Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00083/14.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/07/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rosário Pais
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; ASSINATURA ELETRÓNICA; INQUISITÓRIO; CORREÇÕES TÉCNICAS; DEVER DE APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRETOS;
Sumário:I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é suscetível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do ato tributário impugnado.

II) Não ocorre nulidade por falta de assinatura da sentença, prevista no artigo 125° nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se a decisão recorrida foi assinada digitalmente, exibindo a data e a hora em que tal sucedeu.

III) Não enfermam de nulidade os atos tributários que reúnem os elementos essenciais, designadamente se evidenciam os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária, o tributo em causa, o ano a que respeita, bem como as operações de apuramento da matéria tributável (contidas no relatório da inspeção que as antecedeu e fundamenta) e de liquidação stricto senso.

IV) Se a análise conjugada de todos os elementos, suportados nos documentos anexos ao relatório de fiscalização, indicia fortemente que a Impugnante não contabilizou (nem declarou) as vendas referidas pela AT e cujo pagamento era efetuado através dos TPA´s, tem de considerar-se cumprido o ónus da prova a cargo da AT que, assim, demonstrou os pressupostos que lhe permitiram proceder às correções efetuadas, ilidindo a presunção de veracidade de que beneficiava a contabilidade do contribuinte, passando a recair sobre este o ónus de provar que correspondem à realidade os proveitos declarados.

V) Sempre que esteja em causa apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efetivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correções técnicas/aritméticas.

VI) Quando a AT parte da análise da contabilidade do próprio contribuinte, tal significa que as correções feitas não podem deixar de se considerar de natureza técnica técnicas e não por via da aplicação de métodos indiretos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, diretamente, proceder às correções que levou a efeito, sendo que tais correções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a correções face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade da Recorrente, o que significa que a AT não estava sequer autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções, uma vez que dispunha de elementos documentais para poder efetuar tais correções.

VII) No que diz respeito às retenções na fonte, se de um lado se diz que não houve retenção e do outro se procede como tendo havido, a questão terá que ser resolvida através da prova e das regras que a enformam, sendo que os documentos identificados pelo MMº juiz como relevantes para a prova da retenção não têm idoneidade probatória para tanto e também não há nos autos qualquer outra prova que nos permita afirmar que as rendas foram pagas e as retenções efetuadas, pelo que deve o ato tributário ser anulado.

VIII) Como resulta do probatório (e esse julgamento de facto não vem impugnado no recurso), a ora Recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia antes da liquidação e, posteriormente, a liquidação emitida foi-lhe notificada por meio de carta registada. Ou seja, não foi preterida qualquer formalidade legal na notificação da liquidação impugnada.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. J., Ld.ª, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 11.09.2018, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e de retenções na fonte do ano de 2010, no valor total de 23.451,52€.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1) É princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno previsto nos artigos 13º do C.P.P.T. e 99º da L.G.T., nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
2) O Meritíssimo Juiz "a quo", não apreciou todas as questões postas em crise pelos impugnantes, ora recorrentes, bem como sobre as questões referidas no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13 de Julho de 2017 que anulou a Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
3) Acresce que, a Douta Sentença recorrida não contém a data e assinatura do Juiz, o que constitui nulidade da Sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
4) O Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 120º, 125º do C.P.P.T. e 660º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea d) do C.P.C.).
5) Para o efeito, o Tribunal "a quo" atendeu somente aos factos alegados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente aos contantes do Relatório elaborado pela Inspecção Tributária que promoveu a ação inspetiva, transcrevendo partes, na Douta Sentença, do Relatório da Inspeção Tributária (Páginas 3 a 9 da Sentença recorrida).
6) Acresce que, a Douta Sentença recorrida não contém a data e assinatura do Juiz que proferiu a Sentença, o que constitui nulidade da Sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
7) É notório que as correções propostas que estiveram na origem da liquidação aqui impugnada carecem de fundamentação, nos termos do artigo 77º, nº 1 e 2, da Lei Geral Tributária.
8) A fundamentação do acto tributário de liquidação tem de externar-se mediante um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente, para permitir ao contribuinte entre conformar-se ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente.
9) Mais, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões porque foi tomada a decisão, no caso, porque foram efectuadas as correcções (Nesse sentido, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, V Edição, nota 6, artigo 77º, página 384).
10) Com efeito, na falta de relevação das operações na contabilidade do sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações tributáveis a partir dos recebimentos via TPA e, por isso mesmo, se e porque seriam ou não operações sujeitas a imposto em termos de IRC.
11) Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez tal demonstração, preferindo antes, muito comodamente, presumir a existência das referidas operações na sua totalidade a partir dos dados fornecidos pelos TPAs.
12) Mas se assim procedeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, então haveria necessariamente de ter presumido a existência de tais operações, procedendo à respectiva determinação por métodos indirectos, nos termos do nº 2 do artigo 83º da Lei Geral Tributária, o que não fez, procedendo ao apuramento do imposto por métodos directos — correcções meramente aritméticas.
13) Ao proceder à determinação do imposto devido por métodos directos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade legal essencial do processo de liquidação, o qual deverá conduzir à sua anulação.
14) Como resulta do Relatório da Inspecção Tributária, a liquidação impugnada foi efetuada mediante correcções meramente aritméticas, mas apenas e só, a partir dos dados recolhidos nos extratos bancários dos terminais de Pagamento Automático — TPA.
15) Verifica-se, assim, que os factos tributários que estiveram na origem da liquidação adicional, provêm de meros extratos bancários - TPA e que a Autoridade Tributária e Aduaneira os considerou na totalidade como proveitos/vendas.
16) Ora, a verdade é que, tais extratos bancários nunca poderão fundamentar directamente qualquer liquidação pelo que quaisquer liquidações que tenham apenas e só como fonte directa os extratos bancários dos TPA, são ilegais.
17) Com efeito, na falta de relevação das operações tributáveis na escrita do sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações, já que lhe cabia o respectivo ónus probatório, ou não se estivesse em sede de correcções meramente aritméticas.
18) O que não fez, procedendo antes, ao apuramento do imposto por métodos directos — correcções meramente aritméticas, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indiretos, nos termos do artigo 83º nº 2 da Lei Geral Tributária (Neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 18 de Junho de 2015, Processo Nº 05157/11, Recurso Jurisdicional-Tributário, 2º Juízo — 2ª Secção (Contencioso Tributário), Nº de Origem 401/08.6BECTB — Castelo Branco — TAF).
19) A liquidação impugnada refere-se a sujeitos passivos cuja identidade é desconhecida, ou seja, faltam-lhe elementos essenciais, não se sabendo que operações são e, por isso mesmo, se e porque são operações sujeitas a imposto e até se foram sujeitos passivos ou não que intervieram nas operações pretensamente tributáveis.
20) A Inspecção Tributária limitou-se a verificar os extractos das contas bancárias do ano de 2010, e depois considerou como proveitos/ vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos terminais de pagamento automático - TPAs.
21) Contudo, tal procedimento, nunca poderia fundar por avaliação direta e sem necessidade de mais investigação, a liquidação de imposto de IRC.
22) Tanto mais que, por parte da sujeito passivo foi dada toda a colaboração e autorização ao acesso à informação e documentos bancários, cumprindo na integra o artigo 59º da Lei Geral Tributária.
23) Portanto, a Inspecção Tributária ao considerar como proveitos/vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos terminais de pagamento automático - TPAs, considerou também como vendas empréstimos, que nenhuma correspondência têm com os proveitos do exercício de 2010.
24) Pelo que, qualquer liquidação que tenha por fonte directa apenas e só os movimentos dos depósitos efectuados nas instituições bancárias - TPA, no ano de 2010, é ilegal, e isto porque nem todo o dinheiro obtido através dos terminais de pagamento automático - TPAs tiveram origem nos clientes da Firma.
25) Ou seja, não há um nexo de causalidade entre os alegados factos tributáveis e os extratos bancários, no ano de 2010.
26) Na falta destes elementos essenciais — indeterminação dos factos tributários, do tempo dos factos tributários e dos sujeitos passivos, os actos de liquidação impugnados devem haver-se como nulos, em termos de correcções meramente aritméticas.
27) Quanto à liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever da descoberta da verdade material, ou seja, não provou no Relatório da Inspeção Tributária que serviu de base à liquidação impugnada, se o contribuinte tinha pago ou não as rendas e, em consequência, efectuado as retenções na fonte, nos termos do nº 3 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 42/91, de 22 de Janeiro, como impunha e impõe o artigo 58º da L.G.T.
28) Contudo, e incompreensivelmente, preferiu a Autoridade Tributária e Aduaneira tributar a aqui impugnante, sem cumprir o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material consignado no artigo 58º da Lei Geral Tributária, ou seja, de averiguar e apurar junto do contribuinte se efetivamente teriam ou não sido pagas as rendas, não relevando a fundamentação à posteriori.
29) E isto porque, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de Impugnação judicial, o Tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo aceitar-se que o tribunal aprecie se o acto impugnado poderia basear-se noutros fundamentos invocados já a posteriori na fase administrativa da Impugnação ou na resposta a essa impugnação (Nesse sentido, Acórdão publicado em Antologia de Acórdãos, volume VII, pág. 270 a 271, Recurso nº 6646/02, em que foi Relatora a Dra. Dulce Neto).
30) A Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto ao facto de se teriam sido ou não pagas as rendas e em que circunstâncias, e na falta dessa prova a questão relativa à legalidade do seu agir tem de ser resolvida contra ela, uma vez que tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia.
31) Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar se no caso sub judice haveria lugar às retenções na fonte com referência ao exercício de 2010.
32) Por último, a impugnante, ora recorrente, não foi notificada do Documento de Fixação/Alteração em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, como preceitua o artigo 16º, nº 3 do Código do IRC, o que constitui, também, preterição de formalidade essencial e vício de violação de lei.
33) É que, nos termos do nº 3 do artigo 103º da C.R.P., ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não faça nos termos da lei.
34) E, na Douta Sentença, ao dar-se como correto a determinação do IRC por métodos diretos, numa situação em que só era permitido à Autoridade Tributária e Aduaneira apurar o imposto através de métodos indiretos, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação dos normativos legais insertos nos artigos 87º, nº 1, alínea c) e 89º da Lei Geral Tributária.
35) Foram violados os normativos legais dos artigos 8º, 55º, 58º, 77º, nºs 1, 2 e 7 e 83º, nº 2, 87º, nº1, alínea c) da L.G.T., artigo 41º, nº 1 e 45º do C.P.P.T. artigos 16º, nº 3 do Código do IRC, e ainda o nº 3 do artigo 103º, 104º, nº 2 e 266º, nº 2, 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V. Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais as liquidações adicionais de IRC e Retenções na Fonte, objecto dos autos, por falta de fundamentação e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 372 a 373 do suporte físico dos autos, com o seguinte teor:

“Vem o recurso intentado por J., Ldª dirigido à sentença proferida pelo Mmo Juiz do TAF de Mirandela que julgou improcedente a impugnação por si intentada contra as liquidações de IRC do ano de 2010.
Trata-se de sentença proferida na sequência de ac. do TCAN que anulou a anterior por ter considerado que o Mmo Juiz se não pronunciou quanto às seguintes questões alegadas:
- "não há relevação das alegadas operações tributáveis, quais as datas das operações e quais os sujeitos passivos que intervieram nas operações em causa";
- excesso na quantificação da matéria tributável (artº 32º da p.i.);
- falta de fundamentação das correções e
- falta de notificação do documento de fixação/ alteração em sede de IRC, conforme preceitua o artº 16º, nº 3 do CIRC.
Mais se determinou que os autos baixassem à 1ª instância para produção de prova no sentido de se apurar, com segurança, se as retenções foram ou não efetuadas.
Depois de obtida informação junto do P…., SA para comprovação da efetivação das retenções, e realçando ainda que a prova testemunhal produzida na impugnação nº 106/14.9BEMDL foi aproveitada nestes autos, o Mmo Juiz julgou a impugnação improcedente quer quanto aos alegados empréstimos do sócio gerente, quer quanto às retenções quer também quanto à caducidade quer ainda quanto à falta de fundamentação.
Apreciou, assim, todas as questões que o ac. deste TCA tinha considerado omitidas na anterior sentença, bem como concretizou diligências tendentes à comprovação das retenções, pelo que se me afigura desprovida de razão a recorrente quando agora persiste alegando que não foram apreciadas todas as questões suscitadas.
Carece também de fundamento a invocada nulidade da sentença por falta de data e assinatura do Juiz, já que estas ressaltam inequivocamente da sua primeira página (assinatura digital e respetiva data).
Quanto ao mais, também se me não afigura que lhe assista razão, pois não vejo cabalmente contrariada a argumentação da sentença.
A matéria de facto fixada na sentença (provada e não provada) não vem impugnada nem merece reparo, revelando-se corretas as normas citadas, assim se justificando a desconsideração dos alegados empréstimosdo sócio gerente e o recurso a avaliação direta.
E no que se refere às retenções, caducidade e falta de fundamentação não se vê que a recorrente ataque minimamente a decisão, limitando-se a reiterar o invocado na p.i., sem qualquer alusão, e em total alheamento, ao argumentado na sentença.
Por conseguinte, e em conclusão, deverá o recurso improceder.

1.5. O Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se sobre as nulidades assacadas à sentença, considerando que as mesmas não se verificam.

Colhidos os vistos legais junto dos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Em face do teor das conclusões, que delimitam o objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir se:
- ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre todas as questões suscitadas na p.i. e aludidas no acórdão de 13.07.2017, por violação do dever de inquisitório e por não terem sido apostas na sentença a data e a assinatura do juiz que a proferiu (conclusões 2 a 5);
- ocorre erro de julgamento por se ter considerado que: (i) a AT demonstrou os pressupostos para proceder às correções que subjazem à liquidação impugnada, (ii) foi legal a atuação da AT ao proceder à determinação da matéria tributável por correções aritméticas, (iii) a Impugnante foi validamente notificada da liquidação impugnada, (iv) não existe erro ou excesso da quantificação da matéria tributável, bem como (v) a pertinência da liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«MOTIVAÇÃO
Factos provados:
1. A Impugnante exerce desde 3/4/2007 a actividade “Comércio a retalho de calçado em estabelecimentos especializados”, com o CAE 47721, com enquadramento trimestral para efeitos de IVA e no regime geral para efeitos de IRC – fls. 1 (que não é a 1º folha do PA) e 14/v do PA;
2. De 29/4/2013 a 12/7/2013 a contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária, com a incidência temporal nos anos de 2009, 2010 e 2011 – fls. 14/v do PA;
3. Dá-se aqui por reproduzido o projecto de relatório da inspecção (que posteriormente se tornou definitivo, ver infra), e respectivos anexos, com os pareceres do Chefe de Equipa e do Chefe de Divisão, e que em 4/9/2013 o mereceu o despacho “sanciono”, com o seguinte destaque: ”

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. A Impugnante procedeu à retenção na fonte de IRC sobre os rendimentos prediais pagos à sociedade F., SA, o montante de 358,95 €/mês, referente aos meses de Janeiro a Junho, e de 394,84 €/mês, relativamente aos meses de Julho a Dezembro, todos do ano de 2010 – cfr. fls. 231/v a 237, e docs. de fls. 408 a 420;
5. A Impugnante não declarou nem pagou à AT o imposto retido a que o facto anterior alude – Cfr. PA e PI, onde a Impugnante apenas defende que não pagou à “F.” quaisquer rendas, o que é desmentido pelas notas de débito enviadas por esta sociedade à Impugnante, referidas nas fls. supra identificadas; e pelos docs. de fls. 408 a 420.
6. A Impugnante não contabilizou no ano de 2010 três facturas no montante total de 8.425,00 € - cfr. fls. 18/v e anexo VII do PA;
7. Em 23/7/2013 a Impugnante foi notificada do projecto de relatório através do ofício n.º 1729, de 17/7/2013 e para exercer o direito de audição prévia – fls. 244 e 245;
8. Em 31/7/2013 exerceu o direito de audição prévia por requerimento de fls. 246/v, que aqui se reproduz;
9. Após, a AT manteve a sua posição inicial, tornando definitivas as correcções apuradas no projecto de relatório – fls. 69 e 82;
10. Em data não alegada, por ofício sem referência ou data, a Impugnação toma conhecimento do relatório de inspecção – fls. 21 (doc. n.º 6 da PI);
11. Após, a Impugnante é notificada das liquidações adicionais de IRC, agora impugnadas – fls. 6 a 9 do PA e art.º 38.º, n.º 3 do CPPT, com a fundamentação infra melhor explicitada;
12. A AT deslocou-se à sede da Impugnante sita em (...), (…), mas, nesse local, não existia qualquer sociedade com esse nome, a Impugnante detinha aí qualquer instalação física nem era conhecida pelos seus moradores – fls. 17 do PA e depoimento de A., inspectora tributária, autora do relatório de inspecção.
13. As operações tributáveis, e respectivas datas dos anos de 2009, 2010 e 2011, são aquelas que constam dos anexos III, IV e V do Relatório de inspecção,
Com interesse para a decisão não se provou que:
a) Muitos dos depósitos bancários que a Impugnante recebeu através de TPA foram feitos através do cartão de crédito do próprio gerente, que, assim, efectuou empréstimos à sociedade.
Os depoimentos das testemunhas que depuseram este facto no sentido defendido pela Impugnante não se apresentaram consistentes, para além de não terem deposto sobre se o patrão emprestava ou não dinheiro à sociedade.
Como dos anexos IV e V do relatório se pode constatar, e não tendo a Impugnante identificado, na sua versão dos factos, quais eram os movimentos que correspondiam a pagamentos e quais os que correspondiam a empréstimos, alguns deles são de valores relativamente elevados. Ou seja, não vemos como é que a testemunha J. (trabalhador da Impugnante em 2010 e 2011), que afirmou ter emprestado dinheiro à sociedade Impugnante através do TPA, a pedido do seu patrão, poderia efectuar esses empréstimos superiores a 2.400,00 €, 1.500,00 €, 1.300,00 € ou 1.200,00, dos dias 2/1/2010 a 8/1/2010, ou em outros dias descriminados nas fls. 102 a 116/v, quando a própria afirmou que apenas tinha um salário de 500,00 € mensais.
Também inconsistente se revelou o depoimento de E., cunhado do gerente da sociedade Impugnante, que declarou que o seu cunhado lhe pedia para fazer depósitos através do TPA, em montantes arredondados, e não em valores precisos - o que está em contradição com a listagem daqueles anexos.
Não se verifica nenhum movimento de valores arredondados, pelo menos, ao euro. Exs: (ano de 2010) 2.493,41 €, 526,94 €, 1.573,56 €, 224,05 €, 1.306,93 €, 171,22 € etc. (ano de 2011) 963,46 €, 530,12 €, 893,05 €, 67,18 €, 673,91 €, 154,73 € etc. Ora, não é usual que alguém empreste dinheiro em valores tão certos e precisos, que inclua os cêntimos, o que também retira credibilidade aos depoimentos daquelas testemunhas e dá consistência à versão da AT, de que aqueles montantes correspondem a pagamentos à Impugnante.».

Pese embora a Recorrente não haja impugnado a sentença recorrida quanto ao julgamento de facto, afigura-se-nos que a transcrita decisão sobre a matéria de facto enferma de incorreções nos seus pontos 4, 5 e 10, das quais este Tribunal deve conhecer oficiosamente, em conformidade com a jurisprudência que dimana do acórdão do STJ de 17.10.2019, rec. 3901/15.8T8AVR.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/887297d2c055e90480258496005a2d8d?OpenDocument, à qual integralmente aderimos e aqui passamos a transcrever na parte relevante:

«(…) o conteúdo da decisão de facto pode apresentar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais ou complementares e concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no artigo 5º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Pode, ainda, o conteúdo da mesma decisão traduzir-se na integração nos factos provados ou não provados de pura e inequívoca matéria de direito.
Para além disso, podem, ainda, “outras decisões revelarem-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladoras de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. “ (sublinhados nossos) [[4]]
Verificado qualquer um dos ditos vícios ou patologias da decisão de facto, os poderes conferidos ao Tribunal da Relação como verdadeiro tribunal de instância – tendo em vista o cumprimento do desiderato de um segundo nível de jurisdição em matéria de facto em idênticas condições e sujeito às mesmas regras de direito probatório que vinculam o tribunal de 1ª instância -, conferem-lhe o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente, pois, da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.».
Assim, vamos proceder à retificação dos assinalados pontos da factualidade provada, nos termos seguintes:
4. A sociedade comercial “P., S.A.”, emitiu em nome da Impugnante as “Notas de Débito” de fls. 231/v a 237 e de fls. 408 a 420, todas do suporte físico dos autos, em cuja “Descrição” consta «Cedência de Expl. Esp. referente ao mês (…) de 2010», nas quais também se discrimina o «Valor da Retenção da fonte» no montante de 358,95 €/mês, quanto aos meses de Janeiro a Junho, e de 394,84 €/mês, relativamente aos meses de Julho a Dezembro;
5. A Impugnante não declarou nem pagou à AT o imposto retido a que o facto anterior alude – facto admitido por acordo.
10. Em data não alegada, por ofício sem referência ou data, a Impugnante toma conhecimento do relatório de inspecção – fls. 21 (doc. n.º 6 da PI).

Estabilizado nestes termos o julgamento de facto, avencemos para a apreciação jurídica do presente recurso.


3.2. DE DIREITO
3.2.1. Nulidades da sentença
3.2.1.1. A Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, por falta de pronúncia sobre todas as questões postas em crise pela Impugnante, bem como sobre todas as questões referidas no acórdão proferido nestes autos em 13.07.2017.
Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608.º n.º 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).
Pese embora a Recorrente não tenha concretizado quais as questões que, a seu ver, não foram apreciadas pelo Tribunal a quo, do teor da p.i., é possível perceber que ali se suscitou: (i) a insuficiência dos recebimentos por TPA para justificar as correções efetuadas à matéria coletável declarada (artigos 13.º a 15º da p.i.), (ii) o ónus da prova a cargo da AT de demonstrar que os recebimentos em TPA correspondiam a efetivas operações (artigos 16.º e 17.º da p.i.), (iii) o dever de a AT apurar a matéria coletável através de métodos indiretos (artigos 18.º a 21.º da p.i.), (iv) a falta de elementos essenciais das liquidações (artigos 22.º, 29.º e 30.º da p.i.), (v) omissão do dever de inquisitório por parte da AT, pois não averiguou se alguns recebimentos em TPA correspondiam a empréstimos à sociedade (artigos 23.º a 26.º da p.i.), (vi) o que a terá feito incorrer em errada e excessiva quantificação da matéria coletável (artigos 27.º, 28.º, 31.º a 34.º da p.i.), (vii) vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, no que respeita às retenções na fonte, porquanto as rendas não foram pagas nem colocadas à disposição da respetiva credora (artigos 36.º a 42.º da p.i.), (viii) preterição de formalidade legal por violação do princípio do inquisitório no que respeita ao dito pagamento das rendas (artigos 43.º a 45.º da p.i.) e (ix) preterição de formalidades legais essenciais, por ter sido omitida a notificação da determinação da matéria coletável e da subsequente liquidação, cabendo a prova de tais factos à AT (artigos 46.º a 62.º da p.i.).
No acórdão de fls. 384 a 398 destes autos considerou-se que, na primeira sentença proferida, foi omitida pronúncia sobre: a nulidade da liquidação porque “não há relevação das alegadas operações tributáveis, quais as datas das operações e quais os sujeitos passivos que intervieram nas operações em causa”, o excesso na quantificação alegado no artigo 32.º da p.i., a falta de fundamentação das correções e a falta de notificação do documento de fixação/alteração em sede de IRC.
Entretanto, foi proferida nova sentença, que constitui objeto do presente recurso, na qual foi efetuado o seguinte julgamento de direito:
«Defende a Impugnante que a liquidação em causa é ilegal porque a AT não demonstrou que os depósitos efectuados nas suas contas bancárias através dos terminais de pagamento automático (TPA), correspondam a proveitos ou a pagamentos de calçado.
Alega que esses depósitos bancários foram feitos através do cartão de crédito do próprio gerente, que efectuou empréstimos à sociedade.
Por sua vez a AT defende que as correcções aritméticas são evidentes e justificadas porque, analisando as declarações modelo 40, a que se refere o n.º 3 do art.º 63.º-A da LGT, apresentadas pelas instituições bancárias, assim como os movimentos bancários realizados nos anos de 2009 a 2011 – com autorização da Impugnante-, verificou divergências entre fluxos de pagamento com cartões de débito e de crédito e os valores da venda registadas pela Impugnante na contabilidade e declarações rendimentos.
A pergunta que se impõe é a de saber a quem cabe o ónus de provar que efectivamente os depósitos através do TPA correspondem a pagamento de bens que a Impugnante vendeu.
O art.º 75.° da LGT, com a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”, prevê que “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” (n.º1).
Ora, se a Impugnante omitiu à contabilidade três facturas no montante total de 8.425,00€, e se o TPA é, como o nome indica, um mecanismo habitualmente usado pelas sociedades comerciais para receber pagamentos dos clientes, relativamente a bens que vendem ou serviços que prestam, então a Impugnante não poderá aproveitar a presunção do citado art.º 75.º da LGT – pelo que lhe caberá provar que os depósitos efectuados através do TPA não correspondem a pagamentos de bens, mas sim a empréstimos do seu sócio, ou, apesar de não ter sido alegado, de terceiros.
O n.º 3 do art.º 63.º-A da LGT, impõe às instituições de crédito e sociedades financeiras o dever de informação relativamente aos pagamentos que por seu intermédio sejam efectuados a determinados sujeitos passivos que auferem rendimentos da categoria B de IRS e IRC
No dizer de Leite de Campos e outros, in LGT, comentada e anotada ao preceito em causa (que, para o que interessa dirimir, se mantém substancialmente idêntico à actual redacção) com a imposição deste dever visa-se controlar a veracidade das declarações desses sujeitos passivos e possibilitar eventuais correcções das mesmas, ou apurar a matéria colectável, nos casos em que não existam declarações.
Sendo feitos através de cartões de crédito ou débito grande parte dos pagamentos a empresas que transaccionam bens directamente com o público, trata-se de uma forma potencialmente eficaz de determinar o volume de negócios dessas empresas.
Não tendo a Impugnante provado o que alega, designadamente no que diz respeito aos empréstimos do seu sócio gerente, improcede a impugnação com fundamento nesta causa de pedir.
A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa aplicando-se, àquela, sempre que possível e a lei não prescrever em contrário, as regras de avaliação directa. – Cfr. Art.º 85.º da LGT
Há, portanto, uma preferência legal absoluta pela utilização de métodos de avaliação directa para a fixação da matéria tributável, que não é mais do que o corolário do princípio da tributação do rendimento real.
Os pressupostos de aplicação de métodos indirectos para determinar a matéria colectável, que tem como consequência a liquidação do imposto a pagar, é, de acordo com o disposto nos art.ºs 87.º e 88.º da LGT, e para o que o caso releva, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto – 87.º, al. b).
Ora, neste caso, foi possível determinar directa e exactamente a matéria tributável pelos depósitos efectuados nas suas contas através dos TPA e através da consulta dos movimentos bancários realizados nos anos de 2009 a 2011, com autorização da Impugnante.
Portanto, não há nada a apontar ao método utilizado pela AT. Antes pelo contrário. Louva-se o esforço de apurar o rendimento real e efectivo da Impugnante e que constitui a matéria colectável, realizando, assim, o imperativo constitucional prescrito no art. 104º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. (Neste sentido Cfr. também, Alberto Xavier, in «Conceito e Natureza do Acto Tributário», Almedina, 1972, pág. 160/161.
O sujeito passivo é, para o que interessa realçar, a pessoa colectiva que, nos termos da lei, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável – cfr. art.º 18.º, n.º 3 da LGT
Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O n.º 2 acrescenta que essa substituição é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
Constituem retenção na fonte as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário. Cfr. Art.º 34.º da LGT
O regime jurídico de substituição tributária concretiza-se, então, numa relação de tipo triangular entre o substituto, a AT e o contribuinte ou substituído.
Esta substituição tributária dá lugar a uma responsabilidade tributária quando, e para o que é de relevante para estes autos, o imposto for retido e não entregue nos cofres do Estado, caso em que o substituto é o único responsável, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento. Cfr. Art.º 28.º, n.º 1 da LGT
Neste caso a impugnante/substituta tributária pagou rendas à sociedade F. –S.A/ (substituída tributária). Esta sociedade procedeu à dedução das retenções na fonte em sede de IRC. Contudo, a Impugnante não fez a declaração nem o pagamento respectivo, contrariamente ao disposto no art.º. 94.º do CIRC e 119.º do CIRS, por remissão do art.º 128.º do CIRC.
Improcede, assim, a impugnação com fundamento na causa de pedir ínsita nos art.ºs 35.º a 45.º da PI.
Contrariamente ao que a Impugnante alega quando invoca o art.º 45.º da LGT ( art.º 46.º a 63.º da PI), a liquidação de IRC não caducou porque as notificações das liquidações em causa ocorreram conforme a lei determina: Foram efectuadas apenas por carta registada porque, apesar de ter por objecto decisões susceptíveis de alterar a situação tributária da Impugnante, esta já tinha sido anteriormente notificada para efeitos do exercício do direito de audição – art.º 38.º, n.ºsº 1 e 3 do CPPT.
Improcede também a pretensão da Impugnante fundamentada nesta causa de pedir.
Verifica-se que a Impugnante, na sua versão dos factos, não identifica quais eram os movimentos do TPA que correspondiam a pagamentos e quais os que correspondiam a empréstimos. Ora, se não os identifica, temos de considerar que os movimentos do TPA se reportam a pagamentos dos clientes relativos a vendas da Impugnante, o que é normal ocorrer em qualquer negócio, e que a AT identifica exaustivamente nos anexos III, IV e V do Relatório.
Inexiste qualquer diferença entre os resultados contabilizados pela AT. Existe, isso sim, uma diferença entre os resultados apurados pela AT, que correspondem a recebimentos TPA, relativamente aos apurados pela própria impugnante no anexo VI do Relatório.
O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é princípio constitucional consagrado no art.º 268.º da CRP.
Pretende-se, com este direito, o reforço das garantias da legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração Pública, considerando-se que a falta de fundamentação das suas decisões dificulta, muitas vezes, a sua impugnação e o próprio controlo jurisdicional.
Confrontando os factos provados, designadamente o Relatório de Inspecção e respectivos anexos, verifica-se que a fundamentação foi expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendessem com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação – art.º 77.º da LGT.
A Impugnante foi notificada do documento de fixação/alteração em sede de IRC, consubstanciado no despacho do Sr. Director de Finanças de …., que sancionou o Relatório de Inspecção e pareceres, e que fixou as bases tributáveis de IRC.».
Ora, como se percebe deste excerto da sentença, apenas não foi ali apreciada a questão atinente à nulidade das liquidações, por falta de elementos essenciais, mostrando-se analisadas, ainda que sucintamente, todas as demais. Nesta medida, a sentença recorrida enferma de parcial nulidade, por omissão de pronúncia relativamente a uma questão que lhe incumbia conhecer.
Uma vez que os autos reúnem os elementos necessários para efeito e considerando que a Recorrente tomou posição sobre tal matéria nas suas alegações de recurso (o que permitiu à Recorrida a atinente contra-alegação), não se justifica a remessa dos autos à primeira instância nem o cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 3, do CPC, pelo que oportunamente nos pronunciaremos sobre tal questão, em substituição ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

3.2.1.2. Seguidamente, a Recorrente arguiu a omissão do dever de inquisitório por parte do Tribunal a quo.
Nesta matéria (e noutras, como à frente veremos) acompanhamos o Acórdão deste TCAN de 04/07/2019, proc. 00082/14.8BEMDL, em que a Recorrente é a mesma, as sentenças recorridas são idênticas e, no essencial, as questões em discussão também são as suscitadas neste recurso, diferindo apenas no exercício analisado que, ali, é o do ano de 2009, a cuja fundamentação aderimos, por com ela concordarmos e tendo em vista a aplicação uniforme do direito:
«(…)
A Recorrente refere antes que é princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno previsto nos artigos 13° do C.P.P.T. e 99° da L.G.T., nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
Ora, a violação do princípio do inquisitório também não constitui causa de nulidade da sentença, as quais estão previstas no art. 125º do CPPT, bem como no art. 615º do CPC. De qualquer modo, o princípio do inquisitório ou da investigação é um dos princípios estruturantes do processo tributário, e consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Com efeito, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Assim, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a actividade instrutória necessária de modo a que o tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa actividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
Mas, no caso dos autos, a Recorrente não concretiza quaisquer diligências probatórias que o tribunal a quo podia ter feito e não o fez, nem qual a factualidade alegada que impunha tais diligências, pelo que não vislumbramos que tenha ocorrido violação do princípio do inquisitório.».

3.2.1.3. Por último, a Recorrente «(…) aponta ainda que a Douta Sentença recorrida não contém a data e assinatura do Juiz que proferiu a Sentença, o que constitui nulidade da Sentença, nos termos do n° 1 do artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, olvidando que foi assinada digitalmente tal como se retira da página 1 da sentença, exibindo a data e a hora em que tal sucedeu, pelo que, não pode proceder a nulidade invocada neste âmbito.» - cfr. acórdão em referência.

3.2.2. Da nulidade das liquidações
Isto posto, importa conhecer em substituição da apontada nulidade das liquidações por falta de elementos essenciais.
«Nos termos do disposto no nº 1 do art. 133º do CPA, “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”.
Os vícios do acto constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (cfr. arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA). Optou-se, assim, por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à nulidade do acto administrativo, combinando-se o critério da nulidade por natureza (princípio da cláusula geral), com o da enumeração exemplificativa (nulidade por determinação da lei).
A densificação do conceito da cláusula geral “elementos essenciais“ tem dado origem a várias teses entre as quais se destaca os que defendem que “Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código - cuja falta determina a nulidade do acto administrativo - seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu nº 2” (Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J.PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 642.), devendo apurar-se por paralelismo (entre a qualidade e a quantidade de interesses públicos ou privados envolvidos em cada hipótese) outros casos de nulidade derivada da falta de elementos essenciais.
Qualquer que seja a tese adoptada, a doutrina converge no sentido de que a nulidade só deve ser assacada àqueles vícios especialmente graves e, em princípio, evidentes, em resultado de uma avaliação em concreto em função das características essenciais de cada tipo de acto. Nesta perspectiva, para alguma doutrina o critério adequado seria o da gravidade do vício complementado com uma ideia de evidência.
Nesta perspectiva, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (Cfr. ob cit., p. 177.), “(…) os elementos essenciais no artigo 133º/1 do CPA são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta. Não pode valer, pois, como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo”.
E, mais adiante, o mesmo Autor pondera que “a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade, como acontece no regime-regra da anulabilidade. Assim, por exemplo, será nulo um acto que contenha uma ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que produz efeitos jurídicos, muito menos feitos jurídico estabilizados.”
(…)
Ora, acontece que o erro sobre os pressupostos de facto consubstancia uma ilegalidade que não é considerada grave em termos de poder ter como consequência a nulidade (Neste sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 14/9/2012, proc. nº 686/2012.). Pelo contrário, como bem salienta o Mmº Juiz “a quo” o vício de violação de lei por erro nos pressupostos é gerador de mera anulabilidade - art°133°e 135°, do CPA.
No mesmo sentido, VIEIRA DE ANDRADE (Cfr.
ob. cit., p. 180.) considera que normalmente os vícios relativos aos pressupostos, no caso, ao pressuposto de facto (a situação concreta invocada não existe – “erro de facto”, conduzem à anulabilidade. Para o Autor os vícios relativos aos pressupostos só provocariam a nulidade em casos especialmente graves, como sejam quando “a falta de base legal se equipara à falta de atribuições”, o que não é manifestamente o caso. (…)» - cfr. acórdão do STA de 17.10.2012, rec. 0187/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/385e76588a01c72880257aa00054c768?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1.
No caso em análise, os atos de liquidação em crise evidenciam os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária, o tributo em causa, o ano a que respeita, bem como as operações de apuramento da matéria tributável (contidas no relatório da inspeção que as antecedeu e fundamenta) e de liquidação stricto senso.
Não vemos, pois, que os atos tributários em análise careçam de elementos essenciais que justifique a sanção de nulidade reclamada pela Recorrente, pelo que o recurso improcede nesta parte.

3.2.3. Erros de julgamento
No que respeita aos erros de julgamento apontados à sentença recorrida, acompanhamos aqui o já aludido acórdão deste TCAN de 04/07/2019, proc. 00082/14.8BEMDL, que, com a vénia devida e por comodidade de exposição, aqui transcrevemos:
«Quanto ao núcleo essencial da matéria em discussão no âmbito do presente recurso, a Recorrente aponta que, na falta de relevação das operações na contabilidade do sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações tributáveis a partir dos recebimentos via TPA e, por isso mesmo, se e porque seriam ou não operações sujeitas a imposto em termos de IRC e a AT não fez tal demonstração, preferindo antes, muito comodamente, presumir a existência das referidas operações na sua totalidade a partir dos dados fornecidos pelos TPAs, mas, se assim procedeu a Inspecção Tributária, então haveria necessariamente de ter presumido a existência de tais operações, procedendo à respectiva determinação por métodos indirectos, nos termos do n° 2 do artigo 83° da Lei Geral Tributária, o que não fez, procedendo ao apuramento do imposto por métodos directos - correcções meramente aritméticas.
Além disso, existe um manifesto excesso na proposta da matéria colectável quantificada, e face aos elementos existentes no Relatório da Inspeção Tributária, conforme se verifica na página 20, onde se converte um lucro de 393,40 € [no caso, um prejuízo de 66.877,79 €], num lucro tributável corrigido de 60.954,26 € [no caso, de 79.774,43 €], pois, como se verifica na página 20 do Relatório Final, o que se constata, de facto, é que a conversão do lucro declarado no exercício de 2009 [no caso, 2010] no valor de 393,40 € [no caso, um prejuízo declarado de 66.877,79 €] para o lucro tributável corrigido de 60.954,26 C [no caso, de 79.774,43 €], representa um afastamento da matéria colectável superior a 30% [no caso, mais de 100%], na mais completa violação do artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária e artigo 104°, n° 2 da Constituição e ao proceder à determinação do imposto devido por métodos directos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade legal essencial do processo de liquidação, o qual deverá conduzir à sua anulação.
O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnaste, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório, contido no artigo 58° da Lei Geral Tributária,
Ora, a verdade é que, muitos dos depósitos bancários que a sujeito passivo realizou através dos terminais de pagamento automático — TPAs, foram feitos através do cartão de crédito das próprias testemunhas ouvidas na inquirição, que de uma forma clara explicaram ao Tribunal que cederam o seu próprio cartão de crédito pessoal, para que através deste meio e de uma forma rápida e urgente fosse possível dar liquidez à conta da Firma, que muitas vezes nem saldo disponível tinha para cobrir cheques entregues a fornecedores para pagamento de mercadoria, o que significa que a Inspecção Tributária ao considerar como proveitos/vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos terminais de pagamento automático - TPAs, considerou também como vendas os próprios empréstimos, pelo que, qualquer liquidação que tenha por fonte directa apenas e só os movimentos dos depósitos efectuados nas instituições bancárias - TPA, no ano de 2009 [no caso, 2010], será ilegal, e isto, porque nem todo o dinheiro realizado através dos terminais de pagamento automático — TPAs tiveram origem nos clientes da Firma e não há relevação das alegadas operações tributáveis, quais as datas das operações e quais os sujeitos passivos que intervieram nas operações em causa, ou seja, não há um nexo de causalidade entre os alegados factos tributáveis e os extratos bancários, no ano de 2009 e na falta destes elementos essenciais — indeterminação dos factos tributários, do tempo dos factos tributários e dos sujeitos passivos, os actos de liquidação impugnados devem haver-se como nulos, em termos de correcções meramente aritméticas.

Ora, de acordo com o artigo 75º, nº 1 da LGT, as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.
Existe, portanto, uma presunção legal de que as declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária são verdadeiras, sendo com estas declarações que, em regra, se instaura o procedimento de liquidação (artigo 59º do CPPT).
Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respectivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos.
A administração tributária tem, todavia, o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua actuação correctiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade susceptível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, “actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação”. – cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
Assim, a primeira questão que importa apreciar é a de saber se os indicadores recolhidos pela administração tributária são suficientes para sustentar a conclusão a que chegou, ilidindo a presunção de verdade da declaração de rendimentos da Impugnante/recorrente e efectuar as correcções que subjazem às liquidações impugnadas.
Do relatório de inspecção tributária resulta que os serviços de inspecção tributária concluíram pela omissão de proveitos resultantes de vendas, com base na análise e no confronto de um conjunto de documentos e dos quais resultaram, relativamente ao ano de 2009 [no caso, 2010] vendas a dinheiro/retalho omitidas, no valor de € 60.290,28 [no caso, no valor de 96.783,41€].
A conclusão relativa à omissão de vendas a dinheiro/retalho resultou do confronto entre as vendas registadas na contabilidade, as bases tributáveis constantes das declarações periódicas de IVA e recebimentos através de Terminais de Pagamento Automático (TPA) comunicados pelas instituições de crédito, expurgados do valor correspondente ao IVA.
Ora, a análise conjugada de todos estes elementos, suportados nos documentos anexos ao relatório de fiscalização, indiciam fortemente que a Impugnante não contabilizou (nem declarou) as vendas referidas pela AT e cujo pagamento era efectuado através dos TPA´s.
Deste modo, tendo a administração tributária demonstrado os pressupostos que lhe permitiram proceder às correcções efectuadas, ilidindo a presunção de veracidade de que beneficiava a contabilidade do contribuinte, passou a recair sobre este o ónus de provar que correspondem à realidade os proveitos declarados.
Na verdade, tendo a administração tributária reunido aqueles indicadores, a Recorrente já não pode apelar à presunção de verdade da sua declaração, porque tal presunção já foi ilidida, nem pode remeter para o ónus da administração tributária (porque já foi cumprido), pelo que lhe restava fazer a prova de que os proveitos correspondem aos valores declarados. Ou de, pelo menos, apresentar e provar a ocorrência de outros factos que constituam também indicadores objetivos, que abalem a consistência dos que a administração tributária reuniu e gerem dúvida fundada sobre a existência ou quantificação do facto tributário (cf. art. 100.º, n.º 1 do CPPT).
Porém, como bem se entendeu na sentença recorrida, tal prova não foi feita.
Na verdade, quanto à omissão de vendas, cujo pagamento era efectuado através dos TPA´s, apenas contrapôs que nem todo o dinheiro recebido dessa forma teve origem nos clientes da empresa, uma vez que muitas das entradas em dinheiro correspondem a empréstimos feitos à sociedade com o cartão pessoal do gerente. Porém, como resulta do probatório, tal factualidade foi dada como não provada [cf. alínea a) dos factos não provados], pelos motivos que melhor constam da motivação da decisão de facto supra reproduzida e tal julgamento de facto não foi objecto de impugnação no presente recurso.».
Assim sendo, é patente que, por um lado, a AT cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia ao passo que a ora Recorrente não logrou demonstrar a veracidade dos valores inscritos na sua contabilidade e na declaração de rendimentos que apresentou relativamente ao exercício de 2010; por outro lado, a Recorrente também não demonstrou qualquer facto que evidencie o erro ou excesso que imputa à liquidação de IRC do aludido exercício.
Prosseguindo, «A Recorrente imputa ainda erro de julgamento à sentença recorrida por não ter considerado que a administração tributária deveria ter lançado mão de métodos indirectos e não de correcções aritméticas para determinar a matéria tributável.
Como é sobejamente sabido, com o recurso a métodos indirectos, como metodologia alternativa no apuramento da matéria tributável dos contribuintes, o legislador pretendeu obstar que os contribuintes, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis e que se traduzam na violação do seu dever de cooperação para com a AT, de lhe revelarem, legal e adequadamente, os elementos relevantes ao apuramento dos seus rendimentos tributáveis, se eximam ao pagamento dos impostos devidos.
Mas porque assim é e porque tal metodologia é, por natureza, meramente aproximativa da realidade acontecida, ela é apenas utilizada de forma residual, e quando não seja possível obter os valores reais por outra via ou, como doutrina o Prof. S. Sanches, a metodologia indiciária, porque «marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem de se conservar como a ultima ratio fisci.».

Isto é, sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.
Ou seja, o pressuposto inultrapassável para que a AF, vinculadamente, lance mão de uma ou de outra de tais metodologias, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos, - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que «[…] em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência […]» [ Cfr. o Prof. Castro Mendes, in “O Conceito de Prova em Processo Civil”, 1961, 176.], se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.
Diz a Recorrente que administração tributária não fez a demonstração de que os pagamentos efectuados através de TPA´s correspondem a reais operações tributáveis, limitando-se a presumir a existência de tais operações a partir dos extractos bancários, pelo que então deveria ter lançado mão dos métodos indirectos.

O apuramento do valor tributável por métodos indirectos consiste em inferir a partir de um facto conhecido, e com recurso a regras da experiência, um facto desconhecido (rendimento tributável).
Mas o recurso a métodos indirectos nos termos dos arts. 87.º, nº 1 e 88.º da LGT impunha-se se a administração tivesse constatado que a Recorrente teve proveitos que não contabilizou nem declarou e não fosse possível apurar directamente o respectivo valor, tendo de recorrer a factos - para esse efeito. Ou seja, seria necessário recorrer a factos índice não apenas para aferir da existência dos proveitos não declarados, mas também para determinar o valor aproximado dos mesmos.
Na verdade, mesmo quando é posta em causa a presunção prevista no artigo 75º da LGT, o recurso aos métodos indirectos é ainda a última ratio, só sendo de recorrer a tais métodos quando, de todo, se mostre inviável a determinação da matéria tributável com base me métodos de avaliação directa e, neste caso, tem a administração tributária de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Mas não foi esse o caso dos autos, já que a administração tributária não se viu impossibilitada de aferir os valores exactos dos proveitos omitidos, porque os documentos a que teve acesso permitiram-lhe apurar directamente esse valor.
No caso em apreço, o rendimento tributável não é um facto desconhecido, já que a administração tributária conseguiu determinar o valor dos proveitos omitidos.
E não é pelo facto de administração tributária ter efectuado deduções (lógicas) a partir dos documentos a que teve acesso, para concluir pela existência de rendimentos não declarados, que implica que tivesse de recorrer a métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Não é o recurso a presunções no processo lógico do apuramento da verdade fiscal do contribuinte que define a avaliação indirecta, mas a impossibilidade de aceder ao valor exacto da matéria tributável depois de se confirmar que o declarado não corresponde à verdade. E, no caso dos autos, essa impossibilidade não se verificou.
Na verdade, perante a factualidade apurada nos autos, apenas está em causa a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes de que a AT dispõe, tendo depois utilizado um critério técnico e objectivo para apurar a parte dos gastos fiscalmente não aceite, sendo as correcções efectuadas meramente técnicas / aritméticas.

A Recorrente aponta ainda que quanto à liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever da descoberta da verdade material, ou seja, não provou no Relatório da Inspeção Tributária que serviu de base à liquidação impugnada, se o contribuinte tinha pago ou não as rendas e, em consequência, efectuado as retenções na fonte, nos termos do n° 3 do artigo 8° do Decreto-Lei n° 42/91, de 22 de Janeiro, como impunha e impõe o artigo 58° da L.G.T. e, contudo, e incompreensivelmente, preferiu a Autoridade Tributária e Aduaneira tributar a aqui impugnante, sem cumprir o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material consignado no artigo 58° da Lei Geral Tributária, ou seja, de averiguar e apurar junto do contribuinte se efetivamente teriam ou não sido pagas as rendas, não relevando a fundamentação à posteriori e isto porque, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de Impugnação judicial, o Tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, não podendo aceitar-se que o tribunal aprecie se o acto impugnado poderia basear-se noutros fundamentos invocados já a posteriori na fase administrativa da Impugnação ou na resposta a essa impugnação, sendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto ao facto de se teriam sido ou não pagas as rendas e em que circunstâncias, e na falta dessa prova a questão relativa à legalidade do seu agir tem de ser resolvida contra ela, uma vez que tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia, pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar se no caso sub judice haveria lugar às retenções na fonte com referência ao exercício de 2009.
Nesta matéria, cumpre ter presente, tal como se escreveu no Ac. deste Tribunal de 13-07-2017, Proc. Nº 83/14.6BEMDL, www.dgsi.pt, que “…Esta questão foi apreciada pelo MMº juiz nos seguintes termos: “O sujeito passivo é, para o que interessa realçar, a pessoa colectiva que, nos termos da lei, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável – cfr. art.º 18.º, n.º 3 da LGT.
Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O n.º 2 acrescenta que essa substituição é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
Constituem retenção na fonte as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário. Cfr. Art.º 34.º da LGT
O regime jurídico de substituição tributária concretiza-se, então, numa relação de tipo triangular entre o substituto, a AT e o contribuinte ou substituído.
Esta substituição tributária dá lugar a uma responsabilidade tributária quando, e para o que é de relevante para estes autos, o imposto for retido e não entregue nos cofres do Estado, caso em que o substituto é o único responsável, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento. Cfr. Art.º 28.º, n.º 1 da LGT
Neste caso a impugnante/substituta tributária pagou rendas à sociedade F., S.A/ (substituída tributária). Esta sociedade procedeu à dedução das retenções na fonte em sede de IRC. Contudo, a Impugnante não fez a declaração nem o pagamento respectivo, contrariamente ao disposto no art.º. 94.º do CIRC e 119.º do CIRS, por remissão do art.º 128.º do CIRC.
Improcede, assim, a impugnação com fundamento na causa de pedir ínsita nos art.ºs 35.º a 45.º da PI”.
(…)
O documento de 302
de 367 está junto aos autos a fls. 217 [no caso, a fls. 19] e é constituído pelo ofício n.º 1112 no qual a AT pede, entre o mais, ao PD
“(...)
Documento comprovativos (anuais) emitidos, nos termos do artigo 119º n.º 1, alínea b) do CIRS por remissão do art.º 128º do CIRC, pela J. Lda. Das importâncias de IRC retido na fonte relativamente aos rendimentos relativos à cedência sede exploração do referido espaço dos 2009, 2010 e 2011 (...)”.
Neste ofício foi manuscrita a palavra “não recebemos”.
A fls. 316 de 367 (fls. 224 dos autos) [no caso, fls. 20 dos autos] consta o extrato da conta 62611 da Recorrente com um saldo negativo de € 34.199,76.
Os factos n.º 4 e 5 foram provados com base nos documentos de fls. 231/v a 237. Estes documentos constituem notas de débito emitidas pelo PD à “JS” no valor de € 3.419,98 (cedência de exploração no montante de € 2.392,99 + 456,99 de despesas comuns acrescido de IVA) mas no final de cada um deles está escrito “Deverão V. Exa(s) liquidar-nos nos próximos 10 dias o valor indicado na presente Nota de Débito ao P.., S.A. através do NIB...”.
Ou seja, o conteúdo destas notas de débito permitem concluir que na data em que foram emitidos os pagamentos ainda não tinham sido efetuados (por isso foram emitidas notas de débito).
Todavia, o MMº juiz considerou o seu conteúdo relevante para prova de que os pagamentos tinham sido efetuados e feitas as retenções.
Mas parece claro que tais notas não têm a aptidão probatória que o MMº juiz lhe conferiu. (…).
Mas parece certo que o beneficiário da retenção (PD) procedeu à dedução das retenções na fonte em sede de IRC nas respetivas declarações modelo 22 apresentadas por esta sociedade.
Se de um lado se diz que não houve retenção e do outro se procede como tendo havido, “quid juris”?
A questão terá que ser resolvida através da prova e das regras que a enformam.
Como referimos, os documentos identificados pelo MMº juiz como relevantes para a prova da retenção não têm idoneidade probatória para tanto.».
Ora, após a baixa dos autos à 1.ª instância com vista a apurar se tais rendas foram pagas e a respetiva retenção na fonte efetuada, nada de novo se apurou, limitando-se a sociedade “P., S.A.” a juntar aos autos os documentos de fls. 414 a 420, que são meras cópias das notas de débito que já constavam de fls. 231 verso a 237 do suporte físico dos autos.
Assim sendo, não existe nos autos qualquer evidência que suporte a decisão da AT de liquidar os valores da retenção na fonte relativos às rendas dos meses de janeiro a dezembro de 2010, razão pela qual deve tal ato tributário ser anulado.
«Por último, a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado que nunca foi validamente notificada das liquidações impugnadas como preceitua o art. 45º, nº 1 da LGT.
A este respeito, exarou-se na sentença recorrida o seguinte: “Contrariamente ao que a Impugnante alega quando invoca o art. 45º da LGT (art. 51º a 65º da PI), a liquidação de IRC não caducou porque as notificações das liquidações em causa ocorreram conforme a lei determina. Foram efectuadas apenas por carta registada porque, apesar de ter por objecto decisões susceptíveis de alterar a situação tributária da Impugnante, esta já tinha sido anteriormente notificada para efeitos do exercício do direito de audição – art. 38º, nºs 1 e 3 do CPPT”.
A Impugnante discorda do decidido, mas não ataca os fundamentos da sentença que decidiram o contrário. (…)
Por outro lado, como resulta do probatório (e esse julgamento de facto não vem impugnado no recurso), a ora Recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia antes da liquidação e, posteriormente, a liquidação emitida foi-lhe notificada por meio de carta registada. Ou seja, não foi preterida qualquer formalidade legal na notificação da liquidação impugnada.».


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) declarar nula a sentença na parte em que não apreciou a nulidade das liquidações e, em substituição, julgar não verificado tal vício;
b) manter a sentença recorrida na parte relativa à liquidação de IRC do ano de 2010,
c) revogar a sentença quanto à liquidação de retenções na fonte do ano de 2010, a qual vai anulada, julgando-se a impugnação procedente nesta parte.

Custas por ambas as partes e em ambas as instâncias, fixando-se o decaimento em 22% para a AT e em 78% para a Recorrente, dispensando-se a Recorrida do pagamento da taxa de justiça devida nesta instância, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 7 de maio de 2020

Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio