Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00041/14.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA; CULPA; ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores de pessoas coletivas a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

II - Tratando-se de uma presunção legal, a mesma só é suscetível de ser ilidida por prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

III - Haverá que demonstrar que a falta do pagamento dos créditos tributários não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o Oponente
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a oposição deduzida por J., com os demais sinais dos autos, à execução fiscal n.º 2364201101005677, inicialmente instaurada contra a Adega (...), SCRL, que corre termos pelo Serviço de Finanças de Alijó, para cobrança coerciva de dívida de IRC relativa ao ano de 2007.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

1. Por via da sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu extinguir a execução contra o Oponente por ter considerado faltar um dos pressupostos da reversão, no caso, a culpa por parte do Oponente na insuficiência do património da inicial executada para a satisfação da dívida tributária;
2. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual levada ao probatório;
3. Porquanto, a factualidade dada como assente fica aquém da que seria legalmente exigível para suportar a conclusão, extraída pelo Mmo. Juiz a quo, de que ao Oponente não é imputável o não pagamento da dívida exequenda;
4. Nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta do pagamento ou de entrega do imposto;
5. Por força do estatuído na disposição legal referida no ponto anterior, o devedor subsidiário está onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património da pessoa coletiva para satisfação das dívidas fiscais e, bem assim, pela falta de pagamento da dívida exequenda;
6. Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova em contrário, nos termos do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil;
7. Exigia-se, pois, que tivesse ficado demonstrado nos autos – o que não se verificou – que a situação de insuficiência patrimonial da executada originária se ficou a dever exclusivamente a fatores exógenos ao exercício da gerência por parte do Oponente, e, principalmente, que este usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar aquela situação [Cf. AC. do TCAN de 09-02-2012, proc.º n.º 00415/05.8BEBRG (disponível em http://dgsi.pt).
8. Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou ações concretas esses factos têm de passar, necessariamente, pela evidenciação de medidas concretas, que demonstrassem a diligência empreendedora do gestor, aqui Oponente, em face das adversidades externas a que a devedora originária terá alegadamente ficado exposta;
9. Medidas essas que, não podem assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos atos adotados, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos como: (“crise do setor”, “declínio económico”, “crise económica”, tudo fez para, “etc.”,…”) evidencia, salvo o devido respeito, um probatório vago e não demonstrativo;
10. Perante a factualidade dada como provada [de que o declínio da Casa do Douro que ocorreu em 1986 ou 1987 acabou por se refletir na devedora originária] a questão que não encontra resposta no probatório, passa por saber que medidas adotou o aqui Oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, no sentido de fazer face àquela situação;
11. E, outrossim, o que fez o Oponente, atempadamente, para evitar a situação de insuficiência patrimonial da primitiva executada;
12. E que diligências encetou tendentes a evitar o incumprimento da obrigação de pagamento da dívida exequenda;
13. Ora, a este respeito, o probatório limitou-se a fixar, com base em prova testemunhal, que o declínio da Casa do Douro ocorrido em 1986 ou 1987 acabou por se refletir na devedora originária, não fazendo qualquer referência a medidas concretas adotadas pelo Oponente no sentido de pagar a dívida em análise, ou de impedir que a devedora originária chegasse àquela situação de incumprimento;
14. De igual modo, refere-se no probatório, que na sequência do declínio da Casa do Douro ficou, a devedora originária, sem garantir o escoamento durante 3 anos do vinho generoso das adegas cooperativas; no entanto, não especifica o Tribunal a quo qual a base factual em que assenta tal facto dado como provado;
15. No entendimento da Fazenda Pública, nenhum facto levado ao probatório autoriza a conclusão de que o Oponente não foi responsável pelo incumprimento da obrigação de pagamento dos créditos tributários exequendos de que era devedora principal a Adega de Sanfins do Douro;
16. Não demonstra a sentença recorrida em que medida o “conjunto sucessivo de circunstâncias endógenas inequívocas” influenciaram ou determinaram as dificuldades em liquidar a dívida tributária;
17. Não existe, nos autos, prova alguma no sentido concreto de que a falta de pagamento da dívida não seja imputável ao oponente, pelo que deve este responder subsidiariamente pelas mesmas ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT;
18. Efetivamente, não tendo o Oponente logrado carrear para os autos – como era seu ónus – prova concreta demonstrativa da bondade da tese que sustentou, isto é, inexistência de culpa pela falta de pagamento da quantia exequenda, a questão decidenda deveria ter sido contra si decidida, tal como decorrem das regras do ónus da prova determinado pelo artigo 342.º do Código Civil e artigo 74.º da LGT, em consonância com o dever que sobre si impendia decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT;
19. Considera a Fazenda Pública, resultar da prova fixada um sentido vago e genérico, remetendo num ponto (10.º) única e exclusivamente para a prova testemunhal e noutro ponto (11.º) nem sequer fazendo referência à respetiva base factual, quando o que se exigia era uma prova cabal e demonstrativa que permitisse afastar a presunção legal de culpa do Oponente;
20. Nem se diga, como se refere na sentença sob recurso, que, no período a que respeita o imposto (2007), a devedora originária já não laborava, porquanto ainda que tivesse ficado demonstrada a veracidade da referida afirmação, a mesma – por contender com a legalidade concreta do ato de liquidação da dívida exequenda – consubstanciaria um fundamento válido de impugnação mas já não de oposição, por não integrar o elenco taxativo contido no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT;
21. Sem prescindir: - Na audiência contraditória não foi fixado qualquer facto do qual o Tribunal pudesse ter concluído que o Oponente, enquanto gestor da executada originária, praticou atos concretos tendentes a combater ou evitar a situação económica e financeira que culminou no não pagamento da dívida tributária;
22. Efetivamente, os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Oponente – unidas a este por longas relações de amizade – mostraram-se omissos quanto ao cerne da questão decidenda nos presentes autos (culpa do Oponente na gestão dos destinos da Adega de Sanfins do Douro);
23. Na verdade, tal como se constata dos depoimentos gravados, estes foram reconduzidos a considerações genéricas acerca da existência de uma crise no setor vinícola da região duriense, mais concretamente relacionada com uma entidade externa à devedora originária (‘Casa do Douro’), nada acrescentando de relevante quanto à questão de saber que medidas concretas foram tomadas pelo Oponente para combater, nas palavras do Mmo. Juiz a quo o “declínio económico da devedora inicial”;
24. Por ter, em face apenas da prova testemunhal produzida, considerado ilidida a presunção legal de culpa do Oponente, fez a sentença recorrida incorreta interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, violando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º e no artigo 74.º, ambos da LGT, bem como, no artigo 342.º do Código Civil, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º da LGT;
25. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a revogação da sentença recorrida, e a consequente improcedência da oposição, assim se fazendo a já acostumada Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Como fundamento, em síntese, invocou que “[n]o caso em apreço, o recorrente exerceu a gerência de facto e de direito durante o período em que se verificou o facto constitutivo e também durante o período em que decorreu o prazo legal de pagamento.
Cabia-lhe assim o ónus de demonstrar a ausência de culpa do não pagamento da dívida.
A factualidade dada com provada no nº 9, 10 e 11, em nosso entender, não o permite. Isto porque, o alegado declínio da Casa do Douro, em 1986 e 1987, que não lhe permitiu o escoamento durante três anos do vinho generoso das adegas cooperativas, apenas seria motivo válido até 1990.
A Adega (...) deixou de laborar em 2006 (facto nº 9) sendo que a dívida de IRC é desse ano. Há um lapso temporal de quase 16 anos após 1990, em que não foi levado ao probatório factualidade que permita concluir que nesse período, que é o que interessa, o recorrido teve uma atuação que um gestor diligente sempre empreenderia, em circunstâncias adversas, para evitar ou tornar impossível o não pagamento dos tributos em causa durante o período da sua administração.
Sem dar como provada factualidade nesse sentido e que permita ser sindicada pelo Tribunal Superior, o Mmº Juiz não pode concluir pela procedência da oposição.
Face ao exposto, o recurso merece provimento.”

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, por sentença de 15/03/2017, julgou a oposição procedente e determinou a extinção da execução fiscal no que ao Oponente/Recorrido respeita.

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Por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 21/03/2019, foi anulada a sentença e ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto e conhecimento das demais questões suscitadas.

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Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao decidir que o devedor subsidiário onerado com a presunção de culpa na insuficiência do património da pessoa coletiva para satisfação das dívidas fiscais e, bem assim, pela falta de pagamento da dívida exequenda, logrou ilidir tal presunção.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:
“Factos Provados:
1. A AT instaurou o processo de execução fiscal contra a “Adega (...), CRL, CF (…), para cobrança das dívidas referentes a coimas de 2011 e IRC do ano de 2007, no montante de 222.502,01 € - Cfr fls. 64 e 64/v do PA;
2. Em 4/4/2011 ocorreu a liquidação de IRC em causa nos autos – Fls. 21 dos autos;
3. A decisão de aplicação de coima por facto que ocorreu em 2006, é de 2011 – Fls. 64;
4. A inicial executada não deduziu reclamação, recurso hierárquico, impugnação ou pedido de revisão oficiosa – Cfr, à contrário, PA.
5. A inicial executada não foi citada – Cfr. à contrário, PA.
6. Por ofício 1660 datado de 21/11/2013 o Oponente foi citado por reversão para proceder ao pagamento da quantia de 222.502,01 € 2.285,27 € , conforme fls. 18 e 19 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, com o seguinte destaque “(…) Pelo presente fica citado(a)de que é executada por reversão, nos termos do art.º 160.º (…) (CPPT) na qualidade de responsável subsidiário, para no prazo de 30 (trinta) dias (…) pagar a quantia exequenda de (…), de que era devedor(a) o (a) executado(a) infra indicado(a) (…) // FUNDAMENTOS DA REVERSÃO// Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão ( art.º 23.º/n.º2 da LGT) (…)”;
7. Em 25/11/2013 o Oponente foi citado por reversão da divida da inicial executada– Fls. 69 e 70 do PA;
8. A Adega (...) CRL constituiu-se em 27/7/1984, figurando o Oponente como presidente, desde essa data até 31/3/2007 – Fls. 62, 62/v e 63 do PA;
9. A devedora originária deixou de laborar em 2006 e está inativa desde 2007;
10. O suporte logístico e financeiro da Impugnante era a Casa do Douro, cujo declínio, que ocorreu em 1986 ou 1987, acabou por se refletir na Impugnante e nas restantes Adegas Cooperativas, que ficaram quase votadas ao abandono;
11. Com o declínio que da Casa do Douro ficou esta sem garantir o escoamento durante 3 anos do vinho generoso das adegas cooperativas.
Cfr. Relativamente aos factos 8, 9 e 10, cfr. depoimentos das testemunhas arroladas, principalmente A., gerente bancário aposentado; A. e A., bancário aposentado; que, pela profissão que exerceu (A.), pela função que desempenhou em cooperativas semelhantes à da inicial executada, em zona limítrofe (A.) e pela função que desempenhou na inicial executada (A.), por demonstrarem conhecer bem o setor da atividade onde localmente a inicial executada se integrava e por demonstrem conhecer bem o Oponente, os seus depoimentos mereceram-me credibilidade.
Não se provou que as instalações da Adega tivessem sido vendidas em arrematação judicial em 2007 – o Oponente não comprova documentalmente este facto (cfr, também, despacho de fls. 84).”
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2.1.2. Reformulação do ponto 8. da matéria de facto assente.

Refere-se no ponto 8. da matéria de facto assente que “[a] Adega (...) CRL constituiu-se em 27/7/1984, figurando o Oponente como presidente, desde essa data até 31/3/2007 – Fls. 62, 62/v e 63 do PA”
Consultada a certidão permanente de fls. 62 e 63 do processo administrativo tributário apenso, constatamos que o Oponente desempenha o cargo de Secretário da Direção da Originária Devedora, desde a sua constituição e, por isso, reformula-se o referido ponto 8. da matéria de facto assente nos termos seguintes:
8. A Adega (...) CRL constituiu-se em 27/7/1984, figurando o Oponente como Secretário da Direção, desde essa data – Fls. 62, 62/v e 63 do PA”
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2.2. DE DIREITO

Refere a Recorrente nas conclusões 2.ª e 3.ª das alegações recursivas que “não pode (…) conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual levada ao probatório; (…) Porquanto, a factualidade dada como assente fica aquém da que seria legalmente exigível para suportar a conclusão, extraída (…) de que ao Oponente não é imputável o não pagamento da dívida exequenda”.

Analisando as conclusões das alegações de recurso constatamos que não vem requerida a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Não vindo questionada a matéria de facto, vamos proceder à análise das restantes questões suscitadas.
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Mais invoca a Recorrente que “… a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou ações concretas esses factos têm de passar, necessariamente, pela evidenciação de medidas concretas, que demonstrassem a diligência empreendedora do gestor, aqui Oponente, em face das adversidades externas a que a devedora originária terá alegadamente ficado exposta; (…) Medidas essas que, não podem assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos atos adotados, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos como: (“crise do setor”, “declínio económico”, “crise económica”, tudo fez para, “etc.”,…”) evidencia, salvo o devido respeito, um probatório vago e não demonstrativo; (…) Perante a factualidade dada como provada [de que o declínio da Casa do Douro que ocorreu em 1986 ou 1987 acabou por se refletir na devedora originária] a questão que não encontra resposta no probatório, passa por saber que medidas adotou o aqui Oponente, na qualidade de gerente da devedora originária, no sentido de fazer face àquela situação; (…) E, outrossim, o que fez o Oponente, atempadamente, para evitar a situação de insuficiência patrimonial da primitiva executada; (…) E que diligências encetou tendentes a evitar o incumprimento da obrigação de pagamento da dívida exequenda; (…) Ora, a este respeito, o probatório limitou-se a fixar, com base em prova testemunhal, que o declínio da Casa do Douro ocorrido em 1986 ou 1987 acabou por se refletir na devedora originária, não fazendo qualquer referência a medidas concretas adotadas pelo Oponente no sentido de pagar a dívida em análise, ou de impedir que a devedora originária chegasse àquela situação de incumprimento; (…) Não existe, nos autos, prova alguma no sentido concreto de que a falta de pagamento da dívida não seja imputável ao oponente, pelo que deve este responder subsidiariamente pelas mesmas ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do art.º 24.º da LGT.”

Para concluir que o Oponente não é responsável subsidiário da sociedade inicialmente executada pelas dívidas exequendas considerou a sentença recorrida o seguinte:
“Perante os factos (…) temos de concluir que o declínio económico da devedora inicial se ficou a dever efetivamente a um conjunto sucessivo de circunstâncias endógenas inequívocas, que nenhum ato particular de gestão menos prudente do Oponente tenha sido responsável pela ausência falta de património para a falta de pagamento de um imposto circunscrito a 2007 (…) numa altura em que a devedora originária, aliás, já nem sequer laborava, e por isso não se antevê que possa ser dirigido um juízo de censura em termos funcionais, como causa adequada por tal falta de pagamento.
Portanto, falta um pressuposto da reversão da dívida – que é a de, nos termos enunciados, existir culpa por parte do Oponente na insuficiência do património da inicial executada para a satisfação da divida tributária.”

Vejamos:
Constatamos ser pacífico ter o Recorrido exercido a gerência da originária devedora, dado tudo indicar existir correspondência entre a gerência de direito e a gerência de facto e tal nunca ter sido questionado. Logo, tudo aponta para a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, conforme, aliás, consta da fundamentação do despacho de reversão.

O enquadramento jurídico ao abrigo do qual operou a reversão é fulcral, uma vez que a questão colocada no presente recurso se prende com a invocação de que o Oponente/Recorrido não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre o mesmo impende.

A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC de 2007 e Coimas.

Se bem interpretamos as conclusões das alegações de recurso não descortinamos que a Recorrente impute qualquer vício à sentença recorrida no que às Coimas respeita, pelo que sobre as mesmas não nos ocuparemos.

É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes a IRC do exercício de 2007, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.

Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.

Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) supra] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].

Como se escreveu no Acórdão deste TCAN de 10/10/2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: «Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, o acórdão do TCAN de 29 de outubro de 2009, Processo 228/07.2.»

Ora, da concatenação de todos os elementos dos autos, resulta que a responsabilidade do Recorrido se subsume ao disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT. O que significa que lhe cabe ilidir a presunção de culpa constante daquele normativo.

Feito o enquadramento jurídico, resultando a aplicabilidade à reversão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente e ora Recorrido, é o gerente responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Como já referimos, neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

Tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea b), impõe-se esclarecer que o facto ilícito suscetível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa atuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por ato culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente – neste sentido veja-se o acórdão deste Tribunal, de 08/10/2020, recurso n.º 00502/10.0BEBRG, consultável em www.dgsi.pt.
Como referem a este propósito, LEITE DE CAMPOS, Diogo; SILVA RODRIGUES, Benjamin e LOPES DE SOUSA, Jorge, in Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4.ª Edição 2012, encontro da escrita editora, pág. 236: “Na LGT só relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo (alínea b), n.º 1, artigo 24.º) se faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável" .

Ainda sobre a previsão da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, consignou-se no Acórdão do TCA-Norte de 30-04-2014, recurso n.º 03694/10.5BEPRT, consultável em www.dgsi.pt, que “(...) o ato ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade".
E sobre a dificuldade probatória daí decorrente - por se tratar da prova de facto negativo, v. g. a ausência de culpa - no Acórdão citado considerou-se que “…apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, a oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável".

Em matéria de aferição da culpa dos gerentes para efeitos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, tem sido entendimento uniforme que o critério utilizado deverá ser o do bonus pater familiae, analisando o comportamento do revertido à luz das circunstâncias do caso concreto.
Neste sentido, afirmou-se no Acórdão do TCA-Sul de 21-05-2015, proferido no processo n.º 08445/15, igualmente disponível para consulta em www.dgsi.pt. que “[a] culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extracontratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do Código Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma atuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a atuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não atuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S. Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade".

Portanto, em qualquer caso, ficando demonstrado que o gerente, ora oponente, não teve culpa na falta de pagamento, não estarão preenchidos os pressupostos da reversão - isto mesmo que a prova seja feita por quem não estava incumbido de o fazer.

No caso sub judice, e não questionando o Oponente/Recorrido o exercício das funções de gerência que o Órgão de Execução Fiscal lhe imputa em sede de despacho de reversão, será aplicável à situação sub judice a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT. Por conseguinte, atentos os considerandos que acima se expenderam ao caso concreto, importa analisar se o Oponente/ Recorrida logrou provar que o não pagamento da dívida exequenda não lhe pode ser imputado, por não ser culpa sua a situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária e a consequente falta de pagamento.

Aqui chegados, impõe-se chamar à colação os factos provados, com vista a apurar da responsabilidade do Oponente na qualidade de responsável subsidiário.
Na douta petição inicial invocou o Recorrido:
«5º As adegas cooperativas da Região Demarcada do Douro (doravante RDD) nasceram pela mão da Casa do Douro.
6º Enquanto a Casa do Douro teve importância - pelas atribuições públicas que lhe estavam atribuídas, pela enorme capacidade de obter receitas próprias e pelo reconhecimento e prestígio públicos de que gozava –– as adegas cooperativas da RDD foram também elas ganhando peso e importância.
7º Sucede que o poder central –– através da generalidade dos sucessivos Governos, mas com especial gravidade após a criação da CIRDD –– destruiu a Casa do Douro.
8º Com o declínio - no essencial, provocado pela via legislativa - da Casa do Douro os produtores da RDD entraram numa crise que não tem parado de se agravar.
9º Sucedeu a mesma factualidade com as adegas cooperativas, em grande parte pelo mesmo motivo.
10º Acresce que a outra profissão - o comércio - também sofreu profundas alterações ao longo dos últimos anos: passou a haver um número muito reduzido de “Casas Inglesas” e as grandes plantações que efetuaram tornou-as quase autossuficientes.
11º Com a criação do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (doravante IVDF) foi dada a machada final na produção e, por arrastamento, nas adegas cooperativas.
12º É que o IVDP devia funcionar como árbitro no setor e tem como que jogado por um dos lados, o do comércio.
13º Acresce, finalmente, que a crise generalizada que se instalou em Portugal e nos países para onde é exportado o vinho produzido na RDD teve também consequências dramáticas para a região.
14º Há ainda um outro aspeto que merece ser aqui referido: a partir de uma dada altura o poder central incentivou a fusão de adegas cooperativas dentro da RDD com promessas que nunca vieram a ser cumpridas, o que produziu um resultado desastroso.
15º A Casa do Douro, por sua vez, também cometeu alguns erros, designadamente com a compra de parte da Real Companhia Velha.
16º O certo é que, com raríssimas exceções, as adegas cooperativas, tal acontece com uma significativa parte dos seus associados, ou fecharam ou estão em vias disso.
17º Ora, esta decapitação da lavoura duriense produziu resultados completamente desastrosos sem que para isso tivessem contribuído os gestores das adegas cooperativas, a de Sanfins do Douro incluída.
18º Na verdade, o oponente sempre foi um gestor interessado, abnegado e responsável.
19º O oponente não praticou qualquer ato que tivesse contribuído para a insuficiência do património da devedora originária nem que tivesse contribuído para o não pagamento da dívida aqui executada.
20º Bem pelo contrário, o oponente sempre deu o melhor de si a troco de nada - note-se que o oponente não recebia vencimento, nem qualquer benesse ou privilégio, por via das funções que desempenhava.
21º O comportamento do oponente não é merecedor de nenhum juízo de censura.
22º Mas mais, como é sabido e óbvio, o oponente não contribuiu em nenhuma medida para nenhuma das calamitosas medidas a que se fez referência neste articulado. (…)
32º As instalações da Adega foram vendidas em arrematação judicial em 2007 (DOC. Nº 1).»
A sentença recorrida, com interesse para a apreciação desta questão, deu como provado:
“9. A devedora originária deixou de laborar em 2006 e está inativa desde 2007;
10. O suporte logístico e financeiro da Impugnante era a Casa do Douro, cujo declínio, que ocorreu em 1986 ou 1987, acabou por se refletir na Impugnante e nas restantes Adegas Cooperativas, que ficaram quase votadas ao abandono;
11. Com o declínio que da Casa do Douro ficou esta sem garantir o escoamento durante 3 anos do vinho generoso das adegas cooperativas.”
Pois bem, como se retira do conjunto dos factos provados e vem referido na sentença recorrida:
– O “declínio económico da devedora inicial se ficou a dever efetivamente a um conjunto sucessivo de circunstâncias endógenas inequívocas;”
Que “nenhum ato particular de gestão menos prudente do Oponente tenha sido responsável pela ausência falta de património para a falta de pagamento de um imposto circunscrito a 2007…”
– A “devedora originária, aliás, já nem sequer laborava…”,

E concluiu que “não se antevê que possa ser dirigido um juízo de censura em termos funcionais, como causa adequada por tal falta de pagamento”.
Importa começar por referir que, conforme resulta do despacho que operou a reversão da execução fiscal contra o Recorrido e que acompanhou a citação a que se refere o ponto 6. da matéria de facto assente (e fls. 23 dos autos), “[a]s dívidas atuais constantes destes processos executivos resultam, conforme atrás descrito, de:
- (…)
- Liquidação de IRC/2007, efetuada nos termos do disposto no art.º 90º n.º 1 e n.º 10 e art.º 99º do CIRC, após ação inspetiva efetuada pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Vila Real - Dl 201101206.
(…)
Em termos declarativos, constata-se que a cooperativa enviou as Declarações Modelo 22 de IRC posteriores a 2008, todas sem rendimentos declarados, e a última Declaração Modelo 10 submetida foi referente ao ano de 2008.
A cooperativa não exerce atividade desde 2009-03-31, data da cessação de atividade com efeitos em sede de IVA, para cessar em sede de IRC será necessário proceder à dissolução da sociedade.
As instalações da executada (artigo urbano n.º 1657 da freguesia de Sanfins do Douro) já foram vendidas em ‘arrematação judicial no ano de 2007 – dando origem à liquidação oficiosa de IRC já anteriormente referida – no entanto ainda não foi solicitada a dissolução e liquidação na competente Conservatória do Registo Comercial. Os dirigentes, revertidos nos presentes autos, mantêm atualmente os respetivos cargos.”

Efetivamente a invocada crise que afetou a Originária Devedora parece estar intrinsecamente ligada às vicissitudes por que passou a Casa do Douro que era o suporte financeiro e logístico da Originária Devedora (ponto 10. da matéria de facto assente).

Porém, não demonstrou o Recorrido em que medida esses fatores exógenos deram causa ou influenciaram a situação de insuficiência patrimonial da Originária Devedora.

O invocado declínio da Casa do Douro, em 1986 e 1987, que não lhe permitiu o escoamento durante três anos do vinho generoso das adegas cooperativas, apenas seria motivo válido até 1990. A dívida exequenda reporta-se ao ano de 2007, considerando o elevado lapso temporal de quase dezassete anos, não se demonstrou em que medida a falta de escoamento do vinho generoso afetou a Originária Devedora no ano de 2007.

Trata-se, assim, de alegação genérica da ocorrência de circunstâncias externas que afetaram a atividade da Originária Devedora e também a atividade de todas as empresas que nas mesmas circunstâncias atuam no mesmo mercado, não esclarecendo o Recorrido qual a repercussão que teve no património da Originária Devedora a ponto de inviabilizar o pagamento dos créditos tributários em execução.
*
Na sentença recorrida refere-se que “nenhum ato particular de gestão menos prudente do Oponente tenha sido responsável pela ausência falta de património para a falta de pagamento de um imposto circunscrito a 2007…”.

Trata-se da constatação de que não resulta provado que o Recorrido tenha praticado qualquer ato de gestão que de algum modo possa ter contribuído para a insuficiência ou agravamento da situação patrimonial da Originária Devedora.
Porém, tornava-se necessário que o Oponente/Recorrido provasse que administrou a empresa de molde a preservar o seu património social ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente, demonstrando, designadamente, qual foi a sua atuação para o preservar em termos de dar satisfação aos interesses dos credores sociais.
I
mpunha-se convencer o Tribunal, através da prova de factos e indícios, da não verificação do facto presumido (culpa). Ou seja, através de factos que permitam demonstrar que o exercício da sua gerência foi prudente e adequada às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.

Ora, a factualidade apurada nos autos não se afigura suscetível de criar a convicção (certeza subjetiva) de que a atuação do gerente não teve qualquer relação causal com a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos, sendo certo, como referido supra, que não basta a contraprova, ou seja, a criação de dúvidas a esse propósito (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC).

Por outro lado, o Recorrido/Oponente faz parte da direção da Originária Devedora desde a sua constituição e uma vez verificada a situação de insuficiência patrimonial não diligenciou pela emissão de declaração judicial que declarasse a insolvência da cooperativa [artigo 112.º, n.º 1, alínea g), do Código Cooperativo].
Importava, assim, que o ora Recorrido alegasse, dado o ónus da prova pender sobre si, toda a realidade que envolveu a atividade da devedora originária explicitando e desenvolvendo em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes de modo a se poder afirmar que fez tudo para o cumprimento das respetivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito –– neste sentido veja-se o acórdão deste TCAN, de 25/03/2021, recurso n.º 01424/14.1BEBRG, consultável em www.dgsi.pt.

Na petição inicial, como acima demos nota, vem invocada nos artigos 18.º a 22.º matéria conclusiva sem qualquer referência aos factos concretos que suportem tais conclusões, o que não permite aferir, em concreto, a natureza dos motivos invocados e o seu impacto no funcionamento da Originária Devedora e concluir que o Oponente /Recorrido, tinha desenvolvido esforços para resolver e superar essas dificuldades e satisfazer os créditos tributários.

Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos simples, concretos de que assim foi, nem suscetíveis de prova capaz de ilidir tal presunção de culpa.

Ao Oponente/Recorrido impunha-se fazer prova no sentido de ilidir a presunção de culpa que sobre o mesmo impende, não bastando lançar dúvida.
Na falta de prova efetiva e direta no sentido de afastar a culpa do Oponente/Recorrido pela não entrega dos impostos, deve o mesmo responder pelas dívidas, ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT.

Daí que, na procedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, revogar a sentença recorrida que assim não decidiu.
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Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:

I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores de pessoas coletivas a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

II - Tratando-se de uma presunção legal, a mesma só é suscetível de ser ilidida por prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

III - Haverá que demonstrar que a falta do pagamento dos créditos tributários não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o Oponente.

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3. DECISÃO


Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.

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Custas a cargo do Recorrido, não sendo devida taxa de justiça porque não contra-alegou.
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Porto, 29 de abril de 2021.

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira