Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00426/13.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/15/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO - SIADAP; CADUCIDADE;
Sumário:
1 – Um processo avaliativo, nomeadamente no âmbito do SIADAP não se satisfaz com uma mera referenciação conclusiva e definitiva dos parâmetros atribuídos, sem que se possa percecionar a razão pela qual foi atribuída uma classificação e não qualquer outra, o que determina a verificação de vício de falta de fundamentação gerador de anulabilidade do procedimento.
2 – Não é admissível que, no caso, o Município tenha justificado a atribuição da pontuação 3 ao parâmetro das competências do trabalhador, em função da circunstância trabalhador na autoavaliação ter incluído “comentários que denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação”, sendo certo que o eventual “ego exagerado” não é suscetível de determinar uma penalização avaliativa, até pela ausência de qualquer parâmetro que o preveja ou pondere. Mesmo quanto ao invocado desconhecimento da legislação, tal necessariamente teria de ser adequada e suficientemente demonstrado, que não pela mera referenciação conclusiva. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de V…
Recorrido 1:SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de V… devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial intentada pelo SINTAP – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Em representação de ACSV), tendente, em síntese, à impugnação do despacho de 3 de junho de 2013 que indeferiu a reclamação apresentada contra a avaliação de desempenho do aqui Representado relativa ao ano de 2011, veio recorrer jurisdicionalmente da decisão proferida em 7 de julho de 2018 no TAF de Mirandela, que julgou parcialmente procedente a Ação, mais tendo determinado a retoma do controvertido procedimento de avaliação do Representado do Autor:
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
. A douta sentença determinou a anulação do despacho da Entidade Demandada de 03.06.2013, que indeferiu a reclamação contra a avaliação de desempenho do Representado do Autor relativa ao ano de 2011, para o que julgou procedente o vício de falta de fundamentação.
. Tendo por referencia o expresso na douta sentença a fls 13 a 15, o recorrente considera que não existiu qualquer contradição entre a fundamentação e o sentido do ato, e que fundamentação efetuada foi a legalmente exigida, suficiente e adequada de forma a que o Autor tenha percebido, como percebeu, o raciocínio empreendido e as motivações perseguidas pelo autor do ato.
. Assim e como resulta dos pontos 2 e 3 dos factos dados como provados e da respetiva ficha de avaliação, no que diz respeito à avaliação dos Resultados Atingidos, o avaliador considerou que o Autor reunia as condições para lhe ser atribuído o nível de “objetivo superado”, com o que lhe atribuiu uma pontuação de 5, nos termos do artº 47º, da Lei nº 66-B/2007, de 28 de dezembro, que estabeleceu o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública, adiante designado por SIADAP.
. Por sua vez, no que diz respeito á avaliação do parâmetro “Competências”, que visa avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício da função (cfr. artºs. 45º, al. b), 48º e 49º do SIADAP), o avaliador teve em conta as seis competências previamente escolhidas, seja, a “Orientação para o serviço público”; “Planeamento e organização”; “Análise da informação e sentido crítico”; “Iniciativa e autonomia”; “Otimização de recursos”; e “Responsabilidade e compromisso com o serviço” – cfr. ficha de avaliação de competências.
5ª. Da avaliação daquelas competências o avaliador atribuiu ao Autor uma “competência demonstrada” em todas aquelas vertentes, com o que o pontuou com 3 valores, nos termos previstos no artº 49º, nº 1, al. b), do SIADAP.
. Nos termos do artº 50º, nº 1, SIADAP, a avaliação final do Autor (decorrente da ponderação dos parâmetros “Resultados” e “Competências”) foi de 4,200 pontos, correspondente a “Desempenho relevante”, a que, nos termos do nº 4, al. a), do mesmo artigo, corresponde uma avaliação final de 4 a 5 e, por isso, considerada de nível superior.
. Por estar em causa um “desempenho relevante” do Autor (e, por isso de nível superior), tal implicou a necessidade de fundamentação obrigatória a que alude o artº 56º, nº 1, al. f), do SIADAP. No cumprimento deste dever de fundamentação o avaliador considerou que “Na generalidade o trabalhador em causa superou os objetivos colocados, assim demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação. No entanto, da análise da autoavaliação, os seus comentários denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação.” – ficha de avaliação / facto provado nºs 2 e 3.
. Fundamentação esta que expressou na única rúbrica a tal destinada na respetiva ficha de avaliação, rúbrica essa que é, exatamente, a destinada a fundamentar a menção de desempenho relevante por via da avaliação final, nos termos do artº 56º, nº 1, al. f), do SIADAP - cfr. ponto 2 e 3 dos factos provados e respetiva ficha de avaliação.
. O avaliador esclareceu posteriormente o sentido daquela mesma fundamentação perante a respetiva Comissão Paritária (cfr. facto provado sob o nº 7), tendo, relativamente à expressão "nível superior", referido que “pretendia referir-se de forma geral, à avaliação no seu todo e não à avaliação do parâmetro "competências", acrescentando que "no todo" (na generalidade) considera o desempenho relevante, tal como decorre da avaliação que atribui ao avaliado” (esclarecimento este que a douta sentença, acertadamente, considerou ser legalmente admissível – cfr. fls. 15).
10ª. Daqui não pode senão concluir-se que o avaliador avaliou as competências do Autor como correspondendo a “competência demonstrada” e a uma valoração de 3 pontos, nos termos do artº 49º, nº 1, al. b), do SIADAP e que, no geral da respetiva avaliação final, considerou que aquele apresentava um “desempenho relevante”, de nível superior, nos termos do artº 50º, nº 4, al. a), do mesmo diploma, sendo este o único sentido que um declaratário normal pode extrair de tal avaliação e fundamentação.
11ª. Sublinha-se que a avaliação final de desempenho relevante conferida pelo avaliador não foi mantida por motivos a si alheios e que decorreram da posição tomada pelo Conselho Coordenador de Avaliação, que determinou a avaliação de desempenho adequado, com os fundamentos constantes dos factos provados sob os nºs 4 e 5.
12ª. O Autor percebeu totalmente o raciocínio empreendido e as motivações perseguidas pelo avaliador, não podendo ignorar que a sua avaliação de “competência demonstrada” decorreu da circunstância de o avaliador considerar que “...da análise da autoavaliação, os seus comentários denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação.” – ficha de avaliação / facto provado nºs 2 e 3.
13ª. Desta forma, considera-se inexistir contradição na fundamentação e que o avaliador cumpriu o dever de fundamentação exigido para a avaliação final de desempenho, o que fez nos termos dos artºs 56º, nº 1, al. f) e 50º, nº 4º, al. a), ambos do SIADAP.
14ª. O recorrente não incorreu em qualquer erro, muito menos grosseiro, notório ou manifesto, cumpriu escrupulosamente o regime legal vigente aplicável e o seu dever de fundamentação legalmente exigível e não violou o disposto nos artºs 124º e 125º do CPA e artº 268º, nº 3, da Constituição da Republica Portuguesa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida com as legais consequências, tudo por assim ser de inteira, costumada e merecida JUSTIÇA.”
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O Recurso veio a ser admitido por despacho de 10 de outubro de 2018.
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O Recorrido/SINTAP veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 14 de novembro de 2018, aí concluindo:
- O Recte. não consegue esclarecer o porquê de ter atribuído ao representado do Recdo. a referida pontuação de 3 no parâmetro competências, depois de ter afirmado que o mesmo tinha demonstrado “com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação”, mesmo depois de esclarecer que queria referir-se “à avaliação no seu todo”, pois que, referindo-se ao “todo”, também quis referir-se á “parte”;
- Se não quisesse o avaliador referir-se às competências do avaliado, então teria dito que a expressão “nível superior” se referia à avaliação, de um modo geral, excetuando as competências… e não o disse;
- O Recte. justifica a atribuição da pontuação 3 atribuída ao parâmetro das competências do representado do Recdo. pelo facto de na autoavaliação, aquele ter tecido “comentários (que) denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação”;
- Seja o que for que o avaliador quisesse significar com “ego exagerado”, não lhe sendo reconhecidas qualificações científicas na área da psicologia, certo e seguro é que em sede de avaliação o avaliado é chamado a emitir uma opinião crítica sobre o seu desempenho, mas não é avaliado por essa mesma opinião;
- E nesse parâmetro também não é avaliado pelos seus conhecimentos sobre a legislação, já que tais conhecimentos são avaliados, isso sim, no cumprimentos dos objetivos, e, nesses, o representado do Recdo. obteve a pontuação máxima;
– Dizer-se que a avaliação final do representado do Recdo. não foi mantida por motivos alheios ao avaliador, insinuando-se, dessa forma, que a atribuição da pontuação 3 no parâmetro competências não terá influenciado a classificação final, é o que a Recte. não logra demonstrar;
– Desconhecendo-se embora quais os fundamentos que determinaram a classificação atribuída pelo Conselho Coordenador de Avaliação, certo e seguro é que a atribuição da merecida pontuação 5 no parâmetro em questão ao representado do Recdo., com elevado grau de probabilidade conduzira a outra ponderação daquele conselho na atribuição da classificação final;
- Decidindo como decidiu, a douta sentença sob censura não merece qualquer reparo, antes pelo contrário.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, assim se fazendo Justiça!”
*
Já neste Tribunal, foi o Ministério Público notificado em 29 de novembro de 2018, nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir se se terão verificado os suscitados erros decorrentes do facto de se ter considerado haver contradição entre a fundamentação e o sentido do ato, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade:
1. À data dos factos, o Representado do Autor exercia funções de Técnico Superior junto da Entidade Demandada (cfr. avaliação de desempenho a fls. 26 do p.a.).
2. No ano de 2011, o Representado do Autor obteve uma proposta de avaliação global de desempenho quantitativa de 4,200, correspondente à menção qualitativa de “Desempenho Relevante”, em que lhe foi atribuída a pontuação de 5 (correspondente a “objetivo superado”), em todos os objetivos do parâmetro “Resultados” e a pontuação de 3 (correspondente a “competência demonstrada”), em todas as competências escolhidas do parâmetro “Competências” (cfr. avaliação de desempenho a fls. 26 e ss do p.a.).
3. Da proposta de avaliação referida em 2 consta, entre outros, o seguinte:
“(…)
4. Fundamentação da menção de Desempenho Relevante
Na generalidade o trabalhador em causa superou os objetivos colocados, assim demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação. No entanto, da análise da autoavaliação, os seus comentários denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação.
(…)”
(cfr. ficha de avaliação de fls. 26 e ss do p.a.).
4. Em 16.02.2012, em reunião do Conselho Coordenador de Avaliação, a proposta referida em 3 não foi validada, tendo sido atribuída ao Autor a menção de “Desempenho Adequado, correspondendo a 3,999” (cfr. fls. avaliação de desempenho, a fls. 28 do p.a.).
5. Da reunião do Conselho Coordenador de Avaliação referida no ponto anterior foi lavrada ata com o seguinte teor parcial:
No grupo de Técnicos Superiores e Pessoal de Informática com grau de licenciatura (Especialistas de Informática) verificou-se a intenção por parte dos avaliadores, de atribuírem as menções, de desempenho relevante, a seguir indicadas:
- CAF 4,867
- TAP 4,867
- CMGAP 4,733
- DMDL 4,600
- GPN 4,567
- EAAA 4,433
- MCV 4,433
- TAGP 4,253
- ACSV 4,200
(…)
Considerando que, o universo dos trabalhadores, que integram este grupo, atinge o número 21, ao qual, após aplicação da percentagem de 25% dá um resultado de 5,250 verificou-se que, neste universo, apenas a seis (6) trabalhadores pode ser atribuída a avaliação de desempenho relevante.
Após análise das fichas de avaliação, foi deliberado, por unanimidade, validar com a menção de “Desempenho Relevante” os primeiros seis trabalhadores ordenados por ordem decrescente, a saber:
- CAF 4,867
- TAP 4,867
- CMGAP 4,733
- DMDL 4,600
- GPN 4,567
- EAAA 4,433
(…)” (cfr. ata a fls. 22 e ss do p.a.).
6. Em 02.04.2012, o Representado do Autor requereu a apreciação, por parte da Comissão Paritária, do seu processo de avaliação de desempenho, requerendo a atribuição de uma pontuação de 5 em relação a todas as competências no parâmetro de avaliação de competências e o reconhecimento de um desempenho de excelente, sustentando, entre outros, o seguinte:
(…)
4º Tenho consciência que a avaliação das competências é muito subjetiva. Daí, esta agir como fusível para limitar a pontuação atribuída ao parâmetro dos objetivos que esse sim, não tem nenhuma subjetividade.
5º No entanto, no § n.º 4 das folhas da avaliação (…), o meu avaliador teve o cuidado de fundamentar a menção de Desempenho Relevante e diz: “…, assim demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação…”.
O sublinhado é meu.
6º Assim, a competência demonstrada “com nível superior” tem no mínimo o mesmo grau de hierarquia quantitativa/qualitativa que “Competência demonstrada a um nível elevado”, seja a (pontuação 5) em matéria de classificação inicial.
(…)
(cfr. requerimento a fls. 16 e ss do p.a.).
7. Em 08.05.2012, foi elaborado um parecer da comissão paritária relativo ao requerimento referido em 6, com o seguinte conteúdo parcial:
“Depois de analisado o assunto exposto pelo trabalhador e consultados os documentos juntos com o seu requerimento, é entendimento dos elementos da comissão nomeados pela Administração que, no que respeita à analise da componente "competências" parâmetro sobre o qual incide o requerimento/reclamação do trabalhador, não se afigura fácil para quem não lida diariamente ou que não tem contacto funcional com o trabalhador, tal como acontece com os membros desta comissão, ter uma opinião fundamentada sobre comportamentos do avaliado que, como é obvio, exigem proximidade entre o avaliado e o seu avaliador, sendo este que, por exatamente estar em contacto habitual com o avaliado, é a pessoa melhor colocada para fazer a apreciação das atitudes e comportamentos do trabalhador.
No que respeita à interpretação que o avaliado atribui na sua exposição à expressão “nível superior” constante da ficha de avaliação no ponto 4 “Fundamentação da menção desempenho relevante” escrita pelo avaliador, e em virtude de o texto apresentado pelo avaliador poder permitir várias interpretações e ainda porque o sentido que o requerente lhe dá, não parece ter o alcance que decorre do contexto da explanação do avaliador, sugeriram que, para se saber com exatidão o verdadeiro sentido deste texto do avaliador, nomeadamente para esclarecer a comissão acerca do que pretenderia dizer com a expressão "nível superior", fosse o mesmo avaliador chamado para esclarecer de forma "autêntica" o sentido e alcance do referido texto.
O membro CR, afirmou que concorda com os membros nomeados pela Administração, uma vez que, como se trata de "comportamentos", "atitudes" "condutas", são estes conceitos de índole pessoal de difícil medição objetiva. Por esta razão, ninguém está melhor posicionado para proceder a uma avaliação do caráter ou de atitudes pessoais e comportamentais de qualquer pessoa, nomeadamente do trabalhador, do que o seu avaliador, embora considere e ressalve que o Avaliador deveria ter utilizado termos mais precisos ao redigir a sua fundamentação da avaliação, pois que, a redação apresentada poderá ter mais do que uma interpretação.
Relatou ainda o membro Cristina Santos, que concorda com o que foi dito pelo membro CR, considerando que, da análise efetuada parece-lhe não existir harmonia entre o que o Avaliador escreveu e o que avaliou, daí propondo que fosse ouvido o próprio Avaliador, de forma a esclarecer todas estas dúvidas.
Havendo consenso, foi chamado o avaliador para esclarecimentos dos termos usados na ficha de avaliação, onde expressamente faz constar a expressão "nível superior", tendo este comparecido e afirmado que pretendia referir-se de forma geral, à avaliação no seu todo e não à avaliação do parâmetro "competências", acrescentando que "no todo" (na generalidade) considera o desempenho relevante, tal como decorre da avaliação que atribui u ao avaliado.
Perante os esclarecimentos prestados a esta Comissão pelo Avaliador do reclamante, a Comissão decidiu por unanimidade, propor o indeferimento da pretensão, mantendo-se a avaliação final.” (cfr. parecer a fls. 14 e ss do p.a. e ata junta como doc. 4 da p.i.).
8. Em 17.05.2013, o Representado do Autor apresentou junto dos serviços da Entidade Demandada reclamação do ato de homologação da sua avaliação de desempenho, dirigida ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de V… (cfr. fls 4 e ss do p.a.).
9. Em 03.06.2013, foi indeferida a reclamação referida em 8, por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de V… com o seguinte conteúdo parcial:
(…)
I - No que respeita ao preenchimento da ficha de avaliação de 2011, e perante as dúvidas e interpretações sobre o seu preenchimento, foi, como consta da ata nº 1/2012 da comissão paritária, (de que se junta extrato com o anexo II relativo ao avaliado aqui reclamante) chamado o senhor avaliador para pessoalmente e na presença de todos os vogais da dita comissão prestar as declarações necessárias para esclarecimento das dúvidas que o seu texto e preenchimento podiam suscitar. Neste contexto e como se pode também extrair da data da reunião da comissão paritária e depois de ouvido o avaliador, foram ultrapassadas todas as dúvidas tendo todos os membros que constituíam a comissão paritária, incluindo os representantes dos trabalhadores, decidido POR UNANIMIDADE propor a manutenção da avaliação atribuída ao final do trabalhador de que o avaliado reclamava, proposta que foi tida em conta e aceite no ato de homologação.” (cfr. despacho a fls. 2 e ss do p.a.).
*
IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“Do invocado vício de falta de fundamentação:
O Autor invoca desde logo que o ato impugnado padece de um vício de forma, por falta de fundamentação, na medida em que os pareceres emitidos são incongruentes quanto à avaliação do parâmetro “competências”, pois apontam no sentido da respetiva demonstração a um nível elevado.
Segundo sustenta, o avaliador do Representado do Autor afirmou que este “demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação”, o que revela uma incongruência na fundamentação da avaliação.
Em sentido contrário, a Entidade Demandada invoca que a avaliação de desempenho foi devida e legalmente efetuada e encontra-se corretamente fundamentada, tendo a comissão paritária chamado o avaliador a pronunciar-se sobre o sentido da sua proposta de avaliação.
Vejamos então se procede o vício invocado, principiando por uma breve resenha das normas legais aplicáveis.
(...)
Decorre ainda expressamente do art. 56.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 66-B/2007, que o avaliador deve, entre outros, “Fundamentar as avaliações de Desempenho relevante e Desempenho inadequado, para os efeitos previstos na presente lei”, como é o caso da avaliação impugnada nos autos.
Ao que acresce que o ato impugnado consiste, não no ato de avaliação, mas sim numa decisão sobre a reclamação apresentada, proferida ao abrigo do art. 72.º, n.º 2, da Lei n.º 66-B/2007.
(...)
Assente que está que o ato aqui impugnado carece de ser fundamentado, cumpre analisar se a respetiva fundamentação é ou não suficiente.
(...)
Vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência dos tribunais superiores que a fundamentação deve ser considerada suficiente quando permita ao respetivo destinatário perceber o raciocínio empreendido e as motivações perseguidas pelo autor do ato.
(...)
Assim, para aplicar os referidos ensinamentos jurisprudenciais ao caso concreto, há que aferir se foi possível ao Representado do Autor, destinatário do ato de avaliação, aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo efetuado pelo órgão com poderes de avaliação, por tal forma que possam considerar-se cumpridas as três funções do dever de fundamentação, nos termos que vêm expostos: a de habilitar o interessado a optar pela impugnação do ato, a de assegurar uma ponderação das decisões e a de permitir um controlo judicial eficaz.
A este respeito, refira-se ainda que não é despiciendo o facto de estar em causa um ato de avaliação de desempenho, que se traduz num exercício de um poder eminentemente discricionário por parte da Entidade Demandada, a efetuar com recurso a valorações próprias da atividade administrativa.
Ora, tal circunstância implica um dever acrescido de fundamentação.
(...)
Cumpre então analisar a suficiência da fundamentação do ato à luz da jurisprudência citada, descendo aos factos concretos.
Conforme resulta do probatório, o despacho que vem impugnado consiste no ato que indeferiu a reclamação apresentada pelo Representado do Autor, ao abrigo do art. 72.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2007 (cfr. pontos 8 e 9 do probatório).
Para efeitos de se aferir da suficiência da fundamentação do ato de avaliação, cumpre ter presente, quer a fundamentação da avaliação propriamente dita, quer o parecer da comissão paritária, quer a fundamentação da decisão sobre a reclamação, que por sua vez remete para aqueles atos (cfr. pontos 2, 7 e 9 do probatório).
Na avaliação relativa ao ano de 2011, o avaliador propôs a atribuição ao Representado do Autor de uma avaliação de “Desempenho Relevante”, em que lhe atribuiu a pontuação de 5 em todos os objetivos do parâmetro “Resultados” e a pontuação de 3 em todas as competências escolhidas do parâmetro “Competências” (cfr. ponto 2 do probatório).
A fundamentação genérica da menção de Desempenho Relevante para tais competências consiste apenas no seguinte:
“Na generalidade o trabalhador em causa superou os objetivos colocados, assim demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação. No entanto, da análise da autoavaliação, os seus comentários denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação.” (cfr. ponto 4 do probatório).
De tal fundamentação efetivamente decorre uma contradição entre a fundamentação e o sentido do ato. Na verdade, se o avaliador expõe que o Representado do Autor “demonstrou com nível superior as competências escolhidas”, não se compreende a atribuição de uma pontuação de 3, correspondente a “competência demonstrada” (cfr. ponto 2 do probatório).
Uma tal contradição seria, por si só, suscetível de inquinar o ato de um vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 125.º, n.º 2, do CPA.
Não obstante, pelo Representado do Autor foi solicitado parecer à Comissão Paritária, nos termos previstos no art. 70.º da Lei n.º 66-B/2007, tendo esta Comissão sido confrontada com o facto de a fundamentação do ato de avaliação referir que o avaliado tem competências a um “nível superior”, o que no entender do Representado do Autor corresponde à pontuação de 5 (cfr. ponto 6 do probatório).
A Comissão solicitou então esclarecimentos ao avaliador, que deveria esclarecer o verdadeiro sentido do texto por si escrito. Segundo resulta do parecer da Comissão, “foi chamado o avaliador para esclarecimentos dos termos usados na ficha de avaliação, onde expressamente faz constar a expressão "nível superior", tendo este comparecido e afirmado que pretendia referir-se de forma geral, à avaliação no seu todo e não à avaliação do parâmetro "competências", acrescentando que "no todo" (na generalidade) considera o desempenho relevante, tal como decorre da avaliação que atribuiu ao avaliado.” (cfr. ponto 7 do probatório).
Da resposta do avaliador, proferida em sede de análise da Comissão Paritária, retira-se uma correção ou esclarecimento daquilo que havia sido dito em sede de avaliação, no sentido de que o nível superior não se referia ao parâmetro das “competências”, mas antes à avaliação em termos globais.
Ora, é admissível a existência de uma correção ou esclarecimento, a título de fundamentação complementar de um determinado ato, no âmbito do mesmo procedimento administrativo.
Contudo, a verdade é que, mesmo considerando o esclarecimento prestado, o Representado do Autor não sabe por que motivo lhe foi atribuída a pontuação de 3 ao nível da avaliação das competências, ainda que se tenha dirigido à Comissão Paritária e ao dirigente máximo da Entidade Demandada, reclamando da pontuação que lhe foi atribuída neste parâmetro.
Ora, se de lado nenhum do procedimento se retiram os fundamentos que subjazeram à análise das competências, então não pode afirmar-se que o destinatário da avaliação esteja em posição de perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do ato, ou seja, os fundamentos do indeferimento da reclamação por si apresentada.
Por outro lado, também fica assim prejudicada a sindicância do ato em juízo, uma vez que, perante a insuficiência de fundamentação, o tribunal não pode sequer aferir se ocorreu ou não um erro grosseiro ou manifesto na avaliação efetuada.
Se assim é, ao abrigo do art. 124.º, do CPA, deve proceder o vício de falta de fundamentação que vem invocado pelo Autor.
Do invocado vício de violação de lei:
O Autor invoca ainda que o ato impugnado padece de um vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça, da transparência e da imparcialidade, consagrados no art. 5.º, al. d) da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro.
Segundo sustenta, a pontuação que obteve quanto às competências escolhidas é desde logo incongruente com a avaliação do parâmetro dos Objetivos, uma vez que não se compreende como pode o representado do Autor superar todos os objetivos fixados sem ter demonstrado competências a um nível elevado.
Sucede porém, que, por não ser possível descortinar as razões de facto que ditaram o sentido do ato praticado pela Administração, face à procedência do vício de falta de fundamentação, que, como vimos, compromete a sindicância do ato em juízo, o tribunal fica impedido de aferir a legalidade do ato (veja-se, neste sentido, o Ac. do STA de 27.01.2016, proc. n.º 0324/15, disponível em www.dgsi.pt).”
Vejamos:
Estamos em presença de um processo de avaliação regulado pelo SIADAP no qual a Fundamentação constitui um pressuposto essencial.
Com efeito, impõe-se à administração o dever, com consagração Constitucional (Artº 268º nº 3 da CRP) e na lei ordinária (Artº 153º CPA), de fundamentação dos Atos Administrativos.
Visa-se, com esta obrigação, a defesa do interesse público, facilitar o controlo da legalidade do ato de impugnação, nomeadamente por via contenciosa, e o controlo hierárquico dos atos dos subalternos.
Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato” – Cf. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho, in Código do Procedimento Administrativo.
É assente que os juízos conclusivos, sem concretização no domínio dos factos que lhes serviu de base, são insuficientes para uma adequada e suficiente fundamentação, inviabilizando que o interessado possa alcançar o iter cognoscitivo que levou àquela decisão.
Não são adequados a uma fundamentação suficiente, juízos conclusivos que sempre careceriam de mais e melhor justificação, explicativa das razões que lhes estejam subjacentes.
Um processo avaliativo, nomeadamente no âmbito do SIADAP não se satisfaz com uma mera referenciação conclusiva e definitiva dos parâmetros atribuídos, sem que se possa percecionar a razão pela qual foi atribuída uma classificação e não qualquer outra, o que determina a verificação de vicio de falta de fundamentação gerador de anulabilidade do procedimento.
Em concreto, suscita o Município Recorrente que não terá incorrido no procedimento avaliativo em apreciação a qualquer erro, nomeadamente grosseiro, mais entendendo que se terá limitado a cumprir escrupulosamente o regime legal vigente, mormente fundamentando adequada e suficientemente cada um dos atos que foi proferindo, inclusivamente aquando da prática do ato homologatório da avaliação de desempenho do trabalhador aqui representado, face ao ano de 2011.
Mais entende o Município que se terá cingido a cumprir os referidos desígnios legais, tendo fundamentado, mormente, a atribuição ao avaliado da pontuação de 3 em todas as competências escolhidas no parâmetro “Competências”, assente na circunstância de ter considerado que “Na generalidade o trabalhador em causa superou os objetivos colocados, assim demonstrou com nível superior as competências escolhidas no início da avaliação. No entanto, da análise da autoavaliação, os seus comentários denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação”, porquanto, em sede de audição perante a comissão paritária, teve a oportunidade de esclarecer que “relativamente à expressão “nível superior”, (…) “pretendia referir-se de forma geral, á avaliação no seu todo e não à avaliação do parâmetro “competências, acrescentando que “no todo” (na generalidade) considera o desempenho relevante, tal como decorre da avaliação que atribui ao avaliado”.
Mais refere o Município em sede de alegações de Recurso que “a avaliação final de desempenho relevante conferida pelo avaliador não foi mantida por motivos a si alheios e que decorreram da posição tomada pelo Conselho Coordenador de Avaliação…”.
Refira-se desde logo que se não acompanha o referido entendimento do Município, até por não se lhe reconhecer qualquer respaldo na factualidade disponível.
Efetivamente, e como resulta da decisão recorrida, não se alcança a razão pela qual foi atribuída ao representado do Recorrido a pontuação de 3 no parâmetro competências, no seguimento da afirmação de acordo com a qual o trabalhador avaliado tinha demonstrado “nível superior nas competências escolhidas no início da avaliação”, ainda que ulteriormente tenha vindo esclarecer que singelamente se referira “à avaliação no seu todo”, sendo que em momento algum da referida avaliação excluiu o parâmetro competências.
Surpreendentemente vem o Município justificar a pontuação 3 atribuída ao parâmetro das competências do trabalhador, também no facto do mesmo na autoavaliação ter introduzido “comentários (que) denotam ego em exagero e desconhecimento da legislação”.
Se é certo que o eventual “ego exagerado” não é suscetível de determinar uma penalização avaliativa, até pela ausência de qualquer parâmetro que o preveja ou pondere, já quanto ao invocado desconhecimento da legislação, tal necessariamente teria de ser adequada e suficientemente demonstrado, que não pela mera referenciação conclusiva.
Invoca ainda o Recorrente/Município que a avaliação final do trabalhador não foi mantida por motivos alheios ao avaliador, descartando-se assim surpreendentemente de uma responsabilidade que independentemente das vicissitudes processuais e procedimentais, a final, não pode deixar de ser sua.
Assim, sendo certo que não resultam explícitos, nem se alcançam os pressupostos que determinaram a classificação atribuída no parâmetro objeto de Recurso, não se reconhecem razões para divergir da decisão proferida em 1ª instância.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente
Porto, 15 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa