solicitada, em face da “prova diabólica”, que representa tal ónus;
KK. A manifesta falta de meios económicos só pode ser aferida pelos bens penhoráveis, pelo que não pode relevar a situação dos capitais próprios da sociedade e a existência de lucros económicos, pois, tendo sido esse o critério consagrado pelo legislador não é lícito eleger um outro;
LL. Portanto, estando verificado um dos dois requisitos exigidos pelo artigo 52.° n.° 4 da LGT, no caso, o da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, e não tendo a Administração Tributária demonstrado que a insuficiência ou inexistência de bens se deve a uma atuação intencional do executado em se colocar nessa posição, com o objetivo de diminuir ou afastar a garantia dos credores, forçoso se impunha o deferimento do pedido de isenção de garantia em causa.
Pelo exposto,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por douta decisão deste Venerando Tribunal que julgue que o tribunal “a quo” não aplicou corretamente o Direito, relativamente à ausência de audição prévia do Recorrente (executado), e
Que julgue o pedido de isenção de prestação de garantia totalmente procedente por provado, não só quanto à insuficiência e inexistência de bens, bem como, por verificado o requisito da inexistência de dissipação de bens quer por prova da Recorrente, como por falta de prova em sentido contrário.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pela alegação de recurso e respetivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT], que são as seguintes: da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso (oficiosamente suscitada por nós); saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter concluído pela violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT; saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter considerado preenchidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, designadamente a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”, violando, assim, o disposto no artigo 52º, nº 4 da LGT.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) Corre termos no Serviço de Finanças do Porto 2 o processo de execução fiscal n.° 3182201101017160, instaurado contra a ora Reclamante, em 29/03/2011, por dívida de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2008, no valor global de €56 194,52 - cfr. fls. 11 e 12 dos autos.
B) Em 09/05/2011, a ora Reclamante apresentou um requerimento junto do processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente, no qual alegava que iria apresentar, dentro do respetivo prazo legal, reclamação graciosa contra a liquidação de IRC de 2008, pedindo a suspensão do processo executivo, com dispensa da prestação de garantia, por não possuir, nem nunca ter possuído, bens móveis ou imóveis que pudessem ser penhorados para assegurar o crédito tributário, não tendo, por isso, procedido a qualquer dissipação de bens - cfr. fls. 13 a 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 27/05/2011, a ora Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC em cobrança no processo executivo mencionado em A) - cfr. fls. 48 a 67 dos autos.
D) Em 27/05/2011, a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto, na informação n.º 2011-084, propôs o indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia, além do mais, nos termos seguintes:
“(…)
II. Do Direito
1. Nos termos do n.° 4 do artigo 52° da LGT “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.”
2. Desta forma, cumpre ao executado provar a inexistência de bens que garantam a dívida, ou que sejam insuficientes, ou a sua prestação de garantia lhe cause um prejuízo irreparável, bem como a irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens.
3. Contudo e de acordo com o n.° 3 do artigo 199° do CPPT, “Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição”.
4. Também o n.° 3 do artigo 170° do CPPT é perentório quando dispõe que “o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”
5. Pois, nos termos do artigo 342° do C. Civil, conjugado com o artigo 74° da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque,”
6. No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2008/12/17, “A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua responsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respetivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do artigo 344° do C. C.”.
7. Da prestação de garantia idónea, depende a suspensão da execução fiscal, nos termos das leis tributárias, de acordo com o estipulado no n.° 2 do artigo 52° da LGT.
8. Desta forma e em regra, não pode existir suspensão de execução fiscal, sem prestação de garantia a não ser que tenham sido penhorados bens suficientes para garantia do pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos do n.° 1 do artigo 169° do CPPT.
9. A execução suspender-se-á até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, desde que, tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195° do CPPT - com constituição legal de reserva ou penhor - ou prestada nos termos do artigo 199° do CPPT - garantia idónea oferecida pelo executado por qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
10. O efeito suspensivo do processo executivo, tem caráter excecional e portanto, não basta para o legislador, a prestação da garantia, exige-se ainda a verificação de um meio processual despoletado pelo executado.
Nos termos do oficio circulado n° 60077 de 20 10-07-29:
11. Dos requisitos de que depende a isenção de garantia, nos termos do n.° 1, 2 e 4 do artigo 52° da LGT e 169° do CPPT, nomeadamente, “prejuízo irreparável”, “a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis” e a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”, estipula o supracitado oficio circulado que, o último dos requisitos é de verificação obrigatória ou necessária.
12. No que concerne ao requisito de verificação obrigatória, é necessário que a executada prove, não ser responsável pela “eventual situação de insuficiência ou inexistência de bens, que originou a diminuição ou o desaparecimento da garantia patrimonial da dívida.
No caso específico das pessoas coletivas, apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da atuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representa, como seja, por exemplo, o caso de catástrofe natural ou humana imprevisível.
13. Pelo exposto, não se pode considerar conferido este pressuposto de verificação imperativa, para a concessão da dispensa de garantia.
I. Conclusão:
• Da prova referida pelo executado, articulada com o necessário cumprimento dos requisitos, dos quais depende a isenção de prestação da garantia, nos termos do n. ° 1, 2 e 4, do artigo 52° da LGT e 169° do CPPT, aos quais acrescem as diretivas do supra citado oficio circulado, constata-se, pelo não cumprimento da parte do executado, da prova de todos os requisitos exigíveis à dispensa de prestação de garantia.
• Mormente no que concerne à verificação do requisito obrigatório da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência.4nexistência de bens.
• Consultado o sistema informático, verifica-se que na declaração anual apresentada relativamente ao exercício de 2009, foram declarados valores que apontam para a existência de condições que possibilitem a obtenção de uma das garantias referida no n°. 1 do artigo 199° do CPPT.
• Contudo, o contencioso apresentado, não tem efeito suspensivo, salvo se tiver sido concedida ou prestada garantia, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 169° do CPPT.
II. Parecer
Pelo exposto, sou do parecer do indeferimento do pedido de dispensa de garantia, e consequente prosseguimento do Processo de Execução Fiscal” - cfr. fls. 30 a 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) Na informação mencionada na alínea antecedente, foi exarado pelo Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto, em 01/06/2011, o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que, com os fundamentos referidos, indefiro o pedido.” - despacho reclamado - cfr. fls. 30 dos autos.
F) Em 17/06/2011, foi proferido despacho pela Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 2 a fixar a garantia a prestar no processo executivo mencionado em A) no valor de €72 419,00 - cfr. fls. 33 dos autos.
G) Em 27/06/2011, a ora Reclamante foi notificada dos despachos mencionados nas alíneas E) e F) - cfr. fls. 34 a 36 dos autos.
H) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 2, em 08/07/2011, tendo sido remetida por correio com registo postal efetivado em 07/07/2011 - cfr. fls. 37 e 125 dos autos.
I) Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos de fls. 19 a 25, 87 a 89, 97, 98 e 162 a 186 dos autos.
“ (…)
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem , com interesse para a decisão.
Motivação:
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados.”
III.2. DE DIREITO
C…, sociedade Unipessoal, Ld.ª veio nos termos do disposto no art. 276º e seguintes do CPPT pedir anulação do despacho proferido pelo Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3182201101017160. Sustenta, em suma, a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por violação do disposto no art. 60º, n.º 1 da LGT, na medida em que o mesmo não foi precedido de audição prévia e na verificação dos pressupostos legais exigidos para a dispensa de prestação de garantia.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a Reclamação do ato do órgão de execução fiscal apresentada pela ora recorrente, considerando que contrariamente ao sustentado por aquela não há lugar a audição prévia antes do indeferimento a mesma não logrou provar a existência dos pressupostos vertidos no art. 52º n.º 4, da LGT e nos art. 170º, n.º 3 e 199º, n.º 3, do CPPT, designadamente o por si invocado da sua irresponsabilidade na situação de insuficiência/inexistência de bens penhoráveis.
Conforme deixamos indiciado no ponto II deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir, cumpre saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar não ser aplicável à situação de dispensa de prestação de garantia o art. 60º da LGT e ao não ter considerado preenchidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, designadamente a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”, violando, assim, o disposto no artigo 52º, nº 4 da LGT.
2.1. Importa, a título prévio, decidir da questão da competência deste Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso, pois que o seu conhecimento precede o de qualquer outra - artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 101.º e 102.º do Código de Processo Civil (CPC), prejudicando, se procedente, a apreciação e julgamento da questão colocada no recurso.
A questão foi por nós suscitada por via do despacho de fls. 258 dos autos, defendíamos então que a única questão colocada nos autos se prendia com os “imputados erros de julgamento de direito, ao não ter concluído pela violação do direito de audição prévia previsto no art. 60º da LGT e ao não ter considerado preenchidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia”.
A recorrente respondeu pugnando pela improcedência da exceção dizendo que nas alíneas K, L e N das alegações discorda da apreciação da matéria de facto, o que permitiu concluir que esta não terá cumprido o previsto no art. 52º n.º 4 da LGT.
Apesar de duvidosa a interpretação feita pela recorrente, e consideremos que a factualidade tida por provada não é posta em causa diretamente, a sua valoração é, na medida em que condicionou a decisão sob recurso.
E, sendo colocada como foi a valoração dos factos constantes da base probatória, este Tribunal Central Administrativo é competente para dele conhecer, pois das decisões de primeira instância cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo apenas “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º, n.º 1 do CPPT e 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
2.2. Da preterição da audiência prévia
A primeira questão suscitada pela Recorrente e que cumpre decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro julgamento ao concluir pela não violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT antes da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Como resulta dos autos, o órgão de execução fiscal indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela ora Recorrente, sem que lhe tivesse dado previamente conhecimento do projeto de decisão e, consequentemente, sem que lhe tivesse sido concedida a possibilidade de se pronunciar sobre o teor da decisão a proferir.
A executada/recorrente, reclamou judicialmente dessa decisão, invocando, que a mesma padece de vício de forma por violação do art. 60.º da LGT.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto negou procedência a esse fundamento entendendo o seguinte:
“(…)
Ora, a respeito do princípio da participação no âmbito do processo de execução fiscal e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. art.° 8°, n.° 3 do Código Civil), limitar-nos-emos a acompanhar o que, de forma proficiente, foi dito no Acórdão do TCA Sul de 15/06/2010, tirado no processo n.° 4082/10. Escreveu-se, nesse douto aresto, o seguinte:
“ (...) temos de avaliar se é ou não erróneo o entendido na sentença, no sentido de não se verificar qualquer vício de forma, por não ter sido permitido ao reclamante o exercício do direito de audiência prévia, com relação ao decidido no despacho reclamado, “porquanto o disposto no art.° 60.° da LGT não contempla a audição do contribuinte nos atos praticados no processo de execução fiscal”.
Julgamos sustentável esta pronúncia, na medida em que, sobretudo, a execução fiscal consubstancia um processo judicial e não um procedimento tributário, pelo que, sem prejuízo da função administrativa exercida pelo chefe do competente serviço de finanças/órgão da execução fiscal, aquele se tem de ter por sujeito às regras processuais previstas no CPPT e no CPC e não submetido, entre outros, ao princípio da participação, inscrito, v.g., no art. 60.° LGT. Este normativo (bem como os semelhantes inscritos no CPA) pressupõe, sem dúvidas, que, para efeitos de exercício do direito de audição, se esteja em presença de um procedimento tributário ou, por outras palavras, «de um procedimento dirigido à declaração de direitos tributários” e não de um processo judicial executório, regido por regras de processo próprias, privativas, entre as quais, nenhuma postula a necessidade de ser exercitado o específico direito em causa.”
Com efeito, a LGT e o CPPT são peremtórios ao afirmar que o procedimento tributário não compreende a cobrança das obrigações tributárias na parte que tiver natureza judicial, sendo certo que o processo de execução fiscal, que visa a cobrança coerciva, além do mais, de tributos (cfr. art.° 148°, n.° 1, alínea a), do CPPT), tem natureza judicial na sua totalidade, independentemente dos atos nele praticados pelos órgãos da Administração Tributária (cfr. art.° 103°, n.° 3, da LGT).
Assim, estando o princípio da participação (art.° 60° da LGT) inserido no âmbito do procedimento tributário (Título III da LGT) e não existindo norma expressa que estabeleça que a decisão sobre o pedido de dispensa de garantia, para efeitos da suspensão da execução fiscal, é precedida de audição do executado (como existe, v.g., no âmbito da reversão da execução fiscal - cfr. art.° 23°, n.° 4, da LGT), é de concluir que, contrariamente ao sustentado pela Reclamante, não há lugar a audição prévia antes do indeferimento do pedido.
Sendo assim, o despacho reclamado não viola o disposto no art.° 60°, n.° 1, da LGT.”
Esta questão, a da obrigatoriedade de audiência prévia à decisão sobre o pedido de dispensa de garantia foi já tratada por este Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão de 18.04.2012, processo n.º 414/11.0BEVIS. Assim, não se vislumbrando para divergir do aí decidido acolhe-se, com as necessárias adaptações à situação destes autos a fundamentação aí expressa que se transcreve:
«…tem vindo a ser proferidas diversas e profundas decisões sobre a questão em apreço por parte do Supremo Tribunal Administrativo, perfilando-se claramente duas posições ou correntes cujos fundamentos não podemos deixar de considerar e a imporem, por essa razão, que façamos uma nova reflexão de molde a, se necessário, conformarmos a decisão que nestes autos entendamos dever tomar.
Assim, para parte da jurisprudência do STA, a realização da audiência prévia, tal como a mesma se encontra prevista no art. 60º da LGT, não tem aplicação no âmbito de procedimentos iniciados com o pedido de dispensa de prestação de garantia por tal preceito lhes não ser aplicável; para outros, embora tal preceito não deva ser afastado, por ser aplicável aos procedimentos em questão, pode e deve expressamente ser desaplicado sempre que se verifique a necessidade de proferir uma decisão urgente, como é o caso da decisão a proferir sobre um pedido de dispensa de prestação de garantia que tenha por objetivo ou finalidade a suspensão da execução fiscal.
No recentíssimo Acórdão do STA de 7 de março de 2012, relatado pelo Exmo. Conselheiro Lino Ribeiro, vingou a primeira das teses supra resumidamente referenciadas, sumariando-se que «I - O sentido da norma do artigo 103° da LGT é o de que a execução fiscal atua através da forma de processo, entendido como um conceito moldado a partir do modelo que fornece o processo judicial, e não através da forma de procedimento administrativo, entendido como modo de realização do direito administrativo. II - A circunstância dos atos executivos poderem ser praticados por um órgão administrativo não lhe retira a natureza de processo nem o transforma parcialmente em procedimento administrativo. III - Daí que, os atos materialmente administrativos praticados na execução fiscal pelos órgãos da administração tributária sejam os que definem posições subjetivas processuais e que por isso se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental. IV - Pelos efeitos produzidos, o ato de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia é um ato predominantemente processual: faz cessar o efeito suspensivo da execução iniciado com o pedido de isenção, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr. n°2 do art. 169° n° 1 do art. 89° do CPPT). V - Por isso, à formação desse ato processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do artigo 60° da LGT.».
Num outro Acórdão do mesmo Douto Tribunal, também ele recente (de 23-2-2012) e relatado pela Exma. Conselheira Dulce Neto foi outra a tese que obteve vencimento, aí se concluindo pela aplicabilidade do art. 60º da LGT, em abstrato e por principio, sem prejuízo do seu inevitável afastamento se razões de urgência do procedimento se impuserem.
Sem prejuízo de posterior reflexão ou determinação legal determinar que no futuro a posição que ora entendemos rever seja alterada, é a tese daquele Acórdão de 23-2-2012 que entendemos perfilhar e que por ser inteiramente aplicável à situação dos autos, não prescindimos, pela clareza da exposição evidenciada, de transcrever:
«(…)
A questão que se coloca no presente recurso jurisdicional é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito ao ter considerado que o órgão da execução fiscal tinha o dever de observar a formalidade prevista no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (audição prévia) antes da prolação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela executada no âmbito do processo executivo, e ao ter julgado que a falta de observância desse dever determinava a anulação dessa decisão de indeferimento que constitui o objeto da presente reclamação. O que passa, necessariamente, por saber se é ou não aplicável ao processo de execução fiscal o princípio da participação previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, tendo em conta que, como resulta dos autos, é incontornável que o órgão de execução indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela executada sem que lhe tivesse dado a possibilidade de se pronunciar sobre o teor da decisão que veio a proferir.
Vejamos.
Como se sabe, o direito à audiência que o artigo 60.º da Lei Geral Tributária consagra sob a epígrafe de “princípio da participação” constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões proferidas em procedimentos tributários que lhes digam respeito, garantido pelo artigo 267.º nº 5 da Constituição da República, e que visa assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses legítimos, razão pela qual deve ser assegurado o exercício desse direito antes, designadamente, do “indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições”. Trata-se, em suma, do direito que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento tributário, antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a observância de princípios que regem a atividade procedimental no plano da relação jurídica tributária e que impõem a participação e a transparência procedimental, pilares fundamentais de um Estado de direito.
Deste modo, sempre que se esteja na presença de um procedimento tributário há que permitir a participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, de modo a que possam contribuir para um cabal esclarecimento dos factos e para uma mais adequada e justa decisão, sob pena de preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (a menos que seja manifesto que a decisão só podia, em abstrato, ter o conteúdo que teve em concreto, sabido que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato, pois as formalidades procedimentais essenciais degradam-se em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las).
Neste contexto, se o processo de execução fiscal fosse um procedimento tributário não teríamos dúvidas em afirmar a aplicabilidade do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Todavia, o processo de execução fiscal constitui, perante a lei fiscal portuguesa, um processo judicial (entendido como meio ou instrumento de que se vale o Estado para exercer a função judicial, e que compreende uma sucessão ordenada de atos concatenados para a obtenção de um determinado fim processual, que constituem o procedimento processual) e não um procedimento tributário (Na noção legal contida no artigo 54.º da Lei Geral Tributária o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários.) ou um procedimento administrativo (Na noção legal contida no artigo 1.º do Código de Procedimento Administrativo o procedimento administrativo é a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.), constituindo, pois, o meio processual utilizado pelo Estado para arrecadação das receitas previstas no artigo 148.º do CPPT que não tenham sido pagas durante o prazo de pagamento voluntário, originando a execução do património do devedor através da atuação, ainda que “tutelar”, de um tribunal tributário, que é um órgão do poder judicial.
Com efeito, o artigo 103.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estipula expressamente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional e aos quais compete «instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a este respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 150.º do presente Código» [artigo 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT], ficando, assim, reservado aos tribunais tributários a apreciação e decisão sobre «os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal» [artigo 151.º, n.º 1, do CPPT].
O que significa que, apesar de serem possíveis dois sistemas para cobrança coerciva de dívidas tributárias – o sistema judicial e o sistema administrativo (este vertido num mero procedimento administrativo através do qual a Administração executa o património do devedor suportada em poderes executivos próprios e exclusivos, que brotam do seu poder de autotutela executiva, e que foi acolhido, por exemplo, no ordenamento jurídico espanhol – cfr. artigo 129.º da Lei General Tributaria) – foi clara a opção do legislador português pelo sistema judicial, atribuindo expressamente essa natureza ao processo de execução fiscal, o qual vai, assim, decorrer sob a “tutela” de um juiz tributário, a quem compete, ainda que através da via de reclamação no próprio processo pelos interessados, através da via do incidente inominado (Incidentes cuja apreciação cabe ao juiz no âmbito da competência para decidir “incidentes” atribuída pelo art.º 151.º do CPPT e arts. 49.º, n.º 1, al. d), e 49.º-A, n.ºs 1, al. c), 2, al. c), e 3, al. c), do ETAF de 2002), da oposição, dos embargos ou do pedido de anulação da venda, controlar a legalidade dos atos nele praticados, pertencendo-lhe, por essa via, a competência última do processo. O que, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (In “A Execução Fiscal”, 2ª Edição, Almedina, pág. 45.), «parece dar tradução a uma das dimensões do direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo âmbito se inclui o direito ao processo de execução como instrumento para a realização efetiva do direito, mas, também, o direito do executado à proteção perante uma execução injusta».
Opção que se compreende, na medida em que a doutrina sempre questionou a validade do poder de autotutela executiva da Administração Pública em termos de princípio geral, isto é, o poder de ela própria assegurar diretamente a execução coativa das suas decisões, sem necessidade de recurso à via judicial, com o argumento de que ela não seria permitida à luz da nossa Constituição, por ser incompatível com a atribuição exclusiva de poder jurisdicional aos órgão do Poder Judicial, constituindo uma prerrogativa da administração demasiado gravosa para os destinatários, não permitida pela 2ª parte do artigo 266.º, n.º 1, da CRP, e que confere uma posição de supremacia à Administração que põe em causa o princípio da igualdade.
Esta opção não impediu, porém, o legislador de conferir a serviços da administração tributária competência e poderes para “Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código”, reservando para o tribunal a prática dos atos materialmente jurisdicionais (Os quais só podem, à luz da nossa Constituição e dos princípios que a inspiram, ser levados a cabo pelos tribunais.), atribuindo, assim, a um órgão administrativo competência funcional para agir como agente ou operador auxiliar do juiz na realização da função executiva, praticando todos os atos inscritos nesse meio processual, tendo em vista a agilização do processo e a obtenção da maior eficácia na arrecadação de receitas do Estado, libertando o juiz de todos os atos que não envolvam uma função materialmente jurisdicional.
Tal possibilidade de uma ampla intervenção da administração tributária não destrói nem altera a natureza judicial do processo, pois, como se deixou explicado no acórdão n.º 80/2003 do Tribunal Constitucional, proferido em 12 de fevereiro de 2003, a Constituição Portuguesa não obriga a que todos os atos em que se desenrola o processo de execução devam ser obrigatoriamente praticados pelo juiz. «Ao incluir-se este tipo de processo entre os processos de natureza judicial, apenas se pretende afirmar que os conflitos de interesses que dentro dele se suscitem – mesmo que sejam emergentes, não só da atuação das partes ou até de terceiros no processo, como também de qualquer decisão que nele seja tomada pela administração fiscal, relativamente aos atos para cuja prática a lei lhe atribui competência – serão sindicados, no próprio processo, sempre pelo juiz tributário.
Sendo assim, a prática dos atos do processo de execução fiscal, de natureza não jurisdicional, bem pode ser confiada, segundo os próprios termos daquele art. 103.º, n.º 3 da Constituição à administração fiscal. Daí a razão de ser da ressalva feita no referido art.º 103º, n.º 2 da Lei Geral Tributária “[o processo de execução fiscal tem natureza judicial,] sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional”. Daí também, igualmente, a salvaguarda estabelecida na segunda parte da acima transcrita alínea g) do art.º 43º do CPT.».
O Órgão de Execução que dirige e tramita a execução fiscal, tal como o Solicitador de Execução na ação executiva comum, constitui, assim, o agente da execução, um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz no processo executivo, praticando nele todos os atos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. A competência que esse Órgão detém no processo executivo não brota, assim, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal, não se situando, sequer, no plano da relação jurídica tributária, nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz. Razão por que essa intervenção não provoca qualquer metamorfose ou transformação do processo judicial num procedimento tributário, estando todos os atos que nele são inscritos pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no Código de Processo Civil por força do disposto no artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, mesmo quando esses atos vão para além da produção de efeitos internos a nível da ordenação e tramitação intraprocessual e projetam os seus efeitos jurídicos externamente na esfera jurídica do executado ou de terceiros, lesando direitos e interesses legalmente protegidos [como acontece com o ato de apreensão e venda forçada de bens], eles não deixam de constituir atos inscritos no processo ou procedimento processual por um sujeito processual, submetidos, por isso, aos princípios e normas que regem a atividade processual, e não aos princípios gerais que disciplinam a atividade tributária, designadamente ao princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT, ao princípio da decisão e formação de indeferimento tácito (arts. 56.º e 57.º n.º 5 da LGT), ao princípio da confidencialidade, ao princípio do duplo grau de conhecimento ou às regras sobre prazos contido no artigo 55.º da LGT.
Só assim não será nos casos em que no procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário, gerador de um ato materialmente administrativo em matéria tributária. Com efeito, apesar da estrutura do processo executivo se traduzir, fundamentalmente, na prática de atos funcionalmente orientados para atingir o fim específico de cobrança judicial de determinada quantia, essencialmente constituído por atos e operações que não contendem com a composição de interesses [atos de chamamento à execução, atos de desapossamento do devedor de coisas do seu património (penhora), ato de venda forçada seguida de pagamento com o preço da venda, etc.], esse processo apresenta uma particularidade, que se traduz no facto de a administração tributária gozar nele de uma dupla condição: a de credora/exequente e a de órgão auxiliar do juiz que “tutela” o processo.
Como a presente Relatora teve oportunidade de referir na declaração de voto que deixou exarada no acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 30 de novembro de 2011, no Recurso n.º 0983/11, apesar de a administração tributária ser chamada a colaborar com o tribunal na cobrança dos seus próprios créditos, praticando no processo executivo todos os atos administrativos de cariz processual, conduzindo, assim, o rito ou procedimento processual com submissão às regras processuais, a lei permite-lhe ainda, em determinadas situações, agir no processo executivo na qualidade de credora/exequente, como acontece, por exemplo, quando profere decisão a responsabilizar, solidária ou subsidiariamente, outras pessoas pelo pagamento da dívida tributária (praticando um ato administrativo de asserção dos pressupostos legais para essa responsabilização, mudando a titularidade da dívida exequenda através do mecanismo da reversão) ou quando decide os pedidos que os devedores/executados lhe dirigem no sentido de aceitar o pagamento da dívida através de dação em pagamento de bens ou quando autoriza o seu pagamento em prestações.
Nessas situações, abre-se no processo de execução fiscal um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária nessa própria qualidade, enquanto credora/exequente, como resulta à evidência do disposto nos artigos 196.º a 199.º do CPPT (no que toca ao pagamento em prestações) e do disposto nos artigos 201.º e 202.º do mesmo Código (no que toca à dação em pagamento), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária. E tanto assim é que a entidade competente para deferir ou indeferir esses pedidos pode nem pertencer ao órgão da execução fiscal, isto é, ao órgão administrativo que conduz e dirige o processo executivo, mas a outro órgão da administração tributária (cfr. n.º 2 do art.º 197.º e n.ºs 2 e 3 do art.º 201.º do CPPT) (Atos que só estão sujeitos a um controle de legalidade pelo Tribunal dentro da própria execução fiscal por virtude a Lei Geral Tributária ter vindo consagrar, de modo inovador, um direito de reclamar no processo executivo dos atos materialmente administrativos nele praticados (art.º 103.º). Se não fosse esta norma, esses atos teriam de ser impugnados através de ação administrativa especial (art.º 97.º, n.º 2 do CPPT e 191.º do CPTA) e ficariam sujeitos ao prazo geral de revogação que consta do art.º 141.º do CPA, e não ao curtíssimo prazo de revogação previsto no art.º 277.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT.).
Ou seja, nesses casos a Administração Tributária atua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito ativo) e o contribuinte (como sujeito passivo), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária, inseridos, assim, no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, embora “enxertado” neste ou a correr paralelamente a ele.
E a esses procedimentos tributários há que aplicar, naturalmente, os princípios gerais que regulam a atividade administrativa e as normas que a Lei Geral Tributária prevê para os procedimentos tributários, designadamente a norma contida no seu artigo 60.º.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o pedido de dispensa de prestação de garantia dá origem a um procedimento tributário no seio do processo de execução fiscal, cuja decisão fique a cargo da administração tributária enquanto exequente/credora, conducente à prolação de um ato materialmente administrativo em matéria tributária – caso em que seria necessário observar o dever de audiência prévia – ou se, pelo contrário, constitui um mero ato administrativo de caráter disciplinador dos termos do processo executivo, nele inserido pelo colaborador operacional do juiz face ao quadro normativo que regula o legal andamento do processo, sujeito a estritas regras e princípios processuais.
A resposta a esta questão não é fácil e tem merecido, por parte da jurisprudência, decisões antagónicas.
Na nossa perspetiva, o facto de a lei dispor, no artigo 52.º, nº 4, da Lei Geral Tributária, que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de essa prestação lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, logo indicia que a apreciação e decisão desse pedido está a cargo da própria administração tributária, isto é, do sujeito ativo da relação jurídica tributária e não do órgão ou agente da execução que auxilia o juiz, dando origem a um procedimento tributário específico, sujeito às regras que regem esses procedimentos, designadamente ao princípio da audiência prévia plasmado no artigo 60.º da LGT.
E, na verdade, quando o pedido de prestação de garantia ou da sua dispensa se insere no âmbito de uma autorização de pagamento da dívida em prestações, da competência da entidade que autoriza essa forma de extinção da relação jurídica tributária (art.º 199.º, n.º 8, do CPPT), não temos quaisquer dúvidas em afirmar que ele gera um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, apreciado e decidido pela administração tributária, por vontade própria, na qualidade de credora, pois só ela tem competência para autorizar essa modalidade de pagamento da dívida prevista no artigo 42.º da LGT e regulamentada nos artigos 196.º e segs. do CPPT.
Mas também fora desse enquadramento, a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se, salvo o devido respeito por contrária opinião, como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, uma vez que o órgão da execução está ainda a exercer uma atividade materialmente tributária que passa pela expressão de uma vontade própria, enquanto sujeito ativo da obrigação tributária, de dispensar ou não o sujeito passivo de lhe prestar uma garantia que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido face a situações de prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos que o executado tem de alegar e documentar perante si e que a ela caberá avaliar.
Aliás, a utilização da expressão “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia...”, contida no n.º 3 do artigo 52.º da LGT, aponta no sentido de se estar perante um poder discricionário que é atribuído à administração tributária na qualidade de titular do crédito cujo pagamento o executado deve assegurar. Tratar-se-á, pois, de um poder que o sujeito ativo da relação tributária obrigacional ou titular do crédito exercerá em conformidade com o julgamento que realize, no âmbito de competências próprias, sobre a situação económica do executado e o prejuízo que a prestação de garantia lhe poderá causar. E, assim sendo, esse pedido dá origem a um procedimento tributário específico, “enxertado” no processo executivo, estando a respetiva decisão sujeita aos princípios que regem os procedimentos tributários previstos nos artigos 55.º e segs. da Lei Geral Tributária.
Razão por que se impunha, em princípio, observar o princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT.
Todavia, segundo o disposto no artigo 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» (n.º 3) e «será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação» (n.º 4), o que revela o caráter urgente deste procedimento, justificado pela necessidade de proteger o interesse do Estado, enquanto titular de créditos tributários, assegurando a sua efetiva cobrança através de garantias suficientes e idóneas que devem ser prestadas pelo executado durante a fase de discussão da legalidade do ato de liquidação, e a necessidade de evitar que através da dedução de pedidos de dispensa de prestação de garantia se facilite ou provoque a inviabilidade dessa cobrança, pela oportunidade concedida ao executado de dissipação de bens no período de tempo que decorra até à prolação da decisão, ficando definitiva ou gravemente comprometida a satisfação da necessidade pública de assegurar a efetiva cobrança de receitas tributárias.
Ora, embora o artigo 60.º da LGT não preveja expressamente situações de dispensa do dever de audição prévia no procedimento tributário para os procedimentos em que há, de forma objetiva e revelada pela lei, urgência na prolação da decisão, cremos que deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103.º, n.º 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2.º, alínea c) da LGT.
Com efeito, de acordo com a doutrina (Cfr. Pedro Machete, in “A Audiência Dos Interessados No Procedimento Administrativo”, pp. 505 e segs. e Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, II, p. 323.) e a jurisprudência (Cf., entre outros, os acórdãos da Secção de 20.11.2002, no Rec. n° 48417, de 25.09.2003, no Rec. nº 47953, de 29.06.2006, no Rec. n.º 816/05, e os acórdãos do Pleno de 31.03.2004, no Rec. n° 35338 e de 13.10.2004, no Rec. nº 1218/02.) da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, a audiência prévia dos interessados, não tendo, embora, natureza jusfundamental, releva como princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da atividade administrativa e, bem assim, como direito subjetivo procedimental, tendo natureza excecional as normas que preveem, em certas situações, o sacrifício desse direito; e, por essa razão, a urgência referida no artigo 103.° do CPA só se justifica nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da decisão a adotar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitiva ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento.
E se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103.° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário.
Sempre se dirá, porém, para os que não aceitem a aplicabilidade da referida norma do Código de Procedimento Administrativo, que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha aqui a função da audiência prévia, pois que seguindo-se uma imediata decisão fica afastada a possibilidade daquele ser surpreendido com diligências instrutórias que só por si justificassem um ato de sentido contrário àquele que aguardava.
Nesse requerimento o interessado deve fazer a subsunção dos factos que alega ao direito aplicável, fazer a sua interpretação das normas que são chamadas a justificar a decisão e dar logo o seu contributo para que seja proferida uma decisão correta, tanto no que toca aos pressupostos de facto como aos pressupostos de direito do ato a proferir, pelo que não havendo instrução, mas tão-só a apreciação por parte do órgão decisor dos factos invocados face à prova oferecida e sua subsunção ao direito aplicável, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse, não há que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão, não há que renovar ou duplicar essa audição. É o que resulta, aliás, da regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, segundo a qual “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado”, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação.».
Aderindo por ora a tese acabada de expor, e regressando aos presentes autos, temos, por assente que bem andou o Tribunal a quo, embora com fundamentação menos ampla, ao não ter anulado o despacho do Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto por falta de realização de audiência prévia, por, pelos fundamentos expostos e no enquadramento realizado, se não mostrarem violados os artigos 267.º, n.° 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
2.3. Do erro de julgamento em matéria de direito: da alegada verificação dos pressupostos legais determinantes da dispensa de prestação de garantia
A C…– sociedade Unipessoal, Ldª, ora recorrente, formulou um pedido de dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com vista à suspensão do processo de execução fiscal em que é executada.
Tal pedido foi indeferido pelo Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças do Porto e desta decisão interpôs a ora recorrente reclamação nos termos dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu sentença a julgar improcedente a reclamação.
A ora recorrente não se conforma com o decidido por entender que aquele Tribunal errou ao considerar que não estavam preenchidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, designadamente a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”, violando, assim, o disposto no artigo 52º, nº 4 da LGT.
Vejamos então:
A executada/reclamante/recorrente em 09.05.2011 dirigiu ao processo de execução requerimento a solicitar a dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do n.º 4 do art. 52º da LGT e do art. 170º do CPPT, com fundamento “…não possui bens imóveis, bem como veículos automóveis ou motorizados … não possui bens móveis suficientes para a satisfação do montante da quantia exequenda e dos acréscimos legais, tal como quaisquer outros tipos de bens que possam ser penhorados, para assegurar os créditos tributários em discussão. A requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, que desde o seu início de atividade, em 16 de junho de 2008, não adquiriu bens que sejam penhoráveis e suficientes para a satisfação dos créditos tributários…e por conseguinte, não procedeu a qualquer tipo de disseminação de bens, que possa obstar ao deferimento do presente requerimento. ”.
Foi aquele pedido indeferido pelo despacho ora objeto de reclamação, onde se conclui a final que “ (…) é necessário que a executada prove, não ser responsável pela “eventual situação de insuficiência ou inexistência de bens, que originou a diminuição ou o desaparecimento da garantia patrimonial da dívida. No caso específico das pessoas coletivas, apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da atuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representa, como seja, por exemplo, o caso de catástrofe natural ou humana imprevisível. Pelo exposto, não se pode considerar conferido este pressuposto de verificação imperativa, para a concessão da dispensa de garantia. (…) Da prova referida pelo executado, articulada com o necessário cumprimento dos requisitos, dos quais depende a isenção de prestação da garantia, nos termos do n. ° 1, 2 e 4, do artigo 52° da LGT e 169° do CPPT, aos quais acrescem as diretivas do supra citado oficio circulado, constata-se, pelo não cumprimento da parte do executado, da prova de todos os requisitos exigíveis à dispensa de prestação de garantia. Mormente no que concerne à verificação do requisito obrigatório da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens. Consultado o sistema informático, verifica-se que na declaração anual apresentada relativamente ao exercício de 2009, foram declarados valores que apontam para a existência de condições que possibilitem a obtenção de uma das garantias referida no n°. 1 do artigo 199° do CPPT.”
Sintetizando, tendo em conta que é ao executado que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos dos seus direitos, conforme art°74 n°1 da LGT, e art°342 do Código Civil, pela recorrida foi considerado que por aquele nada foi provado.
Estipula a norma do art.º 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
Nos termos do disposto no art.º 52.º n.º4 da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 1999, por força do seu art.º 6.º, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Da letra do preceito resulta, pois, que a lei estabelece dois pressupostos, em alternativa, a isenção pode ser concedida nos casos de prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos.
Mas a isenção não depende, apenas, da constatação daquele prejuízo irreparável, em resultado da prestação de garantia ou da evidenciação de o executado não possuir bens, ou os possuir em medida inferior à necessária para prestar a garantia: também aqui a redação do preceito não deixa margem para dúvidas – impõe-se como condição para o pleno funcionamento daqueles requisitos que, relativamente a qualquer deles, a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
E, como se refere no Ac. do Tribunal Centra Sul de 15.05.2007, rec. nº 01780/07, «não tem (...) qualquer cabimento reportar tal exigência da lei à insuficiência dos bens, de um lado, e à inexistência do outro, desde logo porque o legislador, para o efeito que aqui nos importa, fez equivaler, para estes efeitos, a insuficiência e a inexistência, enquanto índices reveladores da incapacidade quantitativa de assegurarem o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Dito de outra forma, a inexistência de bens e, por inerência, por mais abrangente, a sua insuficiência, equivalem-se, para efeitos da lei, enquanto elementos de ponderação pelo decisor, no sentido de deferir, ou não, a pretensão de isenção de garantia, como bem se compreende, aliás, já que não faria qualquer sentido que o executado pudesse, voluntária e intencionalmente, colocar-se em tal situação, em prejuízo dos seus credores (Na linha do que se sustentam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in LGT comentada e anotada, quando sustentam que a responsabilidade do executado em questão “(...) se deve entender em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens”, e, ainda assim e posteriormente, vir pedir a dispensa de garantia).»

Consequentemente, o executado numa dada execução fiscal contra si instaurada ou revertida, e que se encontre em alguma das situações subsumíveis à citada norma do art.º 52.º n.º4 da LGT (no caso de a garantia lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de bens penhoráveis para o pagamento da dívida e do acrescido), e que pretenda obter dispensa de prestação de garantia, pode requerer tal ao órgão da execução fiscal, invocando os correspondentes factos e o direito aplicável ao caso, mas desde que em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade. Matéria esta que, desde logo, cabe ao requerente alegar, nos termos citados, como parte do direito que pretende ver reconhecido e como factos que lhe são pessoais e que ninguém melhor do que a requerente se encontrará em condições de os conhecer e, depois, os vir provar.
Remetendo-se nesta matéria para o regime geral da prova, em que se dispõe que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado – art.º 342.º n.º1 do Código Civil, consagrado no domínio tributário no art. 74º n.º 1 da LGT em que se dispõe que, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, ou seja, aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram.
Ora, como acentuam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pag., 153) "a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, se deve entender em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens, então só pode concluir-se que ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores".
Atenhamo-nos, ao caso dos autos, aqui remetendo para o que foi expandido na sentença sob recurso nesta matéria: «Resulta dos autos que a Reclamante instruiu o pedido de dispensa da prestação de garantia com informações prestadas, em 06/05/2011, pela Conservatória do Registo de Veículos do Porto e pela 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, no sentido de que em nome da sociedade ora Reclamante não constavam registados veículos ou imóveis (informações essas que, contudo, advertem para a reduzida fiabilidade das mesmas por se tratarem de ficheiros de uso interno das Conservatórias). A Reclamante juntou ainda ao pedido um mapa de reintegrações e amortizações de imobilizado incorpóreo, referente ao exercício de 2009, do qual constam despesas de instalação, cuja aquisição teve lugar em 2008.
Ora, em face da informação prestada pelo Serviço de Finanças do Porto 2, em 16/05/2011, constante de fls. 26/27 dos autos, parece incontestável que a Reclamante não dispunha de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, uma vez que foi informado que as bases de dados consultadas indicavam que a Reclamante não possuía bens passíveis de constituírem garantia.
Contudo, tal não basta para suspender a execução fiscal com dispensa da prestação de garantia, porquanto também se exige a alegação e prova de que a insuficiência/inexistência de bens penhoráveis não se deveu a uma atuação da executada nesse sentido (in casu, do seu representante legal), ou seja, de molde a dissipar o património societário com vista a defraudar os credores.
Ora, a este respeito, limitou-se a Reclamante a referir que «A requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, que desde o seu início de atividade, em 16 de junho de 2008, não adquiriu bens que sejam penhoráveis e suficientes para a satisfação dos créditos tributários (...) por conseguinte (...) Não procedeu a qualquer tipo de disseminação de bens, que possa obstar ao deferimento do presente requerimento”.
Ora, atenta a prova produzida, o argumento usado - nunca possuiu bens, por isso não os pode ter dissipado - não pode colher. É que a Reclamante apenas provou que, na data a que se reportam as informações das Conservatórias e o mapa de reintegrações, a sociedade não dispunha de veículos, bens imóveis ou outros bens móveis não sujeitos a registo, não resultando provado, designadamente que a Reclamante não fosse ou tivesse sido titular de créditos decorrentes do exercício da sua atividade ou que não fosse ou tivesse sido titular de contas bancárias, aplicações financeiras, etc..
E só fazendo esta prova, ou seja, provando que a sociedade nunca foi titular de qualquer património ou direito de crédito, seria possível aceitar, sem mais, que a executada não tinha contribuído para a situação de insuficiência/inexistência de bens penhoráveis.
Para além disso, não fez a executada qualquer alusão à forma como a sua atividade comercial se desenrolava, aos lucros (ou prejuízos) que a mesma gerava e à aplicação que deles era feita, o que se revelava essencial para aferir da sua (ir)responsabilidade na ausência de património,
Com efeito, independentemente da dificuldade existente, tratando-se de factos com relevo para a satisfação da sua pretensão, cabia à Reclamante provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, o que não logrou fazer, limitando-se a alegar a ausência de culpa, sem aduzir factos concretos essenciais que o Tribunal pudesse confirmar objetivamente e que pudessem validar essa conclusão.
Por outro lado, ainda que a executada nunca tivesse tido qualquer património passível de penhora, tal não permite concluir, sem mais, que não foram adotadas condutas, intencionais, que a tal levaram. Por isso não basta alegar, sem mais, que se nunca possuiu bens, nunca os pode ter dissipado.»
Como acima ficou referido, cabe a executada alegar e provar os factos dos quais se possa concluir que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade. Atenta a factualidade provada não se vislumbra que a sentença recorrida mereça qualquer censura no juízo feito. Propôs-se a recorrente demonstrar tal pressuposto, mas a sua invocação/articulação no seu requerimento onde formula tal pedido, da situação subsumível à parte final da norma do art.º 52.º n.º4 da LGT - desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado – limita-se á articulação e prova (nos termos supra explícitos) de que aquando da constituição da sociedade em 2008, não adquiriu qualquer tipo de bens móveis ou imóveis (entreveja-se sujeitos a registo) e dai retirar a ilação de que não existindo não podiam ter sido dissipados. Tal alegação nos termos feitos, erroneamente referindo-se a situação da sociedade devedora em termos patrimoniais aquando do início da sua atividade, equivale a nada provado no que se refere à insuficiência ou inexistência de bens da sua responsabilidade, como lhe cabia alegar e provar, nos termos das citadas normas, e o mesmo se diga em sede de Reclamação, em que mantém a mesma alegação atinente a este pressuposto (cfr. art.ºs 28º a 30º da petição de reclamação de fls. 43 dos autos) e , para além disso, a prova complementar junta – Balancete geral financeiro do exercício de 2009, o balancete analítico do exercício de 2010 e as declaração de informação empresarial simplificada relativa ao exercício de 2009, não permitem de per si aferir da realidade da empresa, atento o balanço de 2010 (fls. 87 dos autos) em que se verifica que o total de capital próprio aí inscrito se cifra em € 148.277,49.
Posto isto, é impossível concluir que a situação de inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis não tenha sido da sua própria responsabilidade, com a consequente dissipação dos seus bens ( aqui leia-se capital próprios e outros meios de aferir da capacidade económica financeira de uma empresa que não seja bens, propriamente ditos, móveis e/ou imóveis, sujeitos a penhora) de molde a colocar-se nessa situação, desta forma não podendo deixar de se manter o despacho reclamado, que é assertivo, desde logo, na falta do preenchimento deste pressuposto.
E como este pressuposto é, nos termos da parte final da norma do n.º4 do art.º 52.º da LGT, comum, quer quando a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável, quer quando ocorra manifesta falta de meios económicos para a prestar, como é expressiva a inserção “desde que em qualquer dos casos”, que são os dois casos antes enunciados em que tal dispensa/isenção pode ter lugar, o não preenchimento deste último, como no caso, conduz, inevitavelmente, a que tal dispensa/isenção da garantia não possa ser concedida, desta forma ficando prejudicada neste recurso a apreciação e conhecimento em concreto, de qualquer um daqueles dois outros pressupostos, dos quais, com efeito, se não conhecem, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º2, ex vi do art.º 713.º, n.º2, ambos do CPC.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso (conclusões K. a LL.) e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente.
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 31 de maio de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Pedro Marques
Ass. Nuno Bastos