Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02077/15.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/07/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:EXERCÍCIO DO DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA, REQUISITOS FORMAIS, FACTURAS OU DOCUMENTO EQUIVALENTE, ÓNUS DA PROVA, PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL,
AVALIAÇÃO DIRECTA VS AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em facturas e documentos que observem a forma legal.

II - Assim, o legislador estabeleceu, no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, duas condições para a dedução do imposto: que ele esteja mencionado em factura ou documento equivalente e que essa factura ou documento equivalente esteja "em forma legal".

III - O artigo 36.º do Código do IVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código.

IV - A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos-facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.

V – Se o IVA não está mencionado em factura ou documento equivalente, não permite a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, pelo que o direito à dedução do IVA não pode ser exercido.

VI - Para se obter a dedução do IVA, as facturas ou documentos equivalentes hão-de permitir reconstituir que bem foi transmitido ou que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.

VII - Recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA.

VIII - Se a Administração Tributária (AT) colocar em causa tais factos tributários, essa regra só funciona após a AT ter demonstrado os factos por si invocados.

IX - Não se pode pretender que a AT averigúe se uma sociedade pagou ou não o IVA mencionado na sua contabilidade, se efectuou as diligências bastantes para concluir que não existiam facturas, nem documentos externos equivalentes, de suporte das informações contabilísticas.

X - Os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria tributável de modo directo e exacto - cfr. artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., contribuinte n.º (…), com domicílio na Rua (…), (…), citado na execução n.º 1902201301044893, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade F., Lda., pessoa colectiva n.º (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 10/07/2019, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios, de 2009, 2010 e 2011, realizadas na sequência de procedimento de inspecção, que determinaram, globalmente, o pagamento da quantia de €111.181,27.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1 - Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 2077/15.5BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o pedido formulado pela Alegante, que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação adicional de IVA relativos aos anos de 2009, 2010 e 2011.
A) EXCLUSÃO DO DIREITO À DEDUÇÃO DE IVA — ART°. 19°, N.° 1 DO CIVA
2 - A sociedade "F., Lda." é uma sociedade de direito português, que tinha como sede a Rua (…) – (…), (…), e tem por objecto a realização de transportes rodoviários de mercadorias tanto no mercado nacional como no mercado comunitário.
3 - A sociedade supra identificada, encontrava-se registada em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal.
4 - Assim, o principal objecto da actividade da sociedade é realizar transportes sendo um dos principais custos para essa actividade a aquisição de combustível.
5 - No caso dos presentes autos, fez-se tábua rasa deste elemento fundamental da actividade da empresa e não se procurou indagar através de meios ao seu dispor a veracidade dos lançamentos efectuados na contabilidade da empresa.
6 - À sociedade como está assente nos autos não lhe foi possível exibir os documentos externos que sustentam as deduções identificados na folha 8/13 do relatório de inspecção.
7 - Contudo, consegue a sociedade demonstrar através de outros meios de prova a veracidade dos mesmos. Meios esses que estavam perfeitamente ao dispor da AT e que a mesma preferiu ignorar.
8 - Havendo necessidade de justificar as deduções feitas em sede de IVA pela sociedade, sempre se dirá o seguinte:
9 - De acordo com a percentagem entre o custo anual do combustível - gasóleo sobre os serviços prestados pela sociedade depreende-se que existe uma relação constante nos anos em referência o que permite considerar credíveis os valores apresentados na contabilidade da mesma.
10 - Atentemos no quadro que a seguir se indica para melhor demonstração do alegado:
F. CUSTO COMBUSTÍVEL/SERVIÇOS PRESTADOS
Ano Total Total %
Gasóleo Serv. Prestados
2005€931.138,57€1.920.191,8248%
2006€990.116,63€2.189.169,0945%
2007€917.625,79€2.008.064,8546%
2008€1.098.300,41€2.141.598,1751%
2009€1.020.728,89€2.089.588,6949%
2010€1.142.855,67€2.424.412,1147%
2011€1.365.033,38€2.810.667,9849%
2012€587.619,35€1.258.101,1947%

11 - Ora, atendendo ao supra explanado, afirmamos que o combustível declarado pela sociedade corresponde ao efectivamente consumido e justificado por facturas, requisições e talões.
12 - Alguns desses documentos são da responsabilidade dos motoristas que nas suas deslocações reabasteciam as viaturas através de importâncias cedidas pela sociedade F., Lda. para esse efeito.
13 - Estes documentos (facturas, requisições e talões) eram entregues na sede da empresa que, acrescidos com outras aquisições, davam origem a mapas de controlo de gastos e posteriormente eram tratados e enviados para a contabilidade.
14 - Afirma-se: todos os lançamentos que a Administração Tributária e, posteriormente pelo Tribunal a quo não consideraram por não estarem justificados por documentos externos foram lançados pela contabilidade através da análise e comprovação dos documentos externos que os suportavam.
15 - Nenhum valor foi lançado na contabilidade da sociedade F., Lda. sem prévia análise do documento externo que sustenta os mesmos.
16 - A inexistência dos talões (documentos externos) nas pastas da contabilidade à data da inspecção tributária deveu-se à retirada dos mesmos pelo sócio gerente pelas razões expostas no anexo 2 que acompanhou o referido relatório.
17 - Tendo os mesmos sido extraviados por razões não imputáveis à empresa.
18 - Assim e em jeito de conclusão a Administração Tributária ao não considerar os lançamentos descritos na folha 8/13 do Relatório junto aos autos, fez como que as demonstrações financeiras da empresa sofressem grandes oscilações que não correspondem à verdade material da contabilidade da mesma.
19 - Ou seja: deduzindo o valor do combustível que a Administração Tributária diz não existir as percentagens entre os totais do combustível e serviços prestados sofrem grandes oscilações.
20 - Atentem no quadro demonstrativo:

ANOVALOR GASÓLEO VALOR S/DO TOTAL SERV PREST.%
2009€1.020.728,89(-)€314.083,67706.645,22 (/) 2.089.588,6934%
2010€1.142.855,67(-)€203.670,55939.185,12 (/) 2.424.412,1139%
2011€1.365.033,38(-)€72.311,281.292.722,10 (/) 2.810.667,9846%

21 - Face ao exposto concluímos que os valores declarados pela empresa e lançados na contabilidade são verdadeiros.
22 - À vista do que fica dito é ilegal a conclusão consignada pela AT no que refere à exclusão do direito à dedução de IVA nos termos do artigo 19° do CIVA, andando, igualmente, mal a decisão a quo ao corroborar com tal conclusão.
B) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
23 - O dever da descoberta da verdade material determina que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação factual em que vai assentar a decisão, mesmo que tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais do Estado Fisco.
24 - Os elementos, critérios, métodos e resultados que constituem a peça de fundamentação dos actos de tributação objecto de impugnação revelam a postura da AT perante uma acção tão delicada e mereceria uma análise mais detalhada e circunstanciada.
25 - A AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto da sociedade, conforme já se referiu.
26 - A AT penalizou o sujeito passivo por valores incomportáveis e desajustados, sem sequer aferir do rigor das transacções efectuadas nos exercícios de 2009, 2010 e 2011, bem como da correspondência dos elementos reunidos, com a realidade da empresa e o seu modus operandi, através de um exame efectivo e criterioso aos elementos de escrita na posse do sujeito passivo de imposto, ou da audição de outros intervenientes que pudessem aferir da veracidade das operações em causa.
27 - Na falta de elementos, a AT, não diligenciou, no sentido de investigar e aprofundar a realidade dos factos, apenas se limitando a subverter a realidade contabilística do impetrante, sem sequer atender à sua realidade mercantil, com o objectivo único de tributar, seja a que custo for.
28 - Podia e devia a AT, face à inexistência dos documentos que suportam os lançamentos identificados na folha 8/13 do Relatório e que não foram aceites pela mesma, munir-se de outros elementos para aferir da verdade declarativa da contabilidade da sociedade (p.ex. Prova testemunhal, documentos auxiliares e explanação da contabilidade), bem como munir-se da avaliação indirecta nos termos legais.
29 - Tal desempenho da AT configura um comportamento ilegal, dado que o art. 55° da LGT expressamente afirma que a AT deve procurar descobrir a verdade material, devendo, para tanto, utilizar todos os meios de prova em Direito permitidos, não podendo basear o seu raciocínio em meras conjecturas de que a contabilidade não reflecte a exacta situação contributiva do sujeito passivo, bem como os resultados efectivamente obtidos nos exercícios de 2009, 2010 e 2011.
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30 - O sujeito passivo logrou demonstrar a ilegitimidade das correcções encetadas pela AT.
31 - Após análise e ponderação da prova documental, com os documentos juntos aos autos, dúvidas não subsistem de que não é possível concluir pela exclusão do direito à dedução de IVA nos termos do art°. 19°, n.° 1 do CIVA.
32 - Salvo o devido respeito, a Sentença a quo, incorre em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, com a consequente errada aplicação do direito.
33 - A Sentença em recurso violou, entre outros, o artigo 19° do CIVA, bem como os art°.s 58° e 74° da LGT.
Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado improcedente a impugnação judicial, por considerar inexistir violação do princípio da verdade material, em face da inexistência de documentos que suportem os lançamentos identificados na folha 8/13 do relatório e que não foram aceites pela AT, e não haver que recorrer à avaliação indirecta.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados:
1. A sociedade F., Lda. é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de transporte rodoviário de mercadorias (facto aceite por acordo).
2. Pela ordem de serviço nº OI201203528, foi determinada a realização de inspecção tributária à sociedade F., por motivo de controlo declarativo, já que, pela análise da demonstração de resultados se concluiu que, não obstante o aumento do número de empregados e do volume de negócios, o resultado líquido diminuiu (cfr. relatório de inspecção).
3. Na sequência da inspecção tributária referida em 1., foi elaborado relatório de inspecção tributária, onde se lê o seguinte (relatório de inspecção a fls. 24 e ss do PA):
Face ao exposto foi notificado o sujeito passivo em 16.11.2012, (…) para exibir nas instalações do TOC, (…) os documentos que serviram de suporte dos lançamentos atrás identificados.
Na data marcada, em resposta ao referido ofício, foi entregue pelo técnico de contas resposta (…) nos termos da qual (…) os documentos de suporte aos lançamentos atrás identificados continuam em falta na contabilidade, não tendo sido exibidos, estando os valores por justificar (atrás indicado no mapa a título de “despesa sem documento”) assinalados com a nota “Aguardar entrega de documentos pelo gerente na contabilidade”.
Foi incluída na resposta entregue à técnica da AT o conteúdo de um mail enviado em 22.11.2012 pelo sócio-gerente ao TOC (do qual foi obtida cópia que se juntou em anexo) alegando que, por motivos diversos, os documentos em falta não haviam sido encontrados, tendo assim de comunicar o seu extravio.
Face ao exposto e para clarificar alguns pontos da resposta recebida, foi lavrado Auto de Declarações no qual foi ouvido o técnico de contas – F. (…) nos termos do qual foi devidamente clarificado e confirmado o conteúdo de diversos pontos da mesma, tendo sido concluído que os documentos em falta na contabilidade, respeitantes aos referidos gastos com gasóleo nunca chegaram a ser entregues à contabilidade, tendo sido contabilizados os respectivos montantes com base em informação recebida verbalmente da gerência.
(…).
B.2) Em sede de IVA
Nos termos da al. a) do nº 2 e do nº 6 do art. 19º do CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no art. 36º do CIVA.
Face ao exposto, conclui-se que o SP deduziu indevidamente os montantes de IVA atrás referidos os quais não têm documento de suporte, infringindo o disposto no artigo 19º do CIVA, pelo que se propõe a sua correcção nas respectivas declarações periódicas.
(…)
Propõe-se a correcção indevidamente deduzido em 2009, 2010 e 2011, nos montantes respectivamente de € 52.347,27, € 34.829,73 e de € 13.521,60, valores que se repartem pelos respectivos períodos de imposto como a seguir se demonstra (…)”.
4. O técnico de contas, F. foi ouvido durante a inspecção tributária, tendo as suas declarações sido exaradas em auto, conforme fls. 36 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5. No âmbito do procedimento de inspecção, foram exibidos pela impugnante aos serviços da inspecção tributária, documentos escritos, com o resumo dos lançamentos contabilísticos, onde consta a seguinte expressão manuscrita: “o Sr. António ficou de trazer os documentos para a contabilidade (fls. 39 a 52 do PA).
Factos Não Provados:
Não foram dados como provados ou não provados quaisquer outros factos, atenta a sua irrelevância para a decisão a proferir, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis.
Motivação:
Os factos acima foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, apurado com base nas posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, tal como indicado ao longo do elenco de factos provados.
Em particular, relevou o teor do relatório de inspecção, integrado no PA junto aos autos, do qual resulta o fundamento e alcance das correcções propostas pelos serviços de inspecção da ré, na origem das liquidações adicionais de IVA e das dos correspondentes juros compensatórios.”

2. O Direito

O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial, reiterando, no essencial, a argumentação já aventada na petição inicial.
Vejamos o julgamento efectuado pelo tribunal recorrido:
«O impugnante veio interpor a presente acção visando a anulação das liquidações adicionais de IVA relativas aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios, imputando-lhes vício de erro nos pressupostos.
A Fazenda Pública, por seu turno, pugna pela legalidade dos actos tributários visados, remetendo para os fundamentos constantes do Relatório de Inspecção Tributária.
Apreciando.
Para efeitos de enquadramento, há que apurar, antes de mais, o regime jurídico por referência ao qual se subsumem os factos em presença.
Estando em causa, em primeira linha, liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado, cumpre referir desde logo o art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos, que estatuía:
“1 - São sujeitos passivos do imposto:
a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.
(...)”.
Constata-se, pois, que a impugnante é enquadrada pela norma definidora da incidência subjectiva do imposto, motivo por que é legitimamente considerada sujeito passivo na relação tributária em sede de IVA.
Doutra banda, em termos de incidência objectiva, verifica-se pela conjugação das disposições contidas nos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 do CIVA que também a actividade de prestação de serviços em causa nos autos é alvo deste tipo de tributação, ali se dispondo, respectivamente:
“Artigo 1.º
1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;(...)”
e
“Artigo 4.º
1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
Do exposto resulta que a concreta actividade a que respeitam as liquidações adicionais de IVA recai no âmbito das normas de incidência subjectiva e objectiva de IVA, devendo por conseguinte, à primeira vista, ser alvo de tributação nessa sede.
Porém, do regime legal aplicável resulta ainda que os sujeitos passivos de IVA beneficiam de um direito à dedução, estabelecido (com relevo para a hipótese em apreço) no art.º 19.º, n.º 1, al. a) do CIVA, nos seguintes termos:
“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”.
Dos subsequentes números do artigo extraem-se, porém, condições ao exercício do direito, em particular, para a situação sob apreciação, a que se estabelece no n.º 2 do artigo 4º, segundo a qual, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, sendo que se consideram passadas em forma legal, as que contenham os elementos constantes do art. 36º do CIVA.
Como resulta da factualidade assente, não foram apresentados documentos que, legalmente, possam justificar o direito à dedução do IVA suportado.
Constam do artigo 35.º as formalidades a que devem obedecer as facturas, impondo-se no respectivo n.º 5, com relevo para o caso em apreço, as seguintes:
“As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.”
Como se deixou apurado no probatório, não foram apresentados quaisquer documentos contendo tais menções, desconhecendo-se a origem dos lançamentos efectuados na contabilidade.
A jurisprudência tem-se pronunciado de forma unânime e perfeitamente consolidada a este respeito, de acordo com um entendimento que se não pode deixar de sufragar.
Escreveu-se, ilustrativamente, no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.05.2015, no âmbito do processo 00042/05.0BEPRT o seguinte:
“I. Da conjugação do n.º 2 do art.º 19.º n.º 2 e n.º 5 do art.º 35.º do CIVA resulta que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, desde que cumprindo os requisitos do n.º 5 do art.º 35.º CIVA.
II. De acordo com a mecânica da liquidação do IVA a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento de fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados.
III. A lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas tem por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA, é o consumidor final (sujeito passivo).
IV. A fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35.° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" , não permitindo deduzir o respetivo imposto.
V. No IVA e na medida em que a fatura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adotou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente.”
Ressalta da jurisprudência citada que há-de incidir um particular rigor sobre o cumprimento das formalidades requisitadas em vista do exercício do direito à dedução.
Tanto o exige a natureza do imposto, ou as respectivas características particulares, de que releva, neste âmbito, o designado “método subtractivo indirecto” que, no dizer de Clotilde Celorico Palma, se trata de “técnica de liquidação e dedução do imposto em cada uma das fases do circuito económico, funcionando da forma descrita quando as transacções se processam entre sujeitos passivos do imposto com direito à dedução” (autora citada, in “Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Edições Almedina, Coimbra, Setembro 2015, p. 20).
Esta característica do imposto eleva a factura a documento nuclear, por se tratar, na prática, como paradigmaticamente se afirmou no acórdão transcrito, de uma espécie de título de crédito, um cheque sobre o Estado.
Ora, é justamente neste contexto que surgem como particularmente esclarecedoras as expressões usadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 17.02.1999 (processo n.º 20593), que importa transcrever:
“No caso concreto, a factura não se destina, só, ao uso do comprador, mas constitui um elemento essencial, também, para o fisco, pois é o documento demonstrativo das operações sobre que incide o imposto. Assim, fácil é entender que a factura válida para efeito de IVA terá de identificar do modo mais completo possível os comprador e vendedor, as mercadorias, o preço, e a data da transacção. Trata‐se de elementos todos eles relevantes para permitir identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.). A falta de algum destes elementos pode pôr em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto.
Natural é, pois, que o legislador tenha entendido que, para que o sistema, aliás, complexo, do IVA, possa funcionar, para facilitar o controlo das operações sujeitas e isentas, e para obstar à evasão fiscal, se tornava necessária, não apenas a emissão de facturas ou documentos equivalentes, na forma que entendesse cada um dos intervenientes, mas a sua emissão com um conteúdo e rigor definidos pela lei. Daí a exigência de uma forma legal. (…)” [jurisprudência citada no acórdão do STA, de 14.12.2011, rec. nº 076/11, bem como no acórdão de 10.10.2007, rec. nº 0487/07, disponíveis em www.dgsi.pt].
Por outro lado, são justamente as mesmas exigências, ditadas pelos mesmos interesses, a justificar que as facturas sejam perspectivadas, também por entendimento jurisprudencial perfeitamente estabilizado, como formalidades “ad substantiam”, insusceptíveis de substituição por outros meios de prova, diversamente do que sucede noutros tipos de imposto.
Por isso não colhe a alegação do impugnante, segundo a qual a AT violou o princípio da verdade material, por não ter procedido a diligências para averiguar da existência real e efectiva dos custos, sendo que também o impugnante não indica quais seriam essas diligências.
Tanto se deixou estabelecido, aliás, já em acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 25.06.2002 [processo n.º 6721/02, igualmente disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário se lê:
“I –A importância que as facturas assumem no funcionamento do IVA - imposto que opera pelo método do crédito do imposto ou das facturas - exige também que estas respeitem os requisitos formais enunciados no art. 35. °, nº 5, do CIVA.
II – A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos – facturas – tem como escopo permitir à Administração tributaria o controlo da situação tributaria, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade ad substantiam, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.
III – A factura que não respeita os requisitos legais de forma prescritos no art. 35.º, n.º 5, do CIVA, não confere direito à dedução do IVA nela mencionado, independentemente da efectiva realização da operação a que a mesma se refere (cfr. art. 19. °, n. ° 2, do CIVA). (...)
V – Daí que a impugnante que aceitou uma factura nos termos supra referidos, ou seja, que não respeita a forma legal, não pode pretender, como forma de demonstrar o direito a dedução do IVA nela mencionado, que o Tribunal averigúe se a operação a que a mesma se refere corresponde ou não à realidade e se ela pagou ou não o IVA nela mencionado, não constituindo essa falta de averiguação qualquer atropelo ao princípio do inquisitório em vigor no processo judicial tributário (cfr. art. 13.º do CPPT).”
A esta luz, ressalta que a tese do impugnante não pode merecer acolhimento.
Efectivamente, ainda que por via de depoimentos de testemunhas ou outros documentos de suporte (que não foram juntos) fosse possível comprovar a materialidade subjacente às facturas (o que, não obstante, atenta a respectiva natureza e autoria, sempre se mostraria inviável), sempre a inobservância da forma legal prescrita para as facturas obstaria ao exercício do direito à dedução.
Assim, não sendo as insuficiências patentes nas facturas susceptíveis de suprimento, por qualquer outro elemento de prova (e, sempre se diga, muito menos por documentos elaborados pela própria impugnante), a pretensão da impugnante só pode soçobrar.
Acresce que também não estão reunidos os requisitos para lançar mão da avaliação por meio de métodos indirectos.
Na verdade, a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa, conforme prevê o art. 85º da LGT, só podendo ser utilizada quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.
Da leitura dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas (neste sentido, entre outros o acórdão do TCAN, de 26.4.2018, proc. nº 01234/07.2BEVIS).
No caso em apreço, os montantes que foram ilegalmente deduzidos, nos termos do art. 19º do CIVA são determináveis mediante avaliação directa, pelo que não é de recorrer a métodos indirectos para determinar o seu valor.
Por outro lado, por depender da procedência da acção quanto às liquidações adicionais de IVA a procedência da pretensão da impugnante quanto às liquidações de juros compensatórios, mostrando-se estes actos tributários perfeitamente acessórios relativamente àquelas (primeiras) liquidações, há-de forçosamente improceder, também nesta parte, a acção sub judice.
São, assim, de manter os actos tributários em crise. (…)»
Relembramos que o objecto primordial da actividade da sociedade F., Lda. é realizar transportes, sendo um dos principais custos para essa actividade a aquisição de combustível.
A sociedade optou por lançar na sua contabilidade custos com aquisição de combustível, sem que existissem documentos de suporte desses lançamentos, tendo procedido à dedução do respectivo IVA.
Efectivamente, a AT solicitou esses documentos de suporte, que se mostravam omissos na contabilidade, tendo sido respondido que os documentos em falta não haviam sido encontrados, comunicando-se, assim, o seu extravio. Mais, o técnico de contas foi ouvido, tendo esclarecido que os documentos respeitantes aos referidos gastos com gasóleo nunca chegaram a ser entregues à contabilidade, tendo sido contabilizados os respectivos montantes com base em informação recebida verbalmente da gerência – cfr. ponto 4 do probatório. Por outro lado, no âmbito do procedimento de inspecção, foram exibidos pela sociedade, aos serviços da inspecção tributária, documentos escritos, com o resumo dos lançamentos contabilísticos, onde consta a seguinte expressão manuscrita: “o Sr. A. ficou de trazer os documentos para a contabilidade” – cfr. ponto 5 do probatório.
Foi com base nesta factualidade, que não se mostra colocada em crise no presente recurso, que a AT decidiu desconsiderar as deduções de IVA em causa, liquidando adicionalmente o imposto.
Ora, o Recorrente defende, como não lhe foi possível exibir os documentos externos que sustentam as deduções em apreço, que deveria a AT ter indagado, através dos meios ao seu dispor, a veracidade dos lançamentos efectuados na contabilidade da empresa, por forma a adquirir outros meios de prova.
Resumindo, um dos pontos essenciais do presente recurso reside na argumentação de que a AT podia e devia, face à inexistência dos documentos que suportam os lançamentos identificados na folha 8/13 do Relatório e que não foram aceites pela mesma, munir-se de outros elementos para aferir da verdade declarativa da contabilidade da sociedade, como, por exemplo, recorrendo à prova testemunhal, a documentos auxiliares ou à explanação da contabilidade. Sustenta o Recorrente que o comportamento da AT é ilegal, atento o dever de descobrir a verdade material previsto no artigo 55.° da LGT, devendo a AT utilizar todos os meios de prova em Direito permitidos.
Entrando no conhecimento da questão referente à repartição do ónus probatório, quanto a esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da LGT que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da AT, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
No que respeita ao IVA é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. (Neste sentido, entre muitos outros: acórdãos nºs 0871/02, 001483/02, 001480/03, 0241/03, proferidos respectivamente em 09.10.2002; 20.11.2002; 14.01.2004 e 30.04.2003).
E, é assim, porque é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa tal facto tributário. No entanto, esta regra só funciona após a AT ter demonstrado os factos por si invocados.
Vejamos, em concreto, se se verificam os pressupostos reais da actuação da AT.
Repristinando a fundamentação do acto, no caso dos autos, a AT verificou que a sociedade não tinha na sua contabilidade (inexistindo de todo - extravio) quaisquer documentos reveladores do IVA pago e que pretendia deduzir. Não se trata, portanto, da constatação da existência de facturas ou outros documentos equivalentes que não se encontravam ou não estavam emitidos em conformidade com o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, segundo o qual, além do mais, «as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: (…) b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; (…)». Trata-se, antes, da total inverificação das condições para o exercício do direito à dedução, na medida em que só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, sendo que se consideram passados em forma legal, os que contenham os elementos constantes do artigo 36.º do CIVA – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
Ora, a AT observou (e o Recorrente não questiona) que não existiam quaisquer documentos de suporte dos lançamentos em causa na contabilidade, fossem facturas ou outros documentos equivalentes.
Não há que aceitar um cumprimento desses requisitos de forma aligeirada. A existência das facturas ou de documentos equivalentes, bem como os requisitos legais dos mesmos, têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre que exacto bem foi transmitido ou que serviço foi prestado, quando, onde, em que quantidade/extensão, e a quem, por serem os mesmos susceptíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, permitindo reconstituir que serviço foi prestado ou que bem foi transmitido e qual o seu custo, não podendo haver duplicação de deduções de IVA.
Na situação sub judice nem remotamente se pode dizer que os bens adquiridos (combustível) foram facturados, dado que inexistem quaisquer documentos – facturas, o que possibilita que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
Na verdade, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem, nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem.
Salientamos que a exigência dos mencionados requisitos nos referidos documentos-facturas “tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova” – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 19/01/06, proferido no âmbito do processo n.º 00027/00 - Viseu.
Tem sido, pois, reconhecido o carácter formalista do IVA, destacando-se o papel central desempenhado pela factura e pela necessidade de a mesma ser passada segundo a forma legal – ou seja, preenchendo-se todos os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA – como pressuposto da dedução do imposto suportado (e isto, aliás, independentemente da materialidade da operação a que uma concreta factura respeita).
Percorrendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, resulta evidenciada a relevância da factura, na medida em que permite ao adquirente justificar o exercício do direito à dedução mas, também, como elemento imprescindível à Administração Tributária, por ser demonstrativo da operação sobre a qual o IVA incide e permitir o controlo do imposto/base tributável.
A falta da factura ou de outro documento equivalente coloca, in casu, em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto.
Nestes termos, bem andou a AT ao se bastar com as diligências que efectuou, que lhe permitiram constatar a inexistência de qualquer documento de suporte dos lançamentos na contabilidade, referentes a despesas com combustível, sobre as quais teria incidido IVA.
É, pois, natural que o legislador tenha entendido que, para que o sistema do IVA possa funcionar, para facilitar o controlo das operações sujeitas e isentas, e para obstar à evasão fiscal, se tornava necessária, não apenas a emissão de facturas ou documentos equivalentes, na forma que entendesse cada um dos intervenientes, mas a sua emissão com um conteúdo e rigor definidos pela lei. Daí a exigência de uma forma legal.
O certo é que a norma do artigo 19.º do CIVA não nos esclarece sobre qual é a "forma legal" que exige. Mas o diploma diz-nos, adiante, nas várias alíneas do n.º 5 do artigo 36.º, que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; conter a quantidade/extensão e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; conter o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; e conter as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido.
Daqui resulta, pois, que, para o Código do IVA, uma factura passada em forma legal é a que respeite o estatuído no seu artigo 36.º, ou seja, que para tal efeito, a factura que não respeite todas estas exigências não é uma factura passada em forma legal.
Neste conspecto, nem pode dizer-se que este artigo 36.º permite distinguir entre falta de forma legal e falta de elementos meramente acessórios, não essenciais, que só podem levar ao suprimento da falta.
É que o legislador estabeleceu, no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, duas condições para a dedução do imposto: que ele esteja mencionado em factura ou documento equivalente e que essa factura ou documento equivalente esteja "em forma legal".
Ora, a forma legal, já se viu, é a do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA.
«Não se vêem elementos que permitam ao intérprete separar, de entre as exigências da norma, as essenciais das acessórias. A "forma legal" é a que satisfaça todas as imposições da norma legal que as indica» - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21/01/2006, proferido no processo n.º 1438/06.
Assim sendo, a factura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA não está passada "em forma legal" e, consequentemente, não permite deduzir o respectivo imposto.
A expressão «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à AT controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correcta – cfr., neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do TCA Sul, de 19/05/2009, proferido no processo n.º 26/09.
Uma vez que, no caso, o IVA nem sequer está mencionado em factura ou documento equivalente, não pode ser exercido o direito à dedução do imposto – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
Por assim concluirmos, seria totalmente inconsequente e inútil recorrer à sugerida prova testemunhal ou a documentos auxiliares.
Salientamos que estes documentos complementares somente poderiam assumir alguma relevância se, pelo menos, existisse uma factura, ou um documento equivalente, que importasse densificar, o que não é o caso. A jurisprudência que se conhece, relativamente ao recurso a documentos auxiliares, pressupõe a incompletude de uma factura. In casu, o Recorrente não impugna ou discute a total inexistência de facturas.
Para melhor esclarecimento, chamamos à colação a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que apela à consideração de elementos adicionais perante a incompletude de uma factura, concretamente em situações de reverse charge, ou por apelo expresso à rectificação da factura, designadamente, o acórdão de 15/09/16, proferido no processo n.º C-518/16 (Acórdão Barlis), nos termos do qual se refere a consideração/relevância de documentos que contenham uma apresentação mais detalhada dos serviços em causa no processo e que possam ser equiparados a uma factura, na qualidade de documentos que alteram a factura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 11/01/2018, proferido no âmbito do processo n.º 08611/15.
Na situação em análise, verifica-se o total incumprimento dos requisitos que permitem deduzir o IVA, pelo que se mostra inviabilizada a hipótese de o Recorrente se socorrer de outros documentos adicionais ou auxiliares.
De qualquer modo, o Recorrente não concretizou que documentos auxiliares teria disponíveis, nem especificou a que elementos a AT deveria ter recorrido.
A verdade é que não se pode pretender que a AT averigúe se a sociedade pagou ou não o IVA mencionado na contabilidade, quando efectuou as averiguações bastantes para concluir que não existiam facturas, nem documentos externos equivalentes, de suporte das informações contabilísticas; não constituindo a falta de mais diligências, atentas as circunstâncias, qualquer atropelo ao princípio da verdade material, revelador de défice instrutório, não se verificando a violação do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT. Logo, como vimos, caberia, então, ao Recorrente demonstrar o direito à dedução do IVA.
Nesta conformidade, não podemos falar em infracção do princípio da verdade material e muito menos em violação do artigo 55.º da LGT (que se limita a enunciar os princípios que a AT deve respeitar na prossecução do procedimento tributário), dado que a AT obteve factos – inexistência de facturas ou de documento equivalente – jamais se podendo, aqui, aludir a meras conjecturas – cfr. conclusão 29 das alegações do recurso.
As circunstâncias apuradas impossibilitam à AT uma forma segura de verificar da adequação da base tributável e evitar a eventual dupla dedução do IVA.
É, pois, por estas razões que o IVA em apreço não podia ser deduzido, sendo claro não se mostrarem preenchidos os requisitos mínimos formais – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
O Recorrente afirma, ainda, na conclusão 28.º das suas alegações de recurso, que a AT deveria ter-se munido da avaliação indirecta ao invés de liquidar adicionalmente o IVA que não podia ser deduzido; mas, conforme correctamente decidido pelo tribunal recorrido, não estão reunidos os pressupostos legais para lançar mão de métodos indirectos.
O recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais – cfr. artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT.
Na situação em análise mostra-se demonstrado, à evidência, que a liquidação pôde assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte. Pelo que inexistem condições legais para recorrer a método indirecto de determinação da matéria tributável, sendo ostensivo que, no caso, este não se tornou a única forma de calcular o imposto.
Efectivamente, o IVA que foi ilegalmente deduzido, nos termos do artigo 19.º do CIVA, apresenta-se expressamente determinável (e determinado), pois consubstancia o correspondente valor desconsiderado que deu lugar à liquidação adicional de IVA, mediante avaliação directa, não podendo, nem devendo, ser adoptado qualquer método indirecto para determinar o respectivo montante, uma vez que o mesmo eclode exacto.
Nesta conformidade, é forçoso negar provimento ao recurso e confirmar integralmente a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em facturas e documentos que observem a forma legal.
II - Assim, o legislador estabeleceu, no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, duas condições para a dedução do imposto: que ele esteja mencionado em factura ou documento equivalente e que essa factura ou documento equivalente esteja "em forma legal".
III - O artigo 36.º do Código do IVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código.
IV - A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos-facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.
V – Se o IVA não está mencionado em factura ou documento equivalente, não permite a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, pelo que o direito à dedução do IVA não pode ser exercido.
VI - Para se obter a dedução do IVA, as facturas ou documentos equivalentes hão-de permitir reconstituir que bem foi transmitido ou que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
VII - Recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA.
VIII - Se a Administração Tributária (AT) colocar em causa tais factos tributários, essa regra só funciona após a AT ter demonstrado os factos por si invocados.
IX - Não se pode pretender que a AT averigúe se uma sociedade pagou ou não o IVA mencionado na sua contabilidade, se efectuou as diligências bastantes para concluir que não existiam facturas, nem documentos externos equivalentes, de suporte das informações contabilísticas.
X - Os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria tributável de modo directo e exacto - cfr. artigos 85.º, 87.º e 88.º da LGT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.

Porto, 07 de Maio de 2020



Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães