Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01378/16.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/13/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA; REQUISITOS CUMULATIVOS;
ACTO QUE DETERMINA A AUDIÊNCIA PRÉVIA DO INTERESSADO; ACTO LESIVO; INEXISTÊNCIA DE PERICULUM IN MORA; ARTIGO 120.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS DE 2015.
Sumário:1. Se o despacho suspendendo não determina a prática de qualquer acto que produza de imediato efeitos jurídicos negativos na esfera jurídica da requerente, em particular, não determina a remoção de quaisquer painéis publicitários, antes anuncia essa intenção para que a requerente se pronuncie, não se justifica a produção de prova testemunhal para prova das características dos painéis e dos prejuízos resultantes da sua remoção.

2. O acto que determina a audiência prévia do interessado para se pronunciar sobre um projecto de decisão não é lesivo dos interesses do visado, pelo contrário, pretende assegurar o exercício de um direito, pelo que a providência cautelar destinada a suspender a eficácia deste acto está condenada ao fracasso por falta, desde logo, do requisito “periculum in mora”.

3. Os requisitos previstos na lei para a concessão da suspensão da eficácia do acto (artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015) são cumulativos, pelo que basta não se verificar um para se julgar o pedido improcedente, com prejuízo do conhecimento dos demais. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Petróleos de Portugal – P..., S.A..
Recorrido 1:Município de Vila Nova de Gaia.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Petróleos de Portugal – P..., S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.09.2016 pelo qual foi julgada improcedente a providência cautelar que intentou contra o Município de Vila Nova de Gaia para a suspensão da eficácia da decisão do Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia de 27.04.2016 que determinou, segundo invoca, a remoção de suportes publicitários bem como para a intimação do Município requerido a abster-se de levar a cabo os actos tendentes a essa remoção.

Interpôs, de igual modo, recurso do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal que tinha requerido.

Invocou pra tanto, em síntese, que: o despacho que dispensou a produção de prova é ilegal por erro de julgamento e por violação do princípio do contraditório, dada a produção de prova testemunhal ser indispensável para o julgamento da causa, em particular para determinar quais os suportes existentes e quais os prejuízos resultantes para a Requerente da sua remoção.

A sentença, invoca, é nula, porque não foi precedida da necessária produção de prova e não tomou posição sobre o pórtico de sinalização existente à entrada do posto e que contém a indicação de preços, obrigatória por lei; devem ser dados como provados factos relevantes que a decisão recorrida desconsiderou; estão verificados, ao contrário do decidido, os requisitos para a concessão da providência requerida, em particular o perigo de criação de prejuízos de difícil reparação e a aparência do bom direito.

O Município recorrido contra-alegou, defendendo a improcedência dos recursos.

Foi emitido despacho de sustentação, a defender a inexistência de nulidade do despacho recorrido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer também no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

A Recorrente veio pronunciar-se sobre este parecer, mantendo no essencial a posição assumida no recurso.


*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) O presente recurso tem por objecto sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.09.2016, que decidiu julgar improcedente o presente processo cautelar, visando-se a sua revogação, tanto na parte relativa à matéria de facto, como de direito, conforme melhor veremos mais à frente.

B) O presente recurso também visa o douto despacho que antecedeu a sentença, em que se decidiu ser desnecessária a produção de prova testemunhal, ao abrigo do art. 118º NCPTA (e que apenas foi notificado com a sentença):

“Não obstante, tenha sido requerida a produção de prova, considera-se que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo é suficiente para a apreciação dos requisitos de decretamento da providência cautelar nos termos que infra se apreciarão pelo que se decide, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, indeferir os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.”

C) O Tribunal baseou-se em pressupostos de facto e de direito errados e insuficientes, para chegar à decisão de não decretamento da presente providência cautelar, assim como violou o direito ao contraditório e incorreu em vários erros de julgamento, tudo gerador da nulidade da Sentença e do mencionado Despacho.

D) O despacho recorrido consubstanciado na decisão de não proceder à produção de prova testemunhal, inquina todo o juízo do tribunal e, consequentemente, também a sentença.

E) O despacho ora recorrido enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório e erro de julgamento ao dispensar a prova testemunhal e ao considerar que da decisão sub judice poderia ser tomada atendendo, apenas à referida prova documental, devendo, assim, ser anulado, pois contra o referido pelo Tribunal a quo, sempre a produção de prova testemunhal seria essencial para o julgamento da presente causa, tendo em conta a matéria em causa nos autos.

F) Era essencial saber que suportes/elementos existiam actualmente no posto (artigos 13º e 16º requerimento inicial) e por outro lado, saber quais os prejuízos sofridos pela Requerente com uma possível remoção dos referidos elementos (artigos 54º a 56º, 119º, 123º e 129º do requerimento inicial), e nada disso ficou cabalmente provado nos autos apenas por omissão da inquirição de testemunhas, proveniente exclusivamente do indeferimento da produção de prova testemunhal!

G) Para dar resposta à questão de saber quais as consequências da remoção/retirada dos suportes instalados no posto, designadamente para constatar a impossibilidade de “restauração natural”, e bem assim, para saber se o requisito da perigosidade se verifica, isto é, a “produção de prejuízos de difícil reparação”, seria crucial a inquirição de testemunhal.

H) O Tribunal indeferiu o único meio de prova que permitiria à Recorrente provar que os prejuízos decorrentes da remoção dos elementos em causa lhe causariam “prejuízos de difícil reparação”: inquirição de um gestor de clientes, com vasta experiência no sector.

I) O douto Tribunal errou, em termos decisórios, ao dispensar este meio de prova com estes fundamentos, prova essa que se revelava necessária para a demonstração cabal dos factos constitutivos de um dos requisitos para o decretamento da presente providência cautelar.

J) A retirada dos restantes elementos identificativos e de publicidade do posto teria como consequência outros graves prejuízos, mas que poderão influenciar a actividade da Requerente como quebra de vendas e/ou perda de clientela.

K) O referido despacho ao indeferir “os requerimentos probatórios apresentados pelas partes”, sem que as mesmas fossem notificadas, antes do proferimento da Sentença, para se pronunciarem sobre o seu conteúdo, implicou a preterição do direito ao contraditório das partes, incorrendo a sentença em nulidade (cfr. artigo 195º/1 Código de Processo Civil aplicável ex vi o artigo 1º Código de Processo nos Tribunais Administrativos), devendo assim ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova testemunhal com cumprimento do direito do contraditório às partes.

L) O Tribunal Administrativo e Fiscal – ao contrário do que aconteceu - deveria ter tomado uma posição, designadamente, sobre o pórtico de sinalização (totem de dupla face) que se encontra à entrada do posto e contém a indicação dos preços, e que constitui um elemento obrigatório por lei que deverá conter, para além dos preços dos combustíveis, a identificação do posto e das marcas dos combustíveis comercializados.

M) Devem ser antes dados como provados os seguintes factos – não impugnados pelo Requerido - que consideramos importantes (sem prejuízo de outros factos que seriam provados pela prova testemunhal):

1. A Recorrente não obteve qualquer resposta por parte do Município à sua pronúncia em sede de audiência prévia, sobre a intenção de ordenar a remoção dos suportes publicitários “no prazo de 3 dias úteis” – ver artigos 17º a 20.º e documentos 3 junto ao requerimento inicial.

2. Não foi dado conhecimento à Recorrente do alegado despacho do Vereador, nem a delegação de poderes invocada no ofício n.º 3030/2016 – ver artigo 18.º do requerimento inicial.

3. Que está instalado à entrada do posto um totem de dupla face, com indicação dos preços dos combustíveis e do logótipo da empresa – ver artigo 66º e documento 1 o requerimento inicial.

4. Que tal totem constitui o painel exigido pelo Decreto-Lei n.º 170/2005, que regula as regras sobre a informação e indicação dos preços de venda a retalho dos combustíveis – ver artigos 67º a 76º do requerimento inicial.

5. Que no posto também se encontram letreiros, compostos por letras soltas, ostentando o dizer “G...”, três bandeiras com os dizeres “+ Desconto Fim-de-semana”, e ainda uma “tela” colocada na plataforma coberta das bombas de abastecimento, com a expressão “… + Desconto Fim-de-semana…” – ver artigo 21º do requerimento inicial.

6. Que estes elementos fazem parte do estabelecimento comercial e publicitam exclusivamente bens comercializados no próprio posto.

N) A sentença incorreu em erros de julgamento, porquanto a decisão de julgar não verificado o requisito do periculum in mora foi uma decisão tomada com base num erro de julgamento, que inquinou o juízo do Tribunal a quo ao não ter determinado uma fase de instrução e produção de prova testemunhal.

O) O raciocínio do Tribunal em considerar que a remoção destes elementos neste posto não aportará prejuízos de difícil reparação à Recorrente, porquanto, no seu errado entendimento, a referida remoção “não implica a sua destruição […]”, pelo que “[…] não se vislumbra como se possa considerar impossível ou sequer excessivamente onerosa a reposição da situação fáctica existente antes da remoção” é destituído de qualquer fundamento, como de resto resulta da sentença.

P) Mesmo que depois voltem a ser afixados os suportes removidos, já os mesmos não estiveram afixados durante todo o tempo em que o processo seguiu o seu curso até decisão final, frustrando-se assim a possibilidade de restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade, além de que eventuais despesas de remoção serão sempre a expensas da Requerente.

Q) Ao prejuízo da falta dos referidos elementos, que só por si já seria bastante para o decretamento da providência requerida, acresce que foram proferidos actos idênticos, tendentes à remoção dos elementos publicitários, em vários postos de abastecimento da ora Recorrente, pelo que, a falta destes elementos em cada vez mais postos terá um efeito verdadeiramente prejudicial para a sua actividade económica.

R) A remoção poderá causar prejuízos ainda mais elevados à Requerente, uma vez que o incumprimento da obrigação de identificação da empresa/indicação dos preços de combustíveis e outros elementos relevantes, implica o levantamento de uma contra-ordenação e aplicação de coima que poderá chegar aos € 30.000,00,

S) Podem produzir-se graves prejuízos, não avaliáveis em dinheiro, mas que poderão influenciar a actividade da Requerente, tais como quebra de vendas, perda de clientela – resultante da falta de visibilidade do posto -, e eventual encerramento do estabelecimento, enquanto possível sanção acessória pelo incumprimento da lei.

T) Deve-se dar por verificado o requisito do periculum in mora, verificando-se, assim, também, o requisito do fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação.

U) O douto Tribunal pronunciou-se, erradamente, pela não verificação do requisito “periculum in mora”, sendo que sempre deveria ter julgado igualmente verificado o requisito do “fumus bonus iuris”.

V) Não obstante o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a verificação daquele requisito, e sem prejuízo da necessidade de produção de prova testemunhal, crê a ora Recorrente que a sua verificação decorre claramente da matéria de facto e de direito dos presentes autos, não podendo o Tribunal a quem deixar de julgar verificado também este requisito do “fumus bonus iuris”.

W) Atendendo às alterações operadas pelo novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que alterou os termos do requisito do “fumus bonus iuris”, basta ao Tribunal proceder a um simples juízo de probabilidade da procedência da pretensão em sede de acção principal, que não se pode confundir evidência do vício com procedência da acção.

X) A Recorrente invocou vários vícios que implicam a ilegalidade do presente acto, e que geram a probabilidade da procedência da acção principal, incluindo:

1. A violação de lei – em especial, do disposto no Decreto-Lei n.º 170/2005.

2. A lesão grave de direitos fundamentais;

3. A inconstitucionalidade das normas do regulamento ao abrigo das quais o acto foi emitido;

4. A falta de fundamentação do acto.

Y) Contudo, o douto Tribunal não se pronunciou sobre estes vícios nem concretizou nenhum destes fundamentos, bastando-se com a argumentação genérica de que “por serem cumulativos os requisitos para a concessão da tutela cautelar, impõe-se a improcedência do peticionado”.

Z) O facto de não ter dado como provado ou não provados determinados factos sem ter ouvido as testemunhas arroladas, sempre prejudicaria uma eventual decisão favorável, pelo que além do requisito do “periculum in mora” deveria o douto Tribunal a quo ter julgado procedente o requisito do “fumus bonus iuris” por ser provável a procedência da pretensão formulada em sede de acção principal, por se tratar de um acto ilegal.

AA) Pelo que, à luz do que se deixa dito, entendemos que este requisito também deveria ter sido dado como verificado e provado, impondo-se a revogação da sentença.

BB) É entendimento da ora Recorrente que se encontram reunidas as condições para peticionar, nos termos e para os efeitos do artigo 143º/4, a adopção as providências adequadas para evitar ou minorar os eventuais danos que o efeito meramente devolutivo do presente recurso possa causar.


*

II. O despacho recorrido.

II.I. A nulidade do despacho.

Defende a Recorrente que o despacho ora recorrido enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório.

Vejamos.

Uma decisão judicial, sentença ou despacho, só é nula nos casos previstos no artigo 615º do Código de Processo Civil (artigo 613º, n.3, para os despachos), aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O que aqui não sucede.

O despacho contém razões de facto e de direito que permitem sustentá-lo; é claro, coerente e suficientemente fundamentado.

No caso e nos termos das alegações, ter-se-ia verificado não uma nulidade da decisão em si, mas uma nulidade processual decorrente de erro no despacho impugnado que deveria ter ordenado a realização de prova testemunhal ao invés de a preterir.

É certo que, quanto à invocada violação do contraditório, o n.º 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil determina que se deva assegurar o contraditório ao longo do processo, mas o próprio preceito ressalva os casos de “manifesta desnecessidade”.

Por seu turno dispõe em termos gerais o artigo 195.º sobre a nulidade dos actos que a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

No caso não se impunha assegurar o contraditório porque a questão da produção de prova não foi suscitada ao longo do processo, como tal.

E, de resto, é clara a solução a tomar no caso sobre a produção de prova testemunhal, precisamente a tomada no despacho recorrido, de a dispensar, porque absolutamente desnecessária para a decisão justa do litígio, como de seguida veremos.

Pelo que não se verifica a apontada nulidade processual.

III.II. O acerto do despacho.

No seu requerimento inicial a ora Recorrente indicou, a propósito da prova testemunhal agora em causa:

“Testemunhas a apresentar, caso seja necessário:

- Carlos Inácio, gestor de clientes, com domicílio profissional na desse de Requerente.”

É o seguinte o teor do despacho impugnado.

“Não obstante, tenha sido requerida a produção de prova, considera-se que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo é suficiente para a apreciação dos requisitos de decretamento da providência cautelar nos termos que infra se apreciarão pelo que se decide, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, indeferir os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.

Vejamos então.

Ao contrário do que agora invoca, no seu requerimento inicial a Requerente não indicou a testemunha como prova indispensável do que quer que seja, em particular, das características dos painéis a remover ou dos prejuízos que alegadamente irá sofrer com a execução do acto. Deixou ao critério do Tribunal a necessidade de produzir tal prova.

E o Tribunal entendeu, de resto bem, preterir a produção de prova testemunhal.

Na verdade o acto cuja suspensão se requer é este, identificado no cabeçalho do requerimento inicial:

O acto administrativo do “Vereador do Município de Vila Nova de Gaia, de 20.04.2016, notificada através do Ofício com a referência 3030/2016, de 20.04.2016”.

Este acto tem o conteúdo que consta, em resumo, do ponto 10 dos factos provados (sem reparos nesta parte):

“Em 20 de Abril de 2016, foi enviado o ofício n.º 3030/2016 para a Petróleos de Portugal – P..., S.A., com a menção que dispunha de dez dias para se pronunciar por escrito sobre a intenção de remoção indicada em 8), pronúncia que foi apresentada em 11 de maio de 2016 (fls. 29 e 30 a 30-4 do processo administrativo).

O acto em apreço não determina a remoção de qualquer painel ou suporte publicitário, antes visa assegurar o contraditório relativamente ao projecto de decisão, ainda não tomada na altura, nesse sentido.

Deste acto não resulta qualquer prejuízo directo ou indirecto ou qualquer imposição lesiva para a Requerente.

Pelo contrário, visa assegurar o exercício do direito ao contraditório no procedimento administrativo.

Neste contexto é irrelevante o que a testemunha pudesse vir dizer ao presente processo judicial sobre eventuais prejuízos de um acto que não está aqui em causa ou sobre as características de painéis que o acto aqui em apreço não ordenou remover.

Termos em que, embora com fundamentação não exactamente coincidente, o despacho recorrido não merece censura e, por isso, se deve manter.

Pelo que improcede o primeiro recurso.

III – A sentença recorrida.

III. I. A nulidade da sentença.

Vale aqui o que ficou dito a propósito da invocada nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal.

A sentença recorrida contém razões de facto e de direito que permitem sustentá-la; é clara, coerente e suficientemente fundamentada.

A solução dispensar a produção de prova testemunhal e decidir com base nos documentos juntos ao processo mostra-se acertada, porque a prova testemunhal é no caso absolutamente desnecessária para a decisão justa do litígio.

Porque os prejuízos invocados, alegadamente provocados pelo acto aqui em apreço, bem como o objecto desse acto, nada tem a ver com o descrito pela Requerente.

Sobre o acto suspendendo e os prejuízos que dele (não) decorrem, falam o bastante, e o necessário, os documentos juntos ao processo em que se fundou a sentença.

Pelo que não se verifica a apontada nulidade da sentença.

III.II. O acerto da sentença.

III.II.I. Matéria de facto.

Defende a Recorrente na sua conclusão M) que devem ser aditados os seguintes actos, à matéria indiciada:

1.A Recorrente não obteve qualquer resposta por parte do Município à sua pronúncia em sede de audiência prévia, sobre a intenção de ordenar a remoção dos suportes publicitários “no prazo de 3 dias úteis” – ver artigos 17º a 20.º e documentos 3 junto ao requerimento inicial.

2. Não foi dado conhecimento à Recorrente do alegado despacho do Vereador, nem a delegação de poderes invocada no ofício n.º 3030/2016 – ver artigo 18.º do requerimento inicial.

3. Que está instalado à entrada do posto um totem de dupla face, com indicação dos preços dos combustíveis e do logótipo da empresa – ver artigo 66º e documento 1 o requerimento inicial.

4. Que tal totem constitui o painel exigido pelo Decreto-Lei n.º 170/2005, que regula as regras sobre a informação e indicação dos preços de venda a retalho dos combustíveis – ver artigos 67º a 76º do requerimento inicial.

5. Que no posto também se encontram letreiros, compostos por letras soltas, ostentando o dizer “G...”, três bandeiras com os dizeres “+ Desconto Fim-de-semana”, e ainda uma “tela” colocada na plataforma coberta das bombas de abastecimento, com a expressão “… + Desconto Fim-de-semana…” – ver artigo 21º do requerimento inicial.

6. Que estes elementos fazem parte do estabelecimento comercial e publicitam exclusivamente bens comercializados no próprio posto.

Trata-se, no entanto, de matéria conclusiva, em parte e irrelevante, noutra, ou contrária ao documentado, ainda noutra parte.

A audiência prévia foi assegurada precisamente pelo acto que aqui se pretende suspender, que nenhuma remoção ordenou, antes anunciou a intenção de ordenar para que a Requerente dissesse ou tomasse as medidas que tivesse por convenientes, de forma a evitar a decisão, futura e previsível, de ordenar a remoção dos suportes em apreço.

O despacho em apreço não determina a prática de qualquer acto que produza de imediato efeitos jurídicos negativos na esfera jurídica da Requerente, em particular não determina a remoção de quaisquer painéis, antes anuncia essa intenção para que a Requerente se pronuncie, como, de resto, fez.

Pelo que é irrelevante saber as características dos painéis e a sua pertença e repercussão na esfera económica da Requerente.

Apenas nos interessa reter, pois, os factos alinhados na decisão recorrida.

Ficaram indiciariamente provados os seguintes factos, na decisão recorrida:

1) A Petróleos de Portugal – P..., S.A., está licenciada “para explorar uma instalação de armazenagem de combustíveis, constituída por Posto de abastecimento para venda ao público (…) sito …” (fl. 35 do suporte físico do processo).

2) Em 25 de Fevereiro de 2013, a DMF – UF Equipamentos e Publicidade elaborou relatório de visita de fiscalização efectuado ao posto de abastecimento de combustível sito na Avenida Vasco da Gama n.º 6600, no qual consta que foi verificada a existência de uma “instalação de publicidade, com as seguintes características: Um totem com logótipo, com as dimensões aproximadas de seis metros por um metro; letras soltas com as dimensões aproximadas de um metro por quarenta centímetros, com os dizeres “loja G...”; letras soltas com as dimensões de um metro por quarenta centímetros, com os dizeres “lavagem G...”; três bandeirolas com os dizeres “desconto sexta-feira e sábado”, sem (…) a respectiva licença municipal” (fls. 3 e 4 do processo administrativo).

3) Em 8 de Abril de 2013, a Petróleos de Portugal – P..., S.A., foi notificada do teor do despacho da Vereadora do Pelouro da Fiscalização datado de 7 de Março de 2013, nomeadamente da intenção do Município de Vila Nova de Gaia “ordenar, no prazo de 3 dias, a remoção dos suportes publicitários” mencionados em 2), que dispunha do prazo de 10 dias para se pronunciar por escrito sobre a referida intenção ou para remover voluntariamente os mesmos (fls. 6 e 7, 9 a 9-1 do processo administrativo).

4) Em 19 de agosto de 2013, na sequência da reapreciação da conformidade dos suportes publicitários mencionados em 2) com as disposições do Regulamento Municipal de Publicidade e Defesa da Paisagem Urbana, a Vereadora do Pelouro da Fiscalização concordou com a proposta da DAJ – Unidade Técnica, determinando o seguinte:

“III – Da viabilidade de regularização dos suportes

(…)

foi solicitada a realização de análise da viabilidade da publicidade identificada no presente procedimento, a qual conclui, da seguinte forma:

- Totem com aproximadamente 6mx1m – excede os valores dispostos na alínea b) do artigo 62.º do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público (limite de 3m de altura), pelo que está sujeito à taxa de impacto;

- Letras soltas “loja G...”– encontram-se dentro dos critérios;

- Letras soltas “lavagem G...” - encontram-se dentro dos critérios;

- Bandeirolas – 3 suportes com 2 m2 – excedem os valores dispostos na alínea d) do nº 1 do artigo 67.º do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público (limite de 1m2), pelo que está sujeito à taxa de impacto;

(…)

Com esta análise, e perante os elementos juntos ao processo, foi identificado pelo departamento da paisagem urbana a seguinte publicidade:

- Letras soltas “G...” na plataforma coberta das bombas de abastecimento com aproximadamente 60/70 cm de altura – excedem os valores dispostos na alínea b) do nº 1 do artigo 61.º do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público (limite será de 50 cm), pelo que está sujeito à taxa de impacto (num total de 3).

Face a esta análise, temos que as Letras soltas “loja G...” e as letras soltas “lavagem

G...”, cumprem os critérios de isenção previstos no Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público, pelo que não carecem de qualquer controlo prévio.

Assim, deve o presente processo ter por objeto apenas as seguintes mensagens publicitárias:

- Totem com aproximadamente 6mx1m (duas faces);

- Letras soltas “G...” na plataforma coberta de bombas de abastecimento com aproximadamente 60/70 cm de altura (num total de três);

- Bandeirolas – 3 suportes com 2 m2.

E isto porque, apesar de tais mensagens se localizarem afixadas em suporte publicitários, dentro do prédio, propriedade da requerente, as mesmas não asseguram o cumprimento dos critérios de isenção previstos no Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público, possuindo dimensões superiores às regularmente admitidas para efeitos de isenção e controlo prévio.

Desta forma, assiste à requerente três alternativas, a saber:

- adaptar os suportes publicitários, de forma a que cumpram com os critérios de isenção definidos no Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público, devendo solicitar a concessão de prazo para esse efeito;

- Proceder ao pagamento de taxa pelo impacto negativo das mensagens publicitárias, ao abrigo do disposto na al. c) n. 1 do artigo 55º do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público;

- remover os suportes publicitários em causa (…)”.

(fls. 10 a 11 verso, 12 a 16 verso do processo administrativo).

5) Em 30 de Setembro de 2013, foi enviado o ofício n.º 7161/2013 para a Petróleos de Portugal – P..., S.A., a fim de comunicar que “no prazo de 30 dias, (podia) proceder ao pagamento da taxa devida pelo impacto negativo das mensagens publicitárias (…) no total de € 392,22”, ou a “proceder voluntariamente à remoção de tais suportes, ou em alternativa à sua adequação aos critérios de isenção vigentes no município”, com a menção que “a falta de pagamento da taxa comunicada, ou a não remoção/adaptação dos suportes, importará a adopção dos necessários procedimentos tendentes à reposição da legalidade urbanística, mediante remoção coerciva” (fls. 17 a 19-1 do processo administrativo).

6) Em 11 de Dezembro de 2013, a DMF – UF Cidade e Frente de Rio elaborou relatório, na sequência de visita de fiscalização ao posto de abastecimento de combustível acima mencionado, tendo constatado que se encontrava instalada publicidade “com as seguintes características: Um totem com logotipo, com as dimensões de seis metros por um metro; letras soltas com as dimensões aproximadas de um metro por quarenta centímetros, com os dizeres “loja G...”; letras soltas com as dimensões de um metro por quarenta centímetros, com os dizeres “lavagem G...”; três bandeirolas com os dizeres “desconto sexta-feira e sábado” (fl. 20 a 21 do processo administrativo).

7) Em 30 de Março de 2015, a DMF – UF Equipamentos e Publicidade informou que “a publicidade em causa continua instalada no mesmo local, nomeadamente, três bandeirolas, actualmente com os dizeres “Poupe + desconto fim-de-semana”, as letras soltas com as dimensões de cerca de 1 metro x 0,40, com os dizeres “Lavagem G...”, letras soltas com os dizeres “loja G...” com as mesmas dimensões, o totem, com o logótipo “G...”, com as dimensões de cerca de 6 metros x 1 metro e uma lona, com os dizeres “Poupe +”, com cerca de 3 metros x 1 metro” (fl. 23 e 23 verso do processo administrativo).

8) Em 30 de Outubro de 2015, a DMFCO – Fiscalização Municipal constatou que, “após deslocação ao local (…), a Petróleos de Portugal – P... – S.A., mantém colocado no local, um totem, com a área de 14 m2, com o logótipo mais indicação de serviços, três bandeirolas, com cerca de 1,50 metros x 0,20 metros, com os dizeres “+ Desconto Fim-de-Semana” e uma tela, com cerca de 3,00 metros x 1,00 metros, com os mesmos dizeres, sem que para o efeito tivesse procedido à liquidação da respectiva taxa de impacto devida” (fl. 25 do processo administrativo).

9) Em 20 de Abril de 2016, o Vereador do Pelouro da Fiscalização Municipal e Vistorias Administrativas, determinou a notificação da Petróleos de Portugal – P..., S.A.:

“ … da intenção (de) ordenar, em cumprimento do previsto nas disposições conjugadas da alínea b), do nº 1 e nº 2, do art. 9º e nº 1, do art. 71.º, do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público, a remoção, a promover no prazo de 3 dias úteis, dos suportes publicitários instalados no posto de abastecimento de combustível, sito na Avenida Vasco da Gama, nº 6600, da Freguesia de Avintes (…), caracterizados por totem de dupla face, com aproximadamente 6 m x 1 m, ostentando logotipo e indicação de serviços vários, por letras soltas, com a descrição “G...”, num total de três, letreiro, apostas na plataforma coberta de bombas de abastecimento, cada, com aproximadamente 60/70 cm, bem como por três bandeirolas, cada com cerca de 2,00 m2, ostentando os dizeres “… + Desconto Fim-de-semana …”, sem prévia liquidação da taxa municipal devida pelo impacto ambiental negativo gerado (…), bem como a remoção, a promover dentro do mesmo prazo, de tela, com os dizeres “… + Desconto Fim-de-semana (…)”.

Mais, deverá a mesma ser notificada de que, em cumprimento do disposto no nº 2, do art. 71.º, do citado Regulamento, dispõe do prazo de 10 dias para se pronunciar, por escrito, sobre a referida intenção de remoção.

Contudo, deverá conceder-se à mesma, no decurso do prazo para apresentar alegações, a oportunidade de proceder à remoção voluntária dos suportes publicitários em causa, evitando, dessa forma, o início dos procedimentos tendentes à reposição da legalidade, mediante remoção coerciva, com custas a seu cargo, nos termos do nº 3 do artigo 71º do supra citado regulamento.

Mais deverá comunicar-se à requerida que, caso pretenda proceder à remoção voluntária dos suportes publicitários, em apreço, deverá comunicá-lo, por qualquer meio aos serviços e fiscalização.”

(fls. 28 a 28-2 do processo administrativo).

10. Em 20 de Abril de 2016, foi enviado o ofício n.º 3030/2016 para a Petróleos de Portugal – P..., S.A., com a menção que dispunha de dez dias para se pronunciar por escrito sobre a intenção de remoção indicada em 8), pronúncia que foi apresentada em 11 de maio de 2016 (fls. 29 e 30 a 30-4 do processo administrativo).

III.II.II. - Enquadramento jurídico.


Determina o n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015 (aplicável no tempo ao caso):

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Analisando a nossa situação concreta – e como já se adiantou:

Este acto suspendendo tem o conteúdo que consta, em resumo, do ponto 10 dos factos provados (sem reparos nesta parte):

“Em 20 de Abril de 2016, foi enviado o ofício n.º 3030/2016 para a Petróleos de Portugal – P..., S.A., com a menção que dispunha de dez dias para se pronunciar por escrito sobre a intenção de remoção indicada em 8), pronúncia que foi apresentada em 11 de maio de 2016 (fls. 29 e 30 a 30-4 do processo administrativo).”

O acto em apreço não determina a remoção de qualquer painel ou suporte publicitário, antes visa assegurar o contraditório relativamente ao projecto de decisão, ainda não tomada na altura, nesse sentido, pelo que dele não resulta qualquer prejuízo direito ou indirecto ou qualquer imposição lesiva para a Requerente.

Pelo contrário, visa assegurar o exercício do direito ao contraditório no procedimento administrativo.

Temos assim de concluir, embora com fundamentos diferentes, que não se verifica desde lodo o requisito “periculum in mora” para o decretamento da providência requerida, de suspensão da eficácia do acto.

Tanto basta para o indeferimento da providência dado que, como sempre foi entendimento pacífico e resulta a letra da lei, os requisitos para o decretamento destas providências são cumulativos.

O que resulta da partícula “e”, conjuntiva, que liga as duas partes do preceito em análise, o n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (que nesta parte não sofreu alteração).

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, no processo n.º 0826/09 (com sublinhado nosso), reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “… ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.

Termos em que, embora com fundamentação não exactamente coincidente, a sentença recorrida também não merece censura e, por isso, se deve manter, com o indeferimento da providência.

De modo semelhante decidiu o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.11.2016, no processo 1671/16.1 PRT, com as mesmas partes e incidindo sobre acto de idêntico conteúdo.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos jurisdicionais pelo que mantém o despacho e a sentença recorridos.

Custas de ambos os recursos pela Recorrente.


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Porto, 13.01.2017
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro