Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00231/19.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Canelas
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL – CONSULTA PRÉVIA – EXCLUSÃO DA PROPOSTA – DEVER DE ADJUDICAR
Sumário:I – Nos termos dos artigos 70º nº 2 alínea b), 146º nº 2 alínea o) e 148º nº 1, ex vi dos artigos 112º nº 2 e 124º nº 2, todos do CCP, no procedimento de Consulta Prévia o júri deve propor a exclusão da proposta, quando se verifique, pela respetiva análise, que ela revela viola aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência.

II – A proposta apresentada em procedimento pré-contratual de Consulta Prévia tem que explicitar, pelo menos minimamente, as condições do serviço que o concorrente se propõe fornecer, para que possa ser averiguado (e demonstrado) que a proposta cumpre os aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, pois só assim a proposta pode ser admitida e graduada, nos termos dos artigos 70º nº 2 alínea a) e 146º nº 2 alínea o) do CCP, ex vi do artigo 122º nº 2 e 124º nº 1 do mesmo Código.

III – Da mera declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, exigida pelo artigo 57º nº 1 alínea a) do CCP, não pode singelamente retirar-se que a proposta da concorrente apresenta uma solução técnica que corresponde e cumpre as exigências técnicas estipuladas no Caderno de Encargos.

IV – Perante a ilegalidade da admissão da proposta adjudicada, e tendo a proposta da autora sido admitida e graduada em segundo lugar, emerge como única solução legal possível a de que o contrato deveria ter sido adjudicado à autora, pelo que em tal caso o Tribunal deve determinar, à luz do disposto no artigo 71º nº 2 do CPTA, como conteúdo do ato a praticar, precisamente, a adjudicação do contrato à autora.

VI – Através da injunção constante no nº 1 do artigo 76º do CCP, conjugada com a ressalva das situações previstas no artigo 79º nº 1 que ali é feita, a lei consagra expressamente a existência do dever de adjudicar. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:V., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...) e outra.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A sociedade M., S.A. (devidamente identificada nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela o processo de contencioso pré-contratual em que é réu o MUNICÍPIO DE (...) e contra-interessada a sociedade V., S.A. (igualmente devidamente identificada nos autos), no qual, por referência ao procedimento de consulta prévia para “Aquisição de Serviço de Comunicações Fixas e Móveis incluindo Serviço de Divulgação e Informação via SMS” peticionou o seguinte:
i) que fosse declarada como não válida, por ilegal, a proposta apresentada pela contrainteressada V., SA, por violação do Caderno de Encargos e consequentemente no disposto no CCP;
ii) que fosse anulada a decisão de adjudicação da proposta;
iii) que a adjudicação, por fundamentada, fosse entregue, à autora por ser a única legal e válida à luz das regras do Procedimento.

Por sentença datada de 29/10/2019 (fls. 542 SITAF) o Mmº Juiz do Tribunal a quo julgando a ação procedente anulou o ato de adjudicação e condenou o réu MUNICÍPIO DE (...) na adjudicação do contrato à Autora.
Inconformada a contra-interessada V., SA Portugal dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 592 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida, mantendo-se o ato de adjudicação a seu favor, tendo formulado as seguintes conclusões nos seguintes termos:

1. A sentença de que ora se recorre revoga o acto de adjudicação tomado em favor da ora Recorrente V., SA e condena o Município de (...) a adjudicar a proposta da M., SA, ora Recorrida.
2. Esta decisão representa para o Município demandado um custo superior de cerca de 15% face à proposta adjudicada; colide contra a vontade expressa pela Entidade Adjudicante nas peças que aprovou e nas decisões que tomou ao longo do procedimento; faz uma interpretação incorrecta da proposta da V., SA; obriga o Município de (...) a contratar com uma proposta que oferece uma solução tecnologicamente obsoleta e contra sua vontade.
3. O Tribunal a quo entendeu que a proposta da viola o CE, devendo ser excluída nos termos do art.º 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, porque não assume expressamente que na mesma se inclui um circuito de internet de 30Mbps, mas apenas um outro circuito para voz, também com 30Mbps.
4. Nos termos da Cláusula 25.ª do CE eram pedidos dois circuitos, sendo um para a solução de voz com um mínimo de 4Mbps, e outro para internet em fibra óptica, com 30Mbps.
5. A sentença sob recurso parte do incorrecto pressuposto de que, para o circuito de internet, também se definia um parâmetro base mínimo, pelo que era necessário que cada concorrente definisse quanto em concreto oferecia, pressuposto esse que altera, completamente, a conclusão jurídica tirada pelo Tribunal a quo.
6. Na verdade, se aquela especificação técnica fixasse um mínimo, seria naturalmente exigível aos concorrentes que indicassem que largura de banda, em concreto, ofereciam.
7. Ao contrário, se a largura estivesse desde já fixada – como estava -, não se exigia aos concorrentes sua expressa indicação, já que o CE a dava já e os concorrentes haviam já aderido expressamente e sem reservas a este documento do procedimento.
8. A menos que a Entidade Adjudicante o pedisse expressamente, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, alínea c), e art.º 115.º, n.º 1, alínea d), ambos do CCP, o que não aconteceu, como se retira do constante do Ponto 4. do Convite.
9. Ora, tendo a proposta da V., SA apresentado todos os documentos exigidos, bem como toda a informação exigida pela Entidade Adjudicante, e dado que para a internet se fixava um circuito com 30Mbps, e não este valor como mínimo, nenhuma razão há para dizer que algo falha nesta proposta, sendo que se assume nela a obrigação do escrupuloso cumprimento das especificações técnicas constantes da Cláusula 25.º do CE.

10. Resulta patente do Convite, que o Município de (...) não pediu este tipo de documentos indicados no art.º 115.º, n.º 1, alínea d), e 57.º, n.º 1, alínea c), ambos do CCP.
11. Pelo que, em escrupuloso cumprimento da Lei e das normas do procedimento, a V., SA na sua proposta evidenciou o débito proposto para o circuito de voz (que era um parâmetro aberto), e já não para o de internet (que era um parâmetro fechado), declarando apenas que cumpria as determinações e especificações constantes da Cláusula 25.ª do CE onde aquele parâmetro estava indicado de forma fechada, como se deu como provado, aliás, na sentença recorrida (cfr. ponto 2 da matéria assente), sendo que os termos da proposta da V., SA constam também dos factos provados (cfr. respectivo Ponto 6), e facilmente se encontram na sua proposta junta com o processo instrutor.
12. Assim, afirmar que o valor para a largura de banda pedida para a internet consubstancia um parâmetro mínimo, e não fixo, consubstancia um pressuposto errado da sentença.
13. Acresce que a sentença falha ainda quando interpreta o Ponto 4 do Convite no sentido de neste se exigir uma valorização expressa a cada especificação e que, como a V., SA não indicava expressamente o circuito de internet pedido, também o não o havia valorizado, pelo que a sua proposta não incluía todos os encargos e despesas que deviam ser discriminados, no entendimento do Tribunal a quo, o que implicava a sua exclusão.
14. Ora, se assim fosse, nenhuma das propostas poderia ter sido aceite, incluindo a proposta da M., SA a quem o Tribunal a quo entrega a adjudicação.
15. Mas, na verdade, quando no sub-ponto III do Ponto do Convite se exige os preços das propostas, os quais “devem incluir todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar”, tal não significa que os concorrentes devessem enumerar e valorar, especificação a especificação, tudo quanto era exigido na Cláusula 25.ª do CE.
16. Tal significa, como é normal em contratação pública, que o preço oferecido inclui tudo quanto é necessário para executar o serviço a prestar, de acordo com o previsto, aliás, na Cláusula 10.ª, n.º 4, do CE.
17. Pelo que, uma vez mais, falha a sentença na interpretação e aplicação das normas do Concurso, o que levou à assumpção de determinadas premissas e pressupostos incorrectos que, por sua vez, induziram o Tribunal a quo a aplicar o Direito também incorrectamente, tendo em conta as normas aplicáveis e a realidade sobre a qual foi chamado a julgar.
18. Assim, não se encontrando qualquer violação do CE ou das normas que no Convite indicavam como devia ser apresentada a proposta, e não faltando à proposta da V., SA qualquer termo ou condição que nela obrigatoriamente devesse constar, expressa ou implicitamente, não se encontra qualquer base para a mesma ser excluída por força do disposto no art.º 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, ao contrário do que se conclui na sentença sob recurso, o que determina a sua revogação.
19. Da sentença sob recurso resulta ainda um segundo motivo que, no entender do Tribunal a quo, deveria levar à exclusão da proposta da V., SA: o de que se teria alterado a proposta original através dos esclarecimentos prestados nos termos do art.º 72.º do CCP.
20. De novo, este segundo motivo parte de um pressuposto incorrecto, com origem numa errada interpretação da proposta da V., SA, lendo nela o que nela não está, o que é feito também com base numa leitura das peças do Concurso lendo nelas o que nelas não se pede.
21. O Tribunal a quo, sem conhecimentos ou pareceres técnicos que pudessem suportar a sua decisão, abalançou-se a afirmar que o que era pedido no CE era uma e uma só solução para as ligações de as linhas analógicas, que a V., SA se teria obrigado a executar o contrato através dessa única solução, mas que depois, em sede de esclarecimentos, teria apresentado uma outra solução.
22. O que não é verdade em nenhum dos casos.
23. Em primeiro lugar, não se encontra na proposta da V., SA qualquer elemento que possa sugerir – a quem conheça as regras da arte deste sector -, que não se propunha executar esta parte do serviço através de frequências GSM/UMTS.
24. Ora, o que consta da proposta da V., SA é que esta assumiu “garantir a ligação das linhas analógicas com terminação a 54 volts DC” àquelas instalações, isto é, assumiu garantir a ligação de comunicações exterior à infra-estrutura existente naquelas instalações, que se compunha de “linhas analógicas com terminação a 54 volts DC”.
25. Na verdade, em termos técnicos e práticos, no que toca às linhas analógicas para voz, o que era necessário era garantir a ligação dos equipamentos de cada um dos 5 locais identificados, que funcionam por linha analógica com terminação a 54 volts, à rede exterior e oferecer 600 minutos para chamadas para rede fixa.
26. O facto de se ter depois esclarecido que a rede de acesso que seria utilizada seria suportada em frequências GSM/UMTS nada altera quanto à obrigação assumida na proposta: os equipamentos com aquelas características funcionarão de igual forma e como sempre funcionaram, isto é, de modo analógico, pois a informação voz que é transportada por GSM/UMTS é convertida ao chegar no equipamento de terminação, de forma a que a informação siga por linha analógica na infra-estrutura instalada nos serviços do Município de (...).
27. Na proposta simplesmente se estava a dar cumprimento ao exigido no Ponto 4.IV do Convite que pedia preços unitários para cada tipo de serviço, e a este serviço era dado o nome de linhas analógicas no CE, como se retira da parte da Cláusula 25.ª que acima se reproduziu.
28. Da mesma forma, no CE não se exigia que o serviço voz tivesse de funcionar sempre, ponto a ponto, por linhas analógicas da origem ao seu destino, e vice-versa.
29. E bem, dado que, se assim fosse – como se disse na contestação que o Tribunal a quo nem sequer considerou -, a única concorrente que se poderia ter apresentado a concurso era a M., SA, o que tornaria o concurso ilegal por injustificada restrição da concorrência, aliás em prejuízo da própria Entidade Adjudicante, seja do ponto de vista financeiro, seja do ponto de vista tecnológico, pois tal solução é obsoleta, está em desuso e está mesmo a ser desactivada pela própria M., SA.
30. Assim, a interpretação que o Tribunal a quo faz das peças do procedimento não faz qualquer sentido, se o entendimento é o de que as mesmas apenas permitirem uma única solução – e logo a pior -, não fazendo igualmente sentido dizer que a V., SA se propunha oferecer aquele serviço daquela forma, quando a V., SA não trabalha com esse tipo de tecnologia, que, para os contratos actuais, é exclusiva da M., SA.
31. Acresce que, se assim fosse, se o Município de (...) pretendesse usar rede de cobre – o que em nenhum lugar das peças se diz -, então só a M., SA poderia concorrer, em perfeito atropelo ao disposto no 49.º do CCP, e em particular ao seu n.º 4, que determina que “as especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência”.
32. Aliás, nos termos do n.º 8 seguinte, as Entidades Adjudicantes estão fortemente limitadas a definirem as suas especificações em termos que apenas permitam a identificação de um único fornecedor, como seria o caso se se seguisse a leitura que a M., SA pretende fazer prevalecer.
33. A leitura que a V., SA faz das peças do Concurso, leitura essa de que comunga o Ex.mo Júri do procedimento como decorre do Relatório Final, é consentânea com o CCP, sendo que este, no seu art.º 51.º determina a prevalência das suas normas – nomeadamente a do art.º 49.º - face a “quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes”.
34. Em suma, se o Município de (...) realmente pretendesse ligações por cobre, teria não só aprovado umas especificações ilegais, como teria aprovado especificações que não correspondem à melhor e mais moderna tecnologia do mercado, sem que qualquer justificação exista para que o fizesse.
35. Ora, tal conclusão é tão absurda, que a V., SA não a admitiu como possível, mas antes leu aquelas normas do CE como admitindo diversas soluções, desde que compatíveis com a infra-estrutura que serve aquelas instalações do Município.
36. Leitura essa que veio a ser confirmada como correcta, seja pelo pedido de esclarecimentos feito pelo Ex.mo Júri para que cada uma das concorrentes viesse a indicar qual a solução que, em concreto, viria a ser aplicada para este tipo de serviço, seja pelo teor das decisões do Ex.mo Júri e da Entidade Adjudicante.
37. Por fim, resultaria sempre da Cláusula acima transcrita referente a estes serviços, em cumprimento aliás do referido art.º 49.º, n.º 9, do CCP, que as indicações fornecidas – se aludissem a uma solução em concreto – teriam de admitir outras desde que equivalentes, como sempre seria o caso da solução fornecida pela V., SA se, por hipótese que apenas como tal se admite e refere, o Município de (...) tivesse, efectivamente, indicado que a solução principal pretendida seria a de ligações exteriores por rede por cobre.
38. Pelo que nenhuma razão, literal, teleológica, fáctica e tecnológica, se encontra para se poder dizer, por um lado, que no CE apenas uma solução de ligação se admitia e, por outro lado, que a V., SA se havia comprometido na sua proposta original com essa única solução.
39. O que implica que é incorrecto dizer que a V., SA na resposta que dá ao pedido de esclarecimentos altera a sua proposta original.
40. Assim sendo, falece também este último motivo da sentença recorrida para suportar a sua decisão de revogação do acto de adjudicação em favor da proposta da V., SA, e da determinação da sua exclusão, pelo que a sentença sob recurso tem de ser revogada.
41. Acresce ainda que, como resulta do procedimento, quem veio alterar a sua proposta em sede de esclarecimentos foi, sim, a M., SA, o que devia determinar a sua exclusão.
42. Nesse sentido, por não estar fechada ainda a questão sobre a validade da proposta da M., SA, nunca poderia o Tribunal a quo condenar o Município Demandado a contratar com esta concorrente, pelo que também esta última parte da decisão não é possível manter, para além de resultar prejudicada pela procedência dos anteriores motivos do recurso ora apresentado.

A recorrida autora contra-alegou (fls. 632 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando, a final, o seguinte quadro conclusivo:
A. Inexiste fundamento legal para considerar que a Sentença não cumpre com os ditames legais!
B. A Sentença recorrida não merece qualquer censura do ponto de vista jurídico-legal.
C. A Sentença do Tribunal a quo efectua uma absoluta e correcta aplicação da Lei Processual, subsumindo os factos ao Direito.
D. Tendo o Tribunal a quo bem fundamentado a Sentença e devendo a decisão por este proferida ser mantida pelo Venerando Tribunal ad quem.
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Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Sem vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se ao anular o ato de adjudicação, com fundamento em que a proposta adjudicada deveria ter sido excluída, com condenação do réu a proceder à adjudicação à autora, cuja proposta foi graduada em segundo lugar, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não vem impugnada no presente recurso nem deve ser oficiosamente objeto de qualquer alteração.
*
B – De direito

1. Da decisão recorrida
A autora M., S.A. peticionou no processo de contencioso pré-contratual, por referência ao procedimento de consulta prévia para “Aquisição de Serviço de Comunicações Fixas e Móveis incluindo Serviço de Divulgação e Informação via SMS ” aberto pelo MUNICÍPIO DE (...) que fosse declarada como não válida, por ilegal, a proposta apresentada pela contrainteressada V., S.A., por violação do Caderno de Encargos e consequentemente no disposto no Código dos Contratos Públicos (CCP) e por conseguinte, que fosse anulada a decisão de adjudicação da sua proposta, bem como, ainda, que a adjudicação fosse a si entregue, por a sua proposta ser a única legal e válida à luz das regras do Procedimento.
A pretensão impugnatória da autora fundou-se na invocação, que fez, de que a proposta da Contrainteressada V., SA deveria ter sido excluída pelos seguintes fundamentos essenciais:
i) por não cumprir integralmente com o especificado no Caderno de Encargos, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 70.º, aplicável por força da alínea o) do n° 2 do artigo 146°, ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP);
ii) por ter sido alterada em momento subsequente ao da sua apresentação, violando do princípio da intangibilidade (ou proibição de alteração de proposta entregue após o termo do prazo para a sua apresentação), o que configura violação de lei, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º, aplicável por força da alínea o) do n.º 2 do artigo 146°, ambos do Código dos Contratos Públicos, e por violar os princípios gerais da contratação pública, em particular os princípios de comparabilidade das propostas, da intangibilidade das propostas e de concorrência.


2. Dos fundamentos do recurso
A contra-interessada M., SA reage ao decidido, imputando erro de julgamento no que tange ao juízo de verificação das causas de invalidade do ato de adjudicação, feito na sentença recorrida que foram reconhecidas na sentença como verificadas, propugnando, em suma, que a sua proposta não deveria ter sido excluída, como foi entendido na sentença recorrida.

3. Da análise e apreciação dos fundamentos do recurso
3.1 Na situação presente, na decorrência da factualidade dada como provada na sentença recorrida, que não vem impugnada no recurso temos, resulta na essencialidade, que:
- por decisão do Presidente da Câmara Municipal de (...), de 26/04/2019, foi autorizado o procedimento de consulta prévia para “Aquisição de Serviços de Comunicações Fixas e Móveis Incluindo Serviço de Divulgação e Informação Via SMS”;
- em 30/04/2019 foi dirigido um convite às operadoras M., SA, N. e V., SA;
- nos termos daquele convite o critério de adjudicação era da proposta economicamente mais vantajosa, tendo por base a avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar;
- apresentaram propostas aquelas três operadoras;
- em 16/05/2019 o júri do procedimento solicitou esclarecimentos às operadoras M., SA e N. quanto a aspetos das respetivas propostas, as quais apresentaram os esclarecimentos solicitados;
- no relatório preliminar datado de 23/05/2019 o júri do procedimento propôs a admissão das propostas das propostas das três operadoras, com a seguinte graduação, de acordo com o respetivo preço:
1º - V., SA – valor da proposta: 37.399,24€
2º - M., SA – valor da proposta: 42.644,27€
3º - N. – valor da proposta: 48.790,08€
- em sede de audiência prévia a M., SA pronunciou-se no sentido de a proposta da V., SA dever ser excluída por não observar condições exigidas no caderno de encargos que ali explicitou;
- no relatório final, datado de 03/06/2019, o júri do procedimento, não acolheu a argumentação que a M., SA havia defendido em sede de audiência prévia, tendo, assim, mantido a ordenação das propostas constante do relatório preliminar, propondo a adjudicação à V., SA;
- relatório final que foi aprovado por despacho de 05/06/2019 da Presidente da Câmara Municipal de (...), com adjudicação do contrato à V., SA.

3.2 Tendo presente este circunstancialismo essencial, atentemos no quadro normativo aplicável e convocado para a solução do caso.
3.3 Desde logo há que evidenciar que tendo o procedimento pré-contratual aqui em causa sido iniciado por decisão do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 26/04/2019 (cfr. artigo 36º nº 1 do CCP), é aplicável a esse procedimento a versão do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro, na redação então vigente, que era a decorrente das alterações que até à data havia sofrido (sendo a última a efetuada pelo DL. nº 33/2018, de 15 de maio), na medida em que lhe é posterior o DL. nº 170/2019, de 4 de dezembro, que procedeu à décima primeira alteração ao Código dos Contratos Públicos, e as modificações por estre introduzidas não lhe são aplicáveis (cfr. artigos 7º e 8º).
Pelo que todas as referências aos normativos do CCP (Código dos Contratos Públicos) devem ter-se por efetuadas para aquela versão do Código, que era a que se encontrava em vigor e, assim, a temporalmente aplicável ao procedimento pré-contratual objeto dos presentes autos.
3.3 Depois, e porque a entidade adjudicante adotou o procedimento de «consulta prévia», que é o que se encontra referenciado no artigo 16º nº 1 alínea b) do CCP, importa convocar, no que apresenta relevância para a situação presente, o quadro normativo a que o procedimento pré-contratual em causa se encontra submetido.
Vejamos então.
3.4 O procedimento pré-contratual de «Consulta Prévia» (previsto no artigo 16º nº 1 alínea b) do CCP), é legalmente definido como “…o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente pelo menos três entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar os aspetos da execução do contrato a celebrar” (cfr. artigo 112º nº 1 do CCP).
Sendo adotado o procedimento de «Consulta Prévia», constituem peças do respetivo o «convite» e o «caderno de encargos» (cfr. artigo 40º nº 1 alínea b) do CCP) as quais são aprovadas pelo órgão competente para a decisão de contratar (cfr. artigo 40º nº 2 do CCP).
A respeito do «convite» dispõe o seguinte o artigo 115º do CCP:
“Artigo 115º
Convite
1 - O convite à apresentação de proposta deve indicar:
a) A identificação do procedimento e da entidade adjudicante;
b) O órgão que tomou a decisão de contratar e, no caso de esta ter sido tomada no uso de delegação ou subdelegação de competência, a qualidade em que aquele decidiu, com menção das decisões de delegação ou subdelegação e do local da respetiva publicação;
c) O fundamento da escolha do procedimento de consulta prévia ou de ajuste direto;
d) Os documentos referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º, se for o caso;
e) Os documentos que constituem a proposta que podem ser redigidos em língua estrangeira, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 58.º;
f) O prazo para a apresentação da proposta;
g) O modo de apresentação da proposta, através de meio de transmissão eletrónica de dados, se diferente do previsto no n.º 1 do artigo 62.º;
h) O modo de prestação da caução ou os termos em que não seja exigida essa prestação de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 88.º;
i) O valor da caução, quando esta for exigida;
j) O prazo para a apresentação, pelo adjudicatário, dos documentos de habilitação, que pode ser até cinco dias, bem como o prazo a conceder pela entidade adjudicante para a supressão de irregularidades detetadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 86.º;
2 - Tratando-se de procedimento de consulta prévia, o convite deve também indicar:
a) Se as propostas apresentadas serão objeto de negociação e, em caso afirmativo:
i) Quais os aspetos da execução do contrato a celebrar que a entidade adjudicante não está disposta a negociar;
ii) Se a negociação decorrerá, parcial ou totalmente, por via eletrónica e os respetivos termos;
b) O critério de adjudicação e os eventuais fatores e subfatores que o densificam, não sendo, porém, necessário um modelo de avaliação das propostas.
3 - (Revogado.)
4 - O convite e a proposta devem ser enviados através de meios eletrónicos, não sendo obrigatória a utilização de plataforma eletrónica.
5 - Quando o ajuste direto seja adotado ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 27.º:
a) O critério de adjudicação pode ter em conta a ordenação das propostas efetuada no âmbito do concurso de conceção;
b) O caderno de encargos deve ser substancialmente idêntico ao que acompanhou os termos de referência do concurso de conceção.
Temos, assim, que quando o tipo de procedimento pré-contratual adotado seja o de «Consulta Prévia» não há lugar à elaboração de um «programa do procedimento» enquanto regulamento definidor dos termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração (cfr. artigo 41º do CCP) por esses serem (para além daqueles que se encontram previstos na lei, ou a ela subordinados), os vertidos no respetivo «convite» (cfr. artigos 40º nº 1 alínea b) e 115º do CCP).
Por sua vez, e no que respeita ao «caderno de encargos», enquanto peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, dispõe o artigo 42º do CCP o seguinte:
“Artigo 42º
1 - O caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
2 - Nos casos de manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato a celebrar, as cláusulas do caderno de encargos podem consistir numa mera fixação de especificações técnicas e numa referência a outros aspetos essenciais da execução desse contrato, tais como o preço ou o prazo.
3 - As cláusulas do caderno de encargos relativas aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência podem fixar os respetivos parâmetros base a que as propostas estão vinculadas.
4 - Os parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis.
5 - O caderno de encargos pode também descrever aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, nomeadamente mediante a fixação de limites mínimos ou máximos a que as propostas estão vinculadas.
6 - Os aspetos da execução do contrato, constantes das cláusulas do caderno de encargos, podem dizer respeito, desde que relacionados com tal execução, a condições de natureza social, ambiental, ou que se destinem a favorecer:
a) A aplicação de medidas de promoção da igualdade de género e da igualdade salarial no trabalho;
b) O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho;
c) A conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal dos trabalhadores afetos à execução do contrato;
d) A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
7 - (Revogado.)
8 - (Revogado.)
9 - (Revogado.)
10 - (Revogado.)
11 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 3 e 5, consideram-se aspetos submetidos à concorrência todos aqueles que são objeto de avaliação de acordo com o critério de adjudicação, e aspetos não submetidos à concorrência todos aqueles que, sendo apreciados, não são objeto de avaliação e classificação.

Em termos de tramitação do procedimento de «Consulta Prévia», se não estiver contemplada no respetivo «convite» a possibilidade de as propostas apresentadas serem objeto de uma fase de negociação (cfr. artigos 118º e 115º do CCP), apresentadas as propostas, o júri do procedimento elabora relatório preliminar a que se refere o artigo 11º do CCP em que verte a análise das propostas e a aplicação do critério de adjudicação, propondo a ordenação das mesmas (cfr. artigos 112º nº 1 do CCP). Relatório onde o júri “…deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas por qualquer dos motivos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 146.º, aplicáveis com as necessárias adaptações, bem como das que sejam apresentadas em violação do disposto na parte final do n.º 1 do artigo anterior” (cfr. artigos 112º nº 2 do CCP). Relatório preliminar de que deve ainda constar referência aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes nos termos do disposto no artigo 72.º (cfr. artigos 112º nº 3 do CCP).
Assegurada audiência prévia relativamente àquele Relatório Preliminar (cfr. artigo 123º do CCP) o júri elabora o Relatório Final a que o artigo 124º do CCP se refere, dispondo, quanto a ele, o seguinte:
Artigo 124º
Relatório Final
1 - Cumprido o disposto no artigo anterior, o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de propostas se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146.º
2 - No caso previsto na parte final do número anterior, bem como quando do relatório final resulte uma alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar, o júri procede a nova audiência prévia, nos termos previstos no artigo anterior, restrita aos concorrentes interessados, sendo subsequentemente aplicável o disposto no número anterior.
3 - O relatório final, juntamente com os demais documentos que compõem o processo de ajuste direto, é enviado ao órgão competente para a decisão de contratar.
4 - Cabe ao órgão competente para a decisão de contratar decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação.

3.5 Do disposto nos artigos 112º nº 2 e 124º nº 2 do CCP, em particular da remissão ali efetuada para o nº 2 do artigo 146º do mesmo Código, resulta que no procedimento de «Consulta Prévia» o júri deve propor a exclusão da proposta, para além de outras situações, quando se verifique, pela respetiva análise, que ela revela “…alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70º” (cfr. artigo 146º nº 2 alínea o) do CCP), entre as quais se incluem as que as alíneas b) e f) daquele nº 2 do artigo 70º do CCP enunciam nos seguintes termos:
Artigo 70º
Análise das propostas
1 –As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
(…)
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.ª;
(…)
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
(…)

3.6 Sendo que foi precisamente com invocação daquelas alíneas b) e f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, que a autora defendeu na ação, com acolhimento na sentença recorrida, que a proposta da V., SA devia ter sido excluída.
Vejamos, pois, em que termos essa invocação foi feita e como foio analisada pelo Tribunal a quo, com vista a aferirmos se o Tribunal a quo incorreu, ou não, em erro de julgamento.
3.7 Quanto ao primeiro dos fundamentos (de que a proposta da contra-interessada V., SA deveria ter sido excluída por não cumprir integralmente com o especificado no Caderno de Encargos, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 70.º, aplicável por força da alínea o) do n° 2 do artigo 146° do CCP), a sentença recorrida verteu o seguinte:
«(…)
O procedimento concursal em causa destinou-se à contratação de “Serviços de Comunicações Fixas e Móveis Incluindo Serviço de Divulgação e Informação Via SMS”, em que o critério de adjudicação foi o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo por base a avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1e n.º 3 do artigo 74.º do CCP.
Do convite dirigido às concorrentes consta que a proposta deve ser acompanhada da declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao referido convite; documento que contenha o preço proposto de acordo com o concorrente se dispõe a contratar; os preços das propostas, que devem incluir todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar; o preço global da proposta, e deve indicar o preço unitário de comunicações fixas, moveis de voz incluindo serviço de divulgação e informação via sms (€); a proposta e demais documentos que a constituem serão redigidos em língua portuguesa (cfr. ponto 4 da matéria de facto assente).
O Réu Município decidiu admitir todas as propostas apresentadas pelas concorrentes convidadas, conforme se retira da matéria de facto provada.
Dispõe o n.º 1 do artigo 70.º do CCP, que “(…) as propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições”, sendo que nos termos da alínea b) do n.º 2, “(…) são excluídas as propostas cuja análise revele: que apresentam atributos que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º”.
O que quer dizer que esta norma sanciona com a exclusão a proposta (1) que apresenta atributos violadores dos parâmetros base fixados no caderno de encargos (2) e a que, apesar dos seus atributos serem corretos, apresenta, contudo, termos ou condições que violam aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
É, assim, pacífico que as propostas cujos termos ou condições violem aspetos da execução do contrato a celebrar não submetidos à concorrência devem ser excluídas, o que bem se compreende visto tal violação constituir impedimento à celebração do contrato (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/09/206, Processo n.º 0867/16, disponível in www.dgsi.pt).
Assim, no que concerne à previsão constante da alínea b) do artigo 70.º, é de salientar que o caderno de encargos contém um clausurado que é para aceitar integralmente e sem desvios, salvo quanto ao que for expressamente deixado à concorrência e cujo preenchimento pelas propostas constituem os seus atributos. Conclui-se, desta disposição, que não há lugar a propostas condicionadas, isto é, a propostas com cláusulas diferentes das que resultam do imperativamente estabelecido no caderno de encargos.
Como refere JORGE DE ANDRADE, in Código dos Contratos Públicos, Anotado, 8.ª Edição Revista e Atualizada, pág. 261, em anotação a este preceito “ainda com referência àquela disposição, recorde-se que parâmetro base é um aspeto da execução do contrato relativamente ao qual o caderno de encargos fixa um limite máximo e/ou um limite mínimo a que as propostas estão vinculadas (artigo 42.º, n.º 3); termos ou condições são aspetos da execução do contrato a celebrar que a entidade adjudicante, na fase pré contratual, não submete à concorrência, pretendendo vincular os concorrentes a observá-los nos termos ou condições que declararem na sua proposta. Por isso, aspetos da execução, embora não submetidos à concorrência, o caderno de encargos não pormenoriza nem fixa, limitando-se a estabelecer os limites dentro dos quais as propostas se devem situar, não podendo ficar aquém ou ir além deles. Porque se trata de aspetos da execução não estão submetidos à concorrência, a forma como o preenchimento desse máximo e mínimo é feito pela proposta não pode influir na avaliação desta.”
De modo que, no tocante aos aspetos da execução do contrato subtraídos à concorrência pelo caderno de encargos, as propostas estão vinculadas a observar, inclusivamente, os parâmetros-base fixados nos termos ou condições, configurados por limites máximos ou mínimos fixados no caderno de encargos, o que significa que em caso de violação serão excluídas (vide artigos 42.º nº 5 e 70.º nº 2 b) 2ª parte CCP). Ou seja, ainda que em matérias adjudicatoriamente irrelevantes, desde que, no caso concreto se conclua pela verificação dos pressupostos de exclusão definidos na lei, a decisão neste sentido configura um momento vinculado de exercício da competência do júri e, hoc sensu, da entidade adjudicante, pois que, embora “(..) sendo-lhes (aos concorrentes) admitido apresentar soluções (termos ou condições) dentro de determinadas barreiras definidas pela entidade adjudicante, isso não se reflete na avaliação e classificação das propostas, mas apenas na sua admissão ou exclusão (alínea b) do artigo 70º/2) e no conteúdo (da adjudicação, bem como, consequentemente) do contrato a celebrar (...)” (MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de contratação pública Almedina/2011, págs.361/362, 932, 954/955.)
Revertendo ao caso dos autos, decorre da cláusula 25.º do caderno de encargos que a entidade adjudicante solicita dois circuitos: um a 4Mbps(Min) para a solução de voz – “(iii) Fornecimento de Acesso de Circuito Dedicado para Suporte de Solução de Comunicação (mínimo 4Mbps” - e outro a 30 Mbps (Min) para a internet – “Internet em fibra ótica: Fibra para acesso com débitos simétricos: Edifício da Câmara Municipal de (...) – 30 Mbps” - cfr. ponto 2 da matéria de facto assente.
Ora, analisando a proposta da Contrainteressada, verificamos que a mesma contempla 1 circuito para os serviços de voz, apresentando a seguinte solução “Acessos de Circuito Dedicado para suporte de Solução de Comunicações 30 Mbps”. Para este serviço, de acordo com tal cláusula, cada concorrente tinha de “garantir a ligação de serviço telefónico Fixo-Móvel, um circuito dedicado em fibra óptica, a 4 Mbps, no mínimo, para suporte da solução de comunicação com estas características”.
Neste caso, a Contrainteressada não só cumpre com o solicitado, como ultrapassa em muito o que é exigido (cfr. se pode ver da proposta no ponto 6 da matéria de facto assente.
Já no que respeita ao circuito pedido para a “Internet em fibra ótica: Fibra para acesso com débitos simétricos: Edifício da Câmara Municipal de (...) – 30 Mbps”, a proposta nada contempla quanto a este requisito, como, aliás, refere o próprio Réu.
Assim, quanto a este aspeto, refere o Réu Município que relativamente “ao serviço de “Internet em fibra ótica”, não se vislumbrando, de forma expressa, uma solução para este serviço, veio a V., SA, em sede de esclarecimentos, informar que a solução proposta cumpre com os requisitos serviços e configurações associadas de acordo com o descrito na cláusula 25.º. E o circuito apresentado apresenta as características necessárias ao cumprimento dos requisitos de velocidade e níveis de serviço requeridos.”
Já o júri, no Relatório final, no que se refere a este ponto, referiu o seguinte: “Relativamente à internet em fibra ótica – Fibra para acesso a internet com débitos simétricos foram solicitados esclarecimentos ao concorrente, a este nível, o júri considerou-os válidos aquando da resposta ao pedido de esclarecimentos, efetuados através da Ata n.º 1, pois embora se possa configurar como eventual circuito o facto é que o Caderno de Encargos não o explicita e em termos concretos. Em resposta o concorrente refere “que o circuito apresentado apresenta as características necessárias ao cumprimento dos requisitos de velocidade e níveis de serviços requeridos”, neste sentido fica obrigado a cumprir com a solução que venha a operar na realidade de acordo com o estabelecido no Caderno de Encargos, para este serviço em concreto. Nestes termos, a ser implementado, este serviço terá que cumprir com os requisitos de velocidade e níveis de serviço (30 Mbps relativamente à Internet em fibra ótica).” (negrito nosso).
Ora, na situação em apreço, e tendo em conta as alíneas i), ii) e iii), do ponto 4 do convite à apresentação da proposta, exigia-se enquanto documentos da proposta, a declaração do concorrente de aceitação do conteúdo de caderno de encargos, o documento que contivesse o preço proposto de acordo com o concorrente se dispõe a contratar e os preços das propostas, que deviam incluir todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar.
De acordo com o previsto na alínea iii) do referido convite o concorrente deveria entregar um documento onde se incluísse o preço das propostas, com a discriminação de todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar.
Ora, no caso em apreço, pela Contrainteressada V., SA não foi incluído o serviço “Internet em fibra ótica”, pelo que, por maioria de razão também não foi incluído o preço inerente a tal serviço.
Assim, só podemos concluir que a proposta apresentada pela Contrainteressada V., SA não cumpre com os termos e condições fixadas para o seguinte critério: “Internet em fibra ótica: Fibra para acesso com débitos simétricos: Edifício da Câmara Municipal de (...) – 30 Mbps”.
Destarte, conclui-se que a proposta apresentada pela Contrainteressada não cumpre com os requisitos fixados no caderno de encargos, pelo que a violação de tais requisitos importava a exclusão da proposta da Contrainteressada V., SA, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
Termos em que, tendo o ato de adjudicação recaído sobre a proposta desta Contrainteressada, sofre o mesmo do vício de violação de lei, o que importa a sua anulação.»
3.8 O Tribunal a quo considerou que a proposta da V., SA cumpria, e até ultrapassava o mínimo exigido na cláusula 25º do Caderno de Encargos para a «solução de voz», pelo que não reconheceu nessa parte razão à autora M., SA. No que o Tribunal a quo lhe reconheceu razão, e vem posto em causa no presente recurso, foi quanto aos exigidos 30 Mbps para a internet em fibra ótica.
3.9 Quanto a este aspeto a recorrente V., SA sustenta no presente recurso que o Tribunal a quo entendeu que a sua proposta da viola o CE, devendo ser excluída nos termos do artº 70º nº 2 alínea b) do CCP, porque não assume expressamente que na mesma se inclui um circuito de internet de 30Mbps, mas apenas um outro circuito para voz, também com 30Mbps; que nos termos da Cláusula 25.ª do CE eram pedidos dois circuitos, sendo um para a solução de voz com um mínimo de 4Mbps, e outro para internet em fibra óptica, com 30Mbps; que a sentença parte do incorreto pressuposto de que, para o circuito de internet também se definia um parâmetro base mínimo, pelo que era necessário que cada concorrente definisse quanto em concreto oferecia; que esse pressuposto de que a sentença a quo parte altera completamente a conclusão jurídica tirada pelo Tribunal, por na verdade se aquela especificação técnica fixasse um mínimo, seria naturalmente exigível aos concorrentes que indicassem que largura de banda, em concreto, ofereciam; e que ao contrário, se a largura estivesse desde já fixada, como entende que estava, não se exigia aos concorrentes sua expressa indicação, já que o CE a dava já e os concorrentes haviam já aderido expressamente e sem reservas a este documento do procedimento, a menos que a Entidade Adjudicante o pedisse expressamente, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, alínea c), e art.º 115.º, n.º 1, alínea d), ambos do CCP, o que não aconteceu, como se retira do constante do Ponto 4. do Convite; que tendo a sua proposta apresentado todos os documentos exigidos, bem como toda a informação exigida pela Entidade Adjudicante, e dado que para a internet se fixava um circuito com 30Mbps, e não este valor como mínimo, nenhuma razão há para dizer que algo falha na proposta, sendo que se assume nela a obrigação do escrupuloso cumprimento das especificações técnicas constantes da Cláusula 25.º do CE; que resulta patente do Convite que o réu Município não pediu este tipo de documentos indicados no art.º 115.º, n.º 1, alínea d), e 57.º, n.º 1, alínea c), ambos do CCP, pelo que a V., SA na sua proposta evidenciou o débito proposto para o circuito de voz (que era um parâmetro aberto), e já não para o de internet (que era um parâmetro fechado), declarando apenas que cumpria as determinações e especificações constantes da Cláusula 25.ª do CE onde aquele parâmetro estava indicado de forma fechada, (cfr. pontos 2 e 6 da matéria assente); que, assim, afirmar que o valor para a largura de banda pedida para a internet consubstancia um parâmetro mínimo, e não fixo, consubstancia um pressuposto errado da sentença - (vide, designadamente, conclusões 3ª a 12ª das alegações de recurso).
E sustenta ainda que a sentença também falha quando interpreta o Ponto 4 do Convite no sentido de neste se exigir uma valorização expressa a cada especificação e que, como a V., SA não indicava expressamente o circuito de internet pedido, também o não o havia valorizado, pelo que a sua proposta não incluía todos os encargos e despesas que deviam ser discriminados, no entendimento do Tribunal a quo, o que implicava a sua exclusão; que, todavia, quando no sub-ponto III do Ponto do Convite se exige os preços das propostas, os quais “devem incluir todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar”, tal não significa que os concorrentes devessem enumerar e valorar, especificação a especificação, tudo quanto era exigido na Cláusula 25.ª do CE; que tal significa, como é normal em contratação pública, que o preço oferecido inclui tudo quanto é necessário para executar o serviço a prestar, de acordo com o previsto, aliás, na Cláusula 10.ª, n.º 4, do CE e que, assim, a sentença falhou na interpretação e aplicação das normas do Concurso, o que levou à assunção de premissas e pressupostos incorretos que induziram o Tribunal a quo a aplicar o Direito também incorretamente, tendo em conta as normas aplicáveis e a realidade sobre a qual foi chamado a julgar, pugnando não se encontrar qualquer violação do CE ou das normas que no Convite indicavam como devia ser apresentada a proposta, e não faltando à proposta da V., SA qualquer termo ou condição que nela obrigatoriamente devesse constar, expressa ou implicitamente, não se encontra qualquer base para a mesma ser excluída por força do disposto no art.º 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, ao contrário do que se conclui na sentença sob recurso, o que determina a sua revogação - (vide, designadamente, conclusões 13ª a 18ª das alegações de recurso).
3.10 Diga-se, desde já, que não é, efetivamente, de subscrever o entendimento feito na sentença recorrida de que por força do previsto na alínea III) do Convite, o concorrente deveria ter entregue um documento onde se incluísse o preço inerente ao serviço “Internet em fibra ótica”.
3.11 Atenha-se que era o seguinte o teor do «Convite» do procedimento pré-contratual aqui em causa (o qual se mostra assim vertido no ponto 4. Do probatório da sentença recorrida):
“AQUISIÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÕES FIXAS E MÓVEIS INCLUINDO SERVIÇO DE DIVULGAÇÃO E INFORMAÇÃO VIA SMS
1. Entidade adjudicante: Município de (...), (...), (…), (...), te1.(…).
2. Órgão que tomou a decisão de contratar: A Presidente da Câmara Municipal, por despacho datado de 28 de março de 2019, no uso de competência delegada conforme deliberação de 16 de Outubro de 2017.
3. Fundamento da escolha do procedimento de consulta prévia: De acordo com as disposições conjugadas do artigo 18. ° e do artigo 20. °, n. ° 1, alínea c), do CCP, a escolha do procedimento de consulta prévia é feita tendo por base o valor do contrato.
4. Documentos que devem acompanhar a proposta:
I. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente convite, a qual deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
II. Documento que contenha o preço proposto de acordo com o concorrente se dispõe a contratar;
III. Os preços das propostas, que devem incluir todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar, são indicados em algarismos e não incluem o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), devendo a proposta mencionar que aos preços acresce o IVA, indicando o montante e a taxa legal aplicável, sendo que, quando também por extenso, em caso de divergência, estes prevalecem, para todos os efeitos, sobre os indicados em algarismos;
IV. O preço global da proposta, e deve indicar o preço unitário de comunicações fixas, moveis de voz incluindo serviço de divulgação e informação via sms (€);
V. A proposta e demais documentos que a constituem serão redigidos em língua portuguesa;
VI. A proposta deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o fazer.
5. Prestação de caução e admissão de propostas variantes: não é exigida a prestação de caução, e não é admitida proposta variante.
6. O critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores:
O critério de adjudicação será o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo por base a avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos do previsto na alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 74. ° do CCP.
Nos termos do disposto nos n. (s) 4 e 5 do artigo 74. ° do CCP, estabelece-se como critério de desempate, o sorteio, a desenrolar presencialmente com os interessados. em data, hora e local a comunicar com a antecedência de um dia útil, do qual será lavrada ata por todos os presentes.
7. Preço ou custo anormalmente baixo:
Para efeitos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 71. ° do CCP, o preço de uma proposta é considerado anormalmente baixo quando o preço da proposta for 15% (quinze por cento) inferior em relação à média dos preços das propostas admitidas.
8. Entrega da proposta e prazo:
A proposta e os documentos que a constituem devem ser apresentados através de meio de transmissão eletrónica de dados, designadamente cmafe.ccp.alfandeoactmail.com e preferencialmente encriptada, tendo o (s) interessado (s) de enviar código de acesso, até às 12:30h; após o término para a apresentação da proposta (11. ° dia).
9. Prazo para apresentação da proposta: 10 (dez) dias e até às 23:59 do último dia, seguidos a contar da data do envio do presente convite.
10. Negociação: O presente procedimento não será sujeito a negociação.
11. Esclarecimentos:
Nos termos do artigo 116. ° do CCP os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento devem ser solicitados pelos interessados, por escrito, até ao primeiro terço do termo do prazo fixado para apresentação da proposta.
Em conformidade com o disposto no artigo 125. ° do CCP, compete aos serviços da entidade adjudicante pedir esclarecimentos sobre a proposta apresentada, podendo o concorrente ser convidado a melhorar a sua proposta.
12. Decisão de adjudicação e apresentação de documentos:
Cumpridas as formalidades previstas nos pontos anteriores, a entidade adjudicante procede à adjudicação da proposta.
O adjudicatário deve apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar da notificação da adjudicação, os seguintes documentos:
Declaração emitida conforme modelo constante do Anexo II (alínea a), do n.º 1, do artigo 81. ° do CCP).
Tendo em vista a supressão de eventuais irregularidades detetadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 86. ° do CCP, poderá ainda ser concedido pela entidade adjudicante um prazo de cinco dias úteis, em cumprimento do preceituado na alínea j) do n.º 1 do artigo 115.° do CCP.
Anexa-se:
a) Caderno de encargos;
b) Anexo I ao Código dos Contratos Públicos.”

3.12 Ora, o que consta dos indicados pontos I), II) e III) do Ponto 4. daquele Convite não consente a interpretação que deles foi retirada pela sentença recorrida. O que eles exigem é:
- a entrega de declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos (ponto I.);
- a entrega de documento que contenha o preço proposto (ponto II.);
- que os preços das propostas incluíam todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar sem inclusão do IVA (mas com menção de que a eles acresce o IVA, indicando-se o montante e a taxa legal aplicável), e que sejam indicados em algarismos (ponto III.).
Aliás, isso mesmo o evidencia o Ponto 4. IV. daquele Convite, na medida em que, no que à afirmação dos preços respeita, o que ali se refere é “o preço global da proposta” e a indicação do “preço unitário de comunicações fixas, moveis de voz incluindo serviço de divulgação e informação via sms (€)”.
3.13 Pelo que, como bem assinala a recorrente, não é correto, não tendo suporte naquela peça do procedimento, o entendimento feito pelo Tribunal a quo de que o Convite exigisse aos concorrentes a «discriminação de todos os encargos inerentes ao objeto do contrato a celebrar».
Assistindo, neste aspeto, razão ao recorrente
3.14 Mas, ainda assim, permanece em aberto a questão de saber se a proposta da V., .S.A. devia ter sido excluída por não assegurar os requisitos técnicos no Caderno de Encargos quanto ao circuito para a «Internet em fibra ótica: Fibra para acesso com débitos simétricos: Edifício da Câmara Municipal de (...) – 30 Mbps», e que assim, por tal fundamento, devia ter sido excluída, como entendeu a sentença recorrida.
3.15 Tenhamos presente que, nos termos vertidos no ponto 2. do probatório da sentença recorrida, do Caderno de Encargos do procedimento constava, além do mais, na sua cláusula 25º, sob a epigrafe Serviço comunicações é constituído pelos seguintes serviços, o seguinte (o «negrito» é nosso, e foi agora efetuado para melhor evidenciação):
«Requisitos técnicos e funcionais

Serviço móvel de voz e dados e SMS via Web”

Definem-se os seguintes requisitos técnicos e funcionais mínimos:
• Garantir a portabilidade de numeração para todos os serviços existentes no universo da entidade adjudicante, caso seja solicitado. Qualquer custo associado à portabilidade dos números é da responsabilidade da entidade prestadora do serviço;
• Garantir o transporte das classes de tráfego definidas para esta componente;
• Garantir o acesso aos serviços discriminados para esta componente;
• Facturação ao segundo a partir do 30° segundo;
• Unidade de facturação de dados: 10kB;
• Garantir a possibilidade do Município estabelecer um valor máximo de comunicações a atribuir a cada colaborador;
• Garantir a possibilidade de, por opção do colaborador, após ter atingido o valor máximo de comunicações, os custos subsequentes serem por si suportados, originando a emissão de uma factura adicional em formato electrónico ou em papel;
• Garantir que os colaboradores possam usufruir de outros serviços disponibilizados pela operadora para além dos contratados pelo Município, sendo os custos assumidos pelos colaboradores;
• Fornecer e apresentar terminais conforme as opções em termos de marcas e modelos, para a totalidade das tipologias seguintes:

Serviços SMS/WEB
• Aquisição de módulo de 10.000 (dez mil) SMS/mensais com possibilidade de acesso ao portal de configuração e gestão de SMS:
o Capacidade de enviar a mesma mensagem para diversos números;
o Plataforma com capacidade de importar contactos já existentes do Município;
o Capacidade de integração do serviço SMS com a nossa aplicação interna de Gestão Documental de forma a enviar SMS aos munícipes com alertas de processos.
Fornecimento de 3 Router 4G 15 utilizadores por cada banda larga condições de velocidade:
Velocidade máxima de download: Até 150
Mbps Velocidade máxima de upload: Até 50
Mbps Autonomia: 7h
•Serviço telefónico fixo-móvel Serviço Central Virtual
Caracterização de tráfego
Garantir a ligação de serviço telefónico Fixo-Móvel, um circuito dedicado em fibra óptica, a 4 Mbps, no mínimo, para suporte da solução de comunicação com estas características,
a) O tráfego afeto ao serviço telefónico fixo é classificado da seguinte forma para os 92 utilizadores;
b) A cada utilizador é atribuído 4.000 minutos por mês para todas as redes fixas e móveis nacionais e 1000 minutos para 50 destinos internacionais, com 32 canais de voz;
c) Fornecimento de 5 Fax Online.
Requisitos técnicos e funcionais
Definem-se os seguintes requisitos técnicos e funcionais mínimos:
Solução de comunicações unificadas com integração total entre Fixo/Móvel, com funcionalidades avançadas de telefonia IP associadas aos telefones fixos IP e GSM, com as seguintes características:
a) Por localização fixa “Sede do município:
i) Instalação, formação (período nunca inferior a uma manhã / tarde), manutenção, suporte;
ii) Fornecimento de equipamentos, Routers e Switchs para interligação de todos os telefones IP necessários bem como circuitos para efectivação do serviço;
iii) Fornecimento de Acesso de Circuito Dedicado para suporte da Solução de Comunicação (mínimo 4Mbps);
b) Por utilizador de numeração fixa e numeração móvel, deve a solução garantir as seguintes funcionalidades:
i) Funcionalidades avançadas de gestão de chamadas, incluindo a disponibilização de software a instalar nos PCs que possa gerir todas as comunicações do utilizador no PC, Fixas e Móveis;
ii) Chamadas entre utilizadores da solução do Município de (...) Fixo/Móvel taxadas a 0€ (não inclui roaming);
iii) Chamadas para a rede fixa nacional realizadas a partir do escritório, sejam elas originadas no fixo sejam elas originadas no telemóvel, devem ser taxadas a (0€);
iv) Numeração geográfica (279xxxxxx) incluída; v) Portabilidade gratuita (caso se verifique);
c) Devem ser garantidas funcionalidades avançadas de central telefónica IP. Devem estar contempladas, entre outras, funcionalidades avançadas de atendimento para os números públicos, nomeadamente a distribuição automática de chamadas incluindo guias vocais de atendimento automático (funcionalidades IVR – Interactive Voice Response). Deve também ser possível o utilizador parametrizar em sistema, um conjunto de guias vocais identificadoras do seu estado para os chamadores. Deverá ser possível activar e desactivar as mesmas através de IVR do próprio sistema, entre outros e devem ser previstos as seguintes indicações de estado:
i) “Utilizador em reunião”
ii) “Utilizador de férias”
iii) “Utilizador indisponível”
iv) “Utilizador em viagem”
Sempre que alguém ligue para um DDI ou número GSM do utilizador, deverá ouvir a mensagem de estado escolhida pelo utilizador (escolhida através de IVR – linha própria – de sistema: “Utilizador em reunião” ou “Utilizador de férias” ou “Utilizador indisponível” ou “Utilizador em viagem”).
d) Deverá ser possível a configuração e parametrização de todas as funcionalidades de utilizadores e de empresa (tal como funcionalidades de IVR, por exemplo), através de portal de configuração online em formato Web;
e) O acesso à página online de configuração (funcionalidades de empresa e utilizadores) deve ser independente e uno. Cada utilizador deverá ter a sua password, e ter acesso online ao seu portal para configuração das suas funcionalidades pessoais. Deverá existir a possibilidade de criação de Administrador de Grupo (com privilégios de visualização e alteração das configurações dos utilizadores do seu grupo) e Administrador da solução (com privilégios de visualização e alteração das configurações de todos os utilizadores do Município de (...)).
f) As funcionalidades acima descritas deverão ser aplicadas de forma transversal aos equipamentos fixos (telefones fixos) e equipamentos móveis (telemóveis);
g) Criação de uma Rede Privada Virtual (Virtual Private Network – VPN) integrando todas as comunicações de voz, fixas e móveis, passando a haver extensões fixas e extensões móveis da VPN, criando uma rede interna do Município que garanta convergência Móvel-Fixo, Fixo-Móvel e Móvel-Móvel;
h) Devem ser garantidos serviços de fornecimento, instalação, manutenção e suporte de toda a solução, sem custos adicionais; i) Facturação ao segundo a partir do 30.º segundo;
Devem ser fornecidos os seguintes equipamentos conforme modelos descritos, para a totalidade das tipologias seguintes:
- Equipamentos do Tipo A:
Estes equipamentos representam 10+10 equipamentos. Possuem as características de telefone IP do tipo ou equivalente ao “YEALINK T27P” + Modulo de Teclas EXP 20, os telefones VOIP têm de incluir transformador de alimentação ao mesmo:
- Equipamentos do Tipo B:
Estes equipamentos representam 81 equipamentos. Possuem as características de telefone IP do tipo ou equivalente ao “YEALINK T21P”, os telefones VOIP têm de incluir transformador de alimentação ao mesmo:
- Equipamentos do Tipo C:
Estes equipamentos representam 2 equipamentos. Possuem as características de telefone GSM do tipo ou equivalente ao “Huawei F662”:
Os concorrentes deverão disponibilizar a descrição detalhada das características
técnicas de cada um dos equipamentos terminais propostos.
(…)

Internet em fibra ótica:
Fibra para acesso a internet com débitos simétrico

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Requisitos técnicos e funcionais Disponibilização do acesso com largura de banda garantida conforme descrito nas tabelas acima; Ligação Internet sem limites de tráfego e de tempo, Nacional e Internacional; Atribuição de uma gama de 14 endereços IP fixos para o acesso do Município; Fornecimento dos equipamentos de acesso e dos respectivos serviços de OMG; Disponibilização on-line de relatórios de serviço sobre dados de desempenho e de tráfego; Serviço de help-desk que garanta assistência pós venda; Prazo de instalação não superior a 5 dias, após a celebração do contrato; O serviço proposto deve incluir a instalação e configuração adequada, não apenas às características da rede privativa pretendida, como também às características da rede informática existente no Município.
(…)

Linhas Analógicas, TV Fibra e ADSL
Caracterização de tráfego
Garantir a ligação das linhas analógicas com terminação a 54 volts DC às instalações do seguinte quadro, cada linha com 600 minutos mês para as redes fixas nacionais
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
…»

3.17 O Caderno de Encargos estabelecia, assim, um padrão mínimo quanto às características técnicas referentes ao serviço de internet para o edifício da Câmara Municipal que deveria ser em fibra ótica, com débitos simétricos, e a 30 Mbps, sendo, esta, pois, a velocidade mínima que deveria ser assegurada para aquele local.
3.18 Porém, na sua proposta a V., SA nada evidenciou quanto a este aspeto.
O que, aliás, originou um pedido de esclarecimentos por parte do júri, nos seguintes termos (vide 7. do probatório constantes da sentença recorrida):
«Nos termos da Cláusula 25.ª Serviço comunicações, do Caderno de Encargos, vimos solicitar os seguintes esclarecimentos: No que se refere ao serviço de Internet em fibra ótica - Fibra para acesso a internet com débitos simétricos, parte integrante do Caderno de Encargos e da presente Cláusula, verificou-se que em relação a este serviço não se vislumbra de forma expressa uma solução para este serviço, numa primeira observação (constata-se de certa forma que tal acesso de circuito dedicado para suporte de Comunicações de 30 mbps vem integrado no Serviço Telefónico Fixo Móvel Central Virtual). Solicita-se assim se corresponde ao solicitado, e se porventura é considerada a melhor solução para o pretendido.
Nestas circunstâncias, solicita-se que procedam a uma explicação e os devidos esclarecimentos à questão colocada.»

3.19 Sendo que, perante a invocação, feita pela concorrente M., SA em sede de audiência do procedimento, o júri veio a plasmar no seu Relatório Final o seguinte (vide 11. do probatório vertido na sentença recorrida):
«(…)
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Procedeu-se à audiência prévia dos concorrentes, tendo sido remetido aos interessados o Relatório Preliminar, nos termos do artigo 123.º do CCP.
Dentro do prazo estabelecido para a audiência prévia, foi apresentada uma pronúncia por parte do concorrente M., S.A., conforme faculdade permitida no n. º2 do artigo 123.º
Este concorrente pronuncia-se no sentido de que a proposta do concorrente V., SA , deveria ter sido ser eliminada, de acordo com os seguintes argumentos; a saber; em síntese:
Solução de Comunicação Dois Circuitos um a 4Mbps e outro a 30Mbps -----
“A proposta da concorrente da V., SA , deveria ter sido imediatamente excluída, por resultar da mesma que aquela apenas considerava o fornecimento de 1 circuito para a componente de internet mas não resulta da mesma proposta o fornecimento de 2 circuitos para a componente de voz”.
Por sua vez alega que o “acesso de 30Mbps não comporta, desde logo uma conectividade a 30 Mbps, simétrica, para a internet”.
“E, simultaneamente é inequivocamente insuficiente, para garantir uma conectividade mínima de 4 Mbps, para o suporte da solução de Comunicações de Voz”.
“Mas ainda que o circuito de 30 Mbps (Min), comportasse 2 conetividades (Internet e Voz), ainda assim, nunca poderia comportar simultaneamente 34 Mbps, que a concorrente não refere”.
Posteriormente vem alegar que o concorrente da V., SA , altera a sua proposta relativamente à instalação de linhas analógicas, com a apresentação de uma solução diferente da que havia apresentado em fase de proposta.
Vejamos a resposta do concorrente da V., S.A à argumentação apresentada pelo concorrente da M., S.A., e que foi objeto de esclarecimentos solicitados pelo júri, na Ata n.º1, e que se transcreve.
“De acordo com o projecto de decisão da ANACOM de 9 de Agosto de 2018 “MERCADO GROSSISTA DE ORIGINAÇÃO DE CHAMADAS NA REDE TELEFÓNICA PÚBLICA NUM LOCAL FIXO A VIABILIZAÇÃO DE SERVIÇOS TELEFÓNICOS RETALHISTAS” onde o regulador deixou de obrigar a M., SA a disponibilizar as ofertas de referência (ORLA e ORI) é também reconhecido no referido documento a equivalência das soluções com originação de chamadas em local fixo através da utilização de redes de acesso suportadas em frequências gsm/umts (produtos homezone).
Neste sentido a V., SA Portugal entregará os referidos serviços com o mesmo nível e requisitos de qualidade suportado nas referidas frequências GSM/UMTS, sendo garantidos nas situações relacionadas com serviços de emergência (como elevadores) será apresentada solução com energia alternativa (bateria) em caso de falha de energia eléctrica.
Do Júri:
Quanto à questão levantada pelo concorrente na sua pronúncia relativa ao fornecimento de dois circuitos internet e a componente de voz, cabe referir que foi solicitado no Caderno de Encargos o seguinte: Garantir a ligação de serviço telefónico Fixo-Móvel um circuito dedicado em fibra óptica, a 4 Mbps, no mínimo, para suporte da solução de comunicação de acordo com as características ai referidas. O concorrente V., SA ; responde a este requisito conforme solicitado, em que apresenta uma solução de 30Mbps na sua proposta, em vez de 4Mbps, a um nível superior. O Caderno de Encargos estabelece um mínimo e não um máximo; neste sentido cumpre com o exigido, não se verificando qualquer divergência, conforme se verifica na sua proposta. Perante esta constatação, não se apresenta insuficiente para garantir o suporte de Comunicações de Voz, como alega o concorrente da M., S.A.,
Relativamente à Internet em fibra ótica - Fibra para acesso a internet com débitos simétricos, foram solicitados esclarecimentos ao concorrente, a este nível, o júri considerou-os válidos aquando da resposta ao pedido de esclarecimentos, efetuados através da Ata n.º1; pois embora se possa configurar como um eventual circuito o facto é que o Caderno de Encargos não o explicita e em termos concretos. Em resposta o concorrente refere “que o circuito apresentado apresenta as características necessárias ao cumprimento dos requisitos de velocidade e níveis de serviços requeridos”; neste sentido, fica obrigado a cumprir com a solução que se venha a operar na realidade de acordo com o estabelecido no Caderno de Encargos, para este serviço em concreto. Nestes termos, a ser implementado, este serviço terá que cumprir com os requisitos de velocidade e níveis de serviços (30 Mbps relativamente à Internet em fibra óptica) implicitamente assumidos pelo concorrente, aquando dos esclarecimentos prestados e já citados, no presente parágrafo.
Por último, verifica-se que o Caderno de Encargos, contempla a possibilidade do serviço de ADSL chamada linha analógica em suporte físico tradicional ser efetuado através dum serviço tecnologicamente equivalente, mas que na sua essência preste os mesmos serviços, garantindo boas condições de qualidade e eficiência em termos práticos. Ora, o concorrente no âmbito dos esclarecimentos solicitados apresenta uma solução equivalente permitida pelo Caderno de Encargos, em que refere que entregará os referidos serviços com o mesmo nível e requisitos de qualidade suportados. -----
Perante esta solução apresentada considera-se que, o concorrente cumpre com o solicitado, como se verifica a este prepósito.»

3.20 A tese da recorrente V., SA é a de que não se exigia aos concorrentes e, portanto a si própria, a indicação expressa quanto àquelas características do serviço de internet em fibra ótica exigidas pelo Caderno de Encargos para o edifício da Câmara Municipal, na medida em havia já aderido expressamente e sem reservas às condições do Caderno de Encargos, de que resulta ter assumido a obrigação do escrupuloso cumprimento das especificações técnicas constantes da Cláusula 25.º do Caderno de Encargos, onde aquele parâmetro estava indicado de forma fechada.
3.20 Mas esta tese não vinga, na exata medida em que da mera declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos (a elaborar em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao convite), que é, aliás, exigida pelo artigo 57º nº 1 alínea a) do CCP, não pode singelamente retirar-se que a proposta da concorrente apresenta uma solução técnica que corresponde e cumpre as exigências técnicas estipuladas no Caderno de Encargos. Mormente no aspeto aqui em causa.
3.21 É que a proposta constitui “…a declaração negocial pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo” (cfr. artigo 56º nº 1 do CCP).
E é com base nela que o júri forma a sua apreciação e a entidade adjudicante profere a decisão adjudicatória.
Do que decorre não só que a proposta é uma peça fundamental no procedimento de contratação pública. A proposta apresentada em procedimento pré-contratual de Consulta Prévia tem que explicitar, pelo menos minimamente, as condições do serviço que o concorrente se propõe fornecer, para que possa ser averiguado (e demonstrado) que a proposta cumpre os aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, pois só assim a proposta pode ser admitida e graduada, nos termos dos artigos 70º nº 2 alínea a) e 146º nº 2 alínea o) do CCP, aplicáveis ao procedimento de Consulta Prévia, ex vi do artigo 122º nº 2 e 124º nº 1 do mesmo Código.
Isto sem prejuízo do papel que a proposta desempenhará se em sede de execução do contrato, e caso venha a ser essa a adjudicada (designadamente se tornar necessário aferir do integral cumprimento do contrato), na medida em que ela sempre fará parte do contrato (cfr. artigo 96º nº 2 alínea d) do CCP).
Neste sentido, entre outros, vide os acórdãos do TCA Sul de 18/12/2014, Proc. nº 11390/14, e de 14/06/2018, Proc. nº 1226/17.3BEPRT, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca, ambos por nós então relatados, bem como, a titulo ilustrativo, o acórdão do STA de 29/09/2016, Proc. nº 0867/16.
3.22 Neste contexto, reforça também este entendimento, como aliás o Tribunal a quo igualmente não deixou de considerar, a circunstância de a proposta da concorrente verter, a respeito do «plano tarifário» uma mensalidade total (no montante de 68,40€), que disse «de acordo com as especificações técnicas, indicadas na Cláusula 25ª do Caderno de Encargos», ali englobando «Linhas analógicas, TV Fibra e Internet», e mencionando quanto a esta última o seguinte: «Internet até 24Mbps com tráfego ilimitado Nacional e Internacional» (vide ponto 6. do probatório constante da sentença recorrida).
3.23 Tem, pois, que reconhecer-se que a proposta da concorrente V., SA não cumpria, no identificado aspeto, a exigência técnica estipulada no Caderno de Encargos no que respeita ao serviço de internet em fibra ótica a fornecer ao edifício da Câmara Municipal.
3.24 Razão pela qual improcede o recurso, nesta parte.
Pelo que é de manter o julgamento feito na sentença recorrida que reconheceu que a proposta da concorrente V., SA deveria, com tal julgamento, ter sido excluída.

3.25 Mas a pretensão impugnatória da autora fundou-se também na violação do princípio da intangibilidade das propostas.
Sendo que quanto a este fundamento, a sentença recorrida, que também o julgou verificado, verteu o seguinte:
«(…)
A “contratação pública”, em geral, e os procedimentos adjudicatórios, em especial, está delineada pelo nosso legislador de modo a assegurar, na medida do possível, a prossecução real do interesse público mediante a adjudicação feita à “melhor proposta”. Desta forma, são impostas pela lei certas condutas, e proibidas outras, de modo a assegurar uma concorrência «efetiva» entre os vários concorrentes, e são-no de tal modo que a doutrina e a jurisprudência vêm arvorando esse valor da concorrência como verdadeiro princípio da contratação pública (ver, a este propósito, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os princípios gerais da Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2008, página 65 a 71).
Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de26/09/2013, processo 00592/12.1BEPNF, disponível in www.dgsi.pt “[d]esde logo, só uma concorrência real e efetiva garante iguais condições de acesso e de participação dos interessados, evitando discriminações ilegítimas entre eles e permitindo que as suas propostas sejam valoradas e pontuadas de modo isento e transparente (princípio da igualdade).
Se não for feito funcionar totalmente o princípio da concorrência, fica prejudicada a própria finalidade do procedimento concursal, pois que se trata de assegurar que as diferentes propostas cumpram as imposições e os limites referidos nas peças do respetivo procedimento, de modo a permitir uma plena “comparação” entre elas, visando escolher a melhor que o mercado forneceu (princípio da comparabilidade das propostas). E esta “comparação” só poderá ser efetuada entre propostas que respeitem as regras do jogo.
É conatural ao concurso público, portanto, que as propostas apresentadas concorram entre si, sendo para isso indispensável, além do mais, que elas não possam ser «alteradas», mormente «melhoradas» devido ao conhecimento das demais [princípio da intangibilidade das propostas].
O princípio da intangibilidade das propostas, ou da sua imutabilidade, surge como refração daqueles princípios da concorrência e da igualdade, e significa que com a entrega da proposta o concorrente fica “vinculado” à mesma, não a podendo retirar ou alterar até que seja proferido o ato de adjudicação, ou até decorrer o respetivo prazo de validade.”
Destarte, “as propostas apresentadas ao procedimento adjudicatário não devem, após o decurso do prazo para a sua apresentação, considerar-se na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, documental e materialmente” (cfr. RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, obra citada, páginas 76 a 84).
Regressando ao caso dos autos e no que concerne à instalação de linhas analógicas com terminação a 54 volts DC, o caderno de encargos refere o seguinte: “Linhas Analógicas, TV Fibra e ADSL Caracterização de tráfego - Garantir a ligação das linhas analógicas com terminação a 54 volts DC às instalações do seguinte quadro, cada linha com 600 minutos mês para as redes fixas nacionais”
Na proposta apresentada pela Contrainteressada é contemplado o fornecimento de cinco linhas analógicas (cfr. ponto 6 da matéria de facto assente), pelo que foi a mesma questionada pelo júri, em sede de esclarecimentos, para explicar como seria executada a solução proposta.
Em resposta a tal pedido a Contrainteressada veio dizer que: “De acordo com o projeto de decisão da ANACOM de 9 de Agosto de 2018 "MERCADO GROSSISTA DE ORIGINAÇÃO DE CHAMADAS NA REDE TELEFÓNICA PÚBLICA NUM LOCAL FIXO PARA A VIABILIZAÇÃO DE SERVIÇOS TELEFÓNICOS RETALHISTAS" onde o regulador deixou de obrigar a M., SA a disponibilizar as ofertas de referência (ORLA e ORI) é também reconhecido no referido documento a equivalência das soluções com originação de chamadas em local fixo através da utilização de redes de acesso suportadas em frequências GSM/UMTS (produtos homezone).
Neste sentido a V., SA Portugal entregará os referidos serviços com o mesmo nível e requisitos de qualidade suportado nas referidas frequências GSM/UMTS, sendo garantido nas situações relacionadas com serviços de emergência (como elevadores) será apresentada solução com energia alternativa (bateria) em caso de falha de energia elétrica.”
A apresentação da proposta é da iniciativa de cada concorrente, cabendo a cada um a responsabilidade pela quantidade de dados e pela qualidade impregnada em cada um dos documentos que apresenta ao adjudicante. Dito de outro modo, findo o prazo de apresentação de tais documentos, ocorre a imutabilidade das propostas por um determinado período temporal, por forma a que o Júri se possa debruçar sobre as mesmas.
In casu, já na fase de análise das propostas, o júri do procedimento entendeu pedir esclarecimentos às concorrentes, e concretamente à Contrainteressada questionou-a como é que iria garantir a execução/ligação das linhas analógica, tendo esta informado que os serviços a fornecer seriam suportados nas frequências GSM/UMTS, ou seja uma solução totalmente diferente daquela que tinha apresentado na proposta.
Ora, nesta fase da análise das propostas, conforme se referiu supra, não pode haver lugar à alteração da mesma, sob pena de violação do princípio da intangibilidade (ou proibição de alteração de proposta entregue, após o termo do prazo para a sua apresentação).
Tanto mais que os esclarecimentos a que se reporta o artigo 72.º do CCP, “são algo que se destina a aclarar, explicitar, clarificar algum elemento da proposta que está ou parece estar enunciado de modo pouco claro, ou de não ser apreensível, ou unívoco, o sentido de uma expressão, dum aspeto ou elemento da proposta, na certeza de que para a atendibilidade do esclarecimento que se prenda com a interpretação de elemento/aspeto da proposta importa que o mesmo tenha nesta, uma razoável correspondência verbal sob pena de se por em causa a concorrência e igualdade dos concorrente” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06/12/2013, processo 02363/12.6, disponível in www.dgsi.pt).
Assim, prevendo o caderno de encargos que o serviço seja prestado através de Linhas Analógicas, TV Fibra e ADSL, e vindo a V., SA, em sede de esclarecimentos, dizer que vai prestar o serviço através da utilização de redes de acesso suportadas em frequências GSM/UMTS (produtos homezone), quando na sua proposta previa linhas analógicas, estamos aqui perante uma alteração da proposta, que não é permitida por lei, e que viola os princípios gerais da contratação pública, como o da concorrência, da igualdade e da transparência.
Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/09/2016, processo n.º 0867/16, disponível in www.dgsi.pt, que acompanhamos “ III. O pedido de esclarecimentos constitui uma prerrogativa do Júri, a exercer quando se sinta inseguro quanto ao exacto significado da proposta e, consequentemente, necessitar que a clarifiquem. Por outro lado, os esclarecimentos prestados têm de incidir sobre os elementos já constantes da proposta pelo que os concorrentes não podem, a pretexto desta figura, corrigir ou melhorar a sua proposta ou aditar-lhe elementos novos por tal constituir violação do princípio da intangibilidade”.
Ora, os esclarecimentos às propostas têm unicamente como escopo o tornar mais compreensível o que já se encontrava na proposta, ainda que de forma menos inteligível, o aclarar ou elucidar o sentido de algo que já aí constava e não a alterar ou completar o seu conteúdo ou os elementos que com ela tenham sido juntos.
Em face ao exposto supra, os atos de admissão da proposta da contrainteressada V., SA e de adjudicação padecem do vício de violação de lei, por violação dos princípios acima enunciados.»
3.26 O princípio da sua imutabilidade ou intangibilidade das propostas em procedimentos concursais, enquanto decorrência dos princípios da concorrência e da igualdade, proíbe com efeito que elas seja objeto de modificações posteriormente ao termo do prazo da sua apresentação (cfr. artigo 137º do CCP).
A tal respeito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa – Das fontes às Garantias”, Almedina, 2005, pág. 105 diziam, ainda no âmbito do regime de contratação anterior ao Código dos Contratos Públicos que veio a ser aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro, que “…o princípio da imutabilidade ou da intangibilidade das propostas – refração, também aqui, dos princípios da concorrência e da igualdade – é um princípio concursal fundamental.
Pretende-se com ele significar que com a entrega da proposta (e com o termo do “prazo do concurso”) o concorrente fica vinculado a ela e, consequentemente, já não a pode retirar nem alterar até que seja proferido o ato de adjudicação ou até que decorra o prazo da respetiva validade.
As propostas apresentadas a (no) concurso, não devem, pois, considerar-se mais propriedade ou na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, documental ou materialmente. Em suma: valem pelo seu conteúdo (e informação) inicial, pelo que nelas se contém, por mais nada.
(…)
O princípio da intangibilidade da proposta vigora, note-se, quer se encontre consagrado na lei ou no programa do concurso, quer estes sejam omissos quanto a esta questão, fruto que é (essa vinculação) de um princípio fundamental do direito dos concorrentes, o da concorrência entre concorrentes, que doutrina nacional e estrangeira não cansam de afirmar e aplicar.”
3.27 O artigo 72º do CCP dispõe atualmente, a respeito dos esclarecimentos das propostas, o seguinte:
“Artigo 72.º
Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidatura

1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.
2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º
3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.
4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.
5 - Os pedidos do júri formulados nos termos dos n.ºs 1 e 3, bem como as respetivas respostas, devem ser disponibilizados em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os candidatos e concorrentes ser imediatamente notificados desse facto.”

3.28 Como referido no acórdão do STA de 07/05/2015, Proc. 0133/14, in, www.dgsi.pt/jsta, “…os «esclarecimentos» permitidos pelo artigo 72º do CCP, para se manterem fiéis ao princípio da imutabilidade da proposta, deverão limitar-se a tornar clara certa ambiguidade ou obscuridade da mesma, não podendo introduzir qualquer elemento novo que possa influir na sua apreciação e avaliação”.
Ou, como se sumariou no acórdão do TCA Sul de 19/12/0217, Proc. nº 205/17.5BEPRT, in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores «(…)IX - Os esclarecimentos às propostas haverão de consistir apenas em informações, explicações destinadas a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava apresentado ou formulado de forma pouco clara ou menos apreensível, tendo por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspeto ou elemento da proposta, não podendo (i) contrariar os elementos constantes dos documentos que as constituem, (ii) alterar ou completar os respetivos atributos, (iii) nem visar suprir omissões que determinem a sua exclusão.».
3.30 A recorrente V., SA sustenta no presente recurso que o que assumiu na sua proposta foi “garantir a ligação das linhas analógicas com terminação a 54 volts DC” às instalações camarárias, isto é, assumiu garantir a ligação de comunicações exterior à infra-estrutura existente, que se compunha de “linhas analógicas com terminação a 54 volts DC”; que em termos técnicos e práticos, no que toca às linhas analógicas para voz, o que era necessário era garantir a ligação dos equipamentos de cada um dos 5 locais identificados, que funcionam por linha analógica com terminação a 54 volts, à rede exterior e oferecer 600 minutos para chamadas para rede fixa; e que o facto de se esclarecido que a rede de acesso que seria utilizada seria suportada em frequências GSM/UMTS nada altera quanto à obrigação assumida na proposta: os equipamentos com aquelas características funcionarão de igual forma e como sempre funcionaram, isto é, de modo analógico, pois a informação voz que é transportada por GSM/UMTS é convertida ao chegar no equipamento de terminação, de forma a que a informação siga por linha analógica na infra-estrutura instalada nos serviços do Município. – (vide, designadamente, conclusões 24ª, 25ª e 26ª das alegações de recurso)
3.31 Ressuma dos autos que o júri formulou um pedido de esclarecimentos que dirigiu às três operadoras concorrentes nos seguintes termos (vide 7. do probatório constante da sentença recorrida):
«(…)
Surgem também dúvidas na análise das propostas, por falta de informação, relativamente como os concorrentes poderão garantir a execução/ligação das Linhas Analógicas, assim nesta área solicita-se explicação clara como será executada a solução.»

3.32 E prestados os esclarecimentos pelos concorrentes, o júri do procedimento plasmou o seguinte, no que para este aspeto releva, no seu Relatório Final (vide 11. do probatório vertido na sentença recorrida):
«(…)
Vejamos a resposta do concorrente da V., S.A à argumentação apresentada pelo concorrente da M., S.A., e que foi objeto de esclarecimentos solicitados pelo júri, na Ata n.º1, e que se transcreve.
“De acordo com o projecto de decisão da ANACOM de 9 de Agosto de 2018 “MERCADO GROSSISTA DE ORIGINAÇÃO DE CHAMADAS NA REDE TELEFÓNICA PÚBLICANUM LOCAL FIXO A VIABILIZAÇÃO DE SERVIÇOS TELEFÓNICOS RETALHISTAS” onde o regulador deixou de obrigar a M., SA a disponibilizar as ofertas de referência (ORLA e ORI) é também reconhecido no referido documento a equivalência das soluções com originação de chamadas em local fixo através da utilização de redes de acesso suportadas em frequências gsm/umts (produtos homezone).
Neste sentido a V., SA Portugal entregará os referidos serviços com o mesmo nível e requisitos de qualidade suportado nas referidas frequências GSM/UMTS, sendo garantidos nas situações relacionadas com serviços de emergência (como elevadores) será apresentada solução com energia alternativa (bateria) em caso de falha de energia eléctrica.

Do Júri:

(…) verifica-se que o Caderno de Encargos, contempla a possibilidade do serviço de ADSL chamada linha analógica em suporte físico tradicional ser efetuado através dum serviço tecnologicamente equivalente, mas que na sua essência preste os mesmos serviços, garantindo boas condições de qualidade e eficiência em termos práticos. Ora, o concorrente no âmbito dos esclarecimentos solicitados apresenta uma solução equivalente permitida pelo Caderno de Encargos, em que refere que entregará os referidos serviços com o mesmo nível e requisitos de qualidade suportados. ----- Perante esta solução apresentada considera-se que, o concorrente cumpre com o solicitado, como se verifica a este prepósito.»

3.33 Emerge que os esclarecimentos em causa foram solicitados pelo júri do procedimento às três operadoras concorrentes por dúvidas na análise das propostas por falta de informação relativamente como os concorrentes poderiam garantir a execução/ligação das linhas analógicas, pedindo, então, o júri a todos os concorrentes explicação clara como seria executada a solução. Esclarecimentos que todos prestaram, incluindo a recorrente V., SA.
3.34 Ora, não se vê, nem os elementos contidos nos autos o permitem concluir, que através dos esclarecimentos que prestou a tal respeito a V., SA operou a modificação das características técnicas que constavam da sua proposta, no que ao aspeto aqui em causa respeita, mudando-as ou alterando-as, em termos que se pudesse dizer que o conteúdo da sua proposta passou a ser distinta.
3.35 Na verdade, não pode deixar de considerar-se pelo menos temerária a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, quando emerge que continuamos estar perante linhas analógicas, aspeto que a sentença recorrida entendeu ter sido modificada através dos esclarecimentos prestados.
3.36 E se assim é, e independentemente da demais argumentação esgrimida pela recorrente, tem que reconhecer-se não ser de considerar violado o princípio da intangibilidade das propostas.
3.37 Assiste, pois, nesta parte, razão à recorrente, não podendo manter-se o julgamento de invalidade do ato de adjudicação quanto a este fundamento, por o mesmo não se verificar.
O que se decide.

3.38 Aqui chegados, e não obstante a improcedência da invocada violação do princípio da intangibilidade da proposta, sempre se encontra o impugnado ato de adjudicação do contrato à contra-interessada V., SA ferido de invalidade, na medida em que, nos termos e com os fundamentos vistos supra, a sua proposta deveria ter sido excluída nos termos do disposto nos artigos 70º nº 2 alínea b) e 146º nº 2 alínea o) do CCP, ex vi do artigo 124º nº 1 do mesmo Código, deve manter-se a decisão de anulação proferida na sentença recorrida, embora só e apenas com este fundamento.

3.39 A sentença recorrida não se limitou a anular o ato de adjudicação, tendo enfrentado, e bem, o pedido condenatório formulado pela autora, julgando-o procedente, condenando o réu MUNICÍPIO a adjudicar o contrato à autora, cuja proposta havia sido graduada em 2º lugar.
Julgamento que assentou, nessa parte, na seguinte fundamentação:
«(…)
Peticiona ainda a Autora a condenação a entregar-lhe a adjudicação, por ser única legal e válida à luz das regras deste procedimento.
Como se sabe, os poderes dos tribunais administrativos estão limitados pelas vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, não podendo afetar de qualquer forma a conveniência e oportunidade de atuação da Administração quanto às regras técnicas ou escolhas na prossecução do interesse público, salvo ofensa dos suprarreferidos princípios jurídicos a que se alude no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Neste sentido cumpre apreciar se a decisão de adjudicação, no caso dos autos, se mantém dentro dos poderes exclusivos da administração, sob pena de violação do principio da separação de poderes, ou se o tribunal pode determinar a adjudicação como pretende a Autora.
Vejamos.
O legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação, que contempla apenas a ressalva das situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP.
Assim, optou-se por estabelecer um dever de decidir, com prazo definido, que corresponderá ao prazo a que os concorrentes estão obrigados a manter as suas propostas. Quanto à possibilidade de não adjudicação dispõe o artigo 79º do CCP: “1 - Não há lugar a adjudicação quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas.”
Desta conclusão resulta que os concorrentes poderão exigir judicialmente a prática do ato devido, ou seja, a decisão final do procedimento de concurso público, salvas as possibilidades de não adjudicação previstas no suprarreferido artigo 79.º, n.º 1, do CCP.
Além das alíneas a) e b), da referida disposição legal, em que se admite a não adjudicação se inexistir concorrentes ou propostas, bem como, existindo, todas sejam excluídas do concurso, existem mais dois casos genéricos e dois casos específicos de não adjudicação fundamentada.
Tais casos decorrem das alíneas c) e d), do n.º 1, do referido artigo 79.º, e reportam-se, no caso da al. c) às situações imprevistas que motivem a necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, após o termo fixado para a apresentação de propostas e, no caso da alínea d) aos factos supervenientes ao termo fixado para a apresentação de propostas, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, que justifiquem a não adjudicação. Em ambas as situações, com fundamento no art.º 79.º, n.º 4, do CCP, haverá lugar a indemnização pelos encargos que comprovadamente incorreram com a elaboração da proposta.
Ora, o que está na base deste artigo 79.º do CCP, e que constitui a sua epígrafe “Causas de não adjudicação”, é que não tenha ocorrido a adjudicação.
No caso dos autos, o contraente público vinculou-se a adjudicar ao praticar o ato, de adjudicação. É o que resulta do despacho de 05/06/2019, da Presidente da Câmara de (...), com o teor “Aprovo”, relativamente ao relatório do júri que propõe a adjudicação à V., SA, pela importância de €37.392,24 (trinta e sete mil trezentos e noventa e dois euros e vinte e quatro cêntimos), acrescido do IVA (cfr. ponto 12 da matéria de facto assente). Pelo que, a situação de não se adjudicar foi, de certa forma, ultrapassada pela entidade com competência para decidir o concurso.
Ora, atendendo aos considerandos supra expendidos, bem como à referida factualidade assente, é inevitável concluir pela procedência do pedido condenatório formulado pela Autora.
Face ao exposto, conclui-se pela procedência do pedido da Autora, condenando-se, por isso, o Réu, na adjudicação do contrato, objeto do concurso a que se reportam os autos, à Autora, com todas as consequências legais.»
3.40 O assim decidido é de confirmar, já que nas concretas circunstâncias, perante a ilegalidade da admissão da proposta adjudicada (que deve, agora, ser excluída), e tendo a proposta da autora sido admitida e graduada em segundo lugar, estarmos perante uma única solução legal possível a de que o contrato deveria ter sido adjudicado à autora, pelo que em tal caso o Tribunal deve determinar, à luz do disposto no artigo 71º nº 2 do CPTA, como conteúdo do ato a praticar, precisamente, a adjudicação do contrato à autora – (a tal respeito, entre outros, vide o acórdão do TCA Sul de 19/10/2017, Proc. nº 2473/14.5BESNT, in, www.dgsi.pt).
3.41 Existindo, concomitantemente, não só um dever de adjudicar, como se entendeu na sentença recorrida, mas também um direito à adjudicação. Vide a este respeito, o acórdão deste TCA Norte de 28/06/2019, 0744/18.0BECBR, in, www.dgsi.pt/jtcn, por nós relatado, em que se sumariou o seguinte: «I – No quadro normativo decorrente da aprovação do Código do Contratos Públicos, é a lei que consagra expressamente a existência do dever de adjudicar, através da injunção constante no nº 1 do artigo 76º do CCP, conjugada com a ressalva das situações previstas no artigo 79º nº 1 que ali é feita. II – Só não haverá lugar à adjudicação, não recaindo, assim, sobre a entidade de adjudicante o dever de adjudicar, nas situações previstas no nº 1 do artigo 79º do CPP, a saber: quando (a) nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; (b) todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas; (c) por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento; (d) circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem; (e) nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere, fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis; (f) no procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante; (g) no procedimento para a celebração de acordo-quadro com várias entidades o número de candidaturas ou propostas apresentadas ou admitidas seja inferior ao número mínimo previsto no programa de concurso.(…)»
3.42 Não colhendo, pelo exposto, nesta parte o recurso, deve ser mantida a sentença no segmento em que condenou o réu MUNICÍPIO a adjudicar o contrato à autora.

O que se decide.
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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, embora com fundamentação não integralmente coincidente, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Porto, 31 de janeiro de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato