Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01552/08.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/30/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, AVALIAÇÃO DIRECTA VERSUS INDIRECTA, PRESSUPOSTOS, ACORDO NO PROCEDIMENTO DE REVISÃO, FUNDAMENTAÇÃO, ACÇÃO INSPECTIVA:
NSPECÇÃO-GERAL DE FINANÇAS, AUDIÇÃO PRÉVIA, PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS, CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAR, APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO, NULIDADE, OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Se a Administração Tributária recolher indícios fundados de que os documentos de suporte, apesar de formalmente correctos, não reflectem uma verdadeira transacção, cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.

II – Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.

III - Se o contribuinte não demonstrar factos que abalem os fundados factos-índice apontados pela Administração Tributária, considera-se que esta satisfez o ónus probatório a seu cargo.

IV - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

V - A redacção do artigo 60.º, n.º 1, alínea d) da LGT foi alterada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que passou a determinar o seguinte: A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (…) d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção.

VI - Esta nova redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT tem natureza interpretativa, de acordo com o n.º 2 do artigo 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, o que significa que a lei interpretativa se integra na lei interpretada – cfr. artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil.

VII - O n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, dispunha sobre o efeito da ultrapassagem do prazo para conclusão da inspecção, cominando-a com a caducidade do direito à liquidação.

VIII - Uma vez que o artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, eliminou esse número 5, de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, só seria aplicável se aquele prazo fosse excedido durante a sua vigência: o facto, cujos efeitos a lei estabelece, é o excesso do prazo, e esses efeitos são os ditados pela lei vigente aquando da eclosão do facto, ou seja, quando o prazo é ultrapassado.

IX - Não sendo aplicável ao caso, em razão do tempo, o regime do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), aditado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e revogado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, fixado em 4 anos pelo n.º 1 do mesmo artigo da LGT, não é encurtado por o contribuinte ser objecto de uma acção de fiscalização externa.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A..., S.A., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 27/05/2014, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa do IRC e juros compensatórios do ano 2000, no montante de €580.819,55.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª A douta sentença está ferida de nulidade e padece de vícios formais e substanciais por violação de normas de direito adjectivo, por erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito, nos termos que melhor se explicitarão infra, não podendo, assim, manter-se na ordem jurídica.
2ª A douta sentença não procedeu autonomamente à sintetização da pretensão da recorrente e dos respectivos fundamentos, e à fixação das questões que ao tribunal cumpria solucionar, socorrendo-se do que, nesse domínio, fora assumido, em termos não exaustivos, nem vinculativos, pelo douto Acórdão do TCA Norte de 09.02.2010, proferido nos autos, pelo que violou o disposto no art. 123º, nº 1, do CPPT.
3ª A sentença não conheceu de todas as questões suscitadas na p. i., v. g. nos seus artigos 19, 20, 21, 27, 64 e 80, cuja matéria carecia de pronúncia do tribunal por a respectiva decisão não se mostrar prejudicada pela solução dada a outras, violando, desde modo, o disposto no art. 608º nº 2, do Novo CPC, e incorrendo, em qualquer daquelas omissões, na nulidade cominada no art. 125º, nº 1 do CPPT.
4ª Do mesmo modo, não conheceu da matéria alegada no artigo 15º da p. i., que constitui questão autónoma, cuja decisão não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, ficando também incursa na previsão contida nos preceitos referidos na conclusão anterior.
5ª Idêntica omissão de pronúncia praticou a sentença relativamente à questão configurada na primeira parte do artigo 16 da p. i., onde se alega o vício de fundamentação ocorrido na decisão de fixação da matéria tributável de IRC, por silenciar qualquer menção ao Relatório da IGF, datado de 11.09.2003 e considerado naquela o fundamento determinante da prática do acto tributário, ficando, por isso, e também desta feita, incursa no preceituado nos artigos referidos na conclusão 3ª.
Sem prescindir,
6ª E posto que houvesse de entender-se – o que se recusa – que o acto tributário ter-se-ia fundado no conteúdo do referido Relatório, uma vez que a decisão de fixação da matéria tributável não o invoca nem remete para ele, a recorrente ficou impedida de conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade decidente na formação da vontade ínsita ao acto em causa, tudo em violação do disposto nos arts. 77º, nº 1, da LGT, e 125º, nºs 1 e 2, do CPA.
De novo sem prescindir,
7ª Também em sede de julgamento da matéria de facto são múltiplos e de largo espectro os vícios evidenciados na sentença.
8ª Desde logo, por ter desconsiderado na decisão da matéria de facto o documento junto ao Processo Administrativo constituído por uma informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, em 2 folhas, com data de 26.09.2003, sobre o qual recaiu despacho do Director de Finanças datado de 03.10.2003, contendo elementos relevantes para a decisão da causa, atentos, entre o mais, quer o seu conteúdo, quer a matéria conexa alegada nos artigos 15, 16 e 20 da p. i. Por outro lado,
9ª Em sentido inverso, a douta sentença relevou no probatório o Relatório da IGF, reproduzindo o respectivo teor da parte respeitante ao IRC – e referiu-se-lhe exuberantemente na motivação da matéria de facto – conquanto a decisão de fixação da matéria tributável nenhuma referência específica lhe fizesse, conforme se alegou no artigo 16 da p. i.
Todavia,
10ª Não releva na sua motivação o documento ou documentos em que se baseou especificamente a decisão de fixação da matéria tributável de IRC.
11ª Seja por insuficiência da matéria dada por provada, seja por não permitir estabelecer uma relação de pertinência e de necessidade lógica entre os aludidos factos dados como provados e a decisão impugnada, a douta sentença violou o disposto no art. 607º, nº 4, do Novo CPC, e incorreu em ilegalidade ao julgar improcedente a impugnação.
12ª Ainda em sede de julgamento da matéria da prova, na sua vertente testemunhal, quer do conteúdo dos depoimentos, quer da sua valoração à luz do quadro considerado normal do agir humano em circunstancialismo idêntico ao dos intervenientes nas facturas ditas falsas, conjugada com as regras da experiência comum, não se extrai, salvo melhor opinião, a convicção do tribunal objectivada na respectiva motivação, mas, sim, a oposta que respondesse afirmativamente em matéria de prova da veracidade daqueles documentos.
13ª O que se justifica e impõe tanto mais quanto é certo que é a própria sentença a reconhecer e assumir que na convicção do tribunal foram relevados “... os depoimentos das testemunhas inquiridas, que, no essencial se mostraram seguros, coerentes e credíveis...”
14ª Sendo de atender na valoração dos referidos depoimentos – o que a sentença não fez – o longo do tempo (cerca de 12 anos) decorrido entre as datas da verificação dos factos provados e da inquirição das testemunhas, e à natural e erosão da memória desses factos, mais compreensível por não respeitarem a interesses pessoais e directos dos depoentes.
E atender também a que,
15ª A demora excessiva e injustificável (e não imputável a qualquer título à recorrente) na realização da prova testemunhal, não só acarretou a impossibilidade de obter uma decisão em prazo razoável, como também ameaça tornar o processo não equitativo (e culminar numa decisão final iníqua), por se ter criado objectivamente pelo atraso na inquirição das testemunhas um obstáculo irremovível à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
16ª Caso viesse a manter-se a decisão do tribunal a quo — o que de todo em todo se não concede — consagrar-se-ia uma intolerável iniquidade, porquanto o Estado, único responsável pela falta de inquirição das testemunhas em tempo razoável, seria o beneficiário directo do mau funcionamento a si imputável dos seus serviços administrativos e judiciais.
17ª O argumento vertido na sentença — cfr. fls. 33 — de que “As testemunhas não afirmam que (...) todos os serviços facturados ao Sr. AA... foram efectivamente prestados pelo valor que consta da facturação”, a ser aceite como pertinente e válido, tem subjacente a premissa ou ideia de que tal facto é insusceptível de prova testemunhal, já que, salvo melhor opinião, exceptuados os intervenientes directos na prestação e facturação dos serviços — e mesmo estes só se acompanhassem todas as fases e operações materiais da respectiva execução — ninguém mais teria conhecimento pessoal da matéria em causa.
18ª Sendo que, os factos em causa reconduzir-nos-iam a uma situação em que a única pessoa que estaria em condições de fazer tal afirmação — por ser a que prestou e efectuou os serviços — seria precisamente a que não poderia ser inquirida como testemunha, por tal lhe ser legalmente vedado (cfr. artigo 617º do CPC, na redacção ao tempo em vigor) nem sequer mediante “declarações de parte”, meio de prova previsto no art. 466º do Novo CPC, mas inexistente no CPC de 1961, aplicável ao tempo) – o AA... — quer quanto aos factos a si directamente respeitantes, quer, enquanto gerente, quanto aos respeitantes à sociedade B... Lda---.
19ª Tratando-se de factos cuja prova não só não era exigível, como, pelo contrário, era legalmente inadmissível, não poderia a mesma ter sido (segundo a motivação da decisão) considerada, como foi, relevante para a decisão da causa, ou, também, que o ónus da sua alegação e demonstração impendesse sobre a recorrente.
20ª Tendo a sentença tomado como fundamento decisivo das correcções aos valores declarados por métodos indirectos – na senda do Relatório da IGF erigido em elemento decisivo de prova, e da acta nº ...04, de 14.09.2004 (relativamente à revisão da matéria tributável)– a tese da falsidade das facturas que assenta, essencialmente, na premissa de que os seus emitentes – (entre os quais o AA... a Sociedade B... Lda, de que aquele era sócio e gerente) – “.. não teriam capacidade para efectuarem a totalidade dos serviços facturados à A..., S.A---...”, e de que, no ano de 2000, o subempreiteiro, AA..., só prestou serviços à recorrente através dos 5 trabalhadores legalizados na Segurança Social afectados às obras executadas, tal premissa foi abandonada e desautorizada em sede de revisão da matéria tributável pela própria Fazenda Pública através do seu perito interveniente no acto, com o aval do Director de Finanças no despacho final do procedimento de revisão.
21ª A nova posição da AT fez ruir, não deixando pedra sobre pedra, o principal e decisivo pressuposto da tese defendida até então da falsidade das facturas (quer das que deram lugar a correcções técnicas, quer das que suscitaram a aplicação de métodos indirectos) fazendo claudicar com efeitos retroactivos a legalidade que pudesse enformar o procedimento de revisão da matéria tributável por métodos indirectos.
22ª E, por identidade de razão, estendeu o seu alcance às situações de todas as facturas e seus emitentes a que foi aplicado o método da avaliação directa, rectius das correcções meramente aritméticas.
23ª A questão de saber se os serviços facturados à recorrente pelo AA... foram efectivamente prestados não constitui uma questão de direito atinente aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, reconduzindo-se antes ao domínio da (in)existência do facto tributário.
24ª Por seu turno, a questão da (in)existência do facto tributário, tributária da questão conexa da veracidade, v.s. falsidade, das facturas não integra o domínio em que pode ter lugar e operar o acordo entre os peritos, pois que tal acordo só pode ter por objecto matéria atinente ao erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável. – cfr. arts 89º, nºs 4 e 5, 91º, nºs 1 e 14, e 92º, nº 1, da LGT, o que não está em causa quando se discute a questão da veracidade/ falsidade das facturas.
25ª No caso vertente, há ainda a ponderar o facto relevante e decisivo de que, tendo-se admitido que só uma parte das facturas seria falsa, fazia-se mister – ónus que impendia sobre a A. T., por força do disposto no art. 74º, nº 1, da LGT – identificar tais facturas: as consideradas falsas na totalidade, e as que, assim consideradas só parcialmente, se encontravam nestas condições, e qual o valor respeitante à parte falsa, ainda que calculado por mera presunção e/ ou aproximação.
26ª Sendo de salientar que os depoimentos das testemunhas, cuja credibilidade a sentença reconhece e assume, inculcam de forma impressiva e concludente a compatibilidade necessária e suficiente entre o descritivo das facturas e a realidade que lhes subjaz, tal como alegado na p. i..
27ª Do conteúdo da prova testemunhal ressalta em termos muito claros que a convicção do tribunal a quo se fundou numa motivação que a prova produzida no seu conjunto não legitima nem sustenta, conduzindo a conclusão oposta à adoptada a propósito dos factos dados por não provados.
28ª Os argumentos vertidos na sentença em apoio da tese da falsidade das facturas – v.g. a alegada anormalidade no preenchimento de algumas facturas do AA... por uma funcionária da recorrente, e o procedimento relativo ao pagamento dos cheques ao mesmo fornecer – não colhem a sua legitimidade e fundamento no depoimento das testemunhas, mas, antes, no pré-juízo sobre a questão da falsidade das facturas.
29ª A posição assumida em sede de procedimento de revisão pela AT através do seu perito contempla tanto o AA... como a Sociedade B... Lda--- – e é extensível igualmente aos demais emitentes de facturas - não legitima a tese vertida na sentença da falsidade das facturas inferida da alegada falta de capacidade para prestarem os serviços nelas descritos.
30ª Igualmente não merecem colhimento os argumentos aduzidos na sentença a propósito do circunstancialismo alegadamente revelador da falsidade das facturas emitidas pela sociedade B... Lda---, v. g., à não transponibilidade da situação do AA... para a B... Lda---, por se tratar de pessoa colectiva, falta de capacidade para prestar os serviços facturados, e a obrigação da sociedade possuir conta bancária.
31ª Seja por erro na apreciação e na valoração da prova produzida, seja por decidir sem prova ou contra a prova produzida, seja por extrair da prova ilações e juízos conclusivos que a prova não comporta, a douta sentença violou o disposto no art. 607º, nº 4, do Novo CPC, não podendo, assim, manter-se na ordem jurídica.
32ª Quanto ao julgamento de direito, também a douta sentença incorreu em erro ao julgar improcedente a impugnação.
33ª O acto tributário impugnado enferma de vício de forma decorrente da falta de fundamentação de todas as correcções técnicas e por métodos indiciários, vício esse verificado, desde logo, na decisão de fixação do lucro tributável por despacho do Director de Finanças de 03.10.2003, por incongruência intrínseca do seu conteúdo, por insuficiência e obscuridade irremovíveis, violando, assim, o disposto no art. 77º, nº 1, da LT, e no art. 125º, nºs 1 e 2, do CPA.
34ª Sendo que, os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável são, como parece inquestionável, os pressupostos previstos nos arts. 87º, nº 1, al. b), e 88º, ambos da LGT – são esses e só esses – como decorre da formulação taxativa do corpo do nº 1 do art. 87º.
35ª Por seu turno, os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável são os previstos – esses e não quaisquer outros – no art. 90º da LGT, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
36ª Por outro lado, o discurso da douta sentença preparatório da decisão não se adequa à (não está em sintonia com a) matéria da questão suscitada pela recorrente nos artigos 24 e 25 da p. i., porquanto neles arguiu-se a insuficiência da fundamentação da informação dos SIT de 26.09.2003 e a sua repercussão invalidante /ilegalizadora da decisão de fixação da matéria tributável, enquanto naquela (sentença) equaciona-se a defende-se a suficiência fundamentadora do Relatório da IGF.
37ª Donde a douta sentença não poder manter-se na ordem jurídica, seja por considerar inexistente o vício arguido de falta de fundamentação da decisão de efectuar as correcções técnicas e a decisão de fixação do lucro tributável por métodos indirectos – neste caso ao arrepio do disposto no art. 77º, nº 4, da LGT – seja por incongruência, desfasamento ou desadequação entre o vício concretamente suscitado e a resposta/pronúncia que lhe foi dada.
38ª Relevando “hic et nunc” apenas os aspectos da fundamentação enunciados nos vícios arguidos, a recorrente julga ter demonstrado no articulado respectivo da p. i. as insuficiências, obscuridades, incoerências e contradições das peças do procedimento ali identificadas, demonstrando a sua ininteligibilidade geradora de vício equivalente à falta de fundamentação.
39ª Ao conhecer do vício alegado na p. i. atinente à violação do direito de audição, a douta sentença ensaia um discurso justificativo que versa (tem por objecto) matéria diversa da alegada, pelo que a decisão respectiva não se adequa ao objecto de que era mister conhecer, ficando prejudicada a solução preconizada, por erro nos pressupostos.
40ª Acresce que, mesmo que devesse considerar-se cumprido o disposto no art. 60º. nº 1, al. e), da LGT – e independentemente da questão de saber se é do Projecto do Relatório da IGF ou da informação dos SIT e das decisões de fixação do lucro tributável por métodos indirectos que se trata – tal não abalaria a pertinência e validade na parte respeitante ao último segmento da alegação vertida no artigo 18º da p. i., face ao disposto no art. 60º, nº 1, al. d), da LGT, nos termos do qual: “1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (...)
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;”
41ª Do normativo em causa – art. 60º da LGT – com a redacção em vigor ao tempo, decorre que o cumprimento do disposto na alínea e) do seu nº 1, não prejudica ou torna dispensável o cumprimento do disposto na alínea d) do mesmo número.
42ª Ao contrário do propugnado pela sentença é, salvo o devido respeito, por demais evidente que ocorreu a invocada preterição de formalidades legais por violação do disposto no art. 60, nº 1, al. d), da LGT.
43ª Tendo sido alegado na p. i. o vício do acto tributário por erro sobre os pressupostos da correcção por métodos indirectos, a douta sentença respondeu negativamente a tal questão, nomeadamente por não ter atentado em que, no caso vertente, tal como se alegou nos artigos 51º a 53º da p. i., a recondução pela IGF das facturas emitidas pelos referidos subcontratados ao plano da falsidade só foi possível, quer por erro nos pressupostos, quer por ter sido descurado o objectivo e o dever de apurar com base nos meios disponíveis as margens presumivelmente obtidas, calculando, a partir delas, os custos reais e os tidos por fictícios, optando, pelo contrário, por inferir a falsidade das facturas com base numa alegada informação obtida de um suposto engenheiro não identificado e sem qualificação específica demonstrada.
44ª A decisão de apodar as facturas de falsas, com base no quadro fáctico descrito, não se mostra devidamente fundamentada, assenta em pressupostos errados ou não fundamentados, e viola os princípios de rigor, de equilíbrio, de justiça e de verdade material subjacentes aos postulados da Lei Fundamental e do Estado de direito que é suposto o nosso país ser, pelo que o acto tributário dela procedente está ferido de ilegalidade invalidante.
45ª Relativamente ao vício imputado ao acto tributário de preterição de formalidades legais, a douta sentença aludindo, embora, à matéria vertida nos artigos 58º e 59º da p.i. não emite sobre a questão ali suscitada qualquer pronúncia, violando o disposto no art. 608º, nº 2, do Novo CPC, e incorrendo na nulidade cominada pelo art. 125º, nº 1, do CPPT.
46ª Segundo o Relatório da IGF — que ora se invoca apenas por mera cautela de patrocínio, pois se considera o mesmo alheio à decisão da matéria tributável — a situação nele descrita configura um caso de “relações especiais subsumível ao disposto no art. 57º, nº 1, do CIRC, na redacção em vigor na data em que os factos”(...) “conjugado com o nº 3 do art. 77º da LGT”. — vide loc. cit. do Relatório
47ª Independentemente da questão de saber se a fundamentação vertida no Relatório da IGF satisfaz os requisitos e formalidades previstos no art. 57º, nº 1, e no art. 112º do CIRC, e, bem assim no art, 77º, nº 3, da LGT, mormente nas suas alíneas a), b) e c) — e a resposta não pode deixar de ser afoitamente negativa — é óbvio que, quer no ano de 2000, a que se reportam os factos tributários e os pressupostos jurídicos respectivos, quer no período em que decorreu a inspecção até à data da fixação da matéria tributável pelo Director de Finanças em decisão de 03.10.2003, o procedimento de apuramento/determinação da respectiva matéria/lucro tributável seguia o formalismo previsto no citado art. 112º do CIRC (mantido até 31.12.2003, não obstante as alterações introduzidas a partir de 2002 ao art. 57º, de que resultou, para além do mais, a renumeração e transposição do texto para o art. 58º).
48ª Face ao formalismo imperativo prescrito no art. 112º do CIRC, renumerado e transposto para o art. 129º a partir do ano de 2002, não sofre qualquer dúvida de que, pelo menos a correcção referente a “resultados extraordinários”, do montante de 678.365,14 €, não poderia ser incluída e influenciar o procedimento de tributação, quer pelo método das correcções técnicas ou meramente aritméticas, quer pelo método indiciário ou da avaliação indirecta.
49ª Daí que, ademais do vício de fundamentação por preterição do disposto nas alíneas a) a c) do nº 3 do art. 77º da LGT, o acto tributário enferma de ilegalidade por violação do disposto no art. 112º (ou, na sua idêntica redacção e renumeração em 129º, a partir de 2002).
50ª E isto porque, o próprio Relatório da IGF – cfr. fls. 27 – inclui indevidamente aquele montante na quantificação das correcções propostas aos valores declarados, erro que veio a ser repetido nos actos administrativo-procedimentais subsequentes, incluindo a fixação do lucro tributável por decisão do Director de Finanças de 03.10.2003.
51ª Ao contrário do propugnado pela douta sentença a fls. 59, a lei – especificamente o art. 112º do CIRC (e, do mesmo modo, o art. 129º, a partir de 2002) – obrigava a AT a adoptar procedimentos autónomos de determinação da matéria tributável (individualizando as correcções atinentes às “relações especiais” das demais) e “a proceder a tantas liquidações adicionais quantas as correcções efectuadas”.
52ª A recorrente criticou nos citados artigos 62º e 63º da p. i. a actuação da AT materializada na prática de um acto tributário strictu sensu – isto é, uma liquidação unitária baseada em correcções apuradas com recurso simultâneo a métodos directos e métodos indirectos, o que lhe estava vedado pela especificidade do regime legal aplicável a cada tipo de situações em matéria de liquidação do tributo: – o previsto nos arts. 16º, nº 3, 83º, nº 10, e 91º do CIRC, e nos arts. 81º, nº 1, 82º, nº 1, e 83º, nº 1º da LGT, quanto aos métodos directos; e o previsto nos arts. 15º, nº 2, 16º, nº 4, 52º e 55º do CIRC, e 82º, nºs 2 e 3, 83º, nº 2, 85º e 87º e seguintes, quanto aos métodos indirectos.
53ª E concluiu que, atenta a especificidade de regimes aplicáveis a cada tipo de liquidações, se impunha à AT proceder a tantas liquidações adicionais quantas as necessárias para repor a legalidade.
54ª É certo que a lei não regula expressamente o modus operandi em matéria de liquidação adicional respeitante a correcções à matéria tributável do IRC com recurso simultâneo a métodos directos e a métodos indirectos efectuadas no âmbito do mesmo procedimento inspectivo.
55ª E, salvo melhor opinião, não teria de o fazer, porque a liquidação (adicional ou não) é um acto inserido lógica e necessariamente no procedimento tributário, culminando-o, procedimento este com regulamentação legal específica. – cfr. as disposições do CIRC e da LGT antes citadas.
56ª Concluída a inspecção, e detectadas situações subsumíveis a regimes procedimentais específicos, impõe-se o desencadeamento das operações, actos e formalidades subsequentes com observância dos preceitos aplicáveis.
57ª Daí decorre que, enquanto as correcções meramente aritméticas não dão lugar a fixação da matéria tributável – esta é específica dos métodos indirectos – seguindo-se a liquidação imediatamente à notificação ao sujeito passivo do relatório final do procedimento inspectivo, já no caso das correcções por métodos indirectos há lugar a um procedimento intercalar (prévio à liquidação) de revisão da matéria tributável.
58ª Dada a diversa tramitação e formalismo do procedimento tributário num e noutro caso – de que resulta, na aplicação de métodos indirectos, o retardamento, por vezes assinalável, da fase de liquidação, durante a qual pode mesmo operar-se a caducidade do respectivo direito – não faz sentido, mormente à luz dos princípios da economia, incluir-se no mesmo acto unitário de liquidação correcções aritméticas e também as resultantes da aplicação de métodos indirectos.
59ª Aliás, e no que às correcções meramente aritméticas concerne, não pode considerar-se procedente o argumento da celeridade, invocado na sentença, pois é manifesto que tal argumento convém precisamente à situação inversa, defendida pela recorrente.
60ª O procedimento adoptado pela AT, para além de carecido de fundamento legal acarretou manifesta e objectivamente prejuízos para o Estado, nomeadamente, mas não só, pelo retardamento de mais de um ano da liquidação do IRC respeitante às correcções meramente aritméticas, com a agravante de que o tributo que lhe corresponde é de montante muito superior ao proveniente das correcções por métodos indirectos.
61ª A douta sentença está, assim, inapelavelmente ferida de ilegalidade por violação dos preceitos legais supra citados, pelo que se impõe a sua anulação.
62ª A douta sentença rejeitou igualmente o vicio alegado da caducidade do direito à liquidação, desde logo, por erro na apreciação da matéria de facto atinente à determinação da data do início da inspecção levada a efeito pela IGF.
63ª O início da inspecção em causa teve lugar em data bem anterior (dias, semanas ou meses) ao dia 08.10.2002 em que, comprovadamente, a inspecção já estava em curso, e o seu termo ocorreu em data não anterior a 20.10.2003, portanto passado mais de um ano.
64ª Conforme reconhece a douta sentença a fls. 62., considera-se que a inspecção “termina na data da notificação da respectiva nota de diligência, de acordo com o artigo 61º do RCPIT”, que dispõe: “1 - Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento. 2 - Nos casos referidos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 46.º, a nota de diligência indicará obrigatoriamente as tarefas realizadas.“
65ª À data do início da inspecção estava em vigor o nº 5 do art. 45º da LGT na redacção dada pela Lei nº 15/2001, de 05.06, pelo que, contando-se o prazo nele considerado, a partir de 05.07.2001, data da entrada em vigor da norma, ex vi do art. 11º da mesma Lei, contempla, obviamente, o IRC em causa nestes autos, e aplica-se do mesmo modo ao procedimento de inspecção realizada pela IGF.
66ª Tal como defendeu a recorrente na p. i., a liquidação impugnada enferma de ilegalidade por violação dos preceitos legais citados, nomeadamente o nº 5 do art. 45º da LGT.
Termos em que, e nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da sentença recorrida ou, quando assim se não entenda, ser a impugnação julgada procedente com a consequente revogação daquela.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e se incorreu em erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito, no que respeita à fixação e quantificação da matéria tributável e à caducidade do direito de liquidar.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade agora Impugnante (“A..., S.A---”) tem por objecto social “promoção imobiliária, compra de imóveis para revenda, actividades de arquitectura e engenharia e técnicas afins e construção civil” – fls. 214 dos autos;
2. No ano 2000 a A..., S.A--- era detentora de partes de capital nas seguintes empresas associadas, “C..., S.A” e “D..., S.A”, com sede no mesmo local da empresa mãe – fls. 328 do PA, 2º Vol.;
3. Enviada sob registo postal nº ..., de 17/6/2003, carta -aviso nº ...13, de 16/6/2003, da Direcção de Finanças de Aveiro, a Inspecção-Geral de Finanças efectuou acção inspectiva à actividade da A..., S.A--- e elaborou Projecto de Relatório que notificou através do ofício nº ...03 - Procº 2002/..., de 30/7/2003 – fls. 129 do PA, 1º Vol.;
4. Por requerimento datado de 14/8/2003, entrado na Inspecção-Geral de Finanças em 18/8/2003, a A..., S.A--- exerceu direito de audição relativa ao projecto notificado pelo ofício nº ...03 – fls. 130 a 134 do PA, 1º Vol.;
5. Em 11/9/2003 a Inspecção-Geral de Finanças elaborou o Relatório nº 889/2003 – Processo nº 2002/..., no qual foram propostas correcções/acréscimos aos lucros tributáveis declarados pela A..., S.A--- nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, e liquidações adicionais de IVA relativas aos mesmos anos – fls. 322 a 587 do PA- 2º Vol.;
6. Com interesse para os autos extracta-se do Relatório o seguinte:
SUMÁRIO DE APRESENTAÇÃO
1. O presente relatório do exame à escrita da firma supracitada, foi efectuado no âmbito da auditoria à tributação de empresas de promoção imobiliária, incluída no plano operacional da Inspecção-Geral de Finanças para o ano de 2001 e teve por objectivo a análise do cumprimento, pelo sujeito passivo, das suas obrigações fiscais e parafiscais, referentes aos exercícios de 1999 a 2001.
(…)
I. INTRODUÇÃO
1. Origem e objectivos
No âmbito da auditoria à tributação de empresas de promoção imobiliária, incluída no Plano Operacional da I.G.F. para 2001, que foi aprovado por despacho do Senhor Ministro das Finanças de 22 de Fevereiro de 2001, fomos incumbidos de proceder ao exame à escrita da firma "A..., S.A."(1- Doravante designada por “A..., S.A---”), com sede na Rua (…), nos termos do disposto no n.º 1, alínea c) e n.º 3 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto.
Nestas circunstâncias, o objectivo do exame consistiu na análise do cumprimento, pelo sujeito passivo, das suas obrigações fiscais e parafiscais, referentes aos exercícios de 1999 a 2001.
2. Breve caracterização da empresa
2.1. Constituição, capital social e objecto
(…)
1.2. Do acima exposto, deduz-se que se encontra praticamente extinta a actividade relativa à promoção imobiliária (construção de imóveis para venda), pelo que pouco teremos a desenvolver relativamente a este segmento da empresa e que, à partida, consistia no principal objectivo da presente auditoria. Porém, na sequência de diligências que entendemos realizar junto de diversos subempreiteiros, acabamos por de arar com indícios de facturação fictícia emitida varai a empresa em exame, com consequências fiscais ao nível do IRC e do IVA.
1.3. Por outro lado, após leitura comparativa das principais peças financeiras - designadamente da demonstração dos resultados extraordinários -, procedemos à análise de um conjunto de operações de compra e venda de partes de capital em empresas associadas, da qual resultou, no exercício de 2000, uma significativa perda em imobilizações, matéria esta que será tratada em sede de IRC.
2. Em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
2.1. Análise dos proveitos e ganhos - Variação da produção
2.1.1. No exercício de 1999, a existência final da conta "Produtos e trabalhos em curso" foi valorizada em 220.689.895$00 (1.100.796,56 euros), conforme Anexo II, a fls. 2, montante apurado pela diferença entre o total dos custos do empreendimento "Edifício AA---" e os custos inerentes às fracções vendidas nesse ano.
2.1.2. Porém, analisado o mapa de apuramento da referida rubrica (fls. 3 do mesmo Anexo), deparámos com os seguintes erros:
a) Da diferença entre o total "os custos (294.839.895$00) e o preço de custo das fracções vendidas (74.136.364$00), resultou a existência final da conta 35 — "Produtos e trabalhos em curso", de 703.531$00, montante superior em 13.636$00 ao total efectivamente registado no respectivo balanço (220.689.895$00);
b) O total que se obtém da soma das diversas parcelas relativas ao custo das fracções vendidas é de 136.364$00, valor superior em 1.000.000$00 ao total indicado naquele mapa (74.136.364$00).
2.1.3. Consequentemente, a existência final da referida conta deveria ter sido valorizada naquele exercício em 219.703.531,$00 (2 - Valor que decorre da diferença entre o total dos custos (294.839.895$00) e o total corrigido do custo das fracções vendidas (75.136.364$00)), ou seja, em menos 986.364$00, pelo que reflectiremos esta diferença no apuramento dos lucros tributáveis, diminuindo e aumentando o resultado líquido dos exercícios de 1999 e de 2000, respectivamente, na importância de 986.364$00 (4.919,96 euros).
2.1.4. As inexactidões descritas constituem contra-ordenações fiscais, previstas e punidas nos termos do art.º 34.º do RJIFNA.
2.2. Análise dos custos e perdas
2.2.1. Perda em imobilizações
No exercício de 2000 foi contabilizada uma perda extraordinária no valor de 136.000 contos (€678.365,14) na subconta 6941 "Alienação de investimentos financeiros" (Anexo I, a fls. 5) e Anexo III, a fls. 2/3), relativa à venda de 2.450 acções da firma "D..., S.A".
2.2.1.1. Compra e venda de acções da associada "DD---"
Conforme contratos de compra e venda datados de 29 de Dezembro de 1999, a "A..., S.A---" adquiriu a dois accionistas de nacionalidade brasileira (BB... e CC...), os seguintes lotes de acções, num investimento que totalizou 480.000 contos (3 - De notar que, à data da compra e venda das acções. o capital social das sociedades "C..., S.A" e "D..., S.A---" encontrava -se distribuído pelos dois accionistas brasileiros e, também, pelos três sócios gerentes da "A..., S.A---"):
Empresas associadasCapital socialNúmero de acçõesInvestimentos financeiros
(em contos)(v. nominal: 1000$)(em contos)
C..., S.A.5.0001.500280.000
D..., S.A.5.0002.500200.000

a) Após a compra de 2.500 acções da "D..., S.A---", o seu capital social passou a estar detido pela "A..., S.A---" (50%) e pelos seus três sócios gerentes (50%), os quais asseguravam também a gestão de ambas as sociedades, com sede no mesmo local;
b) Com o objectivo de reduzir o valor do lucro tributável, a declarar com referência ao exercício de 2000, os sócios gerentes da "A..., S.A---" conceberam uma estratégia que consistia em adquirirem eles próprios, à empresa, as acções da "D..., S.A---", por um preço de venda inferior ao custo em 136.000 contos, através da interposição no negócio de um terceiro que, conluiado com eles, as cederia posteriormente pelo mesmo preço, para contornarem a sujeição ao preceituado no art.º 57.º do CIRC (correcções nos casos de relações especiais);
c) Para esse efeito, em 2000.11.30 (Anexo III, a fls. 4/5), a "A..., S.A---" celebrou um contrato de compra e venda de 2.450 acções com o contribuinte DD..., cujo preço, de 60.000 contos, lhe terá sido depositado na sua conta bancária pelo sócio gerente EE..., no mesmo dia em que aquele emitiu o cheque a favor da entidade vendedora (vd., no mesmo Anexo, as suas declarações a fls. 17 e extracto da sua conta bancária a fls. 22/23);
d) A acta da Assembleia Geral de accionistas da "D..., S.A---", realizada em 2001.02.12, em que foi deliberado o aumento do capital social de 5000 para 10.000 contos através da entrada de dinheiro, encontra-se subscrita por DD... (Anexo III, a fis. 35/36) mas, através da análise dos movimentos da sua conta bancária, concluímos que este não entregou os 2.450 contos correspondentes à sua participação no referido aumento de capital. Segundo ele, a realização foi efectuada em dinheiro, também com empréstimo do sócio gerente da "A..., S.A---", EE... (vd. suas declarações a fls. 21);
e) Em 2001.06.21 (Anexo III, a fls. 10/11), foi celebrado um outro contrato de compra e venda de 4.900 acções da "D..., S.A---", que resultaram do aumento do seu capital social, entre DD... (detentor daquele número de acções) e os dois sócios gerentes da "A..., S.A---" que outorgaram o contrato de compra e venda de 2.450 acções referido na alínea c). Segundo aquele contrato, os dois sócios gerentes da "A..., S.A---" e não esta entidade, como previa o primeiro contrato, adquiriram as 4.900 acções pelo, mesmo preço de 60.000 contos;
f) Através da análise dos movimentos que figuram no extracto da conta bancária de DD... (Anexo III, a fls. 24/34) concluímos que este não recebeu o preço de 60.000 contos, situação que nos foi confirmada pelo próprio, o qual referiu ainda que as 4.900 acções da "D..., S.A---" foram vendidas a uma terceira pessoa (vd. sua carta de 6 de Fevereiro de 2003, a fls. 14), mas, mais tarde (em 17 do mesmo mês, cfr. aquele Anexo, a fls. 17), declarou que vendeu as acções ao sócio gerente da "A..., S.A---", EE...;
g) O mesmo contribuinte acrescentou ainda que, em final de Junho de 2001, acordou em devolver ao referido sócio as 4.900 acções da "D..., S.A---", para pagamento do empréstimo de 60.000 contos que lhe havia concedido. No entanto, posteriormente, em 1 de Abril de 2003, declarou-nos que, com a devolução das acções ao mutuante EE..., ficaram saldados os dois empréstimos nos valores de 60.000 contos e de 2.450 contos que este lhe concedeu (Anexo III, a fls. 21);
h) Através da lista de presenças na Assembleia Geral de accionistas da "D..., S.A---" realizada em 2001.12.20 (Anexo III, a fis. 38), concluímos que a s 4.900 acções passaram a ser detidas, em partes iguais, pelos três sócios gerentes da "A..., S.A---", ou seja, EE..., FF... e CV...;
i) Em vez de ter sido celebrado um único contrato de compra e venda entre a "A..., S.A---" e os seus sócios gerentes, para obstar à aplicação das regras constantes do art. º 57.° do CIRC, a gerência da empresa delineou a estratégia já anteriormente referida, que se traduziu na celebração de dois contratos e que obteve o mesmo efeito prático, ou seja:
Venda pela "A..., S.A---" aos seus sócios gerentes das acções que detinha na "D..., S.A---", por um preço inferior em 136.000 contos ao respectivo preço de custo e, com isso, reduzir, em igual montante, o valor do lucro tributável relativo ao exercício de 2000, contando, para este efeito, com a colaboração de um terceiro, o contribuinte DD....
2.2.1.2. Consequências fiscais
Do exposto anteriormente, decorrem as seguintes implicações na esfera jurídico-tributária da "A..., S.A---":
a) Não obstante as razões aduzidas pela gerência da "A..., S.A---" (Anexo III, a fls. 40/42) que teriam originado a venda das 2.450 acções que detinha na "D..., S.A---" por um preço inferior ao respectivo custo em 136.000 contos, atendendo:
às relações especiais (os sócios eram comuns às duas sociedades e exerciam a gestão de ambas);
• ao modo como se processou a transferência da titularidade daquelas acções da "A..., S.A---" para os seus sócios gerentes e
• ao valor do preço estabelecido,
leva-nos a concluir que este negócio não teria sido concretizado nestas condições, particularmente com a fixação de um preço de venda inferior ao preço de custo das acções, se tivesse sido celebrado entre vendedor e comprador independentes, tal como previa, à data da ocorrência dos factos, o n.º 1 do art.º 57.º do Código do IRC;
b) Aliás, a necessidade de realizar dinheiro, referida pela gerência da "A..., S.A---", como facto que originou a venda das acções, a nosso ver, não justifica esta operação, pois qualquer gestor criterioso, razoável (normal), não resolve as dificuldades de obter meios financeiros vendendo os activos da empresa a qualquer preço, pelo que, nos termos do disposto no n. º 1 do art.º 57.º (na redacção em vigor à data em que ocorreram os factos) e art.º 23.º, ambos do CIRC, conjugado com o n.º 3 do art.º 77.º da LGT, não deve ser aceite como custo em sede de IRC, o valor do prejuízo apurado na venda das acções, na importância e 136 000 contos;
c) Tendo em conta o modo como se processou a venda das 2.450 acções detidas pela “A..., S.A---” na "D..., S.A---", concluímos que existem indícios fortes da prática de crime de fraude, previsto e punido nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 23.º do RJIFNA, devendo a DGCI instaurar o respectivo procedimento.
2.2.2. Subcontratos
2.2.2.1. Notas prévias
Esta rubrica possui um peso significativo na estrutura dos custos de fornecimentos externos, traduzido nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, nas percentagens de 94%, 93% e 91%, respectivamente (Anexo I, a fls. 6).
Com o objectivo de comprovarmos a efectividade e legalidade das operações contabilizadas e o cumprimento das inerentes obrigações fiscais, efectuamos diligências junto de alguns subempreiteiros previamente seleccionados de acordo com critérios de materialidade e de risco associado.
Assim, mediante recurso a visualização de alguns elementos, em sede de IRC, IRS e de IVA, constantes dos ficheiros da D.G.C.I. (4- Elementos esses solicitados aos Chefes dos Serviços de Finanças da
área das sedes dos contribuintes) e relativos aos diversos contribuintes (subcontratados da empresa e/ou subcontratados daqueles), procedemos, depois, ao desenvolvimento das diligências tendentes à aferição do substrato material e financeiro das operações, tendo -se verificado situações anómalas nas entidades constantes do mapa a seguir, no qual se explicitam os montantes das facturas emitidas para a "A..., S.A---":
Entidades e Localidades199920002001
SubtotalIVATotal
GG... 37.2806.33843.618
HH... 11.0291.87512.904
II... 000
JJ 42.4007.20849.608
SOMA (I)90.70915.421106.130
AA... 108.12918.382126.511
B... Lda--- 18.5183.14821.666
SOMA (II)126.64721.530148.177
TOTAL (I+II)217.35636.951257.307

2.2.2.2. Resultados das diligências realizadas
Passemos, agora, à descrição dos factos detectados nas verificações efectuadas às entidades identificadas no quadro anterior, com vista ao apuramento das situações que afectam a esfera jurídico - tributária da firma "A..., S.A---".

2.2.2.2.1. GG..., HH..., II... e JJ
a) Em relação ao primeiro, efectuamos diligências junto do Serviço de Finanças de Castro Daire (área do domicílio indicado nas facturas e recibos), tendo -se constatado que GG... não é conhecido na área daquele Serviço e o NIPC (…) (igualmente mencionado nas facturas emitidas) é um número inválido (Anexo IV, a fls. 20);
Atendendo a estes factos, solicitámos ao gerente de uma tipografia do Marco de Canaveses, onde foram impressas as respectivas facturas e recibos, que nos informasse quando e como foram requisitados tais documentos, tendo-nos respondido que, em 10/09/1998, foram requisitados 5 livros em nome de GG..., requisição essa efectuada por um outro indivíduo com morada em Cinfães, que viemos a indagar se encontrar actualmente em regime de prisão (5- De referir que, no decurso das diligências realizadas à " B... Lda.", que se descreverão no ponto 2.2.2.2.3 deparámos com facturas emitidas em nome de ¯GG..." nos anos de 2000 e 2001, no total de 119.791 contos);
b) No que diz respeito às diligências encetadas às outras 3 pessoas, para além de alguns aspectos específicos inerentes a cada um, anotámos as seguintes situações comuns:
Nunca emitiram qualquer factura para a "A..., S.A---" , não conhecem esta empresa, pois nunca lhe - prestaram qualquer trabalho e, também, não conhecem os locais mencionados nas facturas;
• De igual modo, não conhecem os sócios gerentes daquela empresa;
• Os valores dos serviços facturados à "A..., S.A---" não foram declarados para efeitos do IRS, não tendo sido, também, entregues quaisquer declarações periódicas de IVA.
Relativamente a cada um deles, salientam-se as seguintes particularidades:
• O HH... cessou a actividade em 30.09.92 e não há conhecimento de que o mesmo tivesse continuado a exercê-la. Alegou que toda a facturação posterior é falsa e acusa a tipografia "Gráfica (…)" que estará a imprimir facturas e recibos em seu nome, sem requisições suas e sem o conhecer (Anexo V, a fls. 7/8);
O II..., segundo informação que nos foi transmitida no Serviço de Finanças da área do domicílio indicado nas facturas (Amarante) é um toxicodependente, sem morada actual. Os livros de facturas e recibos que mandou imprimir na "Gráfica (…)" foram-lhe roubados, não se lembrando já do nome da pessoa que estará por detrás d e tudo isto (Anexo VI, a fls. 7/8);
O JJ deixou de ser trolha há 8 anos e nunca mais trabalhou em obras. Mandou imprimir 5 livros de facturas e recibos na tipografia "Gráfica (…)" a pedido de um seu vizinho, subempreiteiro, falecido há meses (6 - No decurso das diligências à " B... Lda.", a descrever em 2222.3., deparámos com facturas emitidas em nome de "JJ", nos anos de 2000 e 2001, no total de 279.875 contos ), declarando-nos ainda que os livros devem ter passado para outras pessoas que desconhece (Anexo VII, a fls. 7/8);
c) Em relação a GG..., HH..., II... e JJ, o sócio gerente da "A..., S.A---", FF..., reconheceu existirem situações irregulares, informando-nos que a empresa iria recorrer à faculdade excepcional de regularização das dívidas do IRC e do IVA, nos termos do previsto no Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro. No entanto, alegando dificuldades pontuais de tesouraria, a empresa acabou por regularizar apenas as dívidas respeitantes a IVA, como mais adiante se concretizará;
d) Não obstante aquele reconhecimento pelo sócio gerente de situações irregulares, acresce ainda salientar que, na escrita da "A..., S.A---", encontram-se relevados os pagamentos, através de cheques, de todas aquelas facturas;
e) Assim, nos termos do disposto no art.º 23.º do CIRC, os valores contabilizados pela empresa e justificados com as referidas facturas, nos totais de 95.781 contos em 1999 e de 90.709 contos em 2000 (cfr. quadro a fls. 15), não devem ser aceites como custos;
f) A factualidade descrita parece indiciar a prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do art.º 23.º do RJIFNA.
2.2.2.2.2. AI...
a) Das diligências efectuadas junto do Serviço de Finanças de Amarante (área do domicílio indicada nas facturas e recibos), constatou-se que a data do início da actividade do empresário em nome individual foi em 06.10.1997 e que este contribuinte (7 - Este subempreiteiro (actualmente com a idade de, apenas, 28 anos), para além da “A..., S.A---", teve também por cliente a firma “E...---” para a qual emitiu 27 Facturas em 1999, 32 facturas em 2000 e 6 em 2001, nos totais (valores, sem IVA) de 106.162 contos, 141.185 contos e 21.325 contos, respectivamente, situação que se detectou aquando da realização de diligências nesta última sociedade) não apresentou as declarações de IRS relativas aos exercícios de 2000 e 2001, nem entregou as declarações periódicas de IVA e o correspondente imposto;
b) Após várias tentativas, conseguimos localizar o sujeito passivo, o qual nos forneceu as seguintes informações (Anexo VIII, a fls. 17/21):
Não possui quaisquer elementos da contabilidade, pelo facto de se terem perdido aquando da mudança de residência;
Nos anos de 2000 e 2001, possuía 5 trabalhadores inscritos na Segurança Social e dispunha mais, em média, de 25 a 30 trabalhadores clandestinos;
Recorreu ainda a um fornecedor de mão de obra, de nome próprio "C…", que residia em S. Mamede de Infesta;
Como equipamentos, possuía uma máquina rectroescavadora adquirida à firma "F...---", em Abril de 2000, que se manteve na sua posse até Dezembro de 2001 e, também, nesse ano, recebeu idêntica máquina da "A..., S.A---" para acerto de contas, máquina esta que, depois de se avariar em Maio de 2001, foi vendida a um sucateiro;
c) Em relação às declarações anteriores, foi possível confirmar o seguinte:
Nas folhas de remunerações enviadas à Segurança Social referentes ao ano de 2000, constam, de facto, em média e a partir de Março, 5 trabalhadores ao seu serviço e, em 2001, apenas 2 se encontravam inscritos e só no 1.º trimestre (o único período deste ano em que se verificou emissão de facturas);
Segundo informação da firma "F...---", esta forneceu ao subempreiteiro a referida máquina, em estado de uso (factura n.º ...4, de 2000.04.13, no total de 2.950 contos), encontrando-se, actualmente, o processo em fase de contencioso, por terem sido pagas somente duas prestações (no valor de 243.750$00, cada uma), correspondentes a duas letras aceites de um total de doze (Anexo VIII, a fis. 22/25);
Foi-nos apresentada pela "A..., S.A---" uma declaração assinada por um seu gerente e pelo contribuinte AA..., com data de 30.04.2001, referindo que a empresa cedeu a este subempreiteiro, a título gratuito, uma retroescavadora (que, até então, se encontrava emprestada), como compensação das dificuldades acrescidas com que este se deparou no decorrer dos trabalhos efectuados na obra "Saneamento de Pardilhó" (vd. Anexo VIII, a fls. 26).
d) Através da comparação da mão-de-obra necessária para a execução das tarefas descritas nos autos de medição, respeitantes aos trabalhos mencionados nas facturas emitidas por AA... Pinto (3.617,6 dias homem em 2000 e 1.251,9 em 2001, cfr. Anexo VIII, a fis. 42), com a mão-de-obra ao seu serviço (1.364 dias homem em 2000 e 156 em 2001, cfr. fls. 46) (8), concluiu-se que este empresário não possuía estrutura suficiente para a prestação, dos serviços facturados naqueles dois anos;
De salientar que o cálculo da mão-de-obra necessária baseou-se em fichas de rendimentos constantes de publicações do LNEC.
e) Mediante a análise que efectuamos à conta corrente deste subempreiteiro na escrita da "A..., S.A---", constatámos que todas as facturas emitidas foram pagas através de cheques;
Para verificarmos a efectividade e o beneficiário destes pagamentos, solicitámos aos responsáveis da empresa que nos facultassem fotocópias (frente e verso) dos cheques utilizados em vários pagamentos, ocorridos no período de 2000/2001. De acordo com as fotocópias, de 8 cheques recebidos, constatámos que estes foram emitidos ao portador e que a assinatura que figura no verso dos cheques não é de AA..., mas, em 4 casos, do sócio gerente da firma pagadora, EE... e, noutros tantos, de um colaborador da mesma empresa, de nome "KK" (Anexo VIII, a fls. 27/41);
Confrontado o empresário com esta situação, referiu-nos que solicitou aos responsáveis da "A..., S.A---" o recebimento em dinheiro porque necessitava de proceder ao pagamento aos seus trabalhadores e ao subempreiteiro que lhe cedia mão-de-obra, acrescentando, ainda, não possuir quaisquer extractos bancários.
Atendendo aos valores dos cheques envolvidos (16.660.449$00, 18.624.060$00, 19,620.901$00, para só citarmos os 3 primeiros que se incluem a fls. 27/31 daquele Anexo), não é normal, nem razoável a realização de pagamentos em dinheiro de importâncias tão avultadas e, por outro lado, o desconto destes cheques por pessoas ligadas à própria entidade pagadora, indicia, claramente, que o verdadeiro beneficiário das respectivas quantias não poderá ter sido o sujeito passivo AA...;
g) Em face do exposto, concluímos que não pode ser aceite como custo da "A..., S.A---" a totalidade dos valores das facturas emitidas pelo referido subempreiteiro, por existirem indícios fortes de a algumas delas não corresponderem verdadeiras prestações de serviços. O cálculo dos custos presumidos dos exercícios de 2000 e 2001, para efeitos de CIRC, será explicitado no ponto 2.2.2.5., a fls. 26;
h) Os factos descritos parecem indiciar a prática dos crimes de fraude fiscal e de fraude, respectivamente previstos e punidos nos termos do art.º 23.º do RJIFNA (exercício de 2000) e do art.º 103.º do RGIT (exercício de 2001).
2.2.2.2.3. B... Lda.
a) Através das diligências efectuadas junto do Serviço de Finanças de Amarante (área da sede da empresa), constatamos que:
A sociedade iniciou a sua actividade em 14.07.2000 e , tem como sócios AA... (o empresário individual anteriormente referenciado) e esposa;
O sujeito passivo ainda não apresentou a declaração de rendimentos (modelo 22) de IRC respeitante ao exercício de 2001;
Em sede de IVA, existem diversas declarações periódicas em falta, tendo-se reportado a última entrega ao 1.º trimestre de 2001, com o pagamento de imposto no valor de 110.305$00.
b) Ao analisarmos os balancetes gerais de 2000 e de 2001 (este ainda incompleto) que nos foram disponibilizados pela empresa que executa a contabilidade desta sociedade, verificámos que:
Além dos montantes facturados para a "A..., S.A---" em 2000 e 2001, respectivamente de 18.518 contos e de 100.675 contos (valores sem IVA), a firma "B... Lda---" facturou para duas outras empresas, em 2000, o total de 31.627 contos e, em 2001, para 32 clientes, o total de 476.332 contos;
Naqueles dois anos, figuram, praticamente, como únicos fornecedores daquela sociedade “GG...”, e “JJ”, os quais, conforme descrevemos no ponto 2.2.2.2.1, estão relacionados com a emissão de facturas que não têm subjacentes quaisquer prestações de serviços;
As facturas emitidas em nome de GG... e de JJ ascenderam, em relação ao primeiro, a 41.561 contos (2000) e 78.230 contos (2001) e, em relação ao segundo, a 6.423 contos (2000) e 273.452 contos (2001), valores sem IVA;
c) Com vista ao esclarecimento destes factos, reunimo-nos com o sócio gerente AA..., a quem foram colocadas diversas questões (Anexo IX, fls. 30/33). Das suas respostas, destacamos as seguintes:
Apesar de não se encontrarem registados na escrita da sociedade, relativa ao exercício de 2000, custos com o pessoal, declarou-nos que, para a prestação dos serviços, utilizou trabalhadores que estavam ao serviço da firma "AA... ";
Com base nas folhas de férias enviadas ao Centro Regional de Segurança Social do Porto, verificámos que empresa só começou a ter trabalhadores ao seu serviço em Fevereiro de 2001, no total de 5, número que aumentou para 6 no mês de Outubro, deixando de ter pessoal nos 2 últimos meses do mesmo ano (Anexo IX, a fls. 38). Por este facto, a rubrica 64 — "Custos com o pessoal" surge, somente, em 2001, encontrando -se no balancete geral (valores acumulados em Dezembro) relevado o saldo de 3.468.627$00 (vd. fls. 28 do mesmo Anexo);
Em virtude de a sociedade não possuir qualquer equipamento básico registado na sua escrita (exercícios de 2000 e 2001) e confrontado com a referência de "Serviço de máquinas" nas facturas emitidas no período de Maio a Dezembro de 2001, o sócio gerente justificou esse facto com a utilização das máquinas adquiridas pela sua firma individual, acrescentando ainda que, embora as facturas se referissem, basicamente, àquele serviço, incluíram também a mão-de-obra para execução dos saneamentos.
Quanto ao modo como recorreu aos serviços (apenas cedência de mão -de-obra) dos dois principais fornecedores, "GG…" e "CA…", o sócio gerente da "B... Lda---" não deu respostas minimamente esclarecedoras (vd. questão 2 do auto de declarações, em Anexo IX, a fis. 32/33); d) Relativamente aos cheques utilizados pela "A..., S.A---" para pagamento das facturas emitidas pela "B... Lda---", verificámos o seguinte:
No exercício de 2000, foram emitidos 2 cheques ao portador, os quais foram levantados por um sócio gerente da A..., S.A--- (Anexo IX, a fis. 34/36);
No exercício de 2001, os cheques foram emitidos à ordem da "Sociedade B... Lda---", contendo no verso a assinatura de AA....
Quanto à situação anormal ocorrida em 2000 e relativa à forma de pagamento das duas únicas facturas emitidas, no total de 21.666.060$00 (isto é: 18.518 contos acrescidos do respectivo IVA), o sócio gerente LL declarou-nos que recebeu em, dinheiro, entregue pelos gerentes da "A..., S.A---", Eng.º EE… e Sr. CV… (Anexo IX, a fls. 31/32);
e) Não obstante os responsáveis da "A..., S.A---" terem-nos exibido contratos de adjudicação de obras à "B... Lda---", nos quais consta a assinatura de AA... Pinto, concluímos o seguinte:
Em relação ao exercício de 2000, esta última sociedade não possuía qualquer estrutura (meios humanos e equipamentos) que lhe permitisse prestar os serviços facturados, pelo q ue existem fortes indícios de as facturas processadas para a "A..., S.A---" não terem subjacentes quaisquer prestações de serviços;
Com os 5 trabalhadores ao serviço desde Fevereiro de 2001 (6 em Outubro e nenhum em Novembro e Dezembro), a "B... Lda---" não possuía capacidade produtiva compatível com a facturação de serviços durante esse ano, no total de 577.007 contos, empresas;
As informações prestadas pelo sócio gerente da "B... Lda---", AA..., não devem merecer qualquer credibilidade, na medida em que ele não nos apresentou quaisquer documentos que permitam confirmar a sua veracidade e não identificou as pessoas que lhe permitiram contactar o "GG..." e o "JJ", em nome dos quais foram emitidas facturas sem terem subjacentes quaisquer prestações de serviços;
f) Por tudo isto, em relação ao exercício de 2000, não devem ser aceites como custos da "A..., S.A---" os valores das duas facturas emitidas pela "B... Lda---", no total de 18.518. contos, de acordo com o preceituado no art.º 23.º do CIRC;
Relativamente aos valores facturados em 2001, os custos presumidos para efeitos de IRC da "A..., S.A---" serão apurados no ponto 2.2.2.5, a fls. 26.
g) O comportamento descrito parece indiciar a prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do art.º 23.º do RJIFNA (quanto ao exercício de 2000) e do crime de fraude, previsto e punido nos termos do art.º 103.º do RGIT (em relação ao exercício de 2001).
2.2.2.3. Organização contabilística
a) Nos termos do disposto, no n.º 3 do art.º 17.º e n.º 1 do art.º 115.º do Código do IRC, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas, de modo a permitir o apuramento e controlo do lucro tributável.
Ora, tendo em consideração os factos descritos nos pontos 2.2.2.2.1. a 2.2.2.2.3. existem indícios fortes de terem sido contabilizadas facturas emitidas em nome de subempreiteiros, sem terem subjacentes verdadeiras prestações de serviços.
b) Por outro lado, em 2000 e 2001, foram registados vários pagamentos a AA... e, em 2000, à B... Lda. por meio de cheques ao portador, os quais foram descontados por sócios gerentes da A..., S.A--- e por uma outra pessoa ao seu serviço, o que demonstra a existência de sérios indícios de que os verdadeiros beneficiários poderão ter sido outros e, simultaneamente, que os respectivos custos contabilizados, eventualmente, não ocorreram.
c) Em virtude de não termos competência para aceder às contas bancárias dos sócios gerentes da "A..., S.A---" e do contribuinte AA..., por força do disposto no art.º 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, não foi possível confirmar quem f oram os verdadeiros beneficiários das importâncias constantes de alguns cheques emitidos para pagamento de facturas, mas tal competência é deferida ao juiz de instrução pelo art.º 268.º do Código de Processo Penal. Acresce salientar que, no respeitante aos factos ocorridos em 2001, atento o disposto na alínea c) do n.º 2, conjugado com o n.º 3 do art.º 63.°-B da LGT, o Senhor Director-Geral dos Impostos poderá aceder aos documentos bancários relativos aos pagamentos das facturas emitidas em nome de "AA..." e da "B... Lda---".
d) Em face destas situações e de acordo com o previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT, a escrita da "A..., S.A---" e as declarações apresentadas pela empresa não gozam da presunção de verdade e de boa fé, por revelarem inexactidões e indícios fundados de que não reflectem e impedem o conhecimento da sua matéria colectável real para efeitos de IRC.
e) Assim, de harmonia com o actual n.º 1 do art.º 52º do CIRC e da alínea b) do art.º 87º, conjugado com a alínea a) do art.º 88.º, ambos da LGT, a matéria colectável de IRC, relativa aos exercícios de 2000 e 2001, deve ser apurada por recurso à avaliação indirecta, por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à sua correcta determinação.
2.2.2.4. Correcções meramente aritméticas
a) Relativamente aos sujeitos passivos indicados no ponto 2.2.2.2.1., foi reconhecido pelo sócio gerente da "A..., S.A---", Eng.º FF..., a existência de situações irregulares, tendo a empresa procedido à regularização das dívidas resultantes de ter deduzido indevidamente o IVA de bitado nas facturas emitidas em nome daqueles, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro (9 - Conforme se referiu já a f ls. 17, na alínea c), aquele responsável pela empresa alegou que, por motivos de dificuldades pontuais de tesouraria, não f oi efectuada idêntica regularização para ef eitos de IRC);
b) Nesta conformidade, os valores que não deverão ser considerados custos fiscais, nos termos do art.º 23.º do CIRC, totalizam 95.781.118$00 em 1999 e 109.227.450$00 em 2000, assim desdobrados:

(Valores em escudos)
Entidades19992000Obs.
GG...55.675.40037.280.450f ls. 15/17
HH...7.120.00011.029.000:f ls. 15/17
II...32.985.7180f ls. 15/17
JJ042.400.000f ls. 15/17
B... Lda018.518.000f ls. 20/23
95.781.118109.227.450
2.2.2.5. Correcções propostas com recurso a métodos indirectos
a) De acordo com os critérios previstos nas alíneas d), f) e h) do art.º 90.º da LGT, propomos os valores máximos que o subempreiteiro AA... (anos de 2000 e 2001) e a B... Lda. (ano de 2001) poderiam facturar, em virtude de os valores globais das facturas emitidas excederem, largamente, as suas capacidades de prestação de serviços;
b) Os critérios adoptados nos cálculos foram os seguintes:
Não obstante ambas as empresas terem emitido várias facturas para outros clientes, considerou-se que todo o seu pessoal só esteve afecto à "A..., S.A---" (o que provavelmente não aconteceu) e que trabalhou todos os sábados;
Os preços de referência por hora de trabalho, por categoria de trabalhador, publicados pelo LNEC, relativamente a Dezembro de 1999, foram por nós actualizados, pressupondo uma taxa de crescimento de 5% para os anos de 2000 e 2001;
c) De acordo com estes critérios, os valores presumidos como custos fiscais da "A..., S.A---" são os seguintes:
(Valores em escudos)
EntidadesFacturação máxima
20002001Obs.
AA...21.735.6006.156.384Anexo VIII, a f ls. 45
B... Lda016.581.952Anexo IX, a f ls. 37
21.735.60022.738.336
d) Comparando aqueles valores com os contabilizados pela "A..., S.A---", resultam as seguintes correcções:
(Valores em escudos)
Descrição20002001
Valores contabilizados:
AA...108.128.90037.770.000
B... Lda. (10)100.675.000
(I)108.128.900138.445.000
Custos presumidos:
AA...21.735.6006.156.384
B... Lda.016.581.952
(II)21.735.60022.738.336
Valores a acrescer: (I) + (II)86.393.300115.706.664
(10) - Em relação ao exercício de 2000, f oram contabilizados 18.518 contos, os quais f oram objecto de correcções meramente aritméticas (ponto 2.2.2.4. a fls. 25).
2.3. Apuramento do lucro tributável
Em face do exposto, evidenciam-se nos quadros seguintes as matérias tributáveis dos exercícios de 1999, 2000 e de 2001, propondo-se que, relativamente a estes dois últimos anos, sejam determinadas com recurso a métodos indirectos, nos ternos do disposto no actual n.º 1 do art.º 52.º do CIRC, bem como da alínea b) do art.º 87. º e alínea a) do art.º 88.º, ambos da Lei Geral Tributária:
2.3.1. Exercício de 1999
(…)
2.3.2. Exercício de 2000
DescriçãoValores em escudosValores em euros
Lucro tributável declarado pelo contribuinte131.046.519$653.657,28
Variação da produção:
- Diminuição das existências finais de “produtos e trabalhos em curso”
(vd. 2.1., f ls. 9/10)986.364$4.919,96
Resultados extraordinários:
- Perda em imobilizações não considerada custo para efeitos do art.º 23 e
do 57º, ambos do CIRC (vd. 2.2.1., 2.2.1. e 2.2.1.2., a fls. 10/14)136.000.000$678.365,14
Subcontratos:
- Correcções meramente aritméticas (vd. 2.2.2.4., a fls. 25)109.227.450$544.824,23
- Correcções por presunção (vd. 2.2.2.2.5., a fls. 26)86.393.300$430.927,96
Lucro tributável proposto por mét. indirectos463.653.633$2.312.694,57
2.3.3. Exercício de 2001
(…)
IV. PROCEDIMENTO DE CONTRADITÓRIO
1. Na execução do presente serviço foi dado cumprimento ao disposto no art.º 17 º do Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto, bem como no Despacho n. º ...9 (2.ª Série) de 15 de Janeiro, do Senhor Ministro das Finanças, tendo, para esse efeito, sido remetido à gerência da empresa o extracto do projecto do relatório onde se propõem correcções em sede de IRC e de IVA, com indicação dos respectivos fundamentos.
2. A gerência da empresa, através do seu mandatário, enviou-nos uma exposição constituída por 4 folhas, com comentários distribuídos em 19 pontos, a discordar das correcções apenas no que especificamente respeita à problemática dos subcontratos, limitando -se, em nossa opinião, a apresentar generalidades e até a proferir afirmações sem corresponderem à realidade, não evidenciando quaisquer factos novos que ponham em causa as nossas propostas e a forma de determinação da matéria colectável (Anexo XI, a fls. 3/6).
3. Assim, no ponto 4, após terem sido indicadas as correcções meramente aritméticas (95.781.118$00 em 1999 e 109.227.450$00 em 2000, conforme consta em 2.2.2.4., a fls. 25), foi referido que "o relatório da auditoria é incompleto, porquanto não toma posição sobre se tais montantes traduzem um correspondente empolamento dos custos efectivamente suportados".
3. 1. Entendemos, com efeito, não aceitar as referidas quantias como custos, nos termos do disposto no art.º 23.º do CIRC, por se terem recolhido indícios sérios de que as respectivas facturas em nome dos subempreiteiros não corresponderam a operações efectivamente realizadas. Ora, pretendendo-se, em sede de IRC, tributar o lucro efectivamente obtido, não pode consentir-se a dedução de custos em relação aos quais, em face de pormenorizadas diligências, se indiciam como inexistentes.
3. 2. Conforme se descreveu em 2.2.2.2. deste relatório e em relação àquelas correcções, deparámos com facturas emitidas em nome de uma entidade que não consta do cadastro da D.G.C.I., em nome de outras três que assumiram a falsidade dos documentos, declarando -nos que nunca emitiram facturas para a "A..., S.A---" e que nem sequer conhecem os sócios gerentes desta empresa e, por fim, por uma sociedade desprovida, em relação ao exercício de 2000, de qualquer estrutura, em termos de meios humanos e de equipamentos.
3.3. Aos responsáveis da empresa transmitimos, repetidas vezes, o resultado destas averiguações (ou seja, a total incapacidade por parte dos subempreiteiros em causa para a realização dos serviços facturados) e não nos exibiram qualquer meio de prova demonstrativo da efectividade daquelas operações.
3.4. Por outro lado, constatámos que, na escrita da empresa, todos os pagamentos aos "prestadores de serviços” foram efectuados por meio de cheques, pelo que, no decurso da auditoria, solicitámos aos sócios gerentes que nos facultassem fotocópias (frente e verso) dos respectivos cheques utilizados, com vista a verificarmos a sua efectividade e os respectivos beneficiários.
3.5. Dado o atraso na entrega daqueles elementos e perante as nossas insistências no pedido, o sócio gerente Eng.° FF..., a dada altura, solicitou-nos uma reunião, que decorreu nas nossas instalações do Porto, onde reconheceu - no tocante aos subempreiteiros GG..., HH..., II... e JJ - a existência de situações irregulares, informando-nos que a empresa iria recorrer à faculdade excepcional de regularização das dívidas do IRC e do IVA, nos termos do Decreto -Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro.
3.6. Perante o compromisso assumido pelo responsável da "A..., S.A---", entendemos, na mesma reunião, prescindir das fotocópias dos diversos cheques que, eventualmente, teriam servido para pagar as facturas emitidas em nome das quatro entidades acima identificadas. Porém, à semelhança do que, posteriormente, viríamos a constatar com outros subempreiteiros (AI... e B... Lda.), estamos em crer que, caso fosse concretizado o pedido, depararíamos com indícios de os verdadeiros, beneficiários das importâncias pagas terem sido pessoas diferentes daquelas que constam como emitentes das facturas.
3.7. Posteriormente, o sócio gerente apresentou-nos elementos comprovativos do recurso da empresa ao benefício do regime consagrado no Decreto -Lei n.º 248-A/2002, mas tão só em relação à regularização do IVA liquidado nas facturas emitidas nome das entidades referidas no ponto 3.5. supra e indevidamente deduzido pela empresa, justificando, após a nossa interpelação, que a não regularização em sede de IRC se deveu a dificuldades pontuais de tesouraria.
3.8. De forma algo surpreendente, encontra-se referida na exposição, nos pontos 2 e 3, que a sua adesão ao regime daquele diploma não envolve a confissão dos factos e que "visou, antes de mais, acautelar a hipótese de não conseguir demonstrar no local e processo próprios a regularidade da sua actuação fiscal, beneficiando das vantagens fiscais nele concedidas...".
3.9. Tendo em conta as reuniões com o referido sócio gerente, estamos perante uma contradição, sendo razoável e lógico admitir-se que nenhuma entidade vai efectuar o pagamento quando está convencida da sua inexistência.
4. Nos pontos 6 a 10 da exposição, encontram-se formuladas diversas considerações relacionadas com a necessária adequação entre os proveitos e os custos, constando naquele último ponto que "no caso vertente, e dada a natureza da actividade exercida, se os custos fossem apenas os líquidos das facturas ditas operações simuladas, esta empresa não poderia manifestamente realizar os proveitos declarados".
4.1.Sobre esta matéria bastará uma rápida análise à evolução das margens de lucro bruto apuradas em relação às prestações de serviço, antes e após correcções à rubrica "Subcontratos", conforme quadro a seguir (vd. mapas no Anexo 1, a fls. 7/8):

Margens de lucro (*)199920002001
Apuramento sem quaisquer correcções8,030%10,73
%
19,03
%
Após a exclusão das correcções aritméticas e correcções por presunção21,70%32,06
%
29,36
%
* [Prest-Sev. – (CMVMC + Subcontratos + Remuner.pessoal da produção + Amortizações equip. básico)] : (Prestações de serviços)

4.2.Depreende-se da leitura do quadro supra que as margens de lucro apuradas de acordo com os valores registados na contabilidade da empresa (ou seja, uma margem média, no triénio, de 12,5%), afastam-se para menos, no que respeita especialmente aos exercícios de 1999 e 2000, dos indicadores habitualmente obtidos em empresas do sector.
4.3.No que concerne às margens apuradas após as correcções decorrentes da presente auditoria (ou seja, uma margem média, no triénio, de 27,7%), afigura-se-nos estarmos perante valores normais obtidos na actividade exercida pela empresa, conforme informação prestada por um engenheiro ligado ao sector. Nesta conformidade, os custos corrigidos dos subcontratos, conjugados com os dos outros factores de produção, parecem-nos adequados ao montante dos proveitos declarados.
5. No ponto 11 da exposição, é referido que se imporia "calcular os custos que presumivelmente a empresa teria suportado para realizar tais proveitos em função das condições concretas do exercício da actividade com fundamento na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, cfr. o corpo do n.º 1 e a al. f) do art.º 90.º da LGT", constando logo a seguir, no ponto 12, que o relatório deverá ser "completado com pronúncia expressa sobre esta questão, com explicitação de todas as premissas demonstrativas da validade e legitimidade das conclusões e propostas formuladas ".
5.1. No ponto 2.2.2.5., a fls. 25, foi explicitamente invocada não só aquela alínea f) do art.º 90º da LGT, como também as alíneas d) e h), tendo-se depois indicado os critérios adoptados para efeitos de apuramento das correcções propostas com recurso a métodos indirectos.
5.2. De facto, de harmonia com o exposto na alínea b) daquele ponto do relatório (fls. 25/26), considerou-se que ¯todo o pessoal dos subempreiteiros AA... e sociedade "B... Lda---" só esteve afecto à "A..., S.A---" — o que provavelmente não aconteceu — e, para efeitos dos respectivos cálculos, foram utilizados preços de referência por hora de trabalho e por categoria de trabalhador, publicados pelo LNEC, actualizados, pressupondo uma taxa de crescimento de 5% para os anos de 2000 e 2001. No nosso ponto de vista estes critérios conduziram a uma proposta de correcção por defeito.
6. Nos pontos 13 e seguintes da exposição, surgem discordâncias relacionadas com a nossa análise à situação fiscal de "AA..." e da " B... Lda", entidade na qual figura como sócio gerente aquele subempreiteiro.
6.1. No que respeita ao facto de termos considerado apenas o pessoal inscrito na Segurança Social para efeitos de cálculo dos custos presumidos, impõe -se referir o seguinte:
- No primeiro dos vários contactos que tivemos, o AA... informou-nos que, no ano de 2000, possuía ao seu serviço 10 a 12 pessoas. Mais tarde, aquando da formalização do auto de declarações, foi-nos respondido que possuía 5 trabalhadores inscritos (número que confirmamos junto da Segurança Social) e 25 a 30 clandestinos;
Em relação ao pessoal não legalizado, foi-lhe solicitada a sua cooperação no sentido de nos facultar a identificação desses trabalhadores, através de uma listagem e/ou a disponibilização de quaisquer outros elementos de prova de que o pessoal esteve, de facto, a o seu serviço (por exemplo, fotocópias de recibos de eventuais pagamentos efectuados);
- Não obstante as várias interpelações e, inclusive, a concessão de períodos dilatados para diligenciar com vista à recolha daqueles elementos, jamais recebemos qualquer informação, motivo pelo qual,
conjugado também com a nula cooperação da "A..., S.A---" sobre esta mesma matéria, entendemos adoptar o procedimento descrito no relatório (presunção dos valores a aceitar como custos da empresa auditada com base no pessoal ao serviço daquele subempreiteiro e inscrito na Segurança. Social),
6.2. No ponto 16 da exposição, é referido que "o dito AA... declarou ainda que também recorreu a um outro empreiteiro de S. Mamede de Infesta, para fornecimento de mão-de-obra e a quem pagava os serviços prestados consoante recebia da A..., S.A---". Tal como na situação anterior, insistimos junto daquele contribuinte para que nos exibisse prova da existência desse fornecedor, cuja identificação correcta nunca nos foi declarada, alegando constantemente não se recordar.
6.3. Talvez por mera desatenção na leitura do projecto de relatório, foi referido no ponto 18 da exposição "...não terem sido realizadas diligências (...) a fim de revelar objectivamente o nível organizativo e capacidade produtiva da empresa em nome individual e da sociedade do AA... (...)". Ora, pelo contrário, foram efectuadas todas as diligências possíveis com vista ao esclarecimento da verdade material, como a seguir se ilustra:
6.3.1. Relativamente ao empresário individual, para além das várias reuniões ocorridas e das diligências junto do Serviço de Finanças de Amarante e que revelaram estarmos perante um contribuinte que tem praticado diversas infracções fiscais, nada mais poderíamos desenvolver, tendo em conta o facto de, segundo o próprio nos declarou, não existirem quaisquer elementos da sua escrita relativa aos exercidos de 1999 a 2001 (vd. 2.2.2.2.2., a fls.17/18).
6 3.2. Quanto à sociedade "B... Lda---", foram descritas no nosso relatório várias considerações decorrentes da análise aos documentos (balancetes e outros elementos) facultados pela empresa que executa a contabilidade dessa firma em relação a 2000 e a 2001 (exercício não encerrado em virtude de o técnico de contas continuar à espera que gerente lhe apresente facturas de fornecedores que lhe havia prometido). Assim:
- Na alínea c) do ponto 2.2.2.2.3., a fls. 21/22, referimo-nos aos custos com o pessoal e ao equipamento básico (rubricas inexistentes na escrita do exercício de 2000);
- Na alínea e) a fls. 22/23, expusemos, de forma categórica, a inexistência, para ambos os exercícios, de capacidade produtiva compatível com a facturação de serviços;
- No mesmo contexto foi salientado (vd. início da fls. 23) que as informações prestadas por AA..., não devem merecer qualquer credibilidade, na medida em que ele não nos apresentou quaisquer documentos que permitam confirmar a sua veracidade e não identificou as pessoas que lhe permitiram contactar os 2 principais fornecedores da “B... Lda---" (e já referenciados, também, como fornecedores da "A..., S.A---") "GG...” e “JJ”, em nome dos quais foram emitidas facturas sem terem subjacentes quaisquer prestações de serviços.
6.4. Cumpre, por outro lado, relembrar o exposto na alínea b) do ponto 2.2.2 -3., a fls. 24, onde se salienta que foram registados vários pagamentos a AA... (em 2000 e 2001) e à "B... Lda---" (em 2000), por meio de cheques ao portador, os quais foram recebidos por sócios gerentes da “A..., S.A---" e por uma outra pessoa ao serviço desta (sendo, depois, o numerário entregue ao subempreiteiro, segundo este nos declarou), procedimento esse que denota a existência de indícios sérios de que os verdadeiros beneficiários poderão ter sido outros e, por via disto, que os, respectivos custos contabilizados, eventualmente, não ocorreram.
Não é normal, nem razoável o recebimento de cheques por pessoas ligadas à entidade pagadora, para posterior entrega aos fornecedores (subempreiteiros) e a prática reiterada destes procedimentos, por parte da "A..., S.A---", constitui indícios fortes da existência de operações inexistentes.
6.5. Como demonstração da muito débil estrutura empresarial de AA... (pessoa com apenas 28 anos e em situação de desemprego no período em que o conhecemos), basta referir o facto de apenas ter pago duas prestações (no valor de 243.750$, cada uma),correspondentes a duas letras aceites de um total de doze, à firma “F...---”, na sequência do fornecimento de uma retroescavadora, ocorrido em Abril de 2000, situação, algo contraditória com o facto de aquele sujeito passivo nos ter declarado que recebeu as importâncias constantes dos cheques que lhe foram emitidos pela "A..., S.A---", de montantes elevados e, ainda, por se tratar do pagamento de um equipamento indispensável ao exercício da sua actividade (ponto 2.2.2.2.2, alínea c), a fls. 18).
7. Em face de tudo quanto se expôs, concluímos que a gerência da "A..., S.A---" não apresentou quaisquer elementos novos que, de forma objectiva e inequívoca, coloquem em causa as correcções propostas no presente exame, nem demonstrou a ilegalidade das mesmas, motivo pelo qual estas serão mantidas na sua globalidade.
V. CONCLUSÕES E PROPOSTAS
1. Conclusões
Do exame à escrita da "A..., S.A.", inserido no âmbito da auditoria à tributação de empresas de promoção imobiliária, salientam -se as seguintes conclusões:
1.1. Em sede de Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)
a) O saldo de "Produtos e trabalhos em curso", em 1999.12.31, deve ser reduzido em 986.364$00, o que conduz à diminuição e ao aumento, dessa importância, dos lucros tributáveis dos exercícios de 1999 e de 2000, respectivamente (cfr. 2.1., a fls. 9/10);
b) A "Perda em imobilizações" registada no exercício de 2000, no valor de 136.000 contos, resultou da venda de acções detidas pela "A..., S.A---" na empresa participada "D..., S.A---" aos sócios gerentes da primeira, mediante a interposição no negócio de um terceiro que, conluiado com eles, as cedeu posteriormente para obstar à aplicação das normas relativas às "relações especiais" constantes, à data da ocorrência dos factos, do n.º 1 do art.º 57.º do CIRC (cfr. 2.2.1.1. a 2.2.1.2., a fls. 10/14);
c) Foram detectados indícios fortes de terem sido contabilizadas pela "A..., S.A---", na rubrica "Subcontratos", facturas emitidas em nome de subempreiteiros, que não têm subjacentes verdadeiras prestações de serviços e cujos valores foram apurados através de:
Correcções meramente aritméticas (cfr. 2.2.2.4., a fls. 25):
95.781 contos em 1999 e 109.227 contos em 2000;
Correcções com recurso a métodos indirectos (cfr. 2.2.2.5., a fis. 25/26):
86.393 contos em 2000 e 115.707 contos em 2001.
No exercício do direito de audição por parte da empresa, a única situação controvertida respeitou especificamente aos subcontratos, descrevendo-se no capítulo IV, a fls. 30/37, as divergências do contribuinte e as razões que sustentam a prevalência da nossa posição no tocante às supracitadas correcções.
1.2. Em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
(…)” fls. 322 a 364 do PA, 2º Vol.
7. Em 20/10/2003, a AT notificou pessoalmente a A..., S.A---, na pessoa do gerente CV..., do teor do relatório acima referido, composto por 291 folhas e do documento de fixação do IRC e IVA dos anos de 2000 e 2001 – fls. 16 a 22 do PA, 1º Vol.;
8. Com data de 16/12/2003, em 18/12/2003 deu entrada na Direcção de Finanças de Aveiro o pedido de revisão da matéria tributável do IVA e IRC dos anos 2000 e 2001, apurada por métodos indirectos, subscrito pelo mandatário judicial da A..., S.A--- – fls. 174 a 186 do PA, 1º Vol.;
9. Por despacho de 29/3/2004, o Director de Finanças de Aveiro decidiu homologar a proposta aceitar como válido o pedido de revisão da matéria tributável apresentado em 18/12/2003 – fls. 215 a 229 do PA, 1º Vol.;
10. Em 21/4/2004 o Director de Finanças de Aveiro decidiu mandar notificar a A..., S.A--- para se pronunciar sobre o projecto da decisão de aplicar métodos indirectos relativamente aos anos de 2000 e 2001 em sede de IRC e IVA, conforme descrito no Relatório da IGF – fls. 135 e 136 do PA, 1º Vol.;
11. Em 28/4/2004, na sequência da notificação feita pelo ofício nº ...22, de 21/4/2004, a A..., S.A--- exerceu direito de audição, dizendo manter o que já dissera na resposta ao ofício nº ...03 e acrescentando o que consta de fls. 30 a 37 e 160 do PA, 1º Vol.;
12. Para dar satisfação a argumentos esgrimidos no direito de audição de 29/4/2004, a Direcção de Finanças de Aveiro elaborou um projecto de Relatório datado de 4/5/2004, homologado por despacho da mesma data, projectando manter a decisão de aplicar métodos indirectos – fls. 2 a 6 do PA, 1º Vol.;
13. Em 17/5/2004, na sequência da notificação feita pelo ofício nº ...02, de 4/5/2004, a A..., S.A--- exerceu direito de audição, dizendo manter o que já dissera em 28/4/2004 – fls. 38 a 69 do PA, 1º Vol.;
14. Com data de 21/5/2004 a Direcção elaborou Relatório final, homologado por despacho de 24/5/2004 – fls. 138 a 141 do PA, 1º Vol.;
15. Em 24/5/2004 o Director de Finanças de Aveiro procedeu à fixação do lucro tributável de IRC e de IVA dos anos 2000 e 2001 – fls. 166 e 195 do PA; 1º Vol.;
16. Por ofício nº ...45, de 24/5/2004, da Direcção de Finanças de Aveiro, enviado sob registo postal cujo aviso de recepção foi assinado em 26/5/2004, a A..., S.A--- foi notificada do teor do despacho final e da fixação da matéria tributável do IRC e IVA dos anos 2000 e 2001 – fls. 142 a 146 do PA, 1º Vol.;
17. Em 22/6/2004 a A..., S.A--- solicitou a abertura do procedimento de revisão da Matéria Tributável do IRC e IVA dos anos de 2000 e 2001 – fls. 74 do PA, 1º Vol.;
18. Em 14/9/2004 reuniram-se os peritos da AT e da A..., S.A---, que chegaram a acordo, nomeadamente quanto à fixação do lucro líquido do exercício do ano 2000 em € 1.843.296,70 e o lucro fiscal em 2.075.684,21 em consequência da aplicação de métodos indirectos – fls. 70 a 84 do PA, 1º Vol.;
19. Em 14/9/2004 foi elaborado Mapa de Apuramento modelo DC-22, relativo ao ano 2000, fixando o lucro tributável em € 2.075.684,00, incluindo os acréscimos e 4.919,96 relativos a “acréscimo das exist. finais prod. trab. Curso”, no valor de € 4.919, 96, “perdas em investimentos financ. não aceites (artº 23º/57ºCIRC)”, no valor de € 678.365,14, e ¯subcontratos não aceites (artº 23º CIRC)‖, no valor de € 544.824,23 – fls.193 e 194 do PA, 1º Vol.;
20. Em 10/11/2004 a AT efectuou a liquidação nº ...93, relativa ao IRC do exercício do ano 2000, no montante a pagar de € 500.858,14, incluindo juros compensatórios, no montante de € 94.860,93 – fls. 234 do PA, Reclamação Graciosa;
21. Em 12/11/2004 a AT emitiu ¯Nota de cobrança- Demonstração de compensação‖ na qual se apurou IRC do ano 2000 a pagar até à data limite de 22/12/2004, no montante de € 630.102,45, incluindo juros compensatórios e juros de mora – fls. 15 do PA, Reclamação Graciosa;
22. Em 22/3/2005 deu entrada no Serviço de Finanças de Estarreja um articulado no qual a A..., S.A--- diz pretender reclamar graciosamente da liquidação de IRC do ano 2000 no montante de € 630.102,45 – fls. 2 e seguintes do PA, Reclamação Graciosa;
23. Por decisão de 14/5/2008, o Director de Finanças de Aveiro deferiu parcialmente a Reclamação Graciosa nº ...88, corrigindo os juros compensatórios e anulando os juros de mora – fls. 200 a 224 do PA, Reclamação Graciosa;
24. Em 19/6/2008 a A..., S.A--- enviou sob registo postal um articulado, entrado na Direcção de Finanças de Aveiro em 20/6/2008, no qual disse recorrer hierarquicamente do despacho de 14/5/2008 e da divida de IRC que ainda subsiste, no montante de € 580.818,54 – fls. 240 a 244 do PA, Reclamação Graciosa;
25. Em 3/11/2008 a A..., S.A--- enviou sob registo postal a petição inicial da presente Impugnação, entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 4/11/2008, sem que houvesse decisão do recurso hierárquico – fls. 2 dos autos e fls. 247 a 250 do PA, Reclamação Graciosa;
26. Em 22/7/2009, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, foi proferido, pelo então juiz titular, sentença que julgou a impugnação improcedente por considerar que se verifica a inimpugnabilidade do acto tributário em causa, por imposição dos artigos 86º, nº 5, da LGT e 117º, nº 1, do CPPT, em virtude de ter havido acordo entre os peritos das partes intervenientes no procedimento de revisão – fls. 90 a 97 dos autos;
27. Em 9/2/2010, o Tribunal Central Administrativo do Norte proferiu acórdão nos presentes autos concedendo provimento dos recursos apresentados pela Impugnante e, em consequência, revogando a decisão de 22/7/2009 e a decisão que indeferiu a produção de prova testemunhal – fls. 53 e ss., 104, 117 e ss e 165 a 172 dos autos;
28. A A..., S.A--- efectuou no ano 2000 obras para entidades públicas e privadas – duas primeiras testemunhas;
29. A Câmara Municipal ... lançou diversas empreitadas para a construção de saneamento das freguesias do concelho, tendo a A..., S.A--- ganho o concurso para a primeira obra da freguesia ... – terceira testemunha;
30. O valor dessa empreitada era de cerca de 400.000 contos – terceira testemunha;
31. A obra estendia-se por vários quilómetros e durou cerca de dois anos – terceira testemunha;
32. A A..., S.A--- não tinha pessoal para a execução das obras e recorreu a subempreiteiros – testemunhas;
33. O subempreiteiro que executou a obra do saneamento de Pardilhó foi o Sr. AA... – três primeiras testemunhas;
34. Para além da obra do saneamento propriamente dito, foram efectuados trabalhos suplementares de pavimentação, alargamento da via em alguns sítios, construção de muros e instalação de água da rede de abastecimento público – terceira testemunha;
35. A obra de abertura de valas para o saneamento e instalação da respectiva canalização foi efectuada exclusivamente pelo subempreiteiro AA..., sem prejuízo de obras, como pavimentação, água e muros, feitas por outros – terceira testemunha;
36. A obra de instalação do saneamento exigia recursos humanos e maquinaria em quantidade assinalável, conforme o ritmo exigida para a obra e outras condições (largura disponível, estação do ano, etc.), mas nunca menos de 6 pessoas, por cada, frente, para além de manobradores, camionistas e outras pessoas em trabalhos de retaguarda – terceira testemunha;
37. O pessoal ao serviço do Sr. AA... era oriundo sobretudo de Amarante e encontrava-se instalado num edifício antigo pertencente à A..., S.A--- usado como camarata – três primeiras testemunhas;
38. Para além desse pessoal, o Sr. MM também recorria pontualmente a pessoal da zona de Estarreja – terceira testemunha;
39. O número total de pessoas ao serviço do Sr. AA...s seria cerca de quinze – primeira testemunha;
40. A retroescavadora era uma máquina imprescindível para a execução da obra, mas também eram necessários meios de transporte de pessoas, de tubagens e maquinaria para a movimentação de areia e terra e outros materiais – terceira testemunha;
41. Para além dessa obra de Pardilhó, o Sr. AA... executou outras obras em Salreu e Beduido, no concelho de Estarreja, e em S. João da Madeira e no sindicato dos Bancários, por conta da A..., S.A--- e também executou umas fundações em betão armado para o Clube ... – três primeiras testemunhas;
42. O Sr. AA... manobrava a retroescavadora na obra de Pardilhó e era ele que dirigia a execução dos trabalhos e acompanhava os fiscais da Câmara Municipal ... quando estes visitavam o local – terceira testemunha;
43. A subempreitada com o Sr. AA... foi objecto de contrato escrito, segundo o qual a facturação deveria ser acompanhada de auto de medição feito de acordo com o trabalhador da A..., S.A--- que exercesse as funções de Director da Obra, sendo o respectivo pagamento efectuado no mês seguinte – duas primeiras testemunhas;
44. O Sr. AA... estava inibido pelo Banco de Portugal de emitir cheques bancários – quarta testemunha;
45. Um dos administradores da A..., S.A--- perguntou ao funcionário do Banco onde tinha conta se era possível abrir conta bancária em nome do Sr. AA... para este proceder aos pagamentos dos vencimentos dos seus trabalhadores e em caso negativo como proceder para resolver o problema - quarta testemunha;
46. O sobredito funcionário bancário informou que não podia abrir conta para o Sr. AA... e que a maneira mais rápida de resolver o problema seria a A..., S.A--- proceder aos pagamentos através de cheque ao portador e alguém, porventura ligado a essa empresa, levantar o respectivo valor e entregá-lo em numerário ao Sr. MM – quarta testemunha;
47. Esse procedimento chegou a ser utilizado em relação ao Sr. AA... e outro subempreiteiro – segunda testemunha;
48. O Sr. AA... deslocava-se à A..., S.A--- pelo menos duas vezes por mês, para entregar as facturas, co o auto de medição, e para receber o respectivo pagamento – duas primeiras testemunhas;
49. Em alguns casos as facturas do Sr. AA... eram parcialmente preenchidas por trabalhadora administrativa da A..., S.A--- – duas primeiras testemunhas;
50. A A..., S.A--- emitiu cheques ao portador para pagamento de facturas emitidas em nome de AA... e da sociedade ¯B... Lda---‖, cujos valores foram levantados pelo Sr. EE..., que era sócio e pai dos administradores da A..., S.A---, e entregues, pelo menos parcialmente, em numerário aos referidos subempreiteiros – segunda testemunha;
51. A A..., S.A--- não tinha valores em caixa suficientes para pagar em numerário as aludidas facturas – segunda testemunha;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Com relevância para a boa decisão das questões a apreciar consideram-se não provados os seguintes factos:
1. O AA... prestou todos os serviços mencionados nas facturas em causa nos autos e pelo valor ali mencionado – invocado em 34 da p.i.;
2. No ano 2000 a B... Lda . prestou serviços para a A..., S.A---, conforme consta na descrição das facturas – invocado em 35º da p.i.;
3. A B... Lda . teve, ao serviço de obras realizadas para a A..., S.A--- no ano 2000, pessoal legalizado na Segurança Social e pessoal não legalizado, este em número variável e superior àquele, e dispôs de retroescavadoras e outros equipamentos e ferramentas – invocado de 39 a 43 da p.i.;
4 – Motivação de facto
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos. Além disso, relevaram-se os depoimentos das testemunhas inquiridas, que, no essencial, se mostraram seguros, coerentes e credíveis.
As testemunhas não afirmaram, nem a sua razão de ciência os autorizava a declararem, que todos os serviços facturados pelo Sr. AA... foram efectivamente prestados pelo valor que consta da facturação.
Na verdade, as duas primeiras testemunhas (escriturária e técnica oficial de contas da Impugnante) referiram que, na sua qualidade de trabalhadoras administrativas, não se deslocavam à obra durante a sua execução, apenas conhecendo os factos que resultam da documentação ou pelo que viram nas instalações da entidade patronal. A terceira testemunha, engenheiro civil ao serviço da Câmara Municipal ..., confirmou que o Sr. AA... prestou serviços de subempreiteiro da A..., S.A--- na obra do saneamento de Pardilhó, que ele possuía estrutura empresarial para prestar alguns desses serviços, mas nada depôs acerca da facturação e da sua conformidade com as medições eventualmente efectuadas.
O depoimento das testemunhas, tal como os restantes elementos existentes nos autos, são compatíveis com a possibilidade, defendida no Relatório da Inspecção-Geral de Finanças, de os custos facturados em nome de AA... não corresponderem integralmente a serviços efectivamente prestados (em qualidade, quantidade ou valor correspondente ao descritivo das facturas), sendo certo que no preenchimento de algumas delas houve intervenção de pessoal da A..., S.A--- (facto 49 de 3.1 supra).
Resulta da experiência comum que não é normal o adquirente de bens ou serviços ter intervenção na emissão das facturas dos seus fornecedores, particularmente nas que lhe dizem respeito, pelo que, a suceder, tal situação se torna altamente suspeita de fraude (não estando posto em causa nos autos que relativamente a outros fornecedores se confirma a utilização pela agora Impugnante, no mesmo ano, de facturas falsas – emitidas por GG..., HH..., II... e JJ, cf. ponto 2.2.2.2.1, pág. 15-17, do Relatório).
Por outro lado, no acordo formado entre os peritos intervenientes no procedimento de revisão deu-se como assente que o valor do custo real (correspondente a serviços realmente prestados) relativo ao subcontrato do Sr. AA... corresponde a 55% do valor presumido no Relatório. Ou seja, nesse procedimento a A..., S.A--- concordou que, daquela facturação, é falsa a correspondente ao valor de € 193.917,58 [= (86.393.633$00 ou € 430.927,96) x 45%]. Ora, este “acordo” tornou-se “caso decidido”, e, por ser inimpugnável (por força do disposto no nº 4 do artigo 86º da LGT) não pode ser alterado pelo Tribunal.
Por tudo isso, apenas se deu como provado que o valor dos cheques levantado por pessoas ligadas à Impugnante (seja o sócio e pais dos administradores ou outro colaborador) se destinava a pagar, pelo menos parcialmente, o valor dos serviços efectivamente prestados, admitindo -se que, em alguns casos, pelo menos parte desse valor em numerário, regressasse à entidade emitente dos cheques (neste caso, a A..., S.A---), como é normal em situações de fraude.
Por outro lado, as testemunhas nada declararam quanto à B... Lda., nomeadamente quanto à eventual existência de estrutura empresarial adequada à prestação dos serviços descritos nas facturas utilizadas no ano 2000 pela A..., S.A---.
Na realidade, a única alusão feita à sociedade “B... Lda---” referiu-se à identidade de procedimentos, quanto a ela e ao Sr. AA..., na parte relativa à emissão de cheques ao portador, alegadamente destinados ao pagamento do valor facturado, cujo levantamento era feito por pessoas ligadas à A..., S.A--- para entrega em numerário à sociedade prestadora de serviços.
A situação descrita no ponto 3.1 supra, relativamente a AA..., não é transponível para o caso da B... Lda.
Quanto a esta, por ser uma pessoa colectiva, já não são aceitáveis as mesmas explicações para a necessidade de emissão do cheque ao portador. A sociedade não está inibida de emitir cheques (essa inibição apenas pode ser imposta a pessoas singulares que representem a pessoa colectiva, e não a esta directamente – até porque esta é obrigada por lei a possuir conta bancária, nos termos do artigo 63-C do CIRC na redacção dada pela Lei n.º 37/2010 de 2 de Setembro, e já antes disso era suposto que as sociedade comerciais movimentam meios financeiros através de instituições bancárias ou idênticas e que, por isso, são titulares de pelo menos uma conta que é usada exclusivamente para os fins sociais).
Sem prejuízo da inibição a que o Sr. AA... estava sujeito, a verdade é que não consta que os outros responsáveis pela B... Lda., nomeadamente a esposa daquele, também estavam impedidos de emitir cheques da empresa.
Além disso, tal procedimento, independentemente de ter sido sugerido por um funcionário bancário (que também é amigo pessoal dos gerentes da A..., S.A---), não deveria ter sido adoptado no caso concreto porque, dada a sua anormalidade, suscita fortes suspeitas de fraude, até porque se sabe que é assim que habitualmente agem os sujeitos que procuram fingir que pagaram a aquisição de bens ou serviços titulada por facturas falsas. Esse risco de descredibilização corre por conta de quem age dessa maneira.
Analisada a globalidade da prova produzida, continua a não existir nos autos qualquer indício de que a B... Lda. tinha algum tipo de estrutura empresarial, tanto ao nível de recursos humanos, financeiros ou técnicos, que a habilitassem a prestar os serviços que constam no descritivo das facturas emitidas em seu nome.”
*
Na medida em que os respectivos documentos se mostram ínsitos nos autos e no processo administrativo apenso aos mesmos, indo ao encontro, parcialmente, das insuficiências indicadas pela Recorrente na sua impugnação da decisão da matéria de facto, reformula-se e adita-se ao probatório a seguinte matéria, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:

2-A. Em 07/01/2002, a Inspecção-Geral de Finanças endereçou o ofício n.º ...30 ao Presidente do Conselho de Administração da A..., S.A., informando que iria examinar os elementos da sua escrita, para verificar o cumprimento de obrigações fiscais e parafiscais referentes aos exercícios de 1997 e seguintes. Mais deu conta que este exame decorreria no local da sede da empresa e que a data de início seria oportunamente acordada – cfr. documento de fls. 279 do volume I do processo administrativo apenso aos autos.
2-B. Em aditamento ao ofício n.º ...30, a Inspecção-Geral de Finanças, em 16/09/2002, informou a mesma empresa de que o exame à sua escrita seria realizado pelo Inspector de Finanças Superior Principal Dr. (…), sob a coordenação do Inspector de Finanças Chefe Dr. (…) – cfr. o ofício n.º ...06 a fls. 280 do volume I do processo administrativo apenso aos autos.
2-C. Em 08/10/2002, a A..., S.A. enviou carta dirigida ao Senhor Inspector Dr. (…), conforme sua solicitação, contendo exposição escrita e, em anexo, documentação justificativa do processo inerente à aquisição e alienação das acções da empresa “D..., S.A.” – cfr. fls. 418 a 421 do volume II do processo administrativo apenso aos autos.
2-D. Em Novembro de 2002, foi enviado pelo Senhor Inspector Dr. (…) questionário a HH... em face de elementos recolhidos no exame à escrita da A..., S.A., onde foram detectadas facturas desse emitente – cfr. fls. 450 e 451 do volume II do processo administrativo apenso aos autos.
2-E. Em Dezembro de 2002, foi enviado pelo Senhor Inspector Dr. (…) questionário a JJ em face de elementos recolhidos no exame à escrita da A..., S.A., onde foram detectadas facturas desse emitente – cfr. fls. 450 e 451 do volume II do processo administrativo apenso aos autos.
6-A. As correcções propostas no relatório de inspecção foram sancionadas superiormente, em 16/09/2003, determinando-se a remessa do relatório ao Director de Finanças de Aveiro – cfr. fls. 322 do volume II do processo administrativo apenso aos autos.
6-B. Em 26/09/2003, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro emitiram informação, da qual se extrai o seguinte:
“[…]
Em Setembro de 2003 a Inspecção Geral de Finanças enviou para esta Direcção de Finanças um exemplar do Relatório Final da inspecção realizada pela IGF por forma a que se elaborassem os documentos de correcção devidos, dado não ter competência para tal.
Nestes termos foram elaborados os documentos de correcção DC 22 e Mod. 22 382, que evidenciam as seguintes correcções: […]
Nota:
Anexa-se à presente informação cópia do relatório elaborado pela I.G.F.
O original do Relatório da I.G.F. encontra-se anexo à Participação por Crime de Fraude Fiscal – Abuso de Confiança Fiscal.” – cfr. fls. 173 e 173 verso do volume I do processo administrativo apenso aos autos
6-C. Em 03/10/2003, o Director de Finanças de Aveiro sancionou a proposta de fixação dos tributos em falta, em sede de IRC e IVA, por correcções meramente aritméticas e métodos indirectos constante da informação referida na alínea que precede – cfr. fls. 172 do volume I do processo administrativo apenso aos autos.
7. Em 20/10/2003, a impugnante foi notificada, na pessoa do gerente CV..., do teor do relatório acima referido, composto por 291 folhas e do documento de fixação do IRC e IVA dos anos de 2000 e 2001, com a menção de que a liquidação emitida na sequência das correcções meramente aritméticas, sem recurso à aplicação de métodos indirectos, com base nos fundamentos constantes do relatório de inspecção, seria notificada ao contribuinte pelos serviços centrais da DGCI – cfr. fls. 16 a 22 do volume I do processo administrativo apenso aos autos.

Elimina-se da decisão da matéria de facto os pontos 1 e 2 considerados não provados [1. O AA... prestou todos os serviços mencionados nas facturas em causa nos autos e pelo valor ali mencionado – invocado em 34 da p.i.; 2. No ano 2000 a B... Lda . prestou serviços para a A..., S.A---, conforme consta na descrição das facturas – invocado em 35º da p.i.], na medida em que consubstanciam matéria conclusiva. Com efeito, a decisão da matéria de facto apenas pode integrar factos simples, constituindo tarefa subsequente do tribunal, desses factos singelos, retirar ilações e subsumi-los ao direito. A formulação de tal matéria, tale quale foi redigida, limita o julgamento e condiciona de forma inapelável o desfecho da acção, pelo que não se pode manter na decisão recorrida.

2. O Direito

Começa a Recorrente por invocar a violação do artigo 123.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na medida em que a sentença recorrida não terá, exaustivamente, elencado as questões suscitadas na presente impugnação judicial.
A verdade é que a decisão recorrida indicou as questões que, na óptica do tribunal recorrido, cumpriria conhecer, logo, em rigor, não se verifica, nessa perspectiva, qualquer violação do disposto no artigo 123.º do CPPT; tanto mais que o legislador apenas definiu, como vício relevante na elaboração da sentença, a omissão de apreciação (diferente de “indicação”) de alguma questão que tenha sido suscitada pelas partes, por exemplo.
Porém, tal vício de nulidade da decisão recorrida entronca na questão seguinte objecto do presente recurso, uma vez que, nas conclusões 3.ª a 5.ª, 36.ª e 45.ª das alegações do recurso, a Recorrente aponta para a verificação de omissão de pronúncia. Acentua, por conseguinte, que a sentença não conheceu de todas as questões suscitadas na petição de impugnação, nomeadamente, nos seus artigos 19.º, 20.º, 21.º, 27.º, 64.º e 80.º, cuja matéria carecia de pronúncia do tribunal, por a respectiva decisão não se mostrar prejudicada pela solução dada a outras, o mesmo se passando com a matéria alegada no artigo 15.º da petição inicial e, ainda, no que tange à questão configurada na primeira parte do artigo 16.º da petição inicial, onde se alega o vício de fundamentação ocorrido na decisão de fixação da matéria tributável de IRC, por silenciar qualquer menção ao Relatório da IGF, datado de 11.09.2003, e considerado naquela o fundamento determinante da prática do acto tributário, bem como quanto à matéria invocada nos artigos 24.º e 25.º da petição de impugnação ou relativamente aos artigos 58.º e 59.º da petição inicial, ficando, por isso, violado o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Novo CPC, e incorrendo, em qualquer daquelas omissões, alegadamente, na nulidade cominada no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º ...2).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º ...4).
Para melhor compreensão e análise dos alegados aspectos omissivos na pronúncia do tribunal recorrido, importa relembrar que, nos presentes autos, já foram prolatadas duas sentenças em 1.ª instância, ambas objecto de recurso para o TCA Norte.
Na primeira, o TAF de Aveiro considerou procedente a excepção de inimpugnabilidade e julgou prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados, mantendo a liquidação impugnada. Apreciando os recursos dessa decisão, o TCAN, por Acórdão proferido em 09/02/2010, concedeu provimento a ambos os recursos e, em consequência, revogou a decisão final, na parte em que concluiu pela inimpugnabilidade da liquidação com fundamentos diversos do erro na quantificação ou dos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável e revogou, também, a decisão de indeferimento da inquirição das testemunhas, a qual foi, entretanto, substituída por outra que ordenou a sua inquirição, seguindo, depois, os autos os ulteriores termos para prolação de nova decisão (que é a sentença ora recorrida), ressalvando os efeitos do julgado na parte não recorrida.
Com efeito, este Acórdão prolatado em 09/02/2010 clarifica que a revogação do decidido não prejudica o efeito do caso julgado quanto aos vícios em que a Recorrente decaiu em primeira instância e que não foram atacados em via de recurso, indicando como sendo a incompetência da Inspecção-Geral de Finanças, o erro sobre os pressupostos da tributação por métodos indirectos e o erro na quantificação por métodos indirectos, aludindo ao disposto no artigo 684.º, n.º 4 do CPC.
Neste mesmo Acórdão, escalpelizando a petição inicial, foi localizada a invocação das seguintes questões (vícios):
1) Falta de fundamentação de todas as correcções (artigos 15.°, 24.° e 25.°);
2) Incompetência da Inspecção Geral de Finanças (artigo 16.°);
3) Violação do direito de audição prévia (artigos 18.° e 76.°);
4) Erro sobre os pressupostos de recurso a métodos indirectos (artigos 22.°, 23.° e 26.° a 46.°);
5) Erro na quantificação por métodos indirectos (artigo 47.°);
6) Erro sobre os pressupostos das correcções por métodos directos (artigos 51.º a 53.°);
7) Preterição de formalidades legais, na parte relativa a "Resultados extraordinários", por não ter sido seguido o procedimento a que aludem os artigos 97.° e 112.°, ambos do C.I.R.C. (artigos 55.° a 61.°);
8) Preterição de formalidades legais, por ter havido a prática de um acto tributário único, com a adopção simultânea de métodos directos e de métodos indirectos (artigos 62.° e 63.°);
9) Caducidade do direito à liquidação (artigos 65.° a 67.°);
10) Caducidade do procedimento de inspecção (artigos 70.°. a 74.°).
Insistindo na alusão supra, o TCAN, nesse mesmo Acórdão, afirma que a questão da incompetência da Inspecção Geral de Finanças foi expressamente abordada pela Meritíssima Juíza “a quo” e não foi impugnada em via de recurso, pelo que a considerou transitada em julgado (cfr. artigo 684.º, n.º 4 do CPC). A inimpugnabilidade da liquidação, na parte em que teve por base a decisão de recorrer a métodos indirectos e a escolha do método de quantificação respectivo também não foi posta em causa nesse primeiro recurso a que vimos aludindo.
Para melhor percepção, atentemos ao julgamento realizado na primeira sentença, e que não foi objecto de recurso, concernente à alegada incompetência da Inspecção-Geral de Finanças para proceder a acções inspectivas:
“(…) Desde logo se refere que com o DL 249/98 de 11/08, art. 2.º n.º 1 c) poderia efectuar o relatório do exame à escrita da A..., S.A. – efectuada no âmbito da autoria à tributação de empresas de promoção imobiliária, incluída no plano operacional da Inspecção-Geral de Finanças, que tendo detectado situações anómalas, encaminhou o relatório para o Senhor Director Geral dos Impostos.
Mais se refere que tal projecto de relatório foi devidamente notificado à empresa auditada.
Assim sendo, não assiste razão ao impugnante. (…)”
Quanto às questões indicadas em 1), 3), 6), 7), 8), 9), e 10), nessa primeira decisão, o tribunal de primeira instância não havia emitido pronúncia, por ter considerado que se encontrava prejudicado o seu conhecimento (por força da inimpugnabilidade da liquidação). Contudo, nesse Acórdão proferido em 09/02/2010, julgou-se expressamente ter o tribunal recorrido incorrido em erro de julgamento, atenta a interpretação que realizou do disposto no artigo 86.º, n.º 4 da LGT.
Nessa sequência, o TAF de Aveiro proferiu a sentença ora recorrida, tomando conhecimento das questões elencadas sob os pontos 1), 3), 6), 7), 8), 9) e 10), entendendo estar a dar cumprimento ao julgamento efectuado pelo tribunal superior em 09/02/2010. Por isso, considerou que, relativamente a 3 dos vícios, a Impugnante/Recorrente se conformou, e que o TCAN tinha ordenado que os autos baixassem ao tribunal recorrido para conhecimento das (7) questões restantes.
Perante esta segunda sentença (recorrida), a Recorrente vem, agora, sustentar que, ainda assim, ocorre vício na elaboração da decisão, nomeadamente por omissão de pronúncia, indicando especificamente os artigos da petição inicial onde se encontrará a matéria cuja pronúncia foi omitida, conforme as conclusões 3.ª a 5.ª, 36.ª e 45.ª referidas supra.
Começando pelos artigos 15.º e 16.º da petição inicial, a impugnante invocou que: “15. Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Aveiro não realizaram qualquer acção inspectiva susceptível de servir de fundamento à tributação pelo método das correcções técnicas e por método indiciário assumidas nos actos de fixação, mas limitaram-se a uma resumida e lacunosa informação, lavrada em 2 folhas incompletas, com data de 26.09.2003, da qual não constam os fundamentos, critérios e cálculos em que se baseiam as decisões de fixação do imposto, subscrita pela Inspectora Tributária, (…), e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Por outro lado,
16. Embora tenha sido junta à referida informação uma cópia de um relatório elaborado pela IGF, com data de 11.09.2003, não só as decisões de fixação nenhuma referência lhe fazem, como também este Organismo carece de competência legal para realizar a acção de fiscalização de que dá conta aquele relatório.”
Conforme transcrevemos supra, ficou clara a posição do tribunal de primeira instância no sentido de a Inspecção-Geral de Finanças poder fazer exame à contabilidade da Recorrente e, tendo verificado a ocorrência de situações anómalas, deu conta das mesmas à Direcção-Geral de Finanças e ao respectivo sujeito passivo, através de detalhado relatório. A sentença recorrida, fundando-se neste pressuposto, atendeu aos factos aí descritos, considerando ser essa a fundamentação que motivou a determinação da matéria tributável e a respectiva liquidação de IRC. Alertamos para a matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 5, 6 e 7 do probatório, onde se assume ter sido a Inspecção-Geral de Finanças que efectuou acção inspectiva à actividade da Recorrente, elaborando o respectivo relatório composto por 291 folhas. Em consequência, na apreciação jurídica da causa, tais factos foram subsumidos ao direito, afirmando-se na sentença recorrida que “(…) do Relatório consta a explicitação clara, suficiente e congruente do percurso cognitivo prosseguido pelos inspectores da Inspecção-Geral de Finanças, que conduziu à decisão de efectuar as correcções técnicas e por métodos indirectos. (…)”
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, in casu, a tomada de posição acerca da competência da Inspecção-Geral de Finanças para efectuar a acção inspectiva e sobre o valor do Relatório (e respectivos fundamentos) pela mesma elaborado, tem implícita a desconsideração dos argumentos vertidos nos artigos 15.º e 16.º da petição inicial, na medida em que o tribunal recorrido considerou válidos, por si só, a acção inspectiva e respectivo relatório levados a cabo pela Inspecção-Geral de Finanças. Não colocando em causa a existência, conteúdo e relevância jurídica do relatório da inspecção feito pela Inspecção-Geral de Finanças, o tribunal recorrido está expressamente a afastar a ideia veiculada na petição inicial de que os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro não realizaram qualquer acção inspectiva susceptível de fundar a determinação da matéria tributável, pelo que não se verifica omissão de pronúncia.
Relativamente ao artigo 19.º da petição inicial, alude-se à eventual falta de fundamentação do acto de fixação na parte relativa à proveniência dos montantes apurados no Relatório de inspecção: aí se alega que as decisões de fixação comunicadas ao gerente da impugnante enfermam de vício de forma por incongruência e insuficiência da respectiva fundamentação – incongruência, por divergência entre o seu conteúdo e o despacho de 03/10/2003, despacho este que restringia o âmbito da fixação da matéria tributável aos tributos em falta e que não terá sido cumprido pela decisão da fixação que veio a incluir outros valores para além dos tributos em falta – insuficiência, por a decisão de fixação não explicitar a proveniência do montante fixado de €2.312.694,57.
Ora, esta questão da falta de fundamentação foi expressamente analisada na sentença recorrida, no seu ponto 5.I, tendo como linha condutora que o acto de fixação da matéria tributável se insere num procedimento mais abrangente (sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários) que visa a emissão de liquidação, enquanto acto final, ficando claro que o tribunal recorrido considerou todos os elementos integrantes desse procedimento, desde acções preparatórias à fiscalização propriamente dita, do relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, incluindo as restantes peças que compõem os autos e o processo administrativo, até ao procedimento de revisão da matéria tributável, concluindo pela compreensão de que a AT efectuou correcções de dois tipos diferentes, que discriminou seguidamente, identificando a sua natureza e os respectivos valores individualizados em causa.
Remata salientando resultar da defesa produzida, tanto nos meios graciosos como na presente impugnação, que todos os aspectos da fundamentação foram bem compreendidos pelo destinatário, pelo que o vertido no artigo 19.º da petição inicial não é mais do que argumentos ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à alegada falta de fundamentação, vício que foi explicitamente apreciado, não tendo o tribunal que se pronunciar, como vimos, acerca de todas as considerações ou raciocínios aventados pelas partes; logo, também quanto a este aspecto, não ocorreu omissão de pronúncia.
Assaca a Recorrente, ainda, o vício de nulidade à sentença, na medida em que o tribunal recorrido não se pronunciou acerca das deficiências apontadas à notificação efectuada ao gerente da sociedade, conforme invocado nos artigos 20.º e 21.º da petição inicial.
No fundo, importava averiguar se as anomalias encontradas na notificação assumiam uma gravidade tal que pudessem equipara-se a falta de notificação dos fundamentos da determinação da matéria tributável à Recorrente e, em caso positivo, qual o efeito jurídico da sua inobservância em relação ao acto tributário consequente de liquidação do tributo controvertido nos autos.
Ora, as mencionadas irregularidades ou imprecisões no texto da notificação em crise não foram objecto de análise pelo tribunal recorrido, pelo que, nesta parte, consideramos existir omissão de pronúncia.
Com efeito, impunha-se que o Meritíssimo Juiz “ a quo” tivesse realizado o devido enquadramento jurídico da invocação de tais factos, dado que a decisão que determinou a fixação do lucro tributável carece da necessária notificação ao sujeito passivo, como o impõe o n.º 1 do artigo 55º do Código de IRC, principalmente porque o lucro tributável também foi fixado por métodos indirectos no exercício de 2000; assim, uma notificação inválida poderia, eventualmente, não ser oponível à Recorrente e o acto de liquidação consequente poderia padecer de ilegalidade em resultado de eventual preterição de formalidade legal essencial que se verificasse no procedimento tributário – cfr. alínea d), do artigo 99.º do CPPT.
É verdade que grande parte da alegação nos artigos 20.º e 21.º da petição de impugnação parece assentar na negação da existência de um relatório inspectivo, mas não só; por isso, é nossa convicção que a sentença recorrida enferma de nulidade parcial, por via da omissão de pronúncia sobre esta questão referente à notificação.
Vejamos, agora, os artigos 24.º, 25.º e 27.º da petição de impugnação.
O artigo 24.º limita-se a reproduzir o disposto no artigo 77.º, n.º 4 da LGT, quanto aos elementos que devem integrar a decisão de tributação por métodos indirectos.
O artigo 25.º insiste em delimitar os fundamentos para a fixação da matéria tributável em IRC aos constantes da informação dos serviços de inspecção tributária, de 26/09/2003, que não teria cumprido a especificação de todos os elementos indicados no artigo 77.º, n.º 4 da LGT.
No artigo 27.º, já considerando os elementos recolhidos pela Inspecção-Geral de Finanças, reporta-se às ilações da Recorrente quanto às correcções por métodos indirectos.
Como começámos por evidenciar, a liquidação em apreço, em face do acordo obtido em sede de procedimento de revisão, não poderá ser impugnada com fundamento em erro sobre os pressupostos da tributação por métodos indirectos, nem em erro na quantificação por avaliação indirecta. Nestes termos, esta questão puramente formal, ao nível da fundamentação do recurso aos métodos indirectos será totalmente irrelevante, pois no procedimento de revisão realizado foi possível descortinar todos os elementos indicados no artigo 77.º, n.º 4 da LGT, caso contrário não teria sido viável alcançar consenso quanto à substância dessas questões. Queremos com isto significar que a matéria apontada nos artigos 24.º, 25.º e 27.º da petição inicial está em estreita conexão com os fundamentos que não poderão mais ser apreciados enquanto vícios da liquidação impugnada, pelo que não podemos aí encontrar qualquer omissão de pronúncia. Além do mais, a Recorrente continua, essencialmente, a tentar fazer valer somente a informação dos serviços de inspecção tributária, proferida em 26/09/2003, quando o tribunal afirma, expressamente, a relevância do relatório fundamentador elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, aí colhendo, mais amplamente, a motivação para a decisão de tributação por métodos indirectos e por avaliação directa. Tudo se resume à negação do trabalho fiscalizador da Inspecção-Geral de Finanças, imputando a Recorrente à aludida informação de 26/09/2003 as exigências legais de fundamentação que se deverão procurar, além do mais (a fundamentação da parte referente aos métodos indirectos deverá colher-se no acto final emanado no procedimento de revisão), no Relatório da Inspecção-Geral de Finanças, cuja existência e valor consubstancia, como vimos, matéria já decidida e transitada em julgado, sendo, por isso, desnecessário reiterar pronúncia sobre tal questão.
A Recorrente sustenta, também, que a matéria vertida nos artigos 58.º e 59.º da petição inicial, sendo complemento ou concretização do alegado nos artigos 56.º e 57.º, não foi abordada ou referida na sentença recorrida, pelo menos explicitamente, não obstante reconhecer que se verifica uma introdução à matéria em causa.
Nestes artigos, a Recorrente pretende distinguir o procedimento de revisão, que se destina somente à discussão da parte da matéria referente à avaliação indirecta, das correcções técnicas e meramente aritméticas que têm subjacente avaliação directa. Para tanto afirma que as correcções à matéria tributável respeitantes a resultados extraordinários foram incluídas no procedimento de avaliação indirecta, em desconformidade com o respectivo regime e desaplicando o disposto no artigo 97.º e 112.º do Código de IRC.
A verdade é que a sentença recorrida se pronunciou expressamente sobre esta questão no ponto 5.IV, além do mais, deixando claro que, no caso, apenas a matéria tributável determinada por métodos indirectos esteve em discussão no procedimento de revisão, previsto nos artigos 91.º e 92.º da LGT, e só em relação a ela existe acordo vinculativo para ambas as partes. Portanto, o pressuposto em que se funda a construção argumentativa da Recorrente (de que o procedimento de avaliação indirecta incluiu também as correcções advindas de avaliação directa) foi expressamente afastado na sentença recorrida; por esse motivo, não se poderá aludir a qualquer omissão de pronúncia.
O artigo 64.º da petição inicial refere-se à preterição do direito de audição prévia, a efectuar antes da decisão de aplicar métodos indirectos.
Como a decisão de recorrer à avaliação indirecta (parte das correcções) está patente no relatório inspectivo, bastaria dar conhecimento prévio do teor do mesmo, para tal normativo se mostrar cumprido. Pelo que já dissemos anteriormente, a questão contende, mais uma vez, com a da competência inspectiva da Inspecção-Geral de Finanças, estando umbilicalmente ligada à tese de negação da existência de relatório inspectivo ou, pelo menos, de desvalorização desse relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças.
Por outro lado, o tribunal recorrido, condensando a questão invocada nos artigos 18.º e 76.º da petição inicial, afirma não reconhecer a existência do vício de falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia ao Relatório final, porque tal direito foi efectivamente exercido, nem de falta de audição prévia à decisão de fixação de métodos indirectos, na medida em que tal direito não está previsto na lei para além da situação em que, no caso dos autos, tal notificação foi efectuada, nem reconheceu a violação do direito de audição antes da liquidação, prevista no artigo 60.º, n.º 1, alínea a) da LGT. Nesta conformidade, a sentença recorrida responde expressamente à questão colocada no artigo 64.º da petição inicial, pelo que inexiste vício de nulidade, podendo, quando muito, verificar-se erro de julgamento.
Isto porque não resulta claro se o tribunal terá considerado redacção do artigo 60.º da LGT não vigente à data dos factos tributários em apreço. Com efeito, na redacção que foi dada ao artigo 60.º, n.º 1, alínea d) da LGT pela Lei n.º 55-B/2004, de 30/12, tal normativo refere-se à preterição do direito de audição prévia, a efectuar antes da decisão de aplicar métodos indirectos quando não haja lugar a relatório de inspecção (acrescento sublinhado que inexistia na versão anterior da norma). Ora, se toda a decisão recorrida se mostra reiteradamente sustentada na existência de relatório inspectivo, o elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, é óbvio que o conhecimento do incumprimento do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea d) da LGT teria ficado prejudicado quando a sentença concluiu ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea e) da LGT (direito de audição antes da conclusão do relatório de inspecção tributária).
Finalmente, no artigo 80.º da petição inicial, a Recorrente alegou, a título subsidiário, a ilegalidade da liquidação impugnada, por inexistência de facto tributário; entendendo que o conhecimento de tal questão não se mostrava prejudicado pela solução dada às demais apreciadas. Alerta que aí não questionava os pressupostos jurídicos nem a quantificação da matéria tributável, mas sim, e tão só, a ilegalidade do acto tributário, na parte relativa aos subcontratos e independentemente do método directo ou indirecto de determinação da matéria tributável base da liquidação impugnada.
O tribunal recorrido julgou o seguinte: “(…) Na medida em que essa questão contende com a decisão de aplicar métodos indirectos e se tornou inimpugnável, em consequência do acordo obtido no procedimento de revisão, não carece de nova pronúncia do Tribunal. (…)”
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
Apesar da justificação expressamente indicada, ainda assim, o tribunal recorrido acrescentou que a imputada falsidade das facturas não resulta da falta de elementos formais previstos no n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, mas do facto de haver indícios fundados de que os serviços nelas referidos não poderiam ter sido prestados pelas entidades que as emitiram; bem como não ter ficado provado que a impugnante tivesse efectivamente pago o valor facturado aos respectivos emitentes, pelo que não reconheceu a invocada inexistência de facto tributário.
Nesta conformidade, é manifesto, nesta parte, não se verificar o vício de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

De seguida, a Recorrente afirma que a sentença recorrida não se pode manter por erro de julgamento da matéria de facto.
Começa por evidenciar a omissão na decisão da matéria de facto da existência de informação prestada em 2 folhas, com data de 26/09/2003, pelo Serviço de Inspecção Tributária, sobre a qual recaiu despacho datado de 03/10/2003.
Por forma a colmatar esta insuficiência da matéria apurada, aditámos supra os pontos 6-A., 6-B. e 6-C.
A Recorrente impugna também os factos considerados não provados pelo tribunal recorrido, clamando conclusões probatórias opostas às assumidas na decisão. Porém, pelas razões indicadas supra, é impossível levar tal matéria ao probatório, tendo-se optado, por isso, por eliminar os pontos 1 e 2 da decisão, dado que, sendo ilações/conclusões, de igual forma não poderão integrar a matéria provada.
Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes conclusões do recurso acerca da matéria de facto que se relacionem com a prova destes pontos 1 e 2, designadamente, os argumentos referentes à formação da convicção por parte do julgador.
No que tange ao ponto 3 considerado não provado [A B... Lda . teve, ao serviço de obras realizadas para a A..., S.A--- no ano 2000, pessoal legalizado na Segurança Social e pessoal não legalizado, este em número variável e superior àquele, e dispôs de retroescavadoras e outros equipamentos e ferramentas], a Recorrente não indicou, em concreto, quais os meios probatórios que implicariam uma decisão diferente da recorrida. Nestes termos, não tendo cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC, nesta parte, rejeita-se o recurso.

Avançando para as questões relativas ao erro de julgamento de direito, não podemos deixar de iniciar a nossa abordagem pela questão que considerámos ter o tribunal recorrido omitido pronúncia.
Com efeito, em primeira instância, o tribunal não tomou posição acerca das deficiências apontadas à notificação efectuada ao gerente da sociedade, conforme invocado nos artigos 20.º e 21.º da petição inicial, importando averiguar se as anomalias encontradas na notificação assumiam uma gravidade tal que pudessem equipara-se a falta de notificação dos fundamentos da determinação da matéria tributável à Recorrente e, em caso positivo, qual o efeito jurídico da sua inobservância em relação ao acto tributário consequente de liquidação do tributo controvertido nos autos.
Recordemos a factualidade aditada ao probatório, nomeadamente, o ponto 6-A.: as correcções propostas no relatório de inspecção elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças foram sancionadas superiormente, em 16/09/2003, determinando-se a remessa desse relatório ao Director de Finanças de Aveiro. Portanto, o procedimento, a partir deste momento, transitou para a Direcção de Finanças de Aveiro, na sequência do ofício n.º ...92, de 16/09/2003 da Inspecção-Geral de Finanças, por forma a que se elaborassem os documentos de correcção devidos, dado este organismo não ter competência para tal. Assim, o relatório com 291 folhas foi elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, cujas conclusões foram condensadas em 2 folhas pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro. Em 20/10/2003, foi notificada a Recorrente, na pessoa do seu gerente, do relatório final da Inspecção-Geral de Finanças (291 folhas) e do documento de fixação da matéria tributável dos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro constante em informação datada de 26/09/2003 (2 folhas) – cfr. pontos 6-B., 6-C. e 7 do probatório reformulado.
Reconhecemos que, na notificação ocorrida em 20/10/2003, concretizada na pessoa do gerente da Recorrente, se atribui, erradamente, a autoria do relatório final da Inspecção-Geral de Finanças [composto por 291 folhas] aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro e se menciona, como data de elaboração daquele relatório, 26/09/2003, quando esta data corresponde ao documento de fixação elaborado pelos serviços de inspecção tributária, que também acompanhava a notificação.
Todavia, tais imprecisões não prejudicaram o direito de defesa da Recorrente, pois que a mesma teve acesso ao texto integral do relatório final da acção inspectiva elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, composto por 291 páginas, conferindo-lhe a possibilidade de reagir graciosa e contenciosamente, o que, efectivamente, fez. Observando a actuação da Recorrente em tais meios, verifica-se que rebateu cabalmente os seus fundamentos, o que é demonstrativo de que teve conhecimento pleno de todo o seu teor. Assim, resta concluir que a imprecisão do texto patente na notificação não prejudicou o sujeito passivo, porque não interferiu nem com o objectivo visado, nem com a percepção correcta do seu exacto alcance. Logo, não poderá ter efeitos invalidantes sobre a consequente liquidação do tributo in casu.
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, improcede quanto a esta questão a argumentação da Recorrente.

Nas conclusões 33.ª a 38.ª das alegações do recurso, a Recorrente transmite não se conformar com o julgamento realizado em primeira instância sobre o invocado vício de falta de fundamentação de todas as correcções em causa.
Defende que o acto tributário impugnado enferma de vício de forma decorrente da falta de fundamentação de todas as correcções técnicas e por métodos indiciários, vício esse verificado, desde logo, na decisão de fixação do lucro tributável por despacho do Director de Finanças de 03/10/2003, por incongruência intrínseca do seu conteúdo, por insuficiência e obscuridade irremovíveis, sustentando a violação do disposto no artigo 77.º, n.º 1, da LGT e do artigo 125.º, nºs 1 e 2, do CPA. Por outro lado, alerta que o discurso da sentença preparatório da decisão não se adequa à (não está em sintonia com a) matéria da questão suscitada pela Recorrente nos artigos 24.º e 25.º da petição inicial, porquanto neles arguiu-se a insuficiência da fundamentação da informação dos serviços de inspecção tributária, de 26/09/2003, e a sua repercussão invalidante/ilegalizadora da decisão de fixação da matéria tributável, enquanto naquela (sentença) equaciona-se e defende-se a suficiência fundamentadora do Relatório da IGF.
De facto, a Recorrente somente pretendeu suscitar as insuficiências, obscuridades, incoerências e contradições das peças do procedimento que identificou, tendo a sentença recorrida apelado ao teor do Relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças para concluir não se verificar o vício de falta de fundamentação.
O argumentário da Recorrente assenta na ideia de que antes de o procedimento ter transitado para a Direcção de Finanças de Aveiro não existiram quaisquer actos inspectivos válidos, daí querer concentrar a análise da motivação das correcções na informação composta por 2 folhas, datada de 26/09/2003, e no despacho, de 03/10/2003, do Director de Finanças de Aveiro, que sancionou essa proposta de fixação dos tributos em falta, em sede de IRC e IVA, por correcções meramente aritméticas e métodos indirectos – cfr. pontos aditados ao probatório n.º 6-B. e n.º 6-C.
Contudo, este raciocínio estava assente em matéria já julgada em primeira instância, e não impugnada, referente à competência da Inspecção-Geral de Finanças.
É verdade que a Recorrente havia invocado a incompetência desse organismo para intervir no procedimento preparatório do acto tributário de liquidação, designadamente, para a realização de acções inspectivas. Mas resulta desse julgamento, transitado em julgado, que, à data dos factos, a Inspecção-Geral de Finanças se regia pela respectiva lei orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto, posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 79/2007, de 29 de Março.
Assim, nos termos do artigo 1.º do aludido Decreto-Lei n.º 249/98, “A Inspecção-Geral de Finanças (IGF) é o serviço do Ministério das Finanças integrado na administração directa do Estado, dotado de autonomia administrativa, que tem por missão fundamental o controlo da administração financeira do Estado e o apoio técnico especializado, e que funciona na directa dependência do Ministro das Finanças”.
Por sua vez, o artigo 2.º do mesmo diploma legal, reportando-se ao âmbito de intervenção da Inspecção-Geral dos Impostos, na alínea c) do seu n.º 2 dispunha que “incumbe especialmente à IGF o exercício do controlo nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial, de acordo com os princípios da legalidade, da regularidade e da boa gestão financeira, contribuindo para a economia, a eficácia e a eficiência na obtenção das receitas públicas e na realização das despesas públicas, nacionais e comunitárias, para o que desenvolve as seguintes tarefas:
c) Realizar auditorias, inspecções, análises de natureza económico-financeira, exames fiscais e outras acções de controlo às entidades, públicas e privadas, abrangidas pela sua intervenção.”
E o n.º 3 da mesma disposição legal, previa que “a intervenção da IGF abrange as entidades do sector público administrativo e empresarial, bem como dos sectores privado e cooperativo, quando sejam sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado”.
Ora, conforme resulta do probatório, a acção inspectiva foi efectuada no âmbito da auditoria à tributação das empresas de promoção imobiliária, onde se inclui a Recorrente, compreendida no plano operacional da Inspecção-Geral de Finanças que, tendo detectado situações anómalas, encaminhou o relatório para o Director-Geral dos Impostos, o qual, por sua vez, o remeteu para a Direcção de Finanças de Aveiro, para prosseguir o procedimento tendente à liquidação dos tributos considerados em falta.
Assim sendo, a auditoria da Inspecção-Geral dos Impostos foi realizada a coberto das competências que lhe eram expressamente conferidas pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto. Salientando-se que, do artigo 16.º do RCPIT que fixa a competência dos diversos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, não resulta a incompetência da Inspecção-Geral dos Impostos.
Compreende-se, assim, que, neste contexto, a sentença recorrida valorize o Relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças (bem como as restantes peças que compõem os autos e o processo administrativo) para aferir da suficiência da fundamentação do acto impugnado.
Em rigor, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Aveiro não realizaram qualquer acção inspectiva. A sua intervenção esteve sempre limitada à prática dos actos para os quais a Inspecção-Geral de Finanças não tinha competência, designadamente, a elaboração dos documentos de correcção DC 22 (IRC), subjacentes à informação condensada, elaborada em 2 folhas em 26/09/2003, e sancionada superiormente em 03/10/2003.
Como resulta do ponto 6-B. aditado à decisão da matéria de facto, a transferência do procedimento para a Direcção de Finanças de Aveiro deveu-se, precisamente, para levar a cabo os actos que a Inspecção-Geral de Finanças não podia legal e validamente praticar, sem que possa entender-se ter existido qualquer hiato, pois esse organismo praticou, de facto, actos preparatórios, mas também a própria acção inspectiva, como resulta do ponto 3 do probatório: enviada sob registo postal nº ..., de 17/6/2003, carta -aviso nº ...13, de 16/6/2003, da Direcção de Finanças de Aveiro, a Inspecção-Geral de Finanças efectuou acção inspectiva à actividade da A..., S.A--- e elaborou Projecto de Relatório que notificou através do ofício n.º ...03 - Procº 2002/..., de 30/7/2003. Na sequência do ofício n.º ...92, de 16/09/2003, da Inspecção-Geral de Finanças, como vimos, o procedimento transitou, para os efeitos referidos, para a Direcção de Finanças de Aveiro [cfr. ponto 6-A. - As correcções propostas no relatório de inspecção foram sancionadas superiormente, em 16/09/2003, determinando-se a remessa do relatório ao Director de Finanças de Aveiro]. Por isso, não podemos considerar somente o teor da referida informação de 2 folhas e o documento de fixação da matéria tributável constante da mesma (26/09/2003), como pretende a Recorrente para demonstrar a falta de fundamentação, dado estarmos perante o culminar de um procedimento inspectivo válido, levado a cabo pelo organismo competente, que daria origem à liquidação impugnada; pelo que, tal como considerou a sentença recorrida, a motivação para as correcções e subsequente liquidação deve ser colhida também no Relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, cuja fundamentação, como vimos, foi comunicada à Direcção de Finanças de Aveiro (e à Recorrente), tendo a fixação da matéria tributável assentado nesses elementos prévios instruídos pela Inspecção-Geral de Finanças. Sem esquecer que, fundando-se (também) a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária, no que tange à parte afectada pela avaliação indirecta. Sem olvidar, ainda, que, tendo sido obtido acordo no âmbito desse procedimento de revisão, é esse o acto relevante. Reiteramos, assim, que a liquidação em apreço, em face do acordo obtido em sede de procedimento de revisão, não poderá ser impugnada com fundamento em erro sobre os pressupostos da tributação por métodos indirectos, nem em erro na quantificação por avaliação indirecta. Nestes termos, esta questão puramente formal, ao nível da fundamentação do recurso aos métodos indirectos (cfr. conclusões 34.ª e 35.ª) será totalmente irrelevante, pois no procedimento de revisão realizado foi possível descortinar todos os elementos indicados no artigo 77.º, n.º 4 da LGT, caso contrário não teria sido viável alcançar consenso quanto à substância dessas questões.
Note-se que o presente acto de liquidação surge como consequência natural de um procedimento inspectivo (cfr. pontos 3, 4, 5 e 6 do probatório), sendo no relatório de inspecção tributária que consta a fundamentação da posterior liquidação. Aliás, como foi efectuado pedido de revisão quanto à determinação de parte da matéria tributável, a obtida por métodos indirectos, é da decisão final do procedimento de revisão, insistimos, que consta a fundamentação da liquidação nessa parte (cfr. pontos 8, 9, 10, 17 e 18 do probatório).
É, por isso, legítimo afirmar, como o realizou o tribunal recorrido, que se deve ter por fundamentada a liquidação fundada em correcções derivadas do relatório de inspecção quando de tal relatório constam as razões dessas correcções e posterior liquidação.
É que para saber se o acto de liquidação está ou não fundamentado não pode o julgador alhear-se do relatório da inspecção, pois este é o culminar de um procedimento que o procedimento liquidatário comporta, visando a procura da verdadeira situação tributária do contribuinte e a sua efectiva comprovação.
In casu, o procedimento em causa culminou com actos de liquidação consentâneos com a motivação do relatório de inspecção e da decisão final do procedimento de revisão. Decorre do relatório inspectivo a necessidade de efectuar correcções técnicas (cfr. no seu ponto 2.1 e seguintes), correcções meramente aritméticas (cfr. o seu ponto2.2.2.4.) e também correcções por recurso a métodos indirectos (cfr. o seu ponto 2.2.2.5.). Somente quanto às correcções por avaliação indirecta foi legalmente possível efectuar pedido de revisão, todavia, não foram integralmente mantidas, uma vez que foi obtido acordo (cfr. ponto 18 da decisão da matéria de facto).
Foi com base em toda esta motivação constante das decisões finais do procedimento inspectivo e do procedimento de revisão que foi emitida a liquidação de IRC indicada no ponto 20 do probatório, resultando o seu apuramento da soma das correcções técnicas/aritméticas com as correcções com recurso a métodos indirectos (cfr. ponto 19 da decisão da matéria de facto).
Ressuma do que ficou dito, analisado o relatório de inspecção, no qual se estriba, além do mais, a liquidação impugnada, não se vislumbra onde resida a falta de fundamentação do acto tributário, encontrando-se explicitado de forma clara, suficiente e congruente o iter cognoscitivo percorrido pela Inspecção-Geral de Finanças para proceder às correcções de dois tipos diferentes questionadas nos autos – técnicas e por métodos indirectos (apesar de, como referimos supra, em face do acordo alcançado, somente relevarem, agora, as razões que fundaram as correcções técnicas).
Tanto assim é que a Recorrente revela, pela forma como estruturou a sua argumentação, tanto nos procedimentos administrativos, como na presente impugnação, ter compreendido perfeitamente as razões que conduziram às correcções efectuadas, rebatendo-as e imputando-lhes, além do mais, erro nos pressupostos de facto.
De resto, saber se as razões apontadas pela Administração Tributária são suficientes para suportar as conclusões vertidas no relatório de inspecção e, assim, legitimar as correcções efectuadas é questão que não contende com a fundamentação formal do acto, mas já com a sua fundamentação substancial.

Avancemos, agora, para o julgamento da invocada violação do direito de audição, com o qual a Recorrente também não se conforma, segundo expressou nas conclusões 39.ª a 42.ª das alegações do recurso.
Defende a Recorrente que, ao conhecer do vício alegado na petição inicial atinente à violação do direito de audição, a sentença ensaia um discurso justificativo que versa matéria diversa da alegada, pelo que a decisão respectiva não se adequa ao objecto de que era mister conhecer, ficando prejudicada a solução preconizada, por erro nos pressupostos. Acrescenta a Recorrente que, mesmo que devesse considerar-se cumprido o disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea e), da LGT – e independentemente da questão de saber se é do Projecto do Relatório da IGF ou da informação dos SIT e das decisões de fixação do lucro tributável por métodos indirectos que se trata – tal não abalaria a pertinência e validade na parte respeitante ao último segmento da alegação vertida no artigo 18.º da petição inicial, face ao disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea d), da LGT, nos termos do qual:
“1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (...)
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;”
Sustenta, portanto, a Recorrente que, do normativo em causa – artigo 60.º da LGT – com a redacção em vigor ao tempo, decorre que o cumprimento do disposto na alínea e) do seu nº 1, não prejudica ou torna dispensável o cumprimento do disposto na alínea d) do mesmo número.
Conclui que, ao contrário do propugnado pela sentença, é por demais evidente que ocorreu a invocada preterição de formalidades legais, por violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea d), da LGT.
Na linha do véu que fomos levantando aquando da apreciação do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, importa, desde já, adiantar que também não incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento quanto a esta questão da violação do direito de audição.
A liquidação impugnada foi efectuada em 10/11/2004 (cfr. ponto 20 do probatório). Portanto, nesta data, a redacção do artigo 60.º, n.º 1, alínea d) da LGT ainda era a que se transcreveu acima e indicada pela Recorrente.
Todavia, esta alínea d) foi alterada pela redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que, como mencionámos supra, passou a ter a seguinte redacção: d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção.
Sucede que esta nova redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT tem natureza interpretativa, de acordo com o n.º 2 do artigo 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro. Recordamos o significado deste carácter interpretativo: a lei interpretativa integra-se na lei interpretada – cfr. artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil.
Nesta conformidade, à data da liquidação impugnada, só haveria lugar autonomamente a audição prévia à decisão de aplicação de métodos indirectos se não existisse relatório de inspecção.
Neste momento, já não pode questionar-se a verificação de uma acção inspectiva e a existência do respectivo relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, pelo que a situação concreta não se enquadra na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
No fundo, a tese da Recorrente, espelhada na petição inicial e neste recurso, pressupõe que a aludida informação dos serviços de inspecção tributária, elaborada em 26/09/2003, equivaleria a uma espécie de relatório, procurando iludir a existência do Relatório feito pela Inspecção-Geral de Finanças e colocar em causa a competência desta. Estando firmado, como o assumiu o tribunal recorrido, que nos autos já não se discute a competência da Inspecção-Geral de Finanças, tem de se aceitar a existência do Relatório feito por este organismo, incluindo a notificação para audição prévia, pelo que a tal informação dos serviços de inspecção tributária não estava já sujeita a essa formalidade prévia, pois que se encontrava cumprida antes da versão final dada ao Relatório da Inspecção-Geral de Finanças.
Como emerge da factualidade vertida no probatório, a Recorrente, por requerimento datado de 14/08/2003, entrado na Inspecção-Geral de Finanças em 18/08/2003, exerceu o seu direito de audição sobre o projecto de relatório notificado pelo ofício n.º ...03, de 30/07/2003, ao abrigo do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 249/98, de 11/08, constando a pronúncia sobre os argumentos aduzidos no ponto IV – Procedimento de Contraditório do relatório de inspecção – cfr. pontos 3, 4 e 6 do probatório.
Havendo, como há, lugar a relatório inspectivo, a proposta de decisão de aplicação de métodos indirectos foi notificada aquando do projecto do relatório de inspecção, dado que a proposta quanto aos factos e às correcções a realizar por avaliação indirecta integrava esse projecto, como se observa do probatório, pois que a Recorrente pronunciou-se expressamente sobre o constante no ponto 2.2.2.5. (correcções propostas com recurso a métodos indirectos) – cfr. ponto 6 da decisão da matéria de facto.
Pelo exposto, é forçoso concluir não se verificar o invocado vício de preterição de formalidades legais.

Seguindo a nossa análise, concentremo-nos, agora, nas conclusões 43.ª e 44.ª das alegações do recurso, em que se trata o erro sobre os pressupostos da correcção por métodos directos.
Defende a Recorrente que a decisão de apodar as facturas de falsas não se mostra devidamente fundamentada, pois assenta em pressupostos errados ou não fundamentados, e viola os princípios de rigor, de equilíbrio, de justiça e de verdade material subjacentes aos postulados da Lei Fundamental e do Estado de direito que é suposto o nosso país ser, pelo que o acto tributário dela procedente está ferido de ilegalidade invalidante.
Trata-se de uma alegação assaz vaga, que, aliada à circunstância de a impugnação da decisão da matéria de facto não ter sido eficaz, inviabiliza uma apreciação, em concreto, do erro nos pressupostos que terão levado à ilação da presença de facturação falsa.
Com efeito, a sentença recorrida apoiou-se nos indícios recolhidos e vertidos no Relatório elaborado pela Inspecção-Geral de Finanças, onde se refere que as facturas emitidas pelos subcontratados GG..., HH..., CA... e B... Lda. não correspondiam a serviços efectivamente prestados, transcrevendo os excertos ilustrativos dos factos indiciantes apurados.
A Recorrente alerta que o argumento da inexistência de estrutura empresarial apta à prestação dos serviços facturados à Recorrente pelos referidos subempreiteiros foi abandonado no âmbito do procedimento de revisão. Ora, não podemos olvidar que esse procedimento culminou com o acordo dos seus intervenientes, pelo que o aí discutido, no âmbito da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não poderá ser transponível e servir para abalar os fundamentos em que assentaram as correcções realizadas por métodos directos. Não esqueçamos que alcançar um acordo pressupõe que as partes façam mutuamente cedências.
Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, nas situações em que as facturas não corresponderão a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não terão tido lugar, cumpre, desde já, assinalar que a nossa jurisprudência vem entendendo, pacífica e reiteradamente, que compete à AT, no exercício da sua actividade fiscalizadora, provar a existência dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção da matéria tributável - cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No caso em apreço, cabia à AT demonstrar a pertinência do seu juízo, mediante a enunciação dos indícios objectivos e credíveis que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondiam prestações reais.
Analisando o probatório, verificamos que aí se considerou provado que a Inspecção-Geral de Finanças realizou os actos de inspecção descritos no probatório, com recolha das informações aí referidas, bem como a percepção do inspector aquando da elaboração do Relatório. Paralelamente, foram apurados os factos vertidos nos pontos 28 a 51 da decisão da matéria de facto.
Partindo da análise dos factos indiciadores constantes do Relatório e dos que ainda o tribunal recorrido apurou, como resulta da motivação da sentença recorrida, não foi possível o julgador formar convicção firme de que todos os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo valor que consta da facturação. Por outro lado, refere o tribunal recorrido que, analisada a globalidade da prova produzida, continua a não existir nos autos qualquer indício de que a B... Lda. tivesse algum tipo de estrutura empresarial, tanto ao nível de recursos humanos, financeiros ou técnicos, que a habilitassem a prestar os serviços que constam no descritivo das facturas emitidas em seu nome e utilizadas no ano 2000 pela Recorrente.
Portanto, a decisão recorrida ponderou os factos recolhidos no Relatório e concatenou-os com a matéria que conseguiu apurar em sede judicial, retirando a mesma ilação que a Inspecção-Geral de Finanças quanto à eventual falsidade da facturação em apreço.
A inexistência de estrutura empresarial apta à prestação dos serviços facturados à Recorrente e a outras empresas, conforme foi detectado em outras acções inspectivas, bem como os restantes factos relatados (cfr. ponto 6 do probatório), apreciados à luz das regras da experiência, legitimam a conclusão de que os referidos emitentes não prestaram nem poderiam prestar os serviços que constam dos descritivos desses documentos e que, portanto, estamos perante situações de emissão e utilização de facturação falsa com intuitos fraudulentos, sendo certo que a Recorrente não fez prova no sentido de rebater os indícios coligidos pela Inspecção-Geral das Finanças.
Na verdade, relativamente às facturas emitidas pelos sujeitos passivos GG..., HH... e JJ, a Recorrente reconheceu as irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral das Finanças, tendo, inclusive, procedido à regularização das dívidas resultantes da dedução indevida do respectivo IVA, referindo que apenas por motivos de dificuldades pontuais de tesouraria, não foi efectuada idêntica regularização para efeitos de IRC - cfr. ponto 2.2.2.4 do Relatório.
Assim sendo, a Administração Tributária estava legitimada a proceder a correcções meramente aritméticas, mediante a desconsideração fiscal dos custos titulados pelas mencionadas facturas.
A verdade é que, neste recurso, a Recorrente se cinge à alegação do erro nos factos que pressupuseram as conclusões e a actuação da AT, mas sem que tenha demonstrado esse erro ou impugnado cabalmente a matéria de facto levada ao probatório. De facto, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Resta concluir que a Recorrente não logrou tornar os factos indiciários recolhidos pela Inspecção-Geral de Finanças duvidosos (cfr. ponto 6), pelo que não se verifica erro nos pressupostos de facto que subjazem às correcções realizadas por métodos directos.

Ainda concernente à falsidade das facturas, importa emitir pronúncia acerca da questão da (in)existência do facto tributário, na medida em que a Recorrente afirma não integrar o domínio em que pode ter lugar e operar o acordo entre peritos – cfr. conclusões 23.ª e 24.ª das alegações do recurso.
Sustenta a Recorrente que a questão de saber se os serviços que lhe foram facturados pelo AA... foram efectivamente prestados não constitui uma questão de direito atinente aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, reconduzindo-se antes ao domínio da (in)existência do facto tributário. Por seu turno, a questão da (in)existência do facto tributário, tributária da questão conexa da veracidade versus falsidade, das facturas não integra o domínio em que pode ter lugar e operar o acordo entre os peritos, pois que tal acordo só pode ter por objecto matéria atinente ao erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável. – cfr. artigos 89º, nºs 4 e 5, 91º, nºs 1 e 14, e 92º, nº 1, da LGT, o que não está em causa quando se discute a questão da veracidade/falsidade das facturas.
Esta polémica surge na sequência da tomada de posição do tribunal recorrido acerca da matéria vertida no artigo 80.º da petição inicial.
Nessa sede, a Recorrente defendeu não existir facto tributário, porque as facturas ditas falsas contêm a descrição exacta, completa e conforme aos usos do respectivo sector de actividade, operações que pagou aos respectivos prestadores de serviços (cfr. artigo 80.º).
Entendeu o tribunal “a quo” que essa questão contende com a decisão de aplicar métodos indirectos e se tornou inimpugnável, em consequência do acordo obtido no procedimento de revisão, não carecendo de nova pronúncia do tribunal.
A primeira instância acabou por se pronunciar acerca da questão, referindo, bem, que a imputada falsidade das facturas não resulta da falta de elementos formais previstos no n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, na redacção vigente à data, mas do facto de haver indícios fundados de que os serviços nelas referidos não poderiam ter sido prestados pelas entidades que as emitiram. Acrescentando não ter ficado provado que a Recorrente tenha pago, efectivamente, o valor facturado aos respectivos emitentes.
Apesar de, afinal, não se ter reconhecido a invocada inexistência de facto tributário com estes fundamentos, ainda assim, a Recorrente, agora, cinge o seu recurso ao inconformismo de não poder discutir a questão da (in)existência do facto tributário no âmbito das correcções por aplicação de métodos indirectos.
Mas não tem razão, pois a existência do facto tributário é a pedra angular subjacente à decisão de aplicar métodos indirectos (sem facto tributário a AT não tem motivo legal para liquidar tributos), integra o seu principal pressuposto, pelo que, manifestamente, a liquidação é inimpugnável com esse fundamento – cfr. artigo 86.º, n.º 4 da LGT.

Nas conclusões 46.ª a 61.ª das alegações do recurso, a Recorrente limita-se a reiterar a posição já assumida na petição inicial, sem demonstrar as razões por que errou a sentença recorrida no julgamento destas questões.
Insiste que, face ao formalismo imperativo prescrito no artigo 112.º do CIRC, renumerado e transposto para o artigo 129.º a partir do ano de 2002, não sofre qualquer dúvida de que, pelo menos a correcção referente a “resultados extraordinários”, no montante de €678.365,14, não poderia ser incluída e influenciar o procedimento de tributação, quer pelo método das correcções técnicas ou meramente aritméticas, quer pelo método indiciário ou da avaliação indirecta.
Reitera, ainda, que, concluída a inspecção, e detectadas situações subsumíveis a regimes procedimentais específicos, impõe-se o desencadeamento das operações, actos e formalidades subsequentes com observância dos preceitos aplicáveis. Dada a diversa tramitação e formalismo do procedimento tributário no caso de correcções por recurso a métodos directos e por aplicação de métodos indirectos não faz sentido, mormente à luz dos princípios da economia, incluir-se no mesmo acto unitário de liquidação correcções aritméticas e também as resultantes da aplicação de métodos indirectos.
A sentença recorrida explica cabalmente por que não existe separação de correcções técnicas e por métodos indirectos na liquidação efectuada. Sendo o IRC um imposto de obrigação periódica, ao qual corresponde apenas um facto tributário por período de imposto, não faria sentido proceder ao desdobramento de liquidações por tipo de correcção, pois que o lucro tributável é único, motivo pelo qual deve dar origem a apenas uma liquidação.
Revemo-nos na jurisprudência indicada na decisão recorrida e na restante motivação do julgamento, designadamente no seguinte:
“(…) A AT detectou situações merecedoras de correcção cuja quantificação podia adequadamente ser feita directa e exactamente e outras cuja quantificação exigiam a aplicação de métodos indirectos de avaliação.
No caso, apenas a matéria tributável determinada por métodos indirectos esteve em discussão no procedimento de revisão previsto nos artigos 91º e 92º da LGT, e só em relação a ela existe acordo vinculativo para ambas as partes.
Por outro lado, nada na lei obriga a AT a proceder a tantas liquidações adicionais quantas as correcções efectuadas, podendo a matéria tributável global apurada relativamente a um determinado imposto (IRC do ano 2000) ser incluída num único acto tributário. Pelo contrário, os princípios da economia e da celeridade recomendam que o número dos actos a praticar se reduza ao mínimo possível, desde que sejam salvaguardadas todas as formalidades legais essenciais.
No caso dos autos, o englobamento num só acto tributável da matéria tributável do IRC do ano 2000 determinada adicionalmente por correcções técnicas juntamente com a matéria tributável, do mesmo imposto e período, determinada com métodos indirectos nada tem de criticável. Pelo contrário. (…)”
Por outro lado, voltando ao início da formulação da questão, também não vislumbramos que formalidades legais essenciais tenham sido colocadas em causa, quanto à correcção referente a “resultados extraordinários”.
Os factos concernentes a esta correcção foram tratados autonomamente (cfr. pontos 2.2.1., 2.2.1.1., 2.2.1.2 do Relatório), somente o apuramento do lucro tributável se realizou de forma unitária (cfr. ponto 2.3., 2.3.2. do Relatório), tendo em conta correcções de várias naturezas, não se atingindo o alcance da alegação de que o formalismo imperativo prescrito no artigo 112.º do CIRC foi violado. Isto porque esta norma visava, essencialmente, salvaguardar o contribuinte, sempre que fossem efectuadas correcções de natureza quantitativa nos valores constantes das declarações de rendimento do contribuinte, com reflexos na determinação do lucro tributável (que é uno). Impunha-se que aquele fosse notificado, pela forma estabelecida no n.º 2 do artigo 53.º, na redacção vigente à data, das alterações efectuadas, com indicação dos respectivos fundamentos. Estavam, portanto, em causa garantias do contribuinte, quanto às possibilidades de impugnar/recorrer hierarquicamente, tendo por base uma notificação idêntica àquela que estava prevista perante a fixação do lucro tributável por métodos indirectos.
Como resulta do ponto 7 do probatório, a AT notificou pessoalmente a Recorrente, na pessoa do seu gerente, do teor do Relatório, que continha todos os fundamentos necessários à eventual reacção do contribuinte (incluindo a motivação da correcção relativa aos “resultados extraordinários”), como, de facto, ocorreu. Efectivamente, a AT individualizou estas correcções atinentes a “relações especiais” no Relatório, mas não tinha que proceder a tantas liquidações adicionais quantas as correcções efectuadas, na medida em que o lucro tributável é único, quando referente ao mesmo período de imposto.
Nesta conformidade, é nossa convicção que a sentença recorrida não errou no julgamento que efectuou do vício de preterição de formalidades legais, na parte relativa a correcções técnicas referentes a “resultados extraordinários”, nem por ter havido a prática de um acto tributário único, com a adopção simultânea de métodos directos e de métodos indirectos.

Por fim, debrucemo-nos sobre a matéria constante das conclusões 62.ª a 66.ª das alegações do recurso, relativas ao alegado vício da caducidade do direito à liquidação.
Defende a Recorrente ter o tribunal recorrido incorrido em erro na apreciação da matéria de facto atinente à determinação da data do início da inspecção levada a efeito pela Inspecção-Geral de Finanças.
Para tanto, afirma que o início da inspecção em causa teve lugar em data bem anterior (dias, semanas ou meses) ao dia 08.10.2002 em que, comprovadamente, a inspecção já estava em curso, e o seu termo ocorreu em data não anterior a 20.10.2003, portanto passado mais de um ano.
Alega a Recorrente que as normas da LGT se aplicam do mesmo modo ao procedimento de inspecção realizada pela Inspecção-Geral de Finanças e que, à data do início da inspecção estava em vigor o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, pelo que, contando-se o prazo nele considerado, a partir de 05.07.2001, data da entrada em vigor da norma, ex vi do artigo 11.º da mesma Lei, contempla o IRC em causa nestes autos.
Sustenta, portanto, a Recorrente que a liquidação impugnada enferma de ilegalidade, por violação do disposto o n.º 5 do artigo 45.º da LGT.
Como se decidiu na sentença recorrida, não assiste razão ao entendimento plasmado na reclamação graciosa pela AT ou na contestação da Fazenda Pública, na parte em que considera que a Inspecção-Geral de Finanças não fez uma verdadeira acção de inspecção, mas antes uma auditoria, para concluir que a esta não se aplicam as respectivas regras do RCPIT e da LGT.
Aí se julgou, bem a nosso ver, que “(…) independentemente do nome que se queira dar ao procedimento adoptado pela IGF, no uso das suas competências legais, tem de se considerar que a acção levada a cabo junto da agora Impugnante constituiu uma verdadeira inspecção tributária e a sua autoria deve ser materialmente imputada à IGF, e não à Direcção de Finanças de Aveiro.
Está em causa a apreciação da eventual aplicabilidade do nº 5 do artigo 45º da LGT, aditado pelo artigo 8º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, segundo o qual “Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1.
Esta norma foi revogada pelo nº 1 do artigo 43º da Lei nº 32 -B/2002, de 30 de Dezembro.
Portanto, o nº 5 do artigo 45º da LGT, com a redacção em causa, vigorou entre 5/7/2001 e 31/12/2002. Porém, mesmo enquanto vigorou a aludida redacção, os prazos definidos no nº 5 do artigo 45º da LGT contavam -se, no caso de processos pendentes, a partir da entrada em vigor da Lei nº 15/2001, isto é, desde 5/7/2001, por força dos artigos 11º e 14º desse mesmo diploma. (…)
No caso estamos perante um problema de aplicação de leis no tempo, relativo ao efeito da ultrapassagem do prazo para conclusão da inspecção, que a Lei 15/2001 cominava com a caducidade do direito à liquidação, o que deixou de suceder após a entrada em vigor da Lei 32-B/2002.
À situação sub judice será assim aplicável o disposto no artº 12º, nº 2 do Código Civil que estabelece que «quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende -se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».
Ora, o facto sobre cujos efeitos a lei aqui dispõe é o excesso, em mais de seis meses, do prazo fixado para a conclusão do procedimento inspectivo, ou seja, a demora em mais de um ano para a conclusão do procedimento inspectivo, sendo esses efeitos os ditados pela lei vigente aquando da eclosão do facto, ou seja, quando o prazo é ultrapassado (também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.02.2008, recurso 0955/07, in www.dgsi.pt).
Portanto, para o efeito é irrelevante o facto de a actividade inspeccionada ser referente ao ano 2000, devendo atender-se apenas, para o efeito, ao momento em que terminou o prazo de 6 meses contado a partir do fim do prazo fixado para a conclusão do procedimento. Ou seja, apenas releva o facto de a AT ter demorado mais de um ano a concluir o procedimento inspectivo e deve atender-se para este efeito, apenas ao momento em que esse excesso se inicia.
O início da inspecção ocorre com a entrega e assinatura da ordem de serviço ao sujeito passivo ou seu representante legal, nos termos do artigo 51º do RCPIT, e considera-se que termina na data da notificação da respectiva nota de diligência, de acordo com o artigo 61º do RCPIT.
Por outro lado, a duração normal da inspecção não deve exceder o prazo de 6 meses previsto nos artigos 36º do CPPT.
Portanto, resultava do nº 5 do artigo 45º da LGT que o direito de liquidar os tributos caducava se a inspecção efectuada entre 5/7/2001 e 31/12/2002 não ficasse concluída no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1 do mesmo artigo.
Não se encontra nos autos nem no processo administrativo qualquer cópia da ordem de serviço assinada pela Impugnante nem da notificação da nota de diligências.
No entanto, como resulta do probatório, pode considerar-se que o início do procedimento inspectivo ocorreu em 17/6/2003 (data do registo da carta-aviso, referida no facto 3 de 3.1 supra), tendo-se o mesmo prolongado até 11/9/2003 (data do Relatório, conforme facto 5 de 3.1, ou da respectiva notificação ao gerente em 20/10/2003, conforme facto 7 de 3.1), quando o n° 5 do artigo 45° da LGT cessara vigência (1/1/2003), pelo que o referido normativo não tem aqui aplicação. (Vide também neste sentido, embora fazendo apenas uma referência indirecta à questão, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2006, recurso 0695/06, in www.dgsi.pt.).
Neste caso, a haver excesso de tempo gasto no procedimento inspectivo, tal facto só pode ter ocorrido a partir de 17/6/2004, muito depois da cessação da vigência (1/1/2003) do nº 5 do artigo 45º da LGT, na redacção em causa nos autos.
Assim sendo, o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, fixado em 4 anos pelo n° 1 do artigo 45º da LGT, não é encurtado pelo facto de o contribuinte ter sido objecto de uma acção de fiscalização externa.
Pelo que improcede o fundamento em análise. (…)”
Revisitada a jurisprudência citada na sentença recorrida, anuímos que para ser aplicável o disposto no artigo 45.º, n.º 5 da LGT, na redacção indicada pela Recorrente, o prazo máximo da inspecção tem que ser excedido na vigência da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, ou seja, essa ultrapassagem há-de ter que ocorrer de 05/07/2001 a 31/12/2002.
Alega a Recorrente que ocorreu a caducidade do direito à liquidação do IRC em causa nos presentes autos, porquanto o respectivo direito está inserido num procedimento de inspecção tributária iniciado no âmbito de vigência da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aditou o n.º 5 ao artigo 45.º da LGT, norma que a sentença recorrida não aplicou, e assim violou, mas que a Recorrente entende ser aplicável ao procedimento de inspecção iniciado no seu âmbito de vigência, e, bem assim, ao acto de liquidação subsequente, e não obstante a sua revogação operada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro – cfr. conclusões 65.ª e 66.ª das alegações do recurso.
Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
Por sua vez, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, aditou àquele artigo um n.º 5, com o seguinte teor: “Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no nº 1”.
Ou seja, por virtude da introdução desta norma no artigo 45.º da LGT, a caducidade do direito à liquidação passou a poder ocorrer por uma dupla via: ou pelo decurso do prazo geral contido na norma do seu n.º 1 (4 anos); ou do prazo especial de seis meses, a contar do termo do prazo fixado para a conclusão da inspecção tributária.
Efectivamente, de acordo com a redacção original do artigo 45.º da LGT (bem como, do seu artigo 46.º), para a determinação do termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação, bem como da sua dimensão, era irrelevante a ocorrência de qualquer acção de inspecção, porquanto esta só valia como causa suspensiva desse prazo, com a notificação ao contribuinte do início da acção de inspecção (cfr., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24 /01/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00040/03 Braga).
Por outro lado, quanto a saber o que deve entender-se pela expressão «termo do prazo fixado para a sua conclusão», considerando que é do “termo do prazo fixado para a sua conclusão” que se contam os seis meses findos os quais caduca “o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção”, tomou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 01019/09, posição no sentido de que «a expressão “termo do prazo fixado para a sua conclusão” constante do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) deve ser interpretada como referente ao prazo limite de 6 meses estabelecido no n.º 2 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, contando-se a partir da data em que este prazo de seis meses se perfizer o prazo especial de caducidade de seis meses previsto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária».
Porém, este último normativo foi eliminado pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2003, e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003.
Ora, o primeiro pomo de discórdia reside no facto de o tribunal recorrido, embora não se encontrando nos autos nem no processo administrativo qualquer cópia da ordem de serviço assinada pela Impugnante, ter considerado que o início do procedimento inspectivo ocorreu em 17/06/2003 – cfr. data do registo da carta-aviso, referida no ponto 3 do probatório (conclusões 62.ª e 63.ª). Pois que a Recorrente defende ter a inspecção tido início em data bem anterior ao dia 08/10/2002, por terem sido realizadas diligências nesse âmbito.
Perante os factos aditados ao probatório, sob os pontos 2-A., 2-B., 2-C, e inexistindo qualquer documento revelador de acordo quanto ao início da inspecção ou assinado pela Recorrente, apenas podemos dar de barato que a inspecção não se iniciou antes de 16/09/2002 (data da indicação do inspector que realizaria a auditoria e do respectivo coordenador).
Porém, mesmo que se acolha a alegação de erro na apreciação da matéria de facto quanto à determinação da data do início da inspecção, aceitando [uma vez que não se encontra nos autos nem no processo administrativo qualquer cópia da ordem de serviço assinada pela Recorrente] que tal data se tenha localizado em momento anterior a 08/10/2002 (mas, notoriamente, ainda no ano de 2002, mais precisamente em 16/09/2002), conforme agora invocado pela Recorrente, o excesso do prazo máximo da inspecção sempre ocorreria em 2003, fora do período de vigência da Lei n.º 15/2001 (até 31/12/2002), pelo que, ainda assim, não seria possível aplicar à situação concreta a redacção indicada do artigo 45.º, n.º 5 da LGT e que levaria a um encurtamento considerável do prazo geral de caducidade do direito de liquidar tributos, previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT.
Portanto, no caso vertente, a liquidação impugnada teve origem num procedimento de inspecção iniciado, concedemos, em 16/09/2002 (concatenação do vertido nos pontos 2-B. e 2-C e tendo em conta que outras diligências detectadas nos autos terão ocorrido apenas posteriormente – cfr. pontos 2-D e 2-E, a título de exemplo), quando ainda vigorava o n.º 5 do artigo 45.º da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, pelo que a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que revogou o referido normativo, entrou em vigor quando estava ainda a decorrer o referido prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspecção, que, assim, ainda não se tinha esgotado.
O segundo pomo da discórdia com a Recorrente reside no entendimento de que não se aplica o revogado n.º 5 do artigo 45.º da LGT ao prazo de caducidade de uma liquidação originada em inspecção tributária cujo prazo limite de seis meses se encontrava ainda a decorrer à entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, porque, como assim, tal prazo de caducidade ainda não tinha tomado o seu início.
Com efeito, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT deixou de vigorar quando ainda nem se tinha iniciado a contagem do prazo de caducidade nele previsto, cujo termo inicial é colocado a jusante do “termo do prazo fixado” para a conclusão do procedimento de inspecção tributária, indicando, inequivocamente, a expressão ali utilizada «após o termo do prazo fixado para a conclusão…» (sublinhado nosso) que se pretendeu balizar o termo inicial do prazo de caducidade respectivo pela data da conclusão da acção inspectiva, e não num momento anterior – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 08/10/2020, proferido no âmbito do processo n.º 00449/04.0BEPRT.
Ora, assim sendo, não logra aplicação à situação sub judice o n.º 5 aditado ao artigo 45.º da LGT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, entretanto revogado, pois que tal significaria estar a aplicar a um prazo de caducidade que ainda nem tomou o seu termo inicial uma norma já inexistente no ordenamento jurídico.
Do que se vem de expor resulta que, no caso dos autos, por força da eliminação na ordem jurídica, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2003, do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que estabeleceu um prazo especial de caducidade do direito à liquidação, cuja contagem, no caso, não se iniciara ainda à data da referida eliminação, não é de considerar o prazo previsto neste último normativo, mas sim o prazo de caducidade geral – cfr. artigo 45.º, n.º 1 da LGT.
Efectivamente, ao contrário do alegado na conclusão 65.ª, não é o momento do início da inspecção que determina a aplicabilidade do disposto no artigo 45.º, n.º 5 da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, mas, antes, que o prazo máximo da inspecção tem que ser excedido na vigência dessa Lei, o que não ocorre in casu – cfr. o artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil.
Não sendo aplicável ao caso, em razão do tempo, o regime do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e revogado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, fixado em 4 anos pelo n.º 1 do mesmo artigo da LGT, não é encurtado por o contribuinte ser objecto de uma acção de fiscalização externa.
Nesta conformidade, improcedem também estas conclusões do recurso.

Aqui chegados, urge conceder parcial provimento ao recurso, declarando parcialmente nula a sentença recorrida, por se verificar a omissão de pronúncia indicada supra, e julgar, ainda assim, a impugnação judicial totalmente improcedente.

O valor em que a parte decaiu e será condenada nas respectivas custas é de 8/9 de €580.819,55, valor esse que se apresenta ligeiramente superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 3 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado.
Assim, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, apesar de toda a extensão das questões colocadas não ser de complexidade inferior à comum, e mesmo que a conduta processual das partes se tenha limitado ao que lhes é exigível e legalmente devido; alcançamos razões válidas e ponderosas para reduzir em 1/3 o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido a final.
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar 1/3 do pagamento do remanescente da taxa de justiça devido a final, segundo o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Conclusões/Sumário

I - Se a Administração Tributária recolher indícios fundados de que os documentos de suporte, apesar de formalmente correctos, não reflectem uma verdadeira transacção, cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.

II – Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.

III - Se o contribuinte não demonstrar factos que abalem os fundados factos-índice apontados pela Administração Tributária, considera-se que esta satisfez o ónus probatório a seu cargo.

IV - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

V - A redacção do artigo 60.º, n.º 1, alínea d) da LGT foi alterada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que passou a determinar o seguinte: A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (…) d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção.

VI - Esta nova redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT tem natureza interpretativa, de acordo com o n.º 2 do artigo 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, o que significa que a lei interpretativa se integra na lei interpretada – cfr. artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil.

VII - O n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, dispunha sobre o efeito da ultrapassagem do prazo para conclusão da inspecção, cominando-a com a caducidade do direito à liquidação.

VIII - Uma vez que o artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, eliminou esse número 5, de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, só seria aplicável se aquele prazo fosse excedido durante a sua vigência: o facto, cujos efeitos a lei estabelece, é o excesso do prazo, e esses efeitos são os ditados pela lei vigente aquando da eclosão do facto, ou seja, quando o prazo é ultrapassado.

IX - Não sendo aplicável ao caso, em razão do tempo, o regime do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), aditado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e revogado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o prazo geral de caducidade do direito à liquidação, fixado em 4 anos pelo n.º 1 do mesmo artigo da LGT, não é encurtado por o contribuinte ser objecto de uma acção de fiscalização externa.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, declarando parcialmente nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, e julgar, ainda assim, a impugnação judicial totalmente improcedente.

Nesta instância, as custas são por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 8/9 a cargo da Recorrente e em 1/9 a cargo da Fazenda Pública, mas, quanto à Recorrida, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou; devendo, ainda, a conta de custas a elaborar a final desconsiderar 1/3 do pagamento do remanescente da taxa de justiça devido.
Na primeira instância, as custas ficam totalmente a cargo da impugnante, por vencida.

Porto, 30 de Junho de 2022

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares