Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01074/05.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IRS; PRESCRIÇÃO; IMPUGNAÇÃO;
Sumário:I – A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.

II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.

III - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – C. e M. (Recorrentes), melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual se julgou improcedente a impugnação por aqueles deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 1995 e contra a decisão proferida na reclamação graciosa contra aquele deduzida.

No presente recurso, os Recorrentes formulam as seguintes conclusões:

1) É princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno, previsto no artigo 40º do Código de Processo Tributário, ao tempo aplicável (actual artigo 13º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), nos termos do qual o juiz devia e deve realizar ou ordenar todas as diligências úteis à descoberta da verdade.
2) Pelo que, no caso em análise era fundamental apurar se a liquidação de MS, com referência ao ano de 1995, no valor de 39.504,18 €, estaria ou não prescrita, uma vez que já se passaram mais de 20 anos desde o inicio do prazo de prescrição a partir de 1 de Janeiro de 1996 (artigo 309º do Código Civil).
3) Apesar da prescrição da obrigação tributária não constituir fundamento da Impugnação Judicial, porque não respeita à legalidade do acto de liquidação, mas antes à sua eficácia, deve conhecer-se dela, mesmo oficiosamente, enquanto pressuposto da decisão sobre a utilidade do prosseguimento da lide, e em qualquer grau de jurisdição, nos termos da alínea e) do artigo 287º do C.P.C. (atual 277º do C.P.C.) (Nesse sentido, Acórdão do S.T.A., de 11 de Outubro de 2006 – Recurso 713/05 -30).
4) Sendo o regime aplicável o do artigo 34º, nº 3 do Código de Processo Tributário, a prescrição das obrigações tributárias interrompe-se com a Reclamação, o Recurso Hierárquico, a Impugnação e a instauração da execução.
5) Mas o efeito interruptivo derivado da instauração cessa se o processo estiver parado durante mais de um ano por facto não imputável aos contribuintes, somando-se, nesse caso, o tempo decorrido até à data da instauração ao tempo que sucedeu ao termo do prazo de mais um ano.
6) Assim, somando o período de tempo desde o início do prazo de prescrição em 01-01-1996 até à data da interrupção com a instauração da Reclamação Graciosa em 27-06-2000, com a data do reinício da contagem do prazo em 27-06-2001, a prescrição da obrigação tributária de 10 anos, já ocorreu.
7) Pelo que, completada a prescrição tem o beneficiário dela a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação tributária, ou de opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, nos termos do artigo 304º, nº 1, do Código Civil.
8) A Sentença recorrida foi proferida contra normas expressas, designadamente, as estatuídas nos artigos 34º, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Tributário, ao tempo aplicável e artigo 40º (actual artigo 13º do CPPT e artigo 99º da L.G.T.) e ainda os artigos 304º, nº 1 e 309º do Código Civil, 266º, nº 2 da CRP.
9) A Administração Tributária errou ao emitir a liquidação adicional nº 5333415746, ano de 1995, no valor de 39.504,18 euros, em 23-11-1999, sem que préviamente fossem os impugnantes notificados nos termos do artigo 77º, Nº 6, da Lei Geral Tributária.
10) É que, como se verifica nos autos, a Administração Tributária só em 23-12-1999 procedeu à fixação e alteração dos rendimentos declarados, bem como à sua notificação aos impugnantes através do oficio nº 112090, conforme documentos já juntos e em anexo à Petição Inicial de Impugnação, ou seja, só notificou os contribuintes já depois de emitir a liquidação adicional de IRS.
11) Sendo certo que, a notificação para ter eficácia deveria ter sido notificada aos impugnantes antes de ser emitida a liquidação adicional de IRS, ano de 1995, liquidação nº 5333415746, emitida em 23-11-1999.
12) Ou seja, a Autoridade Tributária não cumpriu a lei, pois primeiro emite a liquidação adicional em 23-11-1999 e só depois, “do facto consumado” é que notifica os impugnantes de que procede à fixação e alteração dos rendimentos declarados.
13) Pelo que, a falta de notificação do procedimento inspectivo antes da emissão da liquidação de IRS, com referência ao ano de 1995, e que alterou os rendimentos declarados pelos contribuintes, aqui recorrentes, constitui notoriamente vício de forma, conducente à anulação da liquidação de IRS impugnada.
14) Além disso, o acto de fixação e alteração dos rendimentos teria de estar necessariamente fundamentado nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 77º da Lei Geral Tributária, com a indicação dos factos e das normas jurídicas que o justificam e conter as operações do apuramento da matéria tributável e do tributo, o que é patente que não se verificou no caso sub judice.
15) Ora, como já se referiu, ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não faça nas formas prescritas na lei.
16) Assim, é ilegal, por preterição de formalidades legais essenciais, todo o procedimento tributário.
17) Sendo ilegal, e não tendo os aqui impugnantes sido notificados com o formalismo previsto na lei quanto ao acto de fixação e alteração dos rendimentos declarados, antes da emissão da liquidação, é, por consequência, totalmente ilegal a liquidação adicional objecto da presente impugnação.
18) Foram violados os artigos 21º, 34º, 64º, nº 1 e 2 e 259º do C.P.T., artigo 60º, 77º e 80º da Lei Geral Tributária.
Terminam os Recorrente pedindo que seja julgado o presente recurso procedente proceder, declarando-se a obrigação tributária em causa prescrita, com todas as consequências legais, julgando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

A Recorrida, apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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Por acórdão desta secção datado de 07.07.2016, foi anulada a sentença inicialmente proferida pelo TAF de Viseu nos presentes autos, tendo sido determinado que as partes, em primeira instância, fossem notificadas para apresentar alegações ao abrigo do disposto no art.º 120.º do CPPT.
Cumprindo-se o determinado no acórdão supra referido, veio a ser prolatada a sentença ora recorrida, datada de 24.03.2017.
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O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 202 a 204 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1 – Em 24 de Abril de 1997 foi efetuada uma inspeção externa ao impugnante com vista à análise de um pedido de reembolso de IVA do período de 9/12T, cfr. fls. 4 a 6 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
2 – No seguimento da inspeção referida em 1), foram efetuadas correções em sede de IRS do ano de 1995 cujos fundamentos se encontram exarados no relatório constante do PA de fls. 8 a 14 e que aqui se dão por reproduzidas mas cujos extratos a seguir se transcrevem: “(...) No sentido de avaliar a situação de crédito que levou ao pedido de reembolso e que aparentemente foi gerada por um aumento significativo de existências, procedemos à análise de todos os documentos de compras, vendas e despesas, tendo chegado à conclusão, no tocante às existências, que a quase totalidade aparece facturada nos primeiros meses do ano seguinte, deixando a certeza de que elas eram reais. No tocante às compras e despesas, nada encontrámos que nos merecesse reparos, o mesmo não se passando relativamente às vendas, onde encontrámos a seguinte situação: (...) Constatámos que para titular as vendas para o mercado externo, as facturas foram emitidas em moeda estrangeira e por isso, quando do seu registo na escrita, haveria que previamente apurar os valores em escudos. Tal não foi feito, tendo sido registados francos franceses e pesetas como de escudos se tratasse e tendo o facto gerado uma situação de declaração de vendas por valores inferiores ao real, num total de 19.878,916$00, (...) Assim, vamos proceder à correcção do volume de vendas e do resultado para efeitos fiscais, tendo em conta exclusivamente esse facto. (...)”.
3 – Com data de 17.03.1999 foi remetida ao impugnante notificação para o exercício do direito de audição relativamente à alteração do rendimento líquido para efeitos de IRS do ano de 1995, cfr. fls. 4 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
4 – O aviso de receção a que se refere a notificação referida em 10, foi assinado em 19.03.1999, cfr. fls. 26 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
5 – O impugnante exerceu o seu direito de audição em 26.03.1999 nos termos constantes de fls. 27 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
6 – Em 23.12.1999 foi remetida ao impugnante notificação da decisão de fixação/alteração do conjunto dos rendimentos líquidos para efeitos de IRS, cfr, fls. 30 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
7 – Com data de 23.11.1999 foi emitida a nota de liquidação do IRS no valor de € 39.504,18, com termo de prazo para pagamento em 19.01.2000, cfr. fls. 5 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
8 – Os impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS do ano de 1995, cfr. fls.3 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
9 – Em 10 de março de 2005 foi proferido projeto de despacho de indeferimento, cfr. fls. 50 a 54 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
10 – O impugnante foi notificado do projeto de decisão e para querendo exercer o direito de audição, cfr. fls. 55 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
11 – O impugnante exerceu o direito de audição nos termos constantes de fls. 58 a 64 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
12 – Em 15.06.2005 foi proferida decisão final de indeferimento sobre o pedido identificado em 8), cfr. fls. 71 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
13 – A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças de Águeda em 15.07.2005, cfr. fls. 3 destes autos.
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.»
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Relativamente aos factos não provados, considerou-se que:
«Inexistem, com interesse para a presente decisão.»
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Ao abrigo do disposto no art.º 662.º CPC e tratando-se de prova documental conhecida das partes e não informada, adita-se oficiosamente à matéria de facto que:

8A – A reclamação referida no número «8» foi apresentada pelos Impugnantes (Recorrentes) nos serviços da AT em 29.06.2000 (cf. doc. a fls. 3 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
14 – Em informação dos serviços da AT consta que a liquidação de IRS supra referida deu origem ao processo de execução fiscal n.º 00192000001009699 (cf. informação junta aos autos a fls. 66 – paginação do processo em suporte físico).
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, na existência de erro de julgamento quanto ao decidido pela sentença recorrida na questão da prescrição e quanto à invalidade do ato recorrido e do procedimento que o sustenta.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, na qual se julgou improcedente a impugnação intentada pelos ora Recorrentes contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa intentada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1999.

A liquidação supra referida resultou de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT e da qual resultou a aplicação de correções técnicas por referência aos valores de rendimentos do primeiro Recorrente, em divergência com os que este havia inicialmente declarado no modelo 3 de IRS.

Cumpre, assim, apreciar e decidir o presente recurso.

IV.1 – Do invocado erro de julgamento.

Nas conclusões 1) a 8) do presente recurso, os Recorrentes vieram invocar que a sentença apelada enfermava de erro de julgamento, ofendendo o princípio do inquisitório e que ter-se-ia operado a prescrição da dívida referente ao imposto aqui em questão.

Ora, em primeiro lugar, convém referir que o princípio do inquisitório sede jurisdicional, relatou-se no Acórdão deste Tribunal, datado de 12.03.2015 e proferido no processo n.º 199/09.0BEAVR, que: “[…] De acordo com o disposto no artigo 13º, nº 1 do CPPT "Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja licito conhecer".
Por seu turno, também o artigo 99º, nº 1 da LGT determina que "O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer".
Está, pois, consagrado nestas normas o princípio do inquisitório ou da investigação, um dos princípios estruturantes do processo tributário e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material.".
Este princípio não desonera, todavia, as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponha ou que entenda mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos […]”.

No entanto, no presente recurso, os ora Apelantes não concretizam que diligência ou diligências ficaram por realizar e cuja iniciativa caberia ao Tribunal. Tão pouco consegue esta instância percecionar qualquer omissão neste sentido e potencialmente imputável ao Tribunal a quo. Por outro lado, da alegação dos ora Recorrentes, o que transparece antes é que a sua discordância se dirige unicamente quanto ao que foi considerado na sentença recorrida no que tange à decisão por esta proferida quanto à questão da prescrição e não quanto a qualquer eventual violação do aludido princípio.

Posto isto, na realidade e atendendo à motivação e às conclusões do presente recurso, o que está aqui verdadeiramente em causa não é a violação do referido princípio, mas antes, como se disse o julgamento efetuado em primeira instância quanto à questão da prescrição, sendo que os ora Recorrentes e salvo o devido respeito, misturam indevidamente as duas questões (ou seja, a do julgado em matéria de prescrição e a da imputada violação do princípio do inquisitório).

A propósito da questão do conhecimento da prescrição em sede de impugnação judicial e com os fundamentos a que aderimos, relatou-se no acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no proc. n.º 01/99.0BUPRT (in www.dgsi.pt) que: “[…] 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016, proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60.): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).[…]”.

Acresce que, também de forma uniforme e reiterada tem o colendo STA vindo a entender que o conhecimento da prescrição em sede impugnatória, em qualquer instância, só é devida enquanto pressuposto de conhecimento oficioso que é o da (in)utilidade da lide, quando dos autos resultem elementos factuais que permitam ao Tribunal tomar posição quanto à questão da prescrição, sem a necessidade de realização de mais iniciativas processuais (cf. entre outros, os acórdãos de 20.04.2020, proferido no processo n.º 0571/06.8BEPRT-0662/18 e de 04.07.2018, proferido no processo/recurso n.º 01433/17).

Porém, na sentença recorrida, considerou-se, sem mais, que a prescrição não era matéria que pudesse servir de fundamento ao processo de impugnação, sendo que este meio processual não seria o adequado para dela conhecer. No entanto, a alegação apresentada pelos ora Recorrentes ainda em sede impugnatória não foi no sentido de que se declarasse a prescrição com o consequente provimento da impugnação, mas sim que fosse incidentalmente declarada a inutilidade da lide, por prescrição da dívida subjacente à liquidação da dívida aqui em causa. Ora, como vimos, tal conhecimento incidental é possível, pelo que não tendo sido a questão suscitada nos termos em que o foi em sede impugnatória, não poderia a sentença considerar como fundamento da presente impugnação a questão da prescrição, uma vez que esta havia apenas sido levantada a título incidental. Por isso, distanciamo-nos do julgamento na sentença recorrida no que tange à referida questão. Porém, problemática distinta é a de saber se este Tribunal está munido com os elementos necessários para conhecer da sobredita questão incidental.

Ora, da prova aditada aos presentes autos consta que existe um processo de execução fiscal que foi movido para a cobrança do crédito emergente da liquidação de IRS a que aqui se faz alusão (cf. informação junta aos autos e da qual as partes foram notificadas e que se encontra na matéria de facto aditada nesta instância sob o n.º 14). Todavia, não se sabe quando se deu a citação dos ora Recorrentes para a referida execução, sendo que esta teria potenciais efeitos interruptivos (cf., entre outros, o n.º 1 do art.º 49.º da LGT). Igualmente não há notícia nos autos de outros atos processuais eventualmente promovidos no processo de execução fiscal que pudessem ser ou suspensivos ou interruptivos quanto ao decurso do prazo prescricional.

Assim sendo, não dispondo esta instância dos elementos necessários para aferir da invocada prescrição da dívida decorrente da liquidação aqui referida e suscitada nas supra citadas conclusões do presente recurso e não estando esta instância obrigada à realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual, decide-se dela não conhecer, sem prejuízo da questão referida poder vir a ser eventualmente suscitada noutros figurinos processuais.

Por isso, improcede o recurso nesta parte.

IV.2 – Das demais questões suscitadas no presente recurso.

Nas restantes conclusões do presente recurso, os ora Recorrentes vieram a sustentar que no procedimento que conduziu ao ato de liquidação de IRS aqui em causa, padece de um vício de forma que enunciam. Também invocam aqueles que a mencionada liquidação enferma de falta de fundamentação (cf. conclusões n.ºs 9 a 18 do presente recurso, assim como a respetiva motivação).

Contudo, neste conspecto, os ora Recorrentes não atribuem qualquer erro ou vício à sentença apelada no que tange ao eventual conhecimento e decisão incidente sobre tais vícios, o que se traduz numa definição errónea do objeto do recurso.

Com efeito, como é sabido, os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são o meio processual para se impugnarem atos de tributários, pelo que as questões supra referidas caem fora do âmbito recursivo. Com efeito, como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si e por si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso). Ora, na presente situação tais vícios aqui invocados em sede recursiva, não constituem matéria passível de ser oficiosamente conhecida, nem aqui se trata de conhecer em substituição do decidido em primeira instância, nos moldes em que esta última é legalmente possível.

Por isso, terá que improceder também o apontado recurso, no que tange às referidas questões recursivas, por se situarem fora do objeto do mesmo.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I – A impugnação judicial não tem como objeto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, razão pela qual em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, sendo esta questão do conhecimento oficioso.

II – Não se dispondo dos elementos necessários para aferir da prescrição da dívida decorrente da liquidação em causa e não existindo a obrigação da realização de quaisquer diligências processuais para aferir de tal questão na presente forma processual de impugnação, o Tribunal pode dela legitimamente não conhecer.

III - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso).
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida com os presentes fundamentos.
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Custas pela Recorrente (por totalmente vencida).
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Porto, 23 de junho de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles