Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01448/13.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO DE DEDUZIR OPOSIÇÃO.
CITAÇÃO.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:I) No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
II) Ora, a questão que o ora Recorrente coloca pode contender ou não com as formalidades utilizadas na realização da citação, centrando depois o núcleo essencial da sua alegação no facto de ter tido conhecimento do acto de citação e seu conteúdo, pelo que, tratando-se, como se trata, de uma situação de citação pessoal, nada impedia o ora Recorrente de discutir a matéria em apreço, procedendo à alegação e prova de que, não obstante os elementos que o PEF comporta, não chegou a ter conhecimento do acto de citação e seu conteúdo.
III) Assim sendo, é ponto assente que o ora Recorrente pretende discutir a existência da citação na sequência do despacho que determinou a reversão contra ele do processo de execução fiscal identificado nos autos, dando corpo à sua afirmação inicial de que tomou conhecimento no dia 13-06-2012 da notificação efectuada pelo SF à sua entidade patronal para proceder à penhora de 1/3 do seu salário, juntando prova documental e testemunhal, afirmando depois na resposta à contestação, expressamente, só ter tomado conhecimento da execução em 13.06.2013, ou seja, na situação dos autos, e em função do que fica exposto, não se vê como negar razão ao recorrente no que concerne à alegada violação dos princípios invocados, na medida em que a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
V…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 13-12-2013, que julgou procedente a invocada excepção de caducidade na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 0418200501061801 e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Guimarães - 1, originariamente contra a sociedade “C… - Sociedade Unipessoal, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IVA, IRC e IRS, dos anos de 2002 a 2006, no valor global de € 41.979,61.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 132-140), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A)
A Sentença de que se recorre é nula pois viola a Lei e a Constituição da República Portuguesa.
B)
Configura um grave erro jurídico pois julgou oficiosamente procedente a excepção da caducidade do direito de deduzir oposição, sem qualquer suporte factual e sem fundamento legal.
C)
Não atendeu aos factos alegados pelo Recorrente com o fundamento de que o Oponente não alegou, na sua petição de oposição, que foi naquele dia 13 de Junho de 2013 que teve conhecimento de que contra si corria a execução fiscal, com vista a fundamentar a tempestividade da oposição.
D)
Este entendimento viola o princípio “pro Actione”, o qual, enquanto corolário do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, visa a interpretação das normas processuais de forma a permitir uma apreciação de mérito da causa, quando tal não seria possível devido à visão formalista do processo administrativo.
E)
Para além de ser falsa a afirmação constante na Sentença de que o Oponente não alegou falta ou nulidade de citação, quando tais factos foram alegados em resposta à excepção da caducidade levantada pela Fazenda Pública.
F)
O Código de Processo Civil, plenamente aplicável em processo judicial tributário, estabelece uma presunção iuris tantum de que a citação postal efectuada ao abrigo do artº 230º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, salvo demonstração em contrário.
G)
Ao Oponente não foi permitido infirmar, ilidir tal presunção, em manifesta violação deste normativo e do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, onde se plasma um dos princípios basilares de todo o ordenamento jurídico – o Princípio do Contraditório.
H)
O princípio do contraditório, que, repete-se, é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões - surpresa.
I)
O princípio do contraditório tem, ainda, consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. “No que respeita especificamente à produção de provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2009 in www.dgsi.pt.
J)
Por violação, entre outros preceitos, do disposto no artº 7º, 203 º do CPPT, artº 3º e 230º do CPC e 32º da Lei Fundamental - CRP, deve a Sentença, ora recorrida, ser anulada.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, devem Vªs Exªs decidir pela nulidade da Sentença recorrida, ordenando que o processo seja remetido para o Tribunal “a quo” afim de ser ordenada a produção de prova para que o Recorrente possa demonstrar que houve falta de citação, que a oposição do Recorrente é tempestiva e o direito do oponente não se encontra caduco, seguindo-se os ulteriores termos, e assim.
FARÃO VªS EXªS A DEVIDA JUSTIÇA.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 262 a 265 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas prendem-se com a nulidade da sentença por falta de fundamentação e a matéria da caducidade do direito de deduzir oposição.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Pelo Serviço de Finanças de Guimarães – 1, foi instaurado o processo executivo n.º 0418200501061801 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Guimarães - 1, contra “C…– Sociedade Unipessoal, Lda.”, nipc. 5…, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, IRC e IRS, dos anos de 2002 a 2006, no valor global de € 41.979,61 – cfr. processo de execução fiscal (pef.) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
B) A 16.03.2010, foi certificada a inexistência de bens penhoráveis em nome da executada – cfr. fls. 27 do pef.;
C) A 28.06.2010, foi proferido despacho com vista à audição prévia de V…, ora oponente, na qualidade de responsável subsidiário - cfr. fls. 41 a 44 do pef.;
D) Por carta registada datada de 29.06.2010, foi o oponente citado para o exercício do direito de audição – cfr. fls. 46 e 47 do pef.;
E) A 9.06.2010, foi proferido despacho de reversão da execução contra o ora oponente - cfr. fls. 48 a 51 do pef.;
F) A 15.09.2010, foi o oponente citado para a execução, por carta registada com aviso de receção, para a morada constante nos autos - cfr. fls. 52 a 55 do pef., 2 e 9 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
G) O aviso de receção foi assinado por pessoa diversa do citando - cfr. fls. 55 do pef., cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
H) O órgão de execução fiscal, através do ofício 7194 de 16.09.2010, procedeu à notificação nos termos do disposto no art.º 241.º do Código de Processo Civil - cfr. fls. 56 e 57 do pef., aqui reproduzidas;
I) A 7.06.2013, foi feito o pedido de penhora do vencimento do oponente – cfr. fls. 64 a 67 do pef.;
J) Por ofício datado de 12.07.2013, foi o oponente notificado da penhora – cfr. fls. 69 do pef.;
K) A 5.07.2013, deu entrada a Petição Inicial de Oposição - cfr. fls. 2 dos autos;
*
Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados, com relevância para o conhecimento da exceção deduzida.
*
Motivação:
O tribunal formou a sua convicção, com base na análise crítica dos documentos referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados e que se mostram idóneos para a demonstração da factualidade dada como provada, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, o Recorrente aponta que a Sentença de que se recorre é nula pois viola a Lei e a Constituição da República Portuguesa e configura um grave erro jurídico pois julgou oficiosamente procedente a excepção da caducidade do direito de deduzir oposição, sem qualquer suporte factual e sem fundamento legal.
No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, pois que na decisão recorrida foi elencada a realidade de facto que esteve na base da mesma, a qual foi enquadrada em termos que permitiram ao ora Recorrente apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidencia, sendo ainda de notar que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.

O Recorrente refere depois que a decisão não atendeu aos factos alegados pelo Recorrente com o fundamento de que o Oponente não alegou, na sua petição de oposição, que foi naquele dia 13 de Junho de 2013 que teve conhecimento de que contra si corria a execução fiscal, com vista a fundamentar a tempestividade da oposição, sendo que este entendimento viola o princípio “pro Actione”, o qual, enquanto corolário do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, visa a interpretação das normas processuais de forma a permitir uma apreciação de mérito da causa, quando tal não seria possível devido à visão formalista do processo administrativo, para além de ser falsa a afirmação constante na Sentença de que o Oponente não alegou falta ou nulidade de citação, quando tais factos foram alegados em resposta à excepção da caducidade levantada pela Fazenda Pública.
Depois, o Código de Processo Civil, plenamente aplicável em processo judicial tributário, estabelece uma presunção iuris tantum de que a citação postal efectuada ao abrigo do artº 230º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, salvo demonstração em contrário e ao Oponente não foi permitido infirmar, ilidir tal presunção, em manifesta violação deste normativo e do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, onde se plasma um dos princípios basilares de todo o ordenamento jurídico - o Princípio do Contraditório que, repete-se, é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegurando não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões - surpresa, sendo que o princípio do contraditório tem, ainda, consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. “No que respeita especificamente à produção de provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2009 in www.dgsi.pt.

E tem de reconhecer-se que assiste razão ao Recorrente neste domínio.
Com efeito, se é certo que na petição inicial de oposição, em que indicou testemunhas a inquirir, o recorrente invocou fundamentos para a procedência da oposição, sem fazer qualquer alusão à falta/nulidade da citação do despacho de reversão, não é menos certo que, perante a contestação apresentada pela Fazenda Pública, na resposta à matéria de excepção (arts. 4º a 8º, 10º e 11º), o ora Recorrente afirma expressamente só ter tomado conhecimento da execução em 13.06.2013 - facto totalmente contrário ao invocado pela FP na sua contestação, que mereceu acolhimento na sentença - e que “não tomou conhecimento da existência de qualquer carta para citação, designadamente não recebeu a carta junta a fls. 56 dos autos de execução fiscal, facto que não lhe pode ser por qualquer forma imputável, como se procurará demonstrar.”.
Assim, face à posição assumida no processo pelo oponente, resulta manifesto que, antes de decidir pela procedência da invocada excepção, o Tribunal recorrido, em respeito pelos princípios pro actione e do contraditório, invocados pelo recorrente e posto que a questão da data da citação do despacho de reversão era controvertida, deveria ter procedido à instrução do processo, com a inquirição das indicadas testemunhas, posto que, embora fosse de presumir pela citação do despacho de reversão em 15.09.2010 nos termos dos arts. 233º nºs 1 e 2, alínea b) e 4, 236º, nº 2 e 241º do CPC então vigente, sempre o oponente poderia ilidir tal presunção iuris tantum nos termos previstos no nº 4 do art. 233º daquele diploma, visto a citação pessoal (através de carta registada com aviso de recepção) ter sido recebida e assinada por terceiro, conforme resulta do probatório e inexistir prova da recepção pelo oponente da carta enviada pela AT nos termos do art. 241º do CPC.
Efectivamente, a citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender.
Assim, a citação é um acto processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório.
Segundo o Prof. Alberto dos Reis, in “Cód. Proc. Civil, anotado, vol.I, pág. 312, o acto de citação pode ficar inquinado por duas espécies de vícios distintos e de consequências bem diversas: - falta de citação e nulidade da citação.
Dá-se a falta de citação quando o acto se omitiu (inexistência pura) ou, ainda que efectuado, ter sido feito, com atropelo à lei tão grave e erro tão grosseiro, que lhe deva ser equiparado. Aqui se abrangem os casos em que, apesar de formal e processualmente existir citação, se há-de entender que esta não se mostra efectuada.
Dá-se a nulidade da citação quando o acto se praticou, mas não se observaram, na sua realização, as formalidades prescritas na lei.

Neste domínio, importa começar por ter presente o disposto no art. 165º nº 1 do CPPT, de acordo com o qual “são nulidades insanáveis em processo de execução fiscal: a) A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado; b) A falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.

No entanto, a mencionada falta de citação não ocorre apenas nos casos em que ela é omitida, pois que no art. 195º do C. Proc. Civil (actual art. 188º), indicam-se várias outras situações em que se considera ocorrer falta de citação e esta norma será aplicável subsidiariamente ao processo de execução fiscal, na medida em que o que nela se dispõe não for prejudicado por normas do C.P.P.T., uma vez que não se indicam neste Código as situações em que deve entender-se ocorrer tal falta (cfr.artº.2, al. e), do C.P.P.T.).
Nos termos do referido art.195º do C. Proc. Civil, haverá falta de citação:
a) Quando o acto tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
Com referência a este último, temos que o art. 190º nº 6 do CPPT aponta também que “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável”.
Neste domínio, tal como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, na anotação 5 ao art. 190º no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. III, págs. 365-367 “… Esta disposição do CPPT supõe que tenha sido praticado um acto de citação, com observância dos requisitos previstos na lei, sendo à administração tributária, naturalmente, que incumbe demonstrar que ele foi praticado.
O ónus de alegação e prova de que não teve conhecimento do acto, que é imposto ao citando no n.º 6 do presente art. 190.°- (n.°- 5 da redacção inicial), incide apenas sobre o não conhecimento do teor do acto e não sobre a sua efectivação ou não.
Têm-se em vista, assim, situações em que o acto foi efectivamente praticado, em conformidade com o preceituado na lei para o tipo de citação e de situação em que ela é efectuada, mas não foi praticado na própria pessoa do citando ou, tendo-o sido, este não tomou conhecimento do acto.
Esta possibilidade de alegar e demonstrar a falta de conhecimento do acto, apenas existe nos casos em que se esteja perante uma citação pessoal, como se prevê expressamente na alínea e) do n.º 1 do art. 195.º 2 do CPC e, apesar de falta de referência expressa no n.º 6 do presente art. 190.º do CPPT, se deduz do regime das citações por via postal, previsto nos arts. 191.º e 193.º do mesmo.
Com efeito, nos casos de citação através de postal, simples ou registado, previstos no art. 191.º, não se estabelece qualquer presunção de recebimento do mesmo, como se infere do preceituado no art. 193.º, que impõe a citação pessoal do executado no momento da penhora e a citação edital, se esta não for possível.
Por isso, nestes últimos casos de citação por via postal, ela não se considera devidamente efectuada sem se proceder à citação pessoal ou edital, pelo que não se considerará que ocorreu a citação, mesmo que o citando não alegue e demonstre que não tomou conhecimento do acto, na sequência do envio postal.
Também não se terão em vista as situações de citação edital, pois nestas considera-se a citação efectuada independentemente do seu conhecimento real pelo destinatário, desde que tenha sido efectuada nas situações previstas na lei.
Assim, as situações que se enquadram na previsão deste n.º 6 são aquelas em que a citação foi feita por via postal, através de carta registada com aviso de recepção, e ela se considera devidamente efectuada, apesar de não se demonstrar a entrega da carta ao destinatário.
Esta situação está prevista no art. 238.º do CPC, em que se estabelece uma presunção de que as cartas registadas com aviso de recepção se presumem oportunamente entregues ao destinatário mesmo quando o aviso de recepção foi assinado por terceiro, admitindo-se a prova de que não foi feita a entrega.
Outros casos serão aqueles em que a lei admite que a citação pessoal seja feita em pessoa diversa do citando, em que se estabelece idêntica presunção de que este teve conhecimento da citação em tempo oportuno (arts. 233.º, n.º 4, e 240.º, n.º 2, do CPC).
Uma outra situação é da citação das pessoas colectivas na pessoa de qualquer empregado, prevista no n.º 2 do art. 41.º do CPPT.
Trata-se casos de citação pessoal … que podem ocorrer no processo de execução fiscal, por via da remissão efectuada pelo nº 1 do art. 192º do CPPT.

Esta alegação e prova são feitas por requerimento no processo, arguindo a nulidade respectiva [art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT]
A constitucionalidade do nº 6 deste art. 190º é questionável, ao fazer recair sobre o destinatário da citação o ónus da prova do não conhecimento do acto por motivo que não lhe for imputável. Parece que os princípios da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente de proibição da indefesa, não permitem que, na dúvida sobre se o executado teve ou não a possibilidade de se defender num processo em que são afectados os seus direitos, se ficcione que ele teve essa possibilidade. A ser assim, o destinatário da citação terá o ónus de alegar que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável, mas se o tribunal ficar na dúvida sobre se esse motivo corresponde ou não à realidade, deverá valorar essa dúvida em favor do executado, repetindo a citação. …”.
A partir daqui, é ponto assente que a decisão recorrida considerou como assente que a 15.09.2010, foi o oponente citado para a execução, por carta registada com aviso de recepção, para a morada constante nos autos; que o aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa do citando e ainda que o órgão de execução fiscal, através do ofício 7194 de 16.09.2010, procedeu à notificação nos termos do disposto no art.º 241.º do Código de Processo Civil.

Ora, a questão que o ora Recorrente coloca pode contender ou não com as formalidades utilizadas na realização da citação, centrando depois o núcleo essencial da sua alegação no facto de ter tido conhecimento do acto de citação e seu conteúdo.
Assim sendo, tratando-se, como se trata de uma situação de citação pessoal, nada impedia o ora Recorrente de discutir a matéria em apreço, procedendo à alegação e prova de que, não obstante os elementos que o PEF comporta, não chegou a ter conhecimento do acto de citação e seu conteúdo.
Assim sendo, é ponto assente que o ora Recorrente pretende discutir a existência da citação na sequência do despacho que determinou a reversão contra ele do processo de execução fiscal identificado nos autos, dando corpo à sua afirmação inicial de que tomou conhecimento no dia 13-06-2012 da notificação efectuada pelo SF à sua entidade patronal para proceder à penhora de 1/3 do seu salário, juntando prova documental e testemunhal, afirmando depois na resposta à contestação, expressamente, só ter tomado conhecimento da execução em 13.06.2013.
Assim, na situação dos autos, e em função do que fica exposto, não se vê como negar razão ao recorrente no que concerne à alegada violação dos princípios invocados, na medida em que a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.
Aliás, o art. 712.º do C. Proc. Civil (actual art. 662º), ao fixar perspectiva e orientação para o julgamento, por parte do tribunal de recurso, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, prevê, no respectivo nº 4, a hipótese de esta ser anulada sempre que se “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando (se) considere indispensável a ampliação desta”. Trata-se da conferência de uma faculdade processual, coberta pela força das decisões proferidas por tribunais de grau hierárquico superior, tendente a, por princípio, permitir buscar todos os dados factuais disponíveis, com potencial interesse e relevo para um julgamento o mais acertado possível das pretensões formuladas pelas partes numa concreta demanda judicial, que, no âmbito específico da jurisdição tributária, pressupõe particular enfoque e atenção, por virtude do privativo ónus que impende sobre os juízes dos tribunais tributários de realizar ou ordenar todas as diligências consideradas úteis ao apuramento da verdade material - cfr. arts. 13º n.º 1 CPPT e 99º nº 1 LGT. Não se olvide, ainda, que é no estabelecimento da matéria de facto relevante que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.
Ora, tendo presente que o Tribunal recorrido não ouviu as testemunhas arroladas pela ora Recorrente, resulta claro que esta conduta coloca em crise os citados princípios, situação que inquina a decisão recorrida, pois que, sem a audição da prova testemunhal arrolada, não poderá haver uma pronúncia cabal sobre a realidade em apreço, o que implica também que a sentença recorrida não pode manter-se, na medida em que o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, mostra-se inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão da questão apontada nos autos.
E no âmbito dos poderes consignados nos art. 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da oposição. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPC (actual art. 662º).
Ora, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao tribunal “ad quem” reapreciar o invocado erro nos pressupostos de facto em relação à matéria apontada, tem de concluir-se, como se disse, que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida (artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) e da remessa dos autos ao tribunal “a quo” com vista à cabal averiguação da realidade alegada pelo oponente no domínio em apreço, indispensável à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade.

4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão da prescrição, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..
Porto, 14 de Julho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves